ApocalipZe escrita por Sr Devaneio


Capítulo 25
Desta vez será diferente. Estamos na cidade dos MORTOS! [FINALIZANDO]


Notas iniciais do capítulo

Praticamente quatro meses. É o tempo que sumi com ApocalipZe.
Bem, aconteceu muita coisa. Inclusive o fato de eu ter pensado bastante nos rumos da história.
Decidi que estamos chegando ao fim. Por uma causa e um motivo maiores, a história será abreviada e terminará em no máximo dois capítulos.
Passarei mais detalhes em breve, fiquem tranquilos que vocês saberão de tudo.
No mais, espero que todos estejam bem desde a última vez que nos falamos.
Tenham uma boa leitura e desculpem o sumiço!



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Tudo acontecia muito lentamente.

A cabeça daquela coisa se aproximando, sua boca se abrindo e o desespero crescente em mim.

Eu queria fazer alguma coisa. Eu implorava ao meu corpo que obedecesse aos comandos ensandecidos que meu cérebro não parava de enviar, implorava que minhas pernas, braços, tronco ou qualquer outra parte minha fizesse alguma coisa. Qualquer coisa.

Mas nada acontecia. Eu estava paralisado.

Sabe quando você grava sua voz e coloca o áudio pra reproduzir no modo câmera lenta? Haviam vários sons e vozes se reproduzindo desse jeito, mas eu só conseguia prestar atenção no que era emitido por aquela coisa ao meus pés.

Eu preciso fazer algo.

Eu quero fazer algo.

Eu tenho que fazer algo.

Mas não dá... Droga! Não dá...

Eu... eu...

Um estampido surdo. O som de algo se aproximando em uma velocidade assombrosa. Um buraco na testa da coisa.

Eu vi sua cabeça ser jogada para trás repentinamente, e vi as o sangue jorrar para fora, as gotas indo em diferentes direções.

E no instante seguinte a ameaça era apenas um corpo duas vezes feito cadáver, virado para baixo e tendo uma poça de sangue se formando embaixo de si.

Que. Nojo.!!!

Finalmente minhas pernas responderam, e afastaram-se bruscamente, assim como todo o meu corpo.

— Vamos sair logo daqui! – disse Verônica, abaixando uma pistola e se afastando.

Levantei devagar.

— Você tá legal? – perguntou Matheus, se aproximando para me ajudar.

— S-sim... Vamos sair daqui. – falei ainda tentando processar o que tinha acontecido.

Quando chegamos ao topo, bastou olhar para poucos metros à nossa frente: Enfim o restaurante estava lá.

Era grande e já demonstrava bastante suntuosidade já no lado de fora. Tinha um formato retangular e, com exceção das letras douradas que formavam a palavra “Riollo’s”, era todo pintado de preto. Como uma caixa de sapatos gigante, preta, com um enorme título destacado e portas de ferro.

Um dos restaurantes mais caros de todo o centro-oeste do país.

Eu quase não acreditava. Obviamente, tinha ouvido falar várias e várias vezes no local, mas nunca tinha passado nem perto.Estar ali era estranho. Diferente e de certa forma mais excitante (como tudo estava sendo, na verdade).

Antes de sua abertura, aquele lugar era apenas um centro comercial qualquer. Após a chegada do Riollo’s, todos os estabelecimentos em um raio de um quilômetro valorizou do dia para a noite. Os muitos bares, lojinhas diversas e prédios comerciais comuns, em sua maioria, foram substituídos por outros estabelecimentos de peso no mercado, como joalherias famosas ou lojas de importados de luxo.

Uma das três portasde entrada estava aberta e foi por ela que entramos após fazer uma rápida “limpeza” na entrada, apesar de (surpreendentemente) não haverem muitos deles por ali.

Em meu primeiro passo dentro do estabelecimento de luxo, já senti o piso ficar macio quando o chão de concreto foi substituído pelo carpete negro que forrava todo o espaço. O ar também cheirava diferente, um misto de estofado com bons produtos de limpeza e um leve cheirinho de tempero.

Os mortos que olhara para nós quando entramos haviam sido de cara um “povo selecionado”: os “homens” vestiam ternos bonitos e de aparência cara e as mulheres, vestidos ou conjuntos e joias que sem dúvida custavam mais que uma mensalidade na Souza&Silva.

Limpamos toda a parte interna em pouquíssimo tempo e empilhamos os corpos do lado de fora, a cerca de 20 metros da entrada. Depois improvisamos uma barricada com mesas e cadeiras nas portas fechadas ao deixarmos nossas mochilas espalhadas sobre as mesas mais distantes da entrada.

Quando terminamos, olhei no relógio:

12:43.

Fomos direto escolher quem iria cozinhar.

Thiago foi um dos primeiros a se oferecer/ser escolhido por votação praticamente unânime (apenas Vanessa não se manifestou). Ele havia pedido ajuda para as coisas andarem mais rápido, escolher os melhores ingredientes (desta vez, com certeza os tínhamos!) e “fazer algo decente desta vez”.

— Então, quem pode ajudar o Thiago? – perguntou Emi, claramente se excluindo da lista de voluntários.

— Eu me ofereço! – respondeu Vítor levantando a mão.

Verônica retrocou, dando um tapa com as costas da mão direita no braço erguido de Vítor:

— Sai oferecido! Eu vou. Tenho alguma experiência na cozinha também.

Ninguém se opôs. Obviamenteporquê:

Houve um complô interno, secreto e unânime em todos para que deixássemos os dois sozinhos;

Verônica era responsável e passava confiança, logo

Não haveria risco aparente de nada pegar fogo (sinceramente, não sei se podia dizer o mesmo se o ajudante escolhido fosse Vítor); E por último, mas não menos importante,

Ninguém estava muito a fim de fazer comida (muito menos eu, que mal fritava um ovo).

Todos se sentaram às mesas restantes (que ainda eram muitas) para passar o tempo. Enquanto Thiago e Verônica lavavam as mãos, fui curiar a cozinha e me surpreendi: era enorme!

Havia fogões industriais gigantescos e largos e aquelas estantezinhas que vemos nos filmes que guardam os alimentos e utensílios; bancadas em formato de U que circundavam todo o espaço e pias quase do meu tamanho de tão grandes. E apesar de algumas panelas, utensílios de cozinha, bandejas e vasilhas estarem espalhados pelas bancadas e sobre o fogão, sujas, o chão e as panelas enormes ainda estavam relativamente limpos.

Era uma cozinha que te dava vontade de cozinhar. Ou pelo menos fazer alguma coisa, nem que fosse apenas cortar uma cebola.

Quando ambos terminaram, eu resolvi sair logo antes que Verônica me olhasse com uma cara feia. Ela era incrivelmente fresca então sem dúvidas ia dar um piti sobre eu estar ali e não estar usando avental/touca/luva/uniforme químico, logo, iria contaminar a comida. Apenas tirei uma foto do ambiente (Verônica saiu olhando para a câmera com um olhar 54 por eu ainda estar ali) e saí logo.

Sentei-me com Nathália e Matheus, que conversavam sobre alguma coisa que não dei à mínima, pois enquanto me sentava minha ficha de que estávamos em um lugar relativamente seguro no momento caiu, e eu imediatamente lembrei-me de minha família. Consequentemente, a preocupação voltou.

Tentei uma nova ligação mas de novo, “fora de área ou desligado”.Suspirei frustrado e fiquei observando os lustres bonitos no teto. Apesar de ser meio-dia, ali dentro era escuro devido ao preto no chão e nas paredes, logo havia a necessidade de acendê-los. Também notei que alguém tinha ligado o ar-condicionado, pois quando fui à cozinha o ambiente ainda estava quente.

Observei todo o espaço enquanto Matheus e Nathália conversavam normalmente. Observei o bar que havia logo ao lado, a superfície de granito negro e reluzente que era usada para os clientes fazerem seus pedidos, os bancos logo abaixo dela, os detalhes em vermelho das cadeiras em geral(incluindo as macias onde estávamos sentados). Então fiquei olhando enquanto Vítor puxava conversa com Emi em uma mesa próxima e também vi Vanessa mais afastada de todos, falando ao celular.

Acessei as configurações de wi-fi do meu telefone e vi que o Riollo’s tinha acesso liberado. Não tardei em me conectar ao Facebook para, inutilmente, ver se alguém estava online.

Enviei mensagens no inbox de minha mãe e de vários membros da família além de alguns amigos e postei um recado na minha linha do tempo.

Captei uma movimentação próxima. Matheus e Nathália pararam de falar e, quando levantei o rosto, vi Vanessa de pé em frente à nossa mesa:

— Falei com minha tia. Ela disse que está ajeitando tudo lá em casa para a chegada de todo mundo. Também falou que sabia que conseguiríamos e nos desejou sorte.

— Obrigado. – agradeci sem saber muito bem por quê.

— Beleza – disse Matheus.

Nathália sorriu.

— Vou avisar os outros. – disse Vanessa soando entediada e saindo logo em seguida.

— Ela me parece ser uma boa pessoal, o fundo, no fundo... – falou Nathália.

— Ela me parece fechada. – argumentou Matheus.

— Só?! – Nathália tornou a dizer.

— Sim. Talvez ela se abra mais na frente.

— Espero que sim. Eu gostaria de conversar com ela. Como amigas, ou colegas, no mínimo...

— Claro que gostaria... – pensei um pouco alto.

— Hã?

— Nada. – bufei – Estou entediado, será que tem algo para fazer enquanto esperamos? – mudei de assunto.

Nathália me olhou com uma expressão travessa. Enquanto Matheus respondeu:

— Não.

— Tem. Se tem!

— O que, por exemplo? – perguntou Matheus, encarando-a.

— Você poderia ir falar com Emi, por exemplo. – ela respondeu olhando para mim.

Arqueei uma sobrancelha.

— E por que eu faria isso?

— Porque... você gosta dela. – respondeu ela como se a resposta fosse óbvia.

— Nada a ver. Um dia, talvez. – respondi fechando os olhos e cruzando os braços.

— Ah, vai lá Enzo! Qual é? – começou.

— Está com medo? – incentivou Matheus, entrando na onda.

Pronto!

— Vão começar com isso de novo? – rebati olhado feio para ambos.

Nathália riu.

— Que bonitinho! Você realmente deveria ir lá...

— É. Até porque o Vítor está sendo um fiasco. – completou Matheus olhando para a outra mesa, mais afastada.

Acompanhei seu olhar e vi Vítor tentando conversar com Emi, mas parecia estar mais a entediando. Ela sorria amarelo, claramente sem interesse na conversa sem-noção dele.

— Eu acho que você deveria ir salva-la. Pobre Emi! – falou Nathália.

— Aquele assunto deve estar tão... chato. – disse Matheus.

— Por que não vão vocês, se estão tão preocupados? – rebati.

— Porque essa seria a oportunidade perfeita para você puxar assunto. Ainda ia ganhar pontos extra pelo fato de estar livrando-a de uma conversa com Vítor. – respondeu Matheus prontamente.

Era um bom argumento. Mas não.

Porém, se eu dissesse que não queria completamente, estaria mentindo. Uma parte de mim estava realmente doida para ir até lá e tirar Vítor (e seus assuntos chatos) de cena.

Enquanto cogitava a hipótese de ir e, ao mesmo tempo, a de ficar, ouvi um quase inaudível clique. Nesse momento, lembrei-me de que a câmera estava programada para disparar sozinha a cada 30 segundos.

A partir daí, meu tempo foi completamente dedicado à verificação das fotos que eu tinha até então. Cerca de quinhentas, sendo que a maioria saiu embaçada ou fora de foco.

Quando dei por mim, Verônica e Thiago estavam finalmente nos chamando para almoçar.

Essa coisa de fome é engraçada. Em um momento, no auge dela, parecemos ser capazes de devorar um boi. Porém, após um um prato de arroz com legumes, mal conseguimos ver comida...

Depois que todo mundo almoçou, fizemos uma pausa (onde tomamos sorvete, já que Vanessa encontrou uma máquina meio escondida) e nos preparamos para seguir viagem. Novamente saímos pelos fundos.

Eu já não aguentava mais ter que fugir desses bichos. Estava tão enjoado que, não fosse a quantidade absurda na qual eles apareciam, eu teria saído correndo e gritando de frustração e raiva, como um louco, em linha reta.

Quando dei por mim, estávamos em frente a uma estação de bicicletas movidas à energia elétrica.

— As bicicletas do Naciobanco?! – exclamou Nathália.

— Lembrei que existe uma estação perto do restaurante. Vão nos economizar uma boa caminhada. – disse Emi, aparentemente satisfeita.

Aquela invenção era de um banco local, um incentivo a “uma vida mais saudável fora dos carros” ou algo assim.

A estação consistia em um aparelho longo, horizontal e tecnológico, semelhante a um ferro, na qual as bicicletas ficavam plugadas. Para usufruir do serviço, era necessário ter uma conta no banco, obviamente, e uma senha. Daí bastava acessar o aplicativo, inserir o login e senha e ele iria identificar a área onde o usuário está para desbloquear uma bicicleta disponível.

Minha sorte era que eu sabia o acesso dos meus pais.

— Alguém não possui acesso às bicicletas? – perguntou Emi.

Ninguém negou.

— Perfeito.

— Ah... só temos um problema... – começou Thiago e fez um sinal indicando as bicicletas – não tem para todo mundo.

De fato, haviam somente cinco bicicletas disponíveis nos plugs e nós estávamos em oito.

— Os três que sobrarem poderão ir com outros até acharmos outra estação. – sugeriu Vanessa, após ninguém dizer nada, indo em direção a uma bicicleta com o celular em mãos.

— Boa ideia. Porém quem vai ficar sem? – perguntou Matheus...

Comecei a andar bem sorrateiramente na mais próxima. Acessei o aplicativo e inseri meu login e senha.

O bipe indicou que o aparelho estava liberado.

— Pessoal, antes de decidirmos isso, devemos traçar uma rota. – disse Verônica, me interrompendo e com o celular em mãos – Pensem bem: seria suicídio ir pela Esplanada. O caos de ontem deve tê-la congestionado inteira. Fora o tempo que perderíamos atravessando inutilmente todo aquele caminho – fez uma pausa breve, analisando nossas expressões – isso tudo, claro, supondo que conseguiríamos ao menos chegar aos Ministérios vivos, inteiros e sem nenhuma baixa.

Não tinha parado para pensar nisso. Verônica estava sendo genialmente realista e tinha toda razão.

— Bem pensado... nesse caso, o que faremos? – perguntou Emi.

Verônica começou a mexer no celular enquanto explicava:

— Eu sugiro que passemos por trás de tudo. Vamos por essas ruas menores e alternativas até a JK e lá pensamos no que fazer. Não vai nos garantir 100% de segurança, mas... – ela tornou a olhar para Emi e mostrou a tela de seu celular, que tinha o Google Maps acessado e mostrava uma rota em azul – estaremos mais seguros, de certa forma, e bem provavelmente teremos uma quantidade absurdamente menor deles pelo caminho.

Emi analisou a rota estabelecida e sugerida. Em seguida passou o celular para Matheus antes de falar:

— Eu concordo. Quantos a favor e quantos contra?

— Apoio. – disse Matheus, passando o celular a Nathália.

— Eu também, disse a garota, passando o celular a Vítor.

E assim, o celular foi passado de mão em mão até retornar à sua dona.

Todos concordaram em seguir pela rota sugerida. Era, de fato, claramente mais promissora.

— Nathália pode vir comigo, se ela quiser... – falou Matheus.

— E o Thiago vem comigo. – disse Verônica.

— Vou?

— Vai. – respondeu, puxando-o pela mão em direção a uma bicicleta disponível.

— Falta um... – disse Emi.

— Ei, Enzo, você poderia me deixar ir nessa daí e ir com a Emi. – disse Vítor.

Gelei.

— O QUÊ?

— Uia, calma rapaz! Foi só uma sugestão...

— E por quê eu deveria te deixar ir sozinho? – perguntei, ignorando os olhares de todos (o de Emi, principalmente) e ignorando a sensação de exposição que me acometeu.

— Porque você é camarada, ora. Camarada que é camarada faz isso!

— Isso não pode nem ser chamado de argumento, Vítor... – respondi revirando os olhos.

— O.k., vamos resolver isso. Vítor vá com a minha – Emi estendeu a bicicleta até o garotinho – tem problema se eu for com você, Enzo? – olhou para mim.

Não lembro o que respondi. Só sei que quando me dei conta, estava sentado na bicicleta com Emi sentada à minha frente e eu tentava não tremer demais.

— Está nervoso? – ela perguntou virando-se para mim.

— U-um p-pouco...

Ela sorriu com tranquilidade:

— Não se preocupe, não há o que temer. Vai dar tudo certo. Estamos todos juntos, o.k.?

Acho que assenti.

— Certo, não vamos cair... – falei sem saber muito por quê.

— Enzo, o orgulho de um homem é diretamente proporcional à sua autoconfiança. Tenha mais fé em si mesmo. – rebateu.

“A-há! Eis o motivo de o Enzo ter a autoconfiança de uma laranja!

— Calada.”

Enzo. Ela me chamou pelo nome.

— Nós confiamos em você. Todos nós. Só falta você confiar mais em si mesmo. – ela me disse uma última vez, antes de se voltar para frente e dizer aos outros – Atenção! Vamos nos lembrar que as bicicletas têm um limite de uma hora de uso ininterrupto antes de descarregarem. Precisaremos cobrir a maior distância possível para chegarmos lá até o anoitecer. Então, força nessas pernas e lembrem-se: ninguém pode ficar para trás.

Aquelas palavras me encorajaram. Não só estaríamos como já estávamos todos juntos.

Sim, eu ia conseguir!

Talvez aquela confiança, aquela determinação feroz fosse o que mais me encantava em Emi.

Talvez fosse tudo aquilo ser parte de uma pessoa que eu sabia que era incrível.

Emi não era só bonita e popular; era responsável e  determinada. Era uma verdadeira líder, e merecia o título.

Então era isso. Quando todos começaram a se afastar devagar eu pisei com confiança no pedal e prometi a mim mesmo que chegaríamos sãos e salvos até a casa de Vanessa.

Todos nós merecíamos isso.

*

Seguindo os prints de Verônica, descemos algumas poucas ruas até entrarmos na S2 Sul; De lá, desviamos para o Setor de Embaixadas onde passamos pela Embaixada dos EUA no Brasil e atrás das embaixadas da França, Reino dos Países Baixos e da África do Sul. Seguimos o balão perto da Embaixada da Austrália (que foi a última), indo reto pela rua; passamos por uma pizzaria famosa, até virarmos em outro balão, cuja nova reta passava em frente ao Superior Tribunal Eleitoral em uma rua e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) do outro lado.

O sol e o vento que batia estavam quentes.

         Mas mais quente que ambos, estava meu rosto enquanto pedalava com Emi sentada no tubo superior da bicicleta, bem à minha frente.

                   Com as bicicletas estávamos mais rápidos. Em comparação com as Coisas, estávamos bem mais rápidos; logo, no momento, elas não preocupavam tanto - inclusive era até fácil demais desviar de um grupo ou outro que surgia na frente.

Se a humanidade havia regredido descaradamente à Lei do Mais Forte, as bicicletas nos deram uma vantagem inimaginável – não só estávamos o triplo mais rápido, como agora o tempo da viagem até a casa de Vanessa (o lugar onde teoricamente estaríamos de 80 a 90% seguros – segundo as expectativas que foram criadas) diminuiria drasticamente. As bicicletas representavam praticamente uma evolução.

Em algum momento daquela estrada terciária onde estávamos Emi puxou assunto:

— É estranho, não é?! – falou, sem virar o rosto – o mundo todo se acabando e nós aqui, no meio da capital, andando de bicicleta debaixo do sol das 15h...

— É... acho que sim. – respondi tentando não me desconcentrar e perder o equilíbrio entre uma pedalada e outra.

— E tudo isso na tarde de uma sexta-feira... – fez uma breve pausa - Se algum dia me dissessem que eu estaria aqui desta forma, neste exato momento, eu não acreditaria. Mesmo. – ela sorriu consigo mesma com a observação.

— Eu também não, Emi, eu também não... – respondi baixinho, observando com tristeza o cenário caótico em que novamente nos encontrávamos.

Quando chegamos ao engarrafamento da Via L4 na Estrada das Nações, tivemos que descer momentaneamente das bicicletas para atravessar as pistas. Uma quantidade boa deles nos rodeava, então todos evitaram fazer barulho.

         Estávamos na metade da pista quando ouvi Vítor dizer, assustado:

— Gente...

Ele apontava para o lado, onde três das Coisas se aproximavam no corredor de carros.

Estávamos sem espaço para qualquer coisa. O medo começou a crescer dentro de mim.

— Sem alarde, vamos passar as bicicletas por cima dos veículos e dar o fora, o.k.?! – disse Emi, tensa.

Mas o medo era onipresente em nós e as bicicletas acabaram sendo “passadas” de uma forma brusca demais – jogamos os objetos sobre os veículos – o que gerou mais barulho que o recomendado e atraiu uma série de viradas de cabeças em nossa direção.

 - Rápido. – ouvi alguém dizer, mas já estava tenso demais para notar quem tinha sido.

Depois que joguei a bicicleta – tentando ser cuidadoso para não danificá-la e nos ferrar de vez -, Emi subiu no capô e escorregou para o outro lado, assim como a maioria dos outros.

Ouvi um deles bem próximo de meu ouvido esquerdo.

Virei o corpo rapidamente e, no impulso, chutei a Coisa que estava a pouquíssimos centímetros de mim. Ele cambaleou até chocar-se com a porta aberta de um dos veículos, o que gerou mais barulho.

Droga.

Tratei de subir no capô e pular para a outra parte o mais rápido possível. Faltavam ainda a faixa verde que separava as pistas de ida e volta e as pistas que iam no sentido Esplanada dos Ministérios.

Mais deles vinham em minha direção. Os outros (incluindo Emi e a bicicleta) já atravessavam a faixa de grama com pressa. Eu tinha que me apressar, pois já estava para trás.

Lembrei-me de uma frase que meu tio falava quando brincava comigo e meus primos de pega-pega em nossa infância:

O lobo pega é quem está atrás!

“O lobo pega é quem está atrás!” – repetiam meus primos, que eram maiores e mais rápidos que eu.

Não dessa vez.

Preparei meu corpo. As coisas se aproximavam cada vez mais.

— Desculpe tio, mas dessa vez será diferente. Desta vez estamos na cidade dos mortos. É pra valer!

Meu pé direito foi na frente.

Logo eu já estava na primeira fileira de carros do sentido volta da L4. Emi, a bicicleta e os outros estavam há uma faixa de distância.

Lembrei-me de uma vez em que meus pais e eu ficamos presos em um engarrafamento de uma cidade praiana que conhecemos numa viagem.

Imaginei como seria legal simplesmente sair correndo pelos capôs dos carros, com a brisa noturna marinha batendo no rosto e os xingamentos dos motoristas atrás. Senti certa sensação de liberdade ao imaginar isto e deu pra distrair um pouco.

 

“Por que não?” – perguntou ela.

Ora, porque... porque...

“Aproveite. Não tem brisa marinha nem é à noite, mas... vá.”

Então eu fui.

 

Mãos no capô antes dos joelhos. Ficar de pé e manter o equilíbrio.

Um, dois passos... impulso.

Mãos e pés no capô.

Não caia, por favor.

Isso, levantando... já!

Só mais dois carros.

Aproveite o momento!

— Por que essas caras? – pergunto para o pessoal, já em terra firme.

— Isso foi bem prático. – disse Verônica, sentada no tubo da bicicleta com Thiago nos pedais, antes de se virar para frente.

— Obrigado. Foi um desejo de infância realizado... Podemos continuar?

Finalmente sentei no banquinho de couro, Emi à minha frente.

— Gostei dessa ideia – ela disse quando retomamos o caminho – curtir os detalhes que não existiam antes de tudo isso... Realmente gostei, garoto!

— Obrigado...

E aquilo me fez refletir.

Detalhes que não existiam antes...

Quer dizer então que o tal fim do mundo teria nos aberto novas possibilidades?


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Notas finais do capítulo

Se alguém se sentir à vontade para comentar, agradeço imensamente desde agora. Os últimos meses foram super corridos e aconteceu muita coisa na minha vida, então isso querendo ou não atrapalhou o processo.
Mas está tudo bem. Por hora, peço que aguardem.
As últimas palavras estão sendo colocadas no "papel". :)



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