Entre Estantes escrita por Eliza Santana


Capítulo 1
Baves & Gray


Notas iniciais do capítulo

Olá, como vão vocês?
Está é a minha terceira história postada aqui.
Espero que gostem.
Boa leitura!



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A tarde estava ensolarada e a temperatura amena, condições atípicas de um inverno que costuma ser rigoroso e impiedoso como a ordem na qual estava acostumada a viver, e que a levara a sair de casa neste dia aparentemente belo para muitos, mas sombrio e enevoado em seu interior.

Enquanto duas mulheres andavam alguns passos à sua frente discutindo alegremente os detalhes do baile que iria acontecer dali a duas semanas, ela fitava o chão com as sobrancelhas franzidas. Observar a barra do vestido das mulheres mudar de um tom róseo para um manchado enegrecido, na parte onde arrastavam no chão, parecia mais interessante do que os outros compromissos daquele dia.

“Daria qualquer coisa pela sombra de uma árvore, um livro e uma boa xícara de chá” pensou, melancólica.

— Elissa, ajeite já a postura e tire esta expressão do rosto, está parecendo um menino desleixado — ralhou uma das senhoras.

— Sim mamãe, me desculpe — Disse educadamente. Fora ensinada, desde que se entendia por gente, a repetir cortesias como um passarinho que repete a mesma canção e a obedecer sem questionamentos seus pais e, posteriormente, ao marido. Porém, sua vontade era de gritar uma boa desfeita para todos e ir para longe dali, quem sabe Paris, ou talvez Barcelona.

A menina endireitou a postura e curvou os lábios em um singelo esboço de sorriso. A mãe sorriu, dando dois leves tapinhas no queixo da filha.

— Bem melhor, não acha? Agora você está demonstrando sua imponência, os olhares irão recair sobre você, as mulheres irão lhe invejar e querer estar em seu lugar. É assim que deve ser, é e essa a aparência que devemos passar — Disse a outra senhora, séria.

— Sim, mas agora vamos! Já estamos atrasadas e esta é a última prova do vestido, tudo tem que estar perfeito — A primeira senhora bateu rápida e repetidamente o leque na palma da mão, num gesto de pressa.

As três começaram a andar em passos largos e seguiram nesse ritmo por mais alguns quarteirões. Em poucos minutos se encontravam na fachada da loja e tão logo adentraram o local, que era ornamentado com as mais diversas poltronas de veludo vermelho e vários manequins que trajavam os mais variados modelos de vestidos e ternos, um candelabro de cristais pendia no centro e diversas mesinhas com bandejas sob pilhas de macarons coloridos estavam espalhadas. Sem dúvida, qualquer um que passasse ali, mesmo que do lado de fora, e admirasse a vitrine, entenderia o porquê da fama do atelier. Não havia lugar algum na cidade com tamanho requinte e com trabalho tão detalhado e perfeito. Cada costura, cada miçanga gritava que ali era o local da alta sociedade, que você não acharia nada menos que as melhores sedas e linhos.

— Boa tarde Duquesa Wotton, Madame Laurie, Lady Elissa — uma das ajudantes cumprimentou as três mulheres conforme mandava o decoro. — Ethel já lhes aguarda, por favor, venham comigo.

As três seguiram a jovem por um corredor longo revestido de carpete carmesim com padronagem de flores douradas e paredes cor de pêssego, havia mais manequins com modelos de vestidos mais simples, mas ainda sim suntuosos e entre eles quadros pintados a óleo. Pela extravagancia do lugar, Elissa logo entendeu porque o atelier era tão requisitado pela alta roda e alcançara fama e prestígio rapidamente.

— Boa tarde — disse educadamente uma mulher esguia e de cabelos curtos e loiros. — Estava ansiosa aguardando a chegada de vocês.

— Boa tarde Sra. Williams, é um prazer revê-la — Respondeu a menina educadamente com um leve aceno de cabeça, e muito incomodada com a necessidade de tanta pose e etiquetas. Gostaria que sua mãe fosse mais tolerante naquele ponto.

— Igualmente, milady. Terminei de costurar os últimos cristais na manga e bordei a padronagem do corpete em fios de ouro — Explicava a mulher enquanto ela buscava um manequim sem vestimenta e logo em seguida uma caixa de papelão de cor creme, trazendo tudo para perto de um pequeno tablado no meio da sala. — Espero que esteja como desejado.

— Com certeza estará, não há profissional que possa fazer melhor é por isso que estamos aqui — Disse a Duquesa abanando-se com o leque e sentando em uma das poltronas. — Elissa, minha querida, você ficará deslumbrante.

— Assim espero. – Respondeu simplesmente forçando um pequeno sorriso amarelo para a mãe.

Ethel abriu a caixa com cuidado e retirou um pedaço de pano de dentro da caixa, que estava sendo usado para proteger o vestido de qualquer possível puxão de fio. Em seguida retirou a enorme e volumosa peça de roupa de dentro da caixa com a ajuda de sua funcionária e a colocou no manequim. Elissa não pode deixar de soltar um arquejo de surpresa: se dissesse que o vestido era feio ou ridículo, seria uma mentira deslavada. Não podia deixar de sorrir verdadeiramente com a linda roupa de seda vermelha à sua frente. A estilista conseguira uma perfeita combinação entre o pedido espalhafatoso de sua mãe e o seu jeito mais reservado, o que não a espantava em nada, pois, se havia alguém naquela sala que a conhecia até a essência era Ethel.

— Venha minha querida, suba no tablado — Disse a mulher, colocando delicadamente a mão nas costas da menina e a guiando até a pequena e elevada superfície. Como quem tivesse adivinhado o que estava pensando, ela sussurrou para que só Elissa escutasse — Gostou? Sabia que não ficaria satisfeita se seguisse à risca o pedido de sua mãe.

A funcionária pôs-se então a ajudá-la em desabotoar e retirar o vestido e, em seguida a vestir a anágua. Por fim retirou-se para o canto da sala enquanto Ethel manuseava habilmente a saia do vestido e a amarrava e abotoava a mesma firmemente na cintura da menina. Elissa ficou tão encantada com o material macio e os relevos da pedraria e fios na saia que precisou que a costureira lhe chamasse em um tom de voz mais elevado para despertá-la do transe.

— Perdoe-me, é que está tão deslumbrante que não consigo parar de admirar — Disse, sem conseguir conter o sorriso em seus lábios.

— Não há porque se desculpar, se o vestido está causando deslumbre é porque realizei meu trabalho com êxito — Declarou a mulher com um grande e verdadeiro sorriso no rosto. Dentre todas as suas clientes, a Lady era quem mais tinha apreço, pois era a única que lhe dava liberdade para criar e ousar em seus modelos, além de que tinha a certeza de que também era a única que dava valor a todo o trabalho que tinha em cada detalhe, que não usava suas obras como mais um dos muitos pedaços de pano que tinham em seus quartos de vestir. E nem poderia, senão reclamaria pessoalmente com a mesma assim que tivesse a oportunidade de fazê-lo.

— Com toda certeza, não vou querer tirá-lo mais do corpo!

— Esplêndido! Agora levante os braços e passe-os pelas mangas, por favor — Ethel levou o corpete acima da altura da cabeça da menina e o puxou para baixo conforme a mesma ia passando seus braços e a cabeça pela vestimenta. Ajeitou as longas mangas e a gola antes de dedicar-se a puxar as amarras deixando-as bem firmes e apertadas.

Rodou então à volta da menina, observando minuciosamente cada bordado, pedraria e costura. Após constatar que tudo estava bem firme e não havia falhas, afastou-se para admirar de longe e abrir espaço para que as outras duas mulheres pudessem admirar o vestido no corpo de Elissa.

— Deslumbrante! Digna de atrair todos os olhares do lugar para você durante toda a noite. – Afirmou Madame Laurie.

— Sou capaz de dizer receberá mais atenção que a própria Rainha — Declarou a Duquesa com a sua habitual falta de rédeas na língua.

— Vire-se minha querida, admire seu reflexo e diga-me o que pensa do resultado.

— Não preciso olhar-me no espelho para ter a certeza de que irei gostar — Disse enquanto rodava entorno de seu próprio eixo. Não pode conter outro arquejo por deleite e um sorriso ainda maior ao observar seu reflexo. Se sua mãe gostava de vê-la com a aparência imponente, definitivamente ela a exalava naquele momento sem o mínimo de esforço para tal dentro daquele vestido. Não pôde deixar de pensar em como ficaria quando estivesse penteada e devidamente arrumada — Não disse? Deslumbrante como quando trajei qualquer outro de seus perfeitos vestidos.

— Assim irá me deixar ou acanhada ou com o ego inflado — Riu a costureira ao se aproximar de Elissa e começar a soltar as amarras do vestido.

Após Elissa, sua mãe provou o seu vestido e em seguida sua tia. Satisfeitas com os resultados, as mulheres se dirigiram à saída após acertarem os negócios.

— Mandarei nosso mordomo vir buscar os vestidos ao início da tarde, muito obrigada por todo o seu maravilhoso serviço Ethel — Agradeceu a Duquesa. — Desejo-lhe mais sucesso ainda, agora que tem esse atelier.

— Eu que agradeço por continuarem a confiar em minhas mãos – Disse com um delicado aceno de cabeça.

As duas senhoras se retiraram do local, porém Elissa permaneceu em seu lugar.

— Ethel, muito obrigada. Suas criações são divinas! E você sempre me apoia e me ajuda a enfrentar o gosto duvidoso de minha mãe nessas horas! Onde poderei achar amiga melhor? Creio que não exista.

Ambas riram e se abraçaram brevemente.

— Você sempre poderá contar comigo para qualquer coisa, sabe disto – Apertou levemente as mãos da amiga nas suas e soltou em seguida. — Agora vá! Vá antes que a Duquesa comece a gritar com você ou crie uma de suas famosas cenas, creio que não é de sua vontade ver uma manchete do pequeno escândalo nos jornais de amanhã, principalmente às vésperas do anúncio de seu noivado.

— Escândalos são a última coisa que desejo! Oh céus! Mas acredito que não poderei fugir do burburinho quando esta noite chegar. Pelo menos terei você lá em silêncio para me ajudar a fugir de todos aqueles apertos de mãos e acenos. Por favor, use um vestido chamativo para que possa lhe encontrar com facilidade!

— Estarei com o mais belo dos vestidos, claro que não a altura da Futura Duquesa de Cambridge — Disse ao mesmo tempo em que faziam uma reverência exagerada. Ambas caíram em gargalhadas.

Até mais ver, Ethel.

Elissa se retirou da loja e encontrou a mãe e a tia em uma loja um pouco mais à frente do outro lado da rua, olhando tecidos. Ao se aproximar, sua mãe lhe lançou um olhar repreensivo.

— Porque demorou tanto? Temos diversos compromissos hoje! E caso queira ser comentada nas colunas sociais de amanhã com especulações sobre seu noivado é melhor que realize todos!

— Mamãe, a senhora sabe que a última coisa que desejo é ser notícia em um jornal qualquer. Não me interesso por qual tecido irá escolher nessa loja para serem usados como toalhas de mesa e tampouco com qual conjunto de porcelana chinesa comprará na próxima loja para servir o chá.

— Elissa, não seja tão insolente. Você é uma Lady e futura duquesa, precisa se portar como tal e realizar tarefas como manda sua posição mesmo que não estas sejam de seu agrado — Disse Madame Laurie solenemente, enquanto observava com cuidado a estampa de um tecido qualquer.

— Perdoem-me, porém não é de meu agrado participar dessas atividades no momento, me sinto demasiado cansada para continuar andando de loja em loja. Deixo a responsabilidade dos preparativos em suas mãos, sei que farão um bom trabalho e creio que soará delicado e carinhoso aos ouvidos da imprensa quando declarar que o baile foi completamente planejado em segredo, para que minha surpresa e deleite fossem completos. Agora se me derem licença irei para a biblioteca, encontro-as na confeitaria ao fim da tarde para o chá das cinco.

Ao terminar de falar, Elissa se virou e atravessou a rua sem esperar uma resposta das duas senhoras. Sorriu ao ouvir o som dos resmungos inconformados de sua mãe ao longe. Caminhou lentamente observando a movimentação ao seu redor. Sentia-se livre quando dispunha desses momentos sozinha, sem ter que manter posturas. Era como se ela fosse uma pessoa comum que estava numa manhã de compras, indo trabalhar ou somente indo à feira para passar o tempo. Podia esquecer que era integrante da realeza britânica e futura Duquesa de Cambridge, quem sabe até rainha.

Quando se deu por conta, estava na frente de uma pequena loja de livros, velha e decrépita. Não a notaria se estivesse focada em seu destino original ou mesmo que estivesse observando tudo a sua volta esta passaria despercebida. Em um letreiro de madeira, havia uma placa antiga já bem apagada onde se lia “Livraria Baves & Gray”.


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Notas finais do capítulo

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Beijos ;*



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