Com grandes poderes... escrita por LeuDantas


Capítulo 1
Capítulo Único.




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Passava da meia noite. Já estava tão desacostumado a usar portas que entrei pela janela do apartamento. Estava exausto e a única coisa que eu queria era deitar na minha cama e dormir por um dia inteiro, então fiz o mínimo barulho possível.

– Peter Parker.

É impressionante como a audição das mulheres é aguçada.

Ela estava com os braços cruzados, encostada na parede. Vestia um roupão roxo. Seus cabelos ruivos estavam presos em um coque bagunçado e uma pequena mecha lhe caia sobre o rosto.

Estava incrivelmente linda, como sempre.

– Oi, meu amor. Não sabia que você estava acordada.

– Vi na televisão que você estava voltando. Na verdade, esse foi meio único meio que eu tive de ter notícias suas durante esse tempo todo, já que eu não recebi um telefonema sequer.

– Me desculpa. Eu não parava de pensar em vocês, juro. Mas as coisas estavam muito complicadas. Tóquio é o pior lugar pra surgir algum maluco querendo destruir tudo, mas é de lá que eles mais saem. Foram uns quatro assim, de vez. Era praticamente impossível controlar a situação num lugar cheio de gente. Mas eu consegui. Ninguém saiu ferido, exceto por um cara que eu atingi com minha teia sem querer. Ele quase ficou cego, mas falei com ele antes de ir e ele já está bem. O nome dele era Hiroshi, ele era super simpático e...

– Peter, chega! – ela me interrompeu – Eu odeio quando você faz isso! Tenta se livrar de um problema falando sem parar! Eu não me importei quando você passou a sair de Nova York pra salvar outros lugares. É isso que você faz. Salvar vidas. E por isso eu me apaixonei por você. Não só por isso, mas foi um ponto importante. Mas eu só queria que você tivesse um pouco de consideração comigo! Nós temos um filho agora! Você não pode simplesmente sumir por três meses e achar razoável que eu só tenha notícias suas pela CNN!

– Mary Jane, eu não estava lá a turismo! Eu não podia simplesmente pedir um segundo ao cara com uma jetpack e um lança-chamas pra eu poder te ligar e dizer que está tudo bem!

– Mas pra jantar com a jornalista bonitona você tinha tempo, né?

Oh oh.

Depois do Maníaco-dos-Braços-Mecânicos e do Cara-do-Lança-Chamas, que preferia ser chamado de Charmanguy, eu finalmente havia derrotado o Cientista Alucinado, mas não antes de ele jogar uma de suas bolas de metal explosivas num prédio em construção. Suspirei aliviado por instantes por não ter ninguém no local e, consequentemente, nenhuma vítima. Porém, vi a viga se desprendendo e caindo em direção à multidão que estava lá embaixo. Todos pareceram perceber e saíram correndo. Ainda assim, fui em direção à barra de metal o mais rápido que pude. Uma pessoa tropeçou e caiu. E por questão de segundos seria esmagada, se eu não tivesse segurado a viga com minha teia a tempo.

Boa, Parker. Zero vítimas em três meses.

Após ter jogado a barra num lugar seguro, fui até a pessoa que havia caído, que agora já estava de pé. Uma moça loira, de olhos cor de mel e extremamente bonita. Reconheci-a de um jornal local de Nova York.

– Muito obrigada! – ela me abraçou e minhas narinas foram invadidas por um perfume extremamente adocidado – Você é simplesmente o melhor herói de todos os tempos!

– Não iria deixar você vir dos EUA pro Japão pra ser atingida por cem quilos de aço.

– Eu vim por sua causa, pra te acompanhar. E ainda por cima tenho o privilégio de ser salva por você. Acho que estou te devendo um jantar.

– Pode me pagar agora, se quiser. Tô morrendo de fome.

– Como você...?

– Você é uma pessoa pública desde que revelou sua identidade. Isso – ela apontou para minha máscara chamuscada em minhas mãos – virou um simples acessório do uniforme. Peter Parker e Homem-Aranha são a mesma pessoa agora. Tudo o que você faz é notícia. E ao que parece, eu fico sabendo ao mesmo tempo de todo o resto do mundo.

– Eu salvei a vida dela, ela só queria me recompensar.

– Eu não estou com ciúmes, Peter. Eu só estou constatando que você teve sim, tempo de me ligar, mandar uma mensagem, um recado ou qualquer coisa que me dissesse que você estava bem. Ou saber se nós estamos bem. Você sabia que a sua tia May foi pro hospital?

– O quê?! O que ela teve? Como ela está?

– Está tudo bem, ela já está em casa. Foi só uma queda de pressão. – ela suspirou – Mas poderia ter acontecido coisa pior, Pete. E você só iria saber agora, porque além de você não me ligar, você não me atendeu.

– Saiam das ruas! Saiam! Agora! – eu gritava o mais alto que conseguia, apesar de não ter certeza de que todos ali entendiam inglês. Mas parecia estar funcionando.

Eu não conhecia Tóquio direito, então estava falhando na minha missão de levar o Cara-do-Lança-Chamas – me recusava a chamá-lo de Charmanguy, uma referência ridícula ao Charmander – pra um lugar mais deserto. Pelo contrário, quanto mais eu me afastava do centro, mais pessoas apareciam. Então resolvi levar a situação pro alto.

– Eu não me importo de que você continue fugindo, Aranha! – ele gritava, logo atrás de mim, com sua voz rouca e cortante – Na verdade estou adorando! Quando mais você corre que nem uma menininha, mais eu espalho meu fogo! Logo Tóquio toda conhecerá o poder do Charmanguy!

– Isso não pode ser sério. De onde você tirou essa frase de ação, de uma revista em quadrinhos de criança? Vamos ver qual o limite de altura dessa sua jetpack, esquentadinho.

Eu subi o mais rápido que pude pelos arranha-céus e ganhei vantagem. Num prédio que pensei ser suficientemente alto, me escondi atrás de uma caixa d’água e tirei a máscara que me fazia suar como um porco, enquanto pensava num jeito de mandar esse lunático de volta pro manicômio de onde ele nunca deveria ter saído.

Então ouvi um toque de celular. E percebi que era o meu, que tocava dentro da minha bota. Peguei-o e li o visor. Número desconhecido. Pus no viva-voz.

– Seja lá quem for, agora é uma péssima hora, eu te ligo mais tarde.

– Achei você, Aranha. – a voz que eu reconheci imediatamente disse do outro lado da linha.

Então foram questões de segundos entre eu assimilar o que havia acontecido e o Cara-do-Lança-Chamas queimar meu celular e minha máscara, que por sorte, estavam na minha mão.

– Fala sério! Era um iPhone! Como diabos você tinha meu número?

– Vi no Facebook e sabe como é, gravei pra se um dia eu precisasse. Agora você está encurralado! Diga suas últimas palavras para o Charmanguy!

Revirei os olhos. Porque os vilões têm que ser sempre tão egocêntricos?

– Sempre preferi o Pikachu. – e lancei minha teia em seu rosto, o que me deu alguns instantes pra correr até ele e finalmente desarmá-lo.

– Eu vou precisar comprar outro celular. Descobri que o meu não é à prova de maníacos que se acham pokémons. E tirar meu número do Facebook.

Mary Jane suspirou e colocou a mecha caída sobre seus olhos atrás da orelha. Eu tinha muita vontade de dizer o quanto ela estava – estava não, era – linda, que eu estava morrendo de saudades e apesar de exausto, eu tinha vontade de beijá-la a noite toda. Mas eu sabia que ela iria brigar comigo, dizendo que eu sempre me safo das situações usando o amor que ela tem por mim.

Bom, não podia dizer que era mentira. Era minha maneira preferida de acabar com uma briga.

– Harry disse suas primeiras palavras. Na verdade, ele não para mais de falar agora.

– Sério? Não acredito que eu perdi isso. Qual a primeira palavra que ele disse?

– Harry. Mas não sei se ele estava dizendo o próprio nome. Foi quando eu estava vendo umas fotos antigas e mostrei a ele uma foto do Harry.

Já faziam quase quatro anos que Harry havia morrido, mas ele estava sempre presente. Nos nossos corações, nas fotos, nas lembranças, no nome do meu filho. Harry Osborn, meu melhor amigo, que deu a vida por mim e que eu não pude salvar.

– Mary Jane, não acho que Harry tenha o reconhecido na foto...

– Pete, Harry já tem três anos. Nós sempre falamos do Osborn perto dele. Ele pode ter demorado muito pra começar a falar, mas não acho que ele disse em vão. Intuição de mãe, sabe?

– Eu preciso vê-lo.

Fui até o quarto de Harry e o encontrei dormindo em seu berço, que agora já parecia pequeno demais. Pensei o quanto ele cresceu nesses três meses que eu passei fora. Ele estava enorme. E lindo. Graças a Deus havia puxado mais a mãe. Os mesmos cabelos ruivos, os mesmos olhos verdes brilhantes... e sem nenhum sangue radioativo correndo pelo corpo.

Mary Jane chegou atrás de mim.

– Meu garotão tá crescendo. – eu disse baixinho pra não acordá-lo, depois de beijá-lo em sua testa.

– E eu tenho medo de que você perca isso, Peter. Eu tenho medo de que você se torne um pai ausente.

– Eu não vou. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. E não estou falando do Homem-Aranha. Estou falando do meu poder de ser pai. Eu admito que pisei na bola em não ter te dado notícias ou procurado saber como vocês estavam. Mas eu não parava de pensar em vocês. E tudo que eu queria era voltar pra casa. Tanto que eu nem esperei o voo normal de Tóquio pra cá e pedi ao Imperador em pessoa um jatinho que me trouxesse pra cá. Então aqui estou eu, exausto, queimado, arrependido e completamente apaixonado por você.

Finalmente um sorriso se abriu em seu rosto lindo.

– Você está fazendo de novo. Está usando meu amor por você pra fazer eu te perdoar.

Aproximei-me dela e abracei sua cintura.

– Sabia que você é mais heroica que eu?

– Eu? Você é o super-herói mais amado da face da Terra.

– Mas eu só salvo as pessoas quando elas precisam.

Pude ver uma expressão confusa em seus olhos, apesar de nossos rostos estarem a centímetros de distância.

– Você, Mary Jane, me salva todos os dias.

E então eu finalmente a beijei, como se minha vida dependesse disso.


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