ApocalipZe escrita por Sr Devaneio


Capítulo 6
Sub-Capítulo 1 - O Ensino Médio dos Mortos parte 1


Notas iniciais do capítulo

Aqui estamos nós em nosso primeiro Sub-Capítulo! o
Mais uma vez, espero que gostem e... divirtam-se! ;)



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Eu já estava no corredor da escola com meu armário aberto diante de mim; eu substituía o livro de química pelo de biologia e o corredor inteiro estava quieto.

Nada das típicas vozes de centenas de adolescentes conversando enquanto os professores passavam matéria no quadro.

Apenas alguns burburinhos vindos das salas mais próximas. Quase cochichos.

Assim que termino de trocar os livros, ouço um som diferente vindo de mais à frente. Da Diretoria. Um barulho bruto e arranhado, como se alguém gritasse ameaçadoramente para outra pessoa com a voz rouca.

O som lembrava o filme ridículo que eu tinha visto, na cena onde a protagonista é mordida por um monstro e começa a gritar incontrolavelmente; um grito desumano e medonho.

O burburinho dos alunos, o som dos pássaros e o do vento nas janelas cessou de imediato.

Em seguida, uma batida suave começou vinda do mesmo lugar que o barulho; era como uma batida no armário de ferro, um baque alto, mas ligeiramente passageiro que foi tornando-se mais forte à medida que os segundos passavam, misturando-se ao som brutal.

Quando estavam altos e terríveis o suficiente, algo surgiu no chão da curva no final do corredor. Uma mão. E então, os gritos.

Gritos apavorados, uma voz masculina. Outra mão surgiu junto com aquela, como se a pessoa estivesse estirada no chão com as mãos para cima. As mãos começaram a se mexer desesperadamente, agitando o pedaço de antebraço que era possível ver àquela distância e que não estava para lá da curva.

E então, subitamente, os gritos e o movimento incontrolável pararam enquanto os sons tenebrosos eram reduzidos a leves ruídos. Agora, era como quando um animal começa a comer sua presa; aquele som repugnante de comer carne crua misturado a algo mais; alguma coisa começou a escorrer pelo chão, debaixo da mão. Estava longe demais para que eu pudesse ver sua cor, mas era escuro e parecia ser espesso.

Eu estava imóvel; não conseguia me mover. Apenas assistia o que quer que estivesse acontecendo. Instantes depois, outro grito desesperado; agora, feminino.

Uma mulher surgiu em meu campo de visão correndo. Ela tentou fazer a “curva” do corredor e adentrar. E teria conseguido, teria vindo em minha direção, se outra mão não tivesse segurado seu pé e a derrubado no chão. A mulher caiu com um baque não muito alto, mas gritou enquanto uma multidão de pessoas avançou gritando – sim, avançou – sobre o corpo já caído da mulher e a cobriu.

Então me dei conta de que o som terrível e animal vinha deles.

Aquilo era demais. Gritei sem pensar duas vezes.

Alguns (os que estavam mais pra fora do bolo humano que aquilo tinha se tornado) se viraram para mim. No momento seguinte, eles dispararam em minha direção.

Quando fui correr, travei. Meu corpo não se mexia.

E cada vez que eles se aproximavam, pude vê-los melhor. Seus olhos e dentes estavam com cores estranhas. A pele estava meio acinzentada demais. Eu queria correr, mas, como se estivessem coladas ao chão, minhas pernas não se mexiam.

Então, quando me dei conta, um deles já estava bem diante de mim. O pânico cresceu, mas eu não podia fazer nada além de vê-lo abrir a boca e pular.

Levanto em um sobressalto, arfando alto.

O professor parou o que quer que estivesse falando para me encarar; meus colegas de classe fizeram o mesmo.

Os que estavam mais perto tinham expressões de quem tinha acabado de levar um susto.

– Senhor Enzo, poderia nos explicar o motivo desta interrupção, digamos... repentina?

Olhei ao meu redor rapidamente. Só um cochilo...

– Ah... Não foi nada, professor... Desculpe.

O professor suspirou, me encarando em seguida.

– Seria ótimo se todos dormissem à noite, para que pudessem se manter acordados durante as aulas. Essa matéria é importante.

Em toda a classe, alguns colegas deixaram escapar risadinhas. Todo mundo havia entendido a direta dele.

– Desculpe professor. Não tive uma boa noite de sono. Não... não vai acontecer de novo.

Na primeira fileira, vi Emi me observando atentamente. Não consegui decifrar sua expressão.

Fiquei vermelho ao encontrar de nossos olhos e desviei o olhar, tentando mudar o rumo da atenção no recinto, afinal a sala inteira estava olhando para mim ao mesmo tempo. Detesto chamar a atenção.

Apesar de assustado, eu ainda podia sentir o cansaço. Ficar estudando até tarde, depois ter uma aula puxada de dança tinha suas desvantagens.

Sonolento, passei a mão no rosto pensando no que fazer e tentando ignorar o incômodo em minhas pernas.

Seria melhor tomar um pouco de água e lavar o rosto. A matéria parecia ser mesmo importante.

Assim que me levantei para falar com o professor, a “excluída” – pelos outros, não por mim (para deixar claro) – levantou-se junto.

***

VANESSA

Ela encarava sua imagem cansada refletida no espelho. Era muito bonita, embora aquele casaco a deixasse “mais gorda” e aquelas olheiras não ajudassem em nada. Seus cabelos loiros estavam presos num rabo de cavalo, que ia até um pouco depois dos ombros, cacheando ligeiramente nas pontas. Seu relógio de pulso marcava 13h55.

Ela deveria voltar para sua última carteira no canto esquerdo da classe. Deveria voltar aos olhares nada muito amistosos, àquelas pessoas estranhas, que por motivo nenhum teriam sua proximidade, apesar de já fazer quase dois meses que ela se transferira para aquela escola.

Sim, ela deveria... Mas não voltou, pois naquele momento a bonita entrou.

Assim que a viu, surpreendeu-se. A bonita olhou para ela, cumprimentou com a cabeça e um sorrisinho discreto enquanto se aproximava da pia ao lado da de Vanessa (esse era o nome da “excluída” – como todos a chamavam).

Emi olhou seu reflexo por um tempo no espelho. Trazia consigo um rímel e uma caixinha de pó compacto.

Olhou novamente para Vanessa e sorriu. Um sorrisinho amigável que fechava seus olhos puxados. Com rímel ou sem rímel, ela era muito linda. Seus cabelos num intenso tom de vermelho vivo caíam pelos ombros, os lábios eram rosados e sempre com ausência de batons com cores fortes demais; a menina trajava o típico uniforme escolar - um casaco azul (um pouco maior que seu número, ela percebeu, pois as mangas cobriam até a metade das mãos e praticamente todo o uniforme, indo até à metade da saia) com o brasão dos dois S cruzados, situado na região esquerda do peito (perto do coração); uma camiseta branca – que não aparecia, devido ao tamanho do casaco – e uma saia verde alface, ambas também com o brasão.

Elas já se conheciam, pois estudavam na mesma classe.

– Oi.

Sem esperar por aquilo, Vanessa deu um pequeno pulo, arregalando os olhos.

Como? A garota mais linda e popular da escola, integrante número dois do Trio estava falando com ela?

Meio boquiaberta, a menina rapidamente se recompôs e respondeu:

– Oi.

– Está bem? – a menina perguntou, ainda sorrindo.

– Estou. E você? – Vanessa respondeu rapidamente.

– Estou muito bem – ainda sorrindo, Emi acenou com a cabeça.

Depois, ela virou-se para o espelho, ergueu as sobrancelhas e passou os dedos indicadores com jeitinho por ambas ao mesmo tempo.

Vanessa piscou. Emi - a bonita - era do tipo que costumava ter seguidoras. Do tipo que não precisava fazer nada para ter a atenção das pessoas, simplesmente tinha. Era seu dom.

– E então, preparada para a semana de provas? – Perguntou Emi.

– Ah, sim. Estudei bastante ontem... – Mentira, Vanessa só tinha feito uma simples revisão. Apesar de não se dar muito bem com as pessoas, o quesito estudo era sua especialidade.

– E você? – a menina perguntou de volta.

– Bem... Eu presto atenção nas revisões... – Emi abriu outro sorriso que novamente fechou seus pequenos olhos.

– Ah, claro – disse fazendo um gesto que parecia com um “já sabia disso”.

Como se Emi - a Bonita - precisasse passar horas na frente dos cadernos e livros. Além de bonitos, os membros do Trio eram muito estudiosos.

Fazia parte dos requisitos para a entrada de alguém no Trio. Inteligência, beleza, popularidade, gentileza para com os outros estudantes e, acima de tudo, as notas do membro não poderiam ser menores que nove pontos. E era esse último quesito que pegava todos os alunos. Ninguém, além do Trio conseguia manter todas as suas notas sempre entre nove e dez; por isso o Trio era praticamente único em quase todas as escolas da cidade.

Um novo método de estudo, eficiente e que vinha trazendo ótimos resultados desde que havia sido implantado pelo Novo Governo, em vista de melhorar a educação do país.

– Ei, posso fazer uma pergunta? – disse Emi, virando-se para Vanessa.

– Hm?

– Uma pergunta. – repetiu.

– Pode. – Respondeu Vanessa, meio desconfiada com tanta atenção e gentileza. Geralmente, as pessoas nem olhavam para ela.

– Certo. Se não for indelicado da minha parte, gostaria de saber por que você fica sempre por aqui? Quero dizer, esta escola é um lugar tão grande, cheio de pessoas e coisas para conhecer... E você fica tão afastada assim. Isso realmente me intriga!

– Bom, eu... Digamos que eu não seja muito sociável.

– Ah... Claro. Desculpe se fui intrometida, não queria invadir sua intimidade ou algo assim... Além do mais, faz parte dos meus deveres assegurar sua segurança e seu bem-estar. Afinal, eu também “tomo conta” de você. – Ela deu uma piscadela divertida no fim da frase.

Dava para ver o porquê de Emi ser tão popular. Mesmo se não fizesse parte do Trio, tinha carisma e charme suficientes.

– Fiquei sabendo... Não tem problema. – Vanessa respondeu tentando não soar grossa, então uma pergunta lhe veio à mente.

Ela sentiu que podia perguntar:

– Mas e você? Por quê vem aqui?

Aquela não era a primeira vez que ambas se encontravam ali. Na maioria das vezes, Vanessa escutava a voz de Emi e suas amiguinhas enquanto estava trancada no box, rabiscando qualquer coisa em seu caderninho de desenhos. Sim, Vanessa às vezes matava alguns minutos de aula e não se sentia nem um pouco mal com isso.

Emi respondeu normalmente:

– Bom... Gosto de vir aqui para poder pensar um pouco melhor. Quero dizer... Tenho muitos colegas nesta escola, então se eu ficar por aí é meio difícil “colocar a cabeça no lugar”, entende? – Vanessa sacudiu bem rapidamente - Às vezes, quando eu preciso “de um tempo de todos” eu me refugio aqui, já que é um dos lugares mais afastados desta escola.

Pelo menos, as duas tinham algo em comum. Mas não necessariamente Vanessa ia ali para “dar um tempo de todos”.

– Ah. Deve ser bem estressante ser um membro do Trio... – ela acrescentou, arrependendo-se no instante seguinte por dar mais assunto à conversa.

Vanessa já podia sentir o cansaço fazer suas pálpebras pesarem. Era cada vez mais difícil manter os olhos abertos após uma noite de treino intenso. Sempre era.

– Bem, é muita responsabilidade. – Emi acrescentou, olhando algo em seu celular caro - Oh, desculpe! O intervalo vai começar, e acabei de lembrar que um aluno da classe parece não estar passando muito bem hoje, então... Tenho que ir.

Além de populares, os integrantes de um Trio são os chefes de classe de suas respectivas turmas. Consequentemente, ao surgir problemas na classe, eles é que resolvem. Só em último caso (e em caso de brigas), a situação iria parar na Coordenação ou Direção da escola.

– Ah, é claro... Tchau, Número Dois. – Lentamente, preparou-se para fazer a tal da reverência, em sinal de respeito a um membro do Trio. Vanessa achava aquilo uma babaquice completa, mas como o país finalmente começou a acelerar seu desenvolvimento naquele governo, ela achava melhor não reclamar de nada. Porém Emi a interrompeu.

– Ora, vamos. Pare com isso! – disse Emi sorrindo e se dirigindo até a porta - Pode me chamar de Emi mesmo. Afinal, -colocou a mão na maçaneta - nem somos tão distantes assim.

Ela deu outra piscadela antes de girar a maçaneta e a porta se abrir.

– A gente se esbarra pela escola. Tchau! – Emi deu um último sorriso antes de ser engolida pela quase total escuridão daquele corredor sinistro.

Vanessa suspirou profundamente.

“Finalmente ela saiu” - pensou. Não que ter a presença “da Número Dois” fosse algo ruim, mas Vanessa estava extremamente cansada.

O treinamento das semanas anteriores tinha absorvido suas energias. Principalmente o do dia anterior, que não ajudou a repô-las nem um pouco. Embora valesse a pena ganhar (Vanessa era muito boa naquele esporte), tudo era sempre bastante exaustivo. Ela precisava ficar sozinha.

Precisava fechar os olhos por um tempo. Por isso, tinha ido para o lugar mais isolado da escola. O banheiro esquerdo do 3º andar.

A voz de Emi ecoava em sua cabeça, repetindo as frases:

“Gosto de vir aqui para poder pensar um pouco melhor. Quero dizer... Tenho muitos colegas aqui, então se eu ficar por aí é meio difícil colocar a cabeça no lugar, entende?”

Vanessa precisaria esquecer a voz por um tempo. Nem que fossem por alguns míseros minutos, ela precisava descansar. Sentiu suas pálpebras se fecharem um pouco. Estava com os olhos quase semicerrados quando se dirigiu até o box mais próximo, abaixou a tampa do vaso sanitário e sentou-se, encostando-se à parede fria que aos poucos foi se aquecendo com o calor de seu corpo.

O ruído da mochila caindo sobre o piso de cerâmica branca foi um som tão macio que parecia estar convidando-a a fechar os olhos.

É claro que Vanessa aceitou o convite.


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