ApocalipZe escrita por Sr Devaneio


Capítulo 22
Sub Capítulo 6 - A menina, a carta e os Mortos


Notas iniciais do capítulo

~Um mês e dois dias depois~
Oi gente!
Primeiramente eu queria pedir desculpas (novamente) pelo sumiço.
Nesse meio-tempo que estive fora, surgiram várias ideias incríveis em minha cabeça.
Resolvi investir em uma dela, e o resultado está me envolvendo e divertindo tanto que eu simplesmente não estou conseguindo voltar aqui... :
E também, esse capítulo em especial estava me desmotivando por alguma razão. Aliada à preguiça e ao fato da ideia nova e eu ter resolvido investir em duas Ones das outras ideias (que acabaram resultando apenas dois novos documentos no Word, um deles quase finalizado outro ainda no começo), acabou demorando mais que todos nós queríamos.
Esse capítulo também ficou ENORME! Peço desculpas por isso; eu pensei em dividir mas optei por deixar todos os acontecimentos em um só, seguidos em sequência. Valeria mais a pena - e eu realmente espero que valha.
Portanto, me perdoem mas aqui está o capítulo novo (e enorme) para vocês.
Sem mais enrolação, espero que divirtam-se! :D



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– Tudo certo durante os cinco minutinhos em que estive fora? – perguntou Megan, retornando à cozinha com vários envelopes na mão.

– Tudo certo, sim. Sou uma ótima boleira! – respondeu Julie, enquanto mexia a calda do bolo.

– Claro que é... – disse Megan distraidamente enquanto lia os remetentes de cada envelope – Olha! Tem uma pra você, aqui.

– Deve ser da Nancy. Eu disse que estaria aqui e passei o endereço – espero que não se importe.

– Nada. Deixa eu assumir aí para você poder ler.

Megan colocou o avental que havia tirado segundos antes de ir à caixa de correio e pegou a enorme colher da mão de Julie.

Julie rasgou o envelope e leu a carta delicada de Nancy, que lhe desejava sorte e força nesse momento difícil e lhe dizia estar sentindo muito pela situação que ocorrera entre ela e Carl.

Julie pegou um pedaço de papel e caneta, mas antes que pudesse responder, Megan se pronunciou:

– Querida, só antes de responder aí me ajude a cobrir o bolo, por favor.

– Ah, sim! – Julie lembrou-se do bolo que estavam fazendo.

– Já está bom?! – perguntou Megan, enquanto a prima abria o forno e espetava a massa dourada com um garfo.

– Está sim. – respondeu Julie, após observar o estado do garfo, que voltou seco.

– Ótimo. Traga-o aqui, por favor.

– Ficou uma beleza! – afirmou Megan, satisfeita, enquanto observava o bonito bolo de cenoura coberto de chocolate à sua frente.

– Sim. Já podemos até abrir uma confeitaria... – respondeu Julie, igualmente satisfeita.

– Agora, vamos experimentar! – falou Megan, tirando uma faca de uma das muitas gavetas daquela cozinha.

– Uau, prima! Você realmente é boleira. – exclamou Megan, após a primeira mordida em sua fatia.

Julie sorriu tristemente.

– Sim. Carl adorava quando ia lá para casa e eu tinha feito algum. O preferido dele era de chocolate...

– Oh-oh – falou Megan, colocando a fatia num prato e abraçando a prima -. Aquele imbecil não te merece, Julie. Não depois do que fez.

Julie retribuiu o abraço.

– Por que Megan? Por que agora? Nós estávamos tão bem... – sussurrou Julie, e seus olhos encheram-se de lágrimas.

Finalmente ela iria chorar. Julie estava se segurando, desde o dia anterior, tentando esconder a tristeza atrás de uma máscara. Mas Megan sabia que a prima estava abalada. Conhecia Julie bem demais.

– Shhh. Vai ficar tudo bem. Agora você precisa chorar para aliviar essa dor. Não se preocupe.

Após alguns minutos afagando Julie, Megan falou:

– Eu não sei se você vai estar a fim, mas Amberly ligou quando fui pegar as cartas.

Julie olhou para a prima, secando os olhos:

– Ela deu notícias? Disse por que não foi à festa anteontem?

– Teve um pequeno problema em casa, por isso não pode ir. Porém ela conseguiu outra festa hoje. Às 20h. Disse que vem se arrumar conosco.

Julie fez uma careta:

– Ah, Megan... eu não sei se estou a fim de ir, não... Até porque amanhã tenho aula.

– Vamos voltar cedo, não se preocupe. Julie, você acha que eu não vejo sua tristeza disfarçada? - Megan olhou para a prima nos olhos – Acha que eu gosto de vê-la assim triste, cabisbaixa? Você precisa levantar esse astral. E isso não vai acontecer se lamentando em casa. Aquele idiota errou contigo, e ainda quis ter razão. Você tem que mostrar pra ele que está muito bem, que não precisa dele para nada. Vai mostrar pra ele o que ele perdeu te traindo.

Julie inspirou fundo.

– Tem razão... – respondeu, animando-se – Vamos agitar esta noite, então.

Amberly chegou às cinco da tarde e logo as três começaram a se arrumar. As oito, Megan estacionou em frente ao endereço dado por Amberly, uma casa ainda maior que a primeira, na área nobre da cidade.

As três desceram do carro totalmente deslumbrantes. Megan trajava um vestido preto justo e curto, acompanhado de um magnífico salto quinze. Amberly usava um tomara que caia também preto, saia curta e com babados. Por fim, Julie vestia shorts jeans, uma blusa folgada com outra por baixo e botinhas combinando.

A festa estava animada. Cheia de adolescentes, música boa, hormônios para todos os lados, boa decoração, comida e bebida de qualidade... Tudo isso até animou mais Julie, que se permitiu divertir por uma noite.

Enquanto a prima paquerava um cara perto da porta que dava para o enorme quintal e a amiga comia uns tira-gostos na mesa farta, Julie sentou-se no luxuoso sofá e pensou no que Megan lhe dissera mais cedo (palavras que Amberly fez questão de reforçar várias vezes enquanto se arrumavam).

E no final das contas, não é que ambas estavam certas?! Para que ficar se lamentando pelo cara que a trocou, pior, traiu por outra? Foi bom? Com certeza não. Doía? Incomodava bastante, sim. Mas se ele optou por esse caminho, algo o fez perder o interesse, mesmo que momentaneamente, por ela própria. E isso bastava para Julie.

Quantas vezes ouvira as pessoas ao seu redor dizerem que se trai uma vez, vai trair depois. Então, que se danassem os traidores. Que se danasse Carl, ele não a merecia. Além do mais, ela sentia que se ficasse mergulhando a si própria em auto piedade cada vez mais poderia acabar como aquelas mulheres que ela já vira tantas vezes por aí: amarguradas, fechadas e com o coração endurecido pelo remorso. Não, ela não queria isso para ela. Era importante demais e merecia achar alguém para amar e que a amasse da mesma forma em troca. Por isso, ela iria aproveitar ao máximo a noite.

Como se soubesse da situação e do pensamento que acabara de acometer a Julie, um garoto se aproximou. Cabelos e olhos castanhos, lisos e com uma franjinha que até o deixava interessante, pele branca com destacadas (de forma leve) bochechas apertáveis e vermelhas devido à agitação da noite e um sorriso de dentes alinhados e brancos, ele sentou no sofá ao seu lado e sorriu para ela:

– O que uma moça tão linda faz sentada sozinha em uma festa como essa? - perguntou.

– Esperando alguém me chamar para dançar. Eu acho. - ela respondeu, gentilmente.

– Não seja por isso! Meu nome é Dave - estendeu a mão.

– Prazer em conhecê-lo. Sou Julie. - ela estendeu também e apertou a mão de Dave.

– Poderia me dar a honra de dançar comigo?

– Claro!

E ela foi. E eles dançaram. E conversaram enquanto dançavam. E riram muito enquanto conversaram. E dançaram até ambos ficarem com sede e ele lhe oferecer um copo de refrigerante.

Mas enquanto fora buscá-los, Megan e Amberly apareceram. Ficaram felizes ao ver a reação de Julie, animando-se com a festa, e lhe chamaram até o carro sem rodeios.

– Não estou entendendo... - falou Julie, sentando-se no banco do passageiro da frente.

– Samantha ligou. Tem outra festa acontecendo não muito longe daqui e está mais animada, se é que isso é possível. - explicou Megan, colocando o cinto de segurança ao seu lado.

– Também tem mais gatinhos! - falou Amberly, do banco traseiro.

– Então, nós já vamos embora?! - perguntou Julie.

– Claro que não - Megan respondeu, já ligando o carro -. São sete e quinze ainda. A noite é uma criança recém-nascida!

– Nesse caso, espere só um momento então, por favor. - falou Julie, abrindo a porta e pulando para fora.

– Aonde você vai?! - gritou Megan.

Julie apenas fez um sinal com a mão, repetindo um pedido de espera enquanto tirava o celular do bolso e discava o número de Carl.

Dave estava em pé, de frente ao sofá onde se sentou com Julie, segurando dois copos vermelhos e com uma expressão confusa e um tanto triste.

– É isso mesmo. Acabou. Adeus, Carl! - disse Julie, encerrando a ligação no mesmo instante em que avistou o garoto com as bochechas fofas.

– Desculpe o sumiço! - falou para ele, que sorriu ao vê-la.

– Sem problemas. Mas pensei que tivesse ido embora, te procurei e não te encontrei em lugar nenhum... - ele respondeu, entregando um dos copos para ela.

– Sobre isso, eu queria te pedir desculpas. Minha prima deu a louca e agora teremos que ir embora. - disse, pegando o copo e bebendo logo em seguida.

– Mas já?! Ainda está tão cedo... - ele falou, parecendo um tanto desapontado.

– Pois é... De qualquer forma, eu queria te agradecer. Foi muito bom conversar, rir e dançar com você. E mais ainda, foi muito bom te conhecer. Você não tem namorada, né?! - perguntou.

– Não. - ele respondeu feliz em ter escutado aquelas palavras.

– Ótimo. - foi o que respondeu.

Então, colocou uma mão atrás da cabeça dele e a outra em sua bochecha, enquanto se aproximava e lhe dava um beijo.

Assim como as bochechas, seus lábios eram bastante macios e, levando em consideração que os dois beijavam bem, pode-se dizer que foi um beijo para se lembrar por um tempo.

– Obrigada mais uma vez. E antes que eu me esqueça: amei as suas bochechas! - ela disse, com uma piscadinha, virando-se e sumindo porta afora.

Embasbacado, Dave não conseguiu pensar em nada para responder enquanto a observava ir embora. Apenas depois que ela lhe lançou um último sorriso antes de fechar a porta de entrada, as palavras lhe vieram à mente. E elas foram:

– Eu que agradeço... O prazer em conhecê-la foi todo meu!


*

Havia uma fileira enorme de carros naquela rua. Praticamente o dobro da que havia na primeira. Megan teve que estacionar a cerca de quinhentos metros da casa porque simplesmente antes não havia nenhuma vaga.

– Certo. Samantha está nos esperando na entrada da casa. Pediu para não demorarmos muito, então vamos nessa.

– Agora essa é de quem, Megan? – perguntou Julie.

– A festa?

– Sim.

– Não sei. Samantha disse que achou por acaso. Entrou e deu uma sondada para ver como estava e aprovou.

– Você quer dizer que vamos entrar de penetra na festa?! – perguntaram Julie e Amberly, juntas.

– Sim. – respondeu Megan, casualmente, enquanto tirava o cinto de segurança.

– Megan... não sei não. Isso não me parece certo. – disse Amberly.

– Concordo plenamente! – falou Julie, séria.

– Ah gente, por favor! Vocês já pararam para pensar que essa pode ser a última noite de nossas vidas?! - rebateu Megan.

As duas a olharam de maneira desconfiada.

– Relaxem – continuou - Só temos uma noite, então vamos chegar lá e começar a festa de verdade! – acrescentou, abrindo a porta do carro.

A música tocava alto, podendo ser ouvida a cinco metros da porta de entrada. E era uma música incrivelmente coincidente com o momento:

“Pegue o carro do seu namorado

E vem me buscar

Vamos dar uma volta nele

Que problemas a gente pode encontrar?”

Samantha as viu logo e não demorou a se juntar com o trio.

Megan girou a maçaneta, e a porta se abriu bem no coro:

“Uma noite dessas, eu vou chegar e invadir a festa

Não fomos convidadas, mas estamos tão ousadas

Como se nós fôssemos famosas”

– Meninas, esta noite estamos realmente ousadas. E eu lhes digo que essa festa começa agora! – disse ela, sorrindo predatoriamente.

“Só temos uma noite, eu vou chegar lá e começar essa festa

Agimos tão descaradamente

Como se nós fôssemos famosas

Como se nós fôssemos famosas

E do jeito que a letra dizia, elas entraram. E de fato, surpreendentemente a festa invadida foi muito melhor. Mais animada, mais divertida e capaz de fazer Julie esquecer o recente rompimento e traição do ex.

Se brincar, aquela festa foi tão boa que poderia facilmente ser a chamada de a melhor da vida de Julie. E ela poderia ter durado para sempre fácil, fácil. Mas como tudo que vale a pena passa rápido, tudo acabou num piscar de olhos.

*

No dia seguinte, Julie acordou bem tarde. Espreguiçou-se e olhou pela janela.

Então ela viu que horas eram e se desesperou:

– Megan! É quase meio-dia!

– Hum? – gemeu a prima na cama ao lado, ainda adormecida.

– Megan! – Julie chamou, atirando o travesseiro na cama de Megan, que levantou a cabeça com os olhos miúdos.

– O que foi?! – perguntou, com os cabelos bagunçados e cara de quem ainda não havia dormido o suficiente.

– A escola! – falou preocupada – Hoje é segunda, lembra?!

– Relaxa. Sua mãe ligou mais cedo, você pôde faltar hoje. Agora vai dormir! – ela falou, afundando a cabeça no próprio travesseiro novamente.

Mas o susto já tinha a despertado. Então ela resolveu levantar de uma vez.

Sentiu um cheiro de queimado e desceu rapidamente as escadas, indo em direção à cozinha para ver se seus tios não haviam esquecido nada no fogo antes de saírem para trabalhar. Mas estava tudo o.k., ali.

Como só havia ela e Megan na casa, visto que seus tios tinham ido trabalhar e Megan dormia, estava tudo bastante quieto ali dentro. Por causa disso, ela pode escutar os sons que vinham de fora da casa. E ficou assustada.

No começo, eram apenas gritos vindos de longe, mas logo o som foi aumentando e tornou-se medonho. A menina correu para a janela mais próxima e a abriu, e o som intensificou-se juntamente com o cheiro de fumaça. Agora, não haviam somente gritos, mas som de carros buzinando, batendo, pessoas correndo e... fogo?

Acima das casas, um pouco distante, colunas de fumaça erguiam-se das construções. Vinham do centro da cidade, que não ficava muito longe dali e eram muitas.

Resolveu ligar a televisão da cozinha para ver se havia notícias de algum incêndio que tenha se alastrado pela cidade. O que viu era ainda pior: em todos os canais de notícias, repórteres falavam rápido sobre um surto de raiva que estava acontecendo por toda a cidade. Pessoas corriam para todos os lados atrás das câmeras e em alguns canais havia policiais entrando em ação. Em um deles, uma moça bonita entrevistava alguém que parecia importante no meio policial. Julie aumentou o volume da TV:

– Sargento, pode nos explicar o que está acontecendo? – perguntou a moça.

O sujeito carrancudo e sério começou a falar:

– Não temos muitas informações. Apenas sabemos que um surto repentino de alguma coisa tomou conta de várias pessoas esta manhã em toda a cidade, fazendo-as agir de forma bruta e irada.

A repórter perguntou novamente:

– O senhor tem alguma notícia de quando essas reações podem ter tido início?

– Esta madrugada, por volta das três da manhã, tivemos nosso primeiro chamado. Parece que piorou bastante de lá até agora.

– Há boatos se espalhando que pode ser raiva piorada de alguma forma, o senhor pode nos confirmar isso?

– Parece ser raiva, sim, mas não há como confirmarmos nada ainda. A delegacia não para de receber ligações de emergência, e todos os nossos membros já estão em ação, então pedimos aos moradores que permaneçam em suas casas.

– Mais alguma recomendação aos nossos telespectadores? – ela tornou a perguntar.

– Evitem sair de casa, mesmo que seja para ir à esquina. E principalmente, não abram a porta para ninguém, mesmo que seja alguém conhecido ou familiar. Com os surtos ocorrendo, o número de ocorrências de roubo aumentou, então é imprescindível que os moradores fiquem atentos ao máximo.

Ouviu seu celular tocar no andar de cima e correu para atender, deixando a TV ligada.

O nome e o número de sua mãe apareciam no visor:

– Alô?

– Julie?! Graças a Deus, minha filha! – sua voz misturava extrema tensão e preocupação. Também estava em um ambiente bastante barulhento, tanto que mal dava para ouvi-la.

– Mãe?! Está tudo bem? – perguntou ela, começando a se afligir após ouvir um grito agudo e desesperado do outro lado da linha.

– Não. Você está na casa de Megan, não é?! – ela perguntou com um tom quase exigente de que a resposta fosse positiva.

– Sim. Acabei de acordar...

– Estou indo para aí. A cidade está uma loucura, todos estão desesperados. Algo muito ruim está acontecendo. Prepare suas coisas e acorde sua prima. Não consigo falar com Taylor ou Cecil.

– Mas para onde nós vamos? – perguntou ela, já indo em direção à cama de Megan para sacudi-la.

– Para fora da cidade, pelo menos até descobrirmos o que está acontecendo. Preparem-se e não abram a porta para ninguém. Chego aí em dez minutos. – em seguida, ela acrescentou - Te amo, minha flor.

– Eu também te amo, mãe...

Desligou.

– Megan, acorde. – sacudiu-a - MEGAN! – gritou após a prima não responder.

– O que é?! – Megan gritou em resposta, mal-humorada – É bom alguém ter morrido para você estar me acordando de novo.

– É bem por aí mesmo. Tem alguma cosia séria acontecendo na cidade. Minha mãe está vindo nos buscar. Quer sair da cidade por enquanto.

– É tão sério assim? – perguntou Megan, franzindo a testa.

Julie afirmou com a cabeça, acrescentando:

– Temos de estar prontas quando ela chegar, que vai ser em menos de dez minutos.

– Ok... – disse Megan, finalmente se levantando – Vou só avisar os meus pais.

– Minha mãe... – parou. Se falasse que a mãe não havia conseguido entrar em contato com os tios, provavelmente tudo pioraria, Megan tentaria ligar repetidas vezes e, sem sucesso, elas acabariam se atrasando – já falou com eles – mentiu -. Agora vá se arrumar, estamos ficando sem tempo!

*

Monique dirigia de forma rápida, mas com cuidado pelas ruas de São Francisco, rumando em direção à ponte. O carro estava cheio de malas e utensílios espalhados que, na pressa da saída, não puderam ser guardados de forma adequada.

Julie e Megan iam no banco de trás do carro, tensas, enquanto ouviam os relatos da mãe de Julie.

– Tia Mô, onde a senhora combinou de encontrar os meus pais? – perguntou Megan, preocupada.

– Na verdade, me anjo, ainda não consegui falar com eles. Tentei durante todo o caminho até a sua casa e nada. Inclusive, se você puder tentar contata-los para nós...

Megan fez uma expressão assombrada:

– Julie! Você mentiu para mim?! – falou alto.

– Desculpe! Se eu dissesse que não tínhamos conseguido ligar para eles, iríamos demorar muito mais a sair de casa... – respondeu a menina, com um enorme sentimento de culpa.

– Ah meu Deus! Como pôde ser tão egoísta? Tudo o que fiz nesses últimos dias foi para te deixar feliz, para tentar te ajudar a esquecer seu ex idiota, e é assim que me agradece? – vociferou ela com lágrimas nos olhos.

– Megan, desculpe! Eu estava nervosa, não pensei com clareza.

Megan apenas tirou o celular de sua bolsa e discou um número com desespero.

– Por favor, mãe, atende. Por favor! – rezou, com uma mão na testa e as lágrimas finalmente escorrendo pelos olhos.

Monique apenas observava tudo, em silêncio e com uma expressão preocupada. Julie ameaçava chorar.

Após uns instantes com o celular no ouvido, Megan cancelou a ligação e tentou o número de seu pai. Nada.

– Ninguém atende. Ah não, ah não!

– Megan, eu... – disse Julie, mas foi cortada de maneira grossa.

– Julie, não olha na minha cara. Não fala comigo ou eu juro que arrebento o seu nariz! – soltou ferinamente. Em seguida, olhou para a expressão chateada e brava de sua tia, acrescentando - Desculpe tia Mô, mas a senhora sabe que ela merece.

Depois disso, Julie virou-se para a janela, engolindo em seco, Monique focou na estrada e Megan passou a tentar contatar seus pais freneticamente e de diversas formas, fosse ligando para os colegas de trabalho deles ou enviando mensagens de texto. E um silêncio constrangedor e triste tomou conta da atmosfera durante o resto do percurso.

Faltando dois quilômetros para a entrada na ponte, o engarrafamento começou. Vários policiais e bombeiros corriam de um lado para o outro, tentando organizar as fileiras imensas de carros que se estendiam até onde a vista alcançava.

Camburões e carros forte estavam em ambos os lados das faixas na estrada, havia incontáveis cones espalhados por toda a extensão da ponte e em seu começo, e muitos policiais seguravam armas de fogo de aparência mortal.

– Droga! Chegamos tarde demais. – praguejou Monique, observando toda a cena à sua frente.

– Meu Deus... isso geralmente é tão organizado. – disse Julie, olhando pelo vidro.

Megan não respondeu nada. Apenas observava seu lado da janela com o olhar distante e preocupado.

Uma hora e meia depois, elas haviam avançado pouquíssimo. Duas horas e estavam a cerca de um quilômetro e duzentos metros da entrada da ponte.

Quando ninguém aguentava mais esperar naquele clima pesado, as pessoas começaram a desistir de buzinar loucamente e gritar palavrões para saírem dos carros e olhar ao redor. No carro de Monique não foi diferente. Julie sentiu-se até aliviada após receber o vento carregado de maresia que sempre se fazia presente na Golden Gate. Respirou fundo algumas vezes, para tentar espairecer, quando sentiu um cheiro estranho.

Agora, o vento trazia consigo um cheiro forte de fumaça e alguma coisa terrivelmente malcheirosa. Algo que beirava o insuportável. Vários pontinhos começaram a cair pela ponte, vindos do céu, e quando um deles pousou em seu braço, Julie viu que eram cinzas.

Na cidade, era possível ver mais colunas de fumaça. Elas praticamente tinham triplicado desde que Julie as vira pela primeira vez, ao abrir a janela da cozinha de Megan. Mas não foi isso que realmente lhe chamou a atenção.

Primeiro vieram os gritos. Gritos masculinos, imperativos. Em seguida, tiros. Imediatamente após os tiros, começou um alvoroço na entrada da ponte, as pessoas gritavam e começavam a correr.

– Mãe? – chamou Julie, estranhando a situação.

Mais tiros. Os gritos aumentaram.

– Mas que droga está acontecendo ali? – perguntou Monique.

Os motoristas e passageiros ao redor começaram a burburinhar entre si. Até que tiros sequenciais puderam ser ouvidos, junto com uma voz grossa em um megafone, que ordenava para “ficarem parados e deitarem no chão com as mãos na cabeça”, junto com avisos de que os tiros continuariam se a ordem não fosse obedecida.

Os burburinhos aumentaram, e as pessoas que corriam estavam se aproximando rápido. Um número grande de mães puxando filhos pelas mãos, homens e mulheres com expressões assustadas e crianças chorando vinham na direção deles, e então as reações finalmente começaram.

Mais tiros foram ouvidos, aumentando a agitação. Então se fez silêncio. Os tiros cessaram por completo, bem como as vozes dos policiais. Instantes rápidos se passaram; a essa altura, todos que tinham deixado seus carros estavam perto de onde Julie, Monique e Megan haviam parado. As pessoas passavam correndo pela janela ao lado de Julie, gritando e chorando. Algumas até se atreviam a alertar os que estavam naquela parte sobre algo que estava vindo e que eles deviam correr.

– O que está vindo? - perguntou Monique a uma mulher que estava bem próximo.

– Uma multidão suspeita. Todos agem de forma muito estranha. Estão agressivos e não obedeceram aos policiais. – respondeu ela rapidamente.

– Será que são eles? Os raivosos de hoje mais cedo? - perguntou Monique, estremecendo.

A mulher estava bastante assustada e respondeu antes de seguir em frente:

– Não sei. Mas não vou ficar aqui para descobrir.

– Mãe... Será?! - perguntou Julie, assim que a mulher sumiu.

– Não é possível. O centro da cidade está muito longe, não teria dado tempo de chegarem até aqui tão rápido...

Nesse momento alguém gritou, atraindo a atenção de todos.

Um homem surgiu em cima de um dos carros, andando de forma lenta e cambaleante com os braços soltos balançando ao lado do corpo. Se Julie ou algum deles estivesse mais perto, veria que havia sangue em sua boca e ferimentos terríveis em seus braços. Quase que imediatamente, surgiram mais pessoas no mesmo estado. E elas não paravam de surgir pelos lados. Até mesmo passavam por cima dos carros, escalando-os.

Então a porta de um deles se abriu e uma mulher saiu esbaforida. Estava a poucos metros daquela curiosa multidão, e quando gritou antes de correr... Julie mal acreditou em seus olhos: todos olharam para ela ao mesmo tempo antes de avançarem juntos e se jogarem sobre a pobre coitada, que desapareceu entre as fileiras de automóveis.

Fez-se um silêncio mortal depois disso. Um silêncio ainda pior que o primeiro. De tão intenso que era, tornou-se possível ouvir baixo os sons que aquela multidão fazia, e não eram nada agradáveis: os que caíram sobre a mulher emitiam ruídos que assemelhavam-se ao sons de animais famintos quando conseguem uma presa. O resto, que simplesmente não parava de aparecer, emitia algo que lembrava gemidos inexpressivos.

O que estava acontecendo? Ninguém ousava mexer um músculo. E ficaram assim, em quase estado de choque, até que outra porta se abriu um pouco mais à frente e um casal saiu correndo de dentro do carro. Nesse momento, a entrada da ponte já estava completamente tomada pela multidão. Eram tantos que pareciam um mar de gente, infindável e infinito.

E esse mar de gente, ao ouvir o casal, avançou.

– Estão vindo pra cá! Ah meu Deus! - gritou uma mulher, em algum lugar atrás de Julie, Megan e Monique.

Suas palavras foram como o gatilho que o pânico precisava para se desencadear entre as pessoas, que gritavam, corriam, esbarravam umas nas outras e até mesmo pisoteavam os desafortunados que perdiam o equilíbrio e caíam no chão.

– Para dentro do carro agora! - gritou Monique a Julie e Megan, que obedeceram sem pensar duas vezes.

As três ficaram em absoluto silêncio, encolhidas, enquanto ouviam o desespero de quem corria ao lado do carro e daqueles que no desespero passavam por cima do mesmo, escorregando do vidro dianteiro para o capô e seguindo seus caminhos.

– Que droga está acontecendo? - perguntou Megan, para ninguém em especial.

– É tão assustador! - disse Julie apavorada.

Os sons ficavam cada vez mais intensos e aterrorizantes. Até que uma figura preencheu o campo de visão de Julie, a porta esquerda se abriu e uma mulher simplesmente entrou, empurrando Julie mais para perto de Megan.

– Com licença por favor! - ela exclamou rápido, batendo a porta.

A palavra "aterrorizada" era simplesmente insuficiente para descrever o terror em que ela se encontrava.

– O que é isso? Quem é você? - perguntou Julie, assustada com aquela ação repentina.

Megan lançou um olhar feio à mulher, como se fosse alguma criatura hostil.

– Desculpe, desculpe! Só quero me esconder e o carro de vocês estava mais próximo. Prometo não fazer nada até que essa loucura tenha acabado. – ela disse com um olhar suplicante.

– Mostre suas mãos – disse Monique, bastante séria, que até então observava a cena pelo retrovisor.

A mulher as levantou sem pensar duas vezes.

– Você pode ficar. Até essas pessoas nos darem espaço para fugirmos também. – acrescentou.

Porém bem no carro ao lado alguém começou a gritar. Um homem alto exigia que lhe abrissem a porta. Gritava que eles estavam perto e que não daria para correr. – Julie desviou o olhar da mulher rapidamente para olhar pelo vidro traseiro e viu que realmente a multidão raivosa estava a poucos metros de seu carro. Aquilo a desesperou.

– Mãe! Eles estão aqui! – falou alto.

O homem começou a socar o vidro do outro carro, movido pelo desespero quando aparentemente não obteve nenhuma resposta.

– Vamos cair fora! – disse Monique, soltando seu cinto.

Megan fez o mesmo e Julie não tardou a acompanha-las. No momento em que Megan abriu a porta e pulou para fora, seguida de Julie, a menina captou uma movimentação enorme por sua visão periférica. Antes mesmo de se por em pé, virou o rosto e viu mãos vindo em sua direção.

Julie mal tocou o asfalto com os pés e Megan puxou-a, afastando daquela quantidade imensa de mãos e braços estendidos para si.

A mulher não teve a mesma sorte. Quando chegou à porta para sair, ela já estava bloqueada por corpos cambaleantes e surpreendentemente ágeis para muitos que até mesmo mancavam. Ela gritou com o susto, e voltou para dentro do carro, mas foi seguida por eles, que entraram.

Julie podia ver de relance o corpo amassado contra a janela em que estava há poucos minutos. Depois não viu mais nada, pois Megan a puxava com urgência e a menina sentiu suas pernas obedecerem, correndo. Ela ouviu um grito agudo e abafado, que misturava pavor e dor. Virou o rosto para trás uma vez enquanto passava pelos carros com Megan, e viu apenas um corpo estendido nos bancos de trás do carro de sua mãe.

– Julie, mais rápido! – gritou Megan à sua frente.

A menina passou a prestar atenção no caminho à frente de si. Em seu campo de visão estavam Megan, sua mãe mais à frente, e do outro lado dos carros que deixavam para trás; há muitos metros à frente de todas, a multidão ainda fugia apavorada, deixando-as muito para trás.

– Como são rápidos! – exclamou Megan.

– Meninas, aconteça o que acontecer não parem de correr! – gritou Monique, na diagonal de Julie.

Então um gemido soou alto bem próximo delas. Erguendo a cabeça, Julie viu um deles, acompanhando-as correndo sobre os carros. E correndo rápido.

– Sai fora! – gritou Julie para a mulher de jeans e blusinha branca.

Megan virou para trás e gritou, assustando-se com aquela aparição repentina.

A mulher olhou para elas e fez que ia saltar sobre as meninas. Observando a cena, Monique gritou imediatamente:

– Aqui! Do outro lado, vadia!

– Mãe? – surpreendeu-se Julie, mas por pouco tempo.

A mulher voltou-se para sua mãe, fez uma careta agressiva e deu impulso nas pernas, caindo com tudo e batendo a cabeça na janela de um dos carros. Porém uma de suas mãos alcançou a perna de Monique e assim que sentiu algo em sua mão, segurou firme.

Monique também caiu, Julie e Megan passaram de si.

– Mãe! – gritou Julie, obrigando Megan a parar e se virar.

Um segundo depois, viu duas mãos sobre o capô de um carro que estava em sua na diagonal traseira e o rosto de Monique surgiu também.

– Estou bem. Continuem correndo! Já alcanço vocês.

Julie não queria, mas Megan a obrigou a se virar e seguir em frente. Passaram por uns dois carros até Megan finalmente ouvir os protestos de Julie.

– O que foi? – perguntou, virando o rosto rapidamente.

– Minha mãe não veio ainda! – Julie respondeu, olhando para trás, preocupada.

Mas elas não tinham tempo para parar. A multidão avançava rapidamente na direção das meninas.

– Ela vai nos encontrar. Tenho certeza disso, agora vamos! Temos que sair daqui. – disse Megan, tornando a puxar uma relutante Julie pela mão.

Porém o tempo que ficaram paradas foi suficiente para que um deles as alcançasse, surgindo subitamente de entre os carros atrás de Megan, que gritou com o susto mas não teve tempo de reagir.

Julie viu quando a prima foi atacada e viu quando, de seu pescoço, começou a escorrer o líquido vermelho de maneira abundante.

– Julie... cor...corre! – disse Megan, enquanto perdia o ar.

Julie estava em choque. Viu a prima cair de joelhos, ainda com o cara mordendo-a e só quando ela caiu, a menina entrou em pânico.

Julie disparou por entre os carros chorando desesperada. Obviamente foi seguida, pelo tanto que gritava.

Quando faltava cerca de cem metros para o fim da ponte, suas forças foram reduzidas drasticamente e a menina arfava como nunca. Escorou as mãos no carro mais próximo e respirou pesadamente. Captou certo movimento ali dentro e, levantando o rosto, viu uma mulher agachada no vão entre o banco dianteiro do passageiro e o banco traseiro, ao lado de uma cadeirinha que só poderia ser da menininha encolhida em seu colo.

Aquela mulher lhe parecia estranhamente familiar. Julie ficou ali, observando-a com o cenho franzido e por um segundo se esqueceu da situação em que estava.

A mulher, como que percebendo sua presença ali, levantou o rosto e a encarou. No momento em que ela fez a mesma expressão de reconhecimento que Julie, a menina sentiu uma dor aguda e insuportável no pescoço.

Ela viu quando a expressão da mulher se transformou para apavorada e viu quando a menininha, ao se dar conta da cena diante de si, começou a chorar.

Julie sentiu a boca encher de um líquido quente e de gosto acre. Inutilmente tentou balbuciar um pedido de ajuda, mas tudo o que saiu de sua boca foi o mesmo líquido, que ela sentiu escorrer pelo queixo.

A dor só piorava a cada segundo. A menina sentia a pele gelada e mórbida contra a sua e os dentes cravados em si – a razão de tanta dor.

Julie sorriu e disse, após sua boca se esvaziar novamente:

– Oi, Nancy! Finalmente nos conhecemos pessoalmente...

Então, caiu.

De olhos fechados, a menina pensou no abraço mais caloroso que dera em sua mãe. Em seguida, suspirou pela última vez.

Julie morreu sem ver a carta que a amiga segurava nas mãos.

E morreu sem saber de seu conteúdo; muito menos que era destinada a ela própria.


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Notas finais do capítulo

*Música: "Famous" da Charli XCX.

Que tal? Valeu a pena??
A propósito, eu acho que nunca agradeci vocês por terem me acompanhado até aqui... peço perdão pela grosseria. Obrigado, de verdade, a todos. Todos os que leram/leem, todos os que COMENTAM (eu AMO vocês cara!), às recomendações (amo mais ainda), aos acompanhamentos (!!) e favoritos (*-*). Simplesmente obrigado por tudo galera. Principalmente por estarem até aqui lendo isso. Eu demorei a tomar a decisão de postar essa fic por medo, ficando em um embate por meses. Mas agora, vejo que valeu a pena demais!
Muito obrigado galerinha. De verdade!! :D

AH! E se alguém tiver ficado intrigado com a tal nova história que me ousou roubar mais atenção que ApocalipZe, queria anunciar com alegria que ela já está sendo postada. Pra quem quiser conferir, esse é o link: https://fanfiction.com.br/historia/646936/EudeLetraseladeIronicas/
Espero que divirtam-se, mesmo simplesmente conferindo-a :)

Um grande abraço em todos. Nos vemos no próximo!
*Não vou prometer voltar logo dessa vez pra ver se a psicologia reversa funciona.



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