Na primeira vez em que Master se encontrou naquele desconhecido cômodo branco, ele pensou que estivesse no Inferno — então é isso que acontece quando se recusa a regeneração?, indagara. No centro do quarto havia um homem ruivo em pé, que aparentava estar esperando-o há muito tempo. Master lembra-se de rir do nome do estranho — "Thoms Cordit" —, e de atravessar uma porta prateada ao ser informado de que assim ele poderia ver o Doctor novamente.

— Você ainda está aqui? — o Senhor do Tempo ergueu uma sobrancelha, camuflando a surpresa pela repentina mudança de cenário. Ele não sabia como tinha viajado até o local, tudo acontecera em um piscar de olhos — num instante ele estava lutando contra Rassilon; noutro, estava de volta à sala pálida.

— A partir de agora todas as suas regenerações o trarão a este local. — Thoms justificou-se de forma sucinta.

— O que é isso, uma espécie de monitoração de regenerações? — Master franziu o cenho. — O que você é?

— Eu sou uma incógnita. — o sorriso do homem era inexpressivo. — Não me questione, pois você não conseguirá resposta alguma.

— Você não espera que eu simplesmente concorde com seus termos e faça o que você quiser. — observou ele, não se sentindo intimidado pelo tom arrogante do estranho. — O que você tem a me oferecer?

— O Doctor.

Para Master aquilo era incentivo suficiente:

— Quando nós começamos, sr. Thoms Cordit?

A fisionomia do homem mostrava-se vitoriosa:

— Nós começamos... — viu as horas no seu relógio de pulso por um breve momento, parecendo cronometrar algo. — Agora.

No exato segundo, o corpo de Master explodiu em energia dourada, consumindo-o. Não havia surpresa no rosto de Thoms.

— Como eu estou? — o recém-regenerado Senhor do Tempo deu meia-volta, exibindo-se. — Dessa vez eu sou uma garota! — exclamou, tocando o volume inusitado presente no seu busto. — Não se refira mais a mim no masculino porque não é assim que se deve tratar uma dama. — Master deu um sorriso malicioso. — Agora eu sou Mistress, Missy para íntimos. — deu uma piscadela. — Vamos tratar de negócios: o que você quer de mim, querido?

Thoms mostrou-se satisfeito com a solicitude de sua aliada:

— Um exército de cybermen.

* * *

— Eu estou cansada disso. — estas foram as primeiras palavras de Missy ao reaparecer no cômodo branco.

— Ele a rejeitou.

— Sim! — reclamou com tal tom infantil que Thoms pensou que ela fosse bater o pé feito uma criança mimada. — Eu criei aquele exército com sangue, suor e trabalho árduo, e o Doctor deixou um humano qualquer — o namoradinho da amiguinha dele — destruí-lo sem nem sequer considerar a minha oferta!

— Nós devemos adotar uma posição mais extrema. — comentou o homem, pensativo. — E se você provocasse uma invasão de Daleks na Terra? Então ele teria de usar o exército; não haveria outra opção.

— Eu acho que você não me entendeu, amor. — Missy acariciou o rosto de Thoms de forma debochada. — Não haverá uma próxima vez. Eu conheço o Doctor há muito tempo, e posso garantir-lhe uma coisa: ele é extremamente teimoso. Ninguém é capaz de convencê-lo de algo, nem mesmo eu. — suspirou com pesar.

— A grande Mistress está desistindo? — o homem soou desafiador.

— Claro que não. — ela revirou os olhos, quase se sentindo insultada pela pergunta. — Eu não farei mais o que você diz, apenas isso. — deu de ombros.

— Você tem consciência de que eu controlo quem entra e sai daqui? — e lá estava ela de volta, a indelicadeza tão natural de Thoms.

Missy bufou, não levando a sério a ameaça:

— Sério, chantagem? Eu esperava mais de você. — ela tentou machucar o ego do homem. — Não há argumento que me faça mudar de ideia. Eu enfrentei os Senhores do Tempo e impedi a volta de Gallifrey a troco de quê? Você não tem noção de como eu me senti. — baixou a cabeça, não querendo que Thoms visse as emoções estampadas em seu rosto.

— Na verdade eu tenho. — sussurrou o ruivo, e era praticamente tangível a honestidade presente em sua voz.

Mistress aproveitou o lapso de sinceridade de Thoms para pô-lo contra a parede:

— Você tem escondido certas informações vitais... — começou a cercar Thoms com a clara intenção de intimidá-lo. — Quem é você? — ela perguntou ao parar na sua frente, fitando-o com seus penetrantes olhos azuis.

— Thoms Cordit. — ele respondeu prontamente, o que resultou em um estalar de língua desaprovador:

— Resposta incorreta. — disse Missy, entretando continuou seu questionário: — Qual é o seu objetivo?

— Tornar o Doctor um guerreiro, como eu lhe disse quando mostrei o plano de tornar todos os humanos iguais a você. Isso deveria irritá-lo e fazê-lo usar armas para defender a Terra. — falou pausadamente, escolhendo cada palavra com cuidado. — Porém isso não deu certo, como se pode notar. — gesticulou para a regeneração do Master, agora Mistress.

A mulher estreitou os olhos ao ouvir isso, notando algo novo:

— Você é do futuro. — concluiu, transparecendo um misto de surpresa e entusiasmo. Diante do silêncio de Thoms, continuou: — Você é capaz de viajar por tempo e espaço. — avançou um passo, invadindo o espaço pessoal do homem para pousar sua mão sobre o peito alheio. — Um. Dois. Três. Quatro. — Missy contou, maravilhada. — Você é um Senhor do Tempo.

Percebendo o silêncio do ruivo, ela ergueu uma sobrancelha:

— Quem é você? — insistiu novamente. — Não seja covarde. — franziu a testa em expectativa.

— Thoms Cordit. — ele não hesitou em repetir sua resposta. No entanto, acrescentou: — Você sempre gostou de anagramas, decifre este. — sugeriu.

— Pois bem. — Missy franziu os lábios, concentrando-se em analisar em diferentes ângulos as letras que compunham os dois nomes. Soltou uma risada seca por entre os dentes ao encontrar a resposta. — Inacreditável. — murmurou para si mesma.

— Serei franco, eu pensei que você notaria isso mais cedo. — a expressão do ruivo tornou-se presunçosa. — Não podemos nos dar ao luxo de perder tempo, portanto...

Missy o interrompeu:

— Você realmente acha que eu sairei por aí fazendo o que você ordena, "Doctor Smith"? — desenhou aspas no ar, sobrancelhas franzidas em indignação. — Doctor, se você de fato depende da minha ajuda, então nós ficaremos aqui para sempre. — ela adotou uma postura ameaçadora.

— Não, você não fará isso comigo. — o Senhor do Tempo parecia ter certeza do que falara.

— Sim, eu farei. — a fisionomia de Missy era debochada. — Meu sonho é ficar presa com você em um quarto pelo resto da eternidade. — sorriu maliciosamente.

— Missy, eu... — Doctor tentou contestar, sem paciência para as típicas piadas de Master, porém foi cortado pela mulher mais uma vez:

— Você irá explicar-se agora, caso contrário você não será diferente dos que colocaram esse ritmo infernal na minha mente. — acertou o ponto fraco do outro. — Assim você estará me usando que nem os outros Senhores do Tempo. — alfinetou ainda mais — Portanto, Doctor — pronunciou o termo com desprezo —, honre seu nome e me explique tudo. Agora.

O homem baixou a cabeça, tal movimento cheio de pesar. Inspirou fundo, procurando forças para aceitar o fracasso de seu plano e responder os questionamentos da mulher:

— No futuro, todos os seres mais nocivos do Universo — como os Daleks, o Silêncio, e até mesmo Vashta Nerada — se sentirão ameaçados pela expansão do Império Humano e irão dizimá-lo por completo. Eu preciso ajudá-los. — as palavras foram ditas de forma apressada e enfurecida, porém a voz tornou-se suplicante na última frase. Missy estava indiferente ao desespero reprimido do Doctor:

— Agora eu compreendo. — o seu sorriso era recheado de escárnio. — O bom e velho Doctor, o pacifista que viaja pelo espaço dentro de uma caixa azul, não é suficiente para derrotar tantos inimigos. Você precisa transformar-se em um homem da guerra. Um soldado. — diante do assentir do outro, continuou: — Isso é tudo o que você mais odeia, e tudo o que eu sempre quis para você. Como o destino é irônico, não? — deu uma gargalhada espalhafatosa. — Se você tivesse me ouvido durante todos esses anos, isso nunca aconteceria. — notou, presunçosa.

— Eu não tenho tempo para isso, Missy...

Ela não o deixou terminar de falar:

— Nós temos sim, porque você está com a TARDIS. Na verdade eu aposto que nós estamos nela agora mesmo, afinal, apenas viajando pelo tempo que você seria capaz de conversar com tantas regenerações minhas. — franziu os lábios, pensativa. — Falando nisso, diga-me: você está em qual regeneração?

— Eu perdi a conta. — havia uma nota de rancor na voz do Doctor, porém ele logo tratou de se recompor, virando-se para Missy assim ela poderia ver a honestidade presente em cada traço do seu rosto: — Você pode me ajudar, por favor?

— Como assim? — ela franziu o cenho, esboçando uma confusão dissimulada. — Você está pedindo que eu coloque em prática os seus planos maléficos para ameaçar suas regenerações passadas? Por que você não me perguntou isso antes?! — ilustrou sua felicidade de forma exagerada, curvando-se para segurar a mão direita do Senhor do Tempo em um cumprimento. — Doctor, será um prazer ter a honra de torná-lo um homem de verdade. — Missy fez uma reverência debochada, e direcionou-se à porta prateada com a qual estava tão acostumada agora: — O plano da vez é os Daleks invadirem a Terra, certo? Pode contar comigo, chefe! — bateu continência, e começou a girar a maçaneta.

— Espere. — o homem pediu em uma voz baixa, como se estivesse com vergonha.

— Sim, querido? — ela virou suas costas para a porta aberta, observando a postura tensa do Doctor. Ele só foi capaz de fazer a sua pergunta após evitar o olhar compenetrado de Missy:

— Por que você me deu aquelas coordenadas falsas de Gallifrey? — fechou os olhos com força, como se lutasse contra uma memória ruim. — Você tem consciência do que isso fez comigo? Dar esperanças inexistentes a alguém, isso é algo terrível de se fazer. Por que você mentiu para mim?

A mulher riu em resposta:

— Meu caro amigo, é isso que os vilões fazem.

E ela se foi.

* * *

Quando Mistress foi atacada por um Dalek, ela sabia que dessa vez não havia volta — do local onde ela havia caído no chão, ela era capaz de ver o Doctor lutando com os cybermen contra a invasão, gritando ordens e assumindo o seu papel de Presidente da Terra.

Ela resistiu à regeneração, afinal, seu objetivo havia sido alcançado: Doctor se tornara um homem da guerra — e aquela era uma visão tão bonita... Por que continuar vivendo? Não havia mais motivos para continuar esta vazia existência.

Inspirou fundo, aceitando seu destino — oh, como ela sentia falta de tê-lo ao seu lado nesse momento... Um sussurro fraco escapou de seus lábios:

— Você venceu, Doctor.

E ela se foi.