Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 5
Recomeço




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Nos dois dias que se seguiram, o segundo ano foi viajar, ou seja: sem Henrique e sem Tristan, só trabalhos e estudo para a prova de sábado.

Na noite de sexta para sábado, tive um sonho estranho: Eu estava usando um vestido azul escuro, parada em um cais, olhando para o mar. De repente, senti alguém do meu lado. Era Henrique. Mas quando olhei para nosso reflexo na água, vi Tristan no lugar dele.

Por mais calmo que o sonho tenha sido, acordei arfando. Foi muito... Real. O que aquilo queria dizer? Bom, não importava agora. Tinha que levantar e ir para escola fazer a prova.

Minha sala designada ficava no quinto andar, que era o andar do terceiro ano. Assim que cheguei lá, avistei Tristan, do outro lado do corredor e, quando me aproximei, ele me abraçou.

– Tá melhor?

– Acho que sim.

– Ótimo! Você vai à festa amanhã?

– Festa? Que festa? Ah, a festa da Isa! – Isa era uma menina da minha sala que também fazia teatro, por isso Tristan havia sido convidado - Já tinha até esquecido, com tanta coisa acontecendo!

– É... Você vai?

– Ah, sei lá... Não tô muito em clima pra festa...

– Vai sim, você tem que se divertir, se distrair do Rique.

– Ok, vou pensar.

O sinal tocou. Hora de começar a prova.

Depois de duas horas dentro de uma sala cheia de pessoas estranhas, com frio e fome, a professora liberou quem já tinha terminado e eu saí da sala. Encontrei Bel no corredor.

– Vamos descer até o térreo. – ela disse.

– Beleza. – disse, e descemos as escadas.

– Vai à festa da Isa amanhã? – perguntou ela, assim que chegamos ao térreo e sentamos no chão, com as costas apoiadas na parede. Não havia muitas pessoas lá embaixo, já que apenas o horário mínimo de permanência havia acabado.

– Acho que não.

– Ainda tá mal por causa do Rique, né?

– Claro. Só fazem quatro dias.

– Eu ainda acho que você deveria ir.

Nesse momento, vi um conhecido e exclamei:

– Tristan! – eu não esperava vê-lo ali, de verdade. A prova do segundo ano era muito mais difícil que a do nono, não esperava que ele fosse sair tão cedo. Tristan era ainda mais inteligente do que eu imaginava.

– Oi Emi, foi bem?

– Aham.

– Bom, eu só passei mesmo pra dar um tchau. A Carla terminou a prova, então a gente já tá indo.

– Ah ok!

Ele desviou das mochilas no caminho e se abaixou para me dar um abraço de despedida.

– Tchau, Bel. – ele acenou para Bel e se virou para mim – Apareça na festa amanhã.

Assim que ele se afastou, Bel perguntou:

– Esse cara tá a fim de você ou o quê?

– Não sei...

– Qual é! Ele veio até aqui só pra te dar um abraço!

– Eu sei, mas tem a Marina...

– Hum...

Então eu não estava ficando maluca. Bel também achava as atitudes dele suspeitas. Olhei para Tristan indo embora. Ele era fofo, definitivamente. E cheiroso. Até bonito. E bem... A pessoa que mais havia ficado do meu lado e me ajudado nos últimos dias. Talvez eu estivesse...

Meus olhos se desviaram para uma cena a alguns metros de distância. Rique e Vitória dando um amasso em pleno corredor. De repente, a dor no meu coração voltou. Eu estava definitivamente confusa.

– Hum... Bel... Você ia me achar uma biscate se eu gostasse de dois caras ao mesmo tempo?

– Claro que não, mas... Como assim? De quem você tá gostando além do Henrique?

– Eu não tô gostando! – exclamei, na defensiva - Bom, não sei se tô... Talvez seja só uma queda...

– Fala logo! – ela exclamou, sorrindo.

– Ta... Eu acho que... Eu to meio a fim... do Tristan.

– Ai, Deus... – comentou Bel.

– Mas, por favor, não conta pra ninguém ainda, tá? Eu quero ter certeza, primeiro.

– Tá legal. Mas eu realmente espero que você esteja, por que eu não agüento mais te ver sofrendo.

Voltei pra casa pouco depois daquilo. Assim que entrei, minha tia gritou da cozinha:

– Emilia! Tem uma coisa pra você em cima da sua cama!

– Ok, já vou ver!

Subi as escadas correndo, larguei a mochila no chão e fui direto para o computador, ver minha nota. Tirei oito e meio, valendo dez. Uma onda de alívio invadiu meu corpo. Eu sempre ficava ansiosa em relação às minhas notas. Fiquei surpresa com o fato de que, mesmo com tantas coisas acontecendo, com tantas distrações, eu ainda tenha conseguido ir bem.

Girei na cadeira e me deparei com o enorme embrulho da Catarina Park em cima da minha cama. Caminhei tranquilamente até ele e levantei a tampa de uma vez só. Havia um emaranhado de tecido azul marinho dentro. Um vestido. Tirei-o da caixa com cuidado.

De repente, um flashback passou por minha mente. Aquele vestido... Não era possível, mas... Eu tinha certeza. Era o vestido do meu sonho.

Coloquei-o de volta na caixa e desci até a cozinha. Tia Ana estava mexendo uma massa de bolo numa tigela de prático.

– Ahn... Tia... Pra quê é aquele vestido?

– Pra festa de amanhã à noite! Eu vi na vitrine e achei que ficaria lindo em você!

– Ah... Valeu! – foi tudo que consegui dizer.

Ótimo. Agora eu teria que ir à festa de qualquer jeito. Não podia dizer “não” depois que minha tia havia gastado uma provável fortuna naquele vestido.

Tia Ana costumava se preocupar muito com esse tipo de coisa. Como eu cresci sem mãe, ela se sentia importante por ser a única figura adulta feminina na casa e, por eu ser uma caçadora, ela tinha medo que eu deixasse essas coisas completamente de lado. Ao contrário do meu pai, ela era totalmente a favor da minha vida dupla.

Acordei naquela manhã de domingo mais animada do que imaginei que estaria. Afinal, quem eu queria enganar? Eu adoro festas, mesmo quase nunca tendo a oportunidade de ir e, apesar do meu atual humor naquela semana, uma festa continuava sendo uma festa.

A manhã e a tarde passaram muito rápido e eu encarava o vestido azul em cima da minha cama, já de cabelo e maquiagem feitos. Quando o coloquei, encaixou perfeita e magicamente, como se tivesse sido feito especialmente pra mim. Ou como se a tia Ana soubesse exatamente o meu tamanho, mas a primeira opção era mais satisfatória.

Coloquei uns brincos e um colar que combinavam, passei meu perfume favorito e logo já estava dentro do carro, olhando as luzes passando pela janela enquanto meu pai dirigia até o lugar da festa.

– Se cuida, viu? – avisou, assim que estacionou o carro.

– Claro, pai!

Subi as escadas até o salão de festas correndo, o barulho do salto bem audível. Estava muito frio e meu vestido frente única não ajudava em nada. Eu normalmente odiava chegar sozinha em festas porque sempre achava que não ia encontrar ninguém conhecido e ficaria sozinha a noite toda. Mas naquela noite, eu não me importava. Estava ali para esquecer os acontecimentos ruins.

Assim que abri as portas, o calor, a música e as centenas de vozes conversando me alcançaram. Avistei Bel sozinha num canto e fui até ela. Bel usava um vestido preto até os joelhos e o cabelo longo e castanho estava preso num rabo de cavalo bem feito.

– Oi! – cumprimentei-a com um beijo na bochecha.

– Oi! Você tá linda!

– Ah, valeu, você também!

– E aí, já encontrou o príncipe das trevas de cavalo branco?

– Qual deles? – brinquei.

– O emo.

– Ah, o Tristan. Cala a boca, ela não é emo. – apesar do cabelo preto que caía sobre os olhos e a atmosfera sinistra que carregava - Não, eu acabei de chegar.

– A coisa com ele é pra valer?

– Não sei. – suspirei.

De repente, as portas se abriram e Tristan entrou com Carla ao seu lado. Ela usava um vestido pink deslumbrante e ele um terno arrumadinho.

– Falando no diabo... – comentou Bel, mas eu nem dei atenção, pois corri ao encontro dele e o abracei.

– Oi! – ele exclamou, me abraçando de volta e inundando meu mundo de perfume – Você veio!

– Oi! – soltei-o. Meu vestido azul e a gravata vermelha dele destoavam totalmente. Por que eu estava reparando nisso, mesmo? – É, eu vim!

– Ótimo, assim você se diverte um pouco! Vai na escola amanhã?

– Tenho que ir, né? Entregar um trabalho de inglês. E você?

– Talvez. Terça eu vou, com certeza, por que é o último dia de teatro, mas acho que vou só depois do meio dia.

De repente, ele pareceu ver alguma coisa atrás de mim.

– Er... Você pode esperar aqui? Tenho que fazer uma coisa.

– Claro.

Tristan passou por mim como um raio e assim que me virei, Bel estava do meu lado.

– Ai, desculpa por ter te largado lá sozinha!

– Relaxa, você ta a fim do cara. – não consegui dizer se ela estava brava ou não.

– Como pode ter certeza?

– Emi, eu já disse que vejo amor nos olhos das pessoas!

Senti que estava ficando vermelha e ela riu.

De repente, alguém me cutucou e eu virei. Era Thaís, num lindo vestido dourado.

– Oi! – exclamamos.

– Oi! E aí? Ouvi vocês falando sobre amor... – ela sorriu maliciosamente.

– Hum... Thaís, podemos sentar? – perguntei.

Eu conhecia a Thaís melhor do que eu conhecia qualquer pessoa naquela escola. Sabia como ela iria reagir quando eu contasse sobre o Tristan. Graças a muitas frustrações amorosas na vida, a Thaís era muito pé no chão e totalmente contra gostar de alguém que não gosta de você.

– Ah, pode ser.

Nós três nos sentamos num banco estilo anos 50, ao redor de uma mesa.

– O que você acha de gostar de dois caras ao mesmo tempo?

– Bom... Eu acho meio errado. Por que não tem amor sabe?

– Claro que tem! E se a pessoa gostar muito dos dois e não conseguir decidir de qual gosta mais?

– Emilia, de quem você tá gostando? – ela me encarou.

– Eu? Como assim? Eu?

– Emilia...

– Do Tristan. – desviei os olhos.

Ai. – sua expressão ficou tensa – Emi... Você sabe sobre a história dele com a Marina, né?

– Sei, claro...

– Você sabe o que eu penso sobe isso. – ela parecia preocupada – Você não devia gostar dele, só vai sofrer.

– Eu sei, mas... Por mais que eu tente, não consigo.

– Eu ainda acho que você só está confundindo as bolas. Qual é, você nem superou o Rique direito, como pode estar gostando de outro já?

– Eu... Eu não sei! Não consigo explicar!

– Você sabe que vai sofrer, né?

– Sei.

– Só quero o seu bem, Emi.

– Não precisa se preocupar comigo, Tha.

Meus olhos varreram o local e encontraram Rique e Vitória, se beijando como sempre. A sensação de dor voltou. Mas, dessa vez, eu podia jurar que ela estava mais fraca.

Foi quando percebi que Bel tinha passado a conversa toda quieta, olhando para um ponto. Ao olhar para o mesmo lugar, descobri o porquê. Lá estavam Tristan e Marina, conversando como o casal mais feliz da festa, o vestido preto dela combinando totalmente com ele, ao contrário do meu. Como a própria Bel havia dito, eu podia ver o amor nos olhos dele.

E, rápida como um raio, a dor voltou. Na verdade, era uma nova dor ainda mais forte que a antiga. A dor por Rique agora parecia estar num passado distante.Tive que me segurar para não chorar, afinal, eu havia dito que sabia que iria sofrer e que a Thaís não tinha que se preocupar comigo.

Não me lembro muito do resto da festa.

A manhã de segunda passou voando. Agora estávamos eu, Thaís e Bel sentadas no lugar onde costumávamos sentar no térreo. Tristan estava sentado exatamente do outro lado, com Natasha e Carol, duas meninas da turma 4 com quem eu não falava muito, pois elas pareciam muito metidas. Ele não havia falado comigo a manhã toda.

– O que foi? – perguntou Thaís, quando me viu mal.

– O Tristan. Por que ele não fala comigo?

Thaís me deu um olhar de reprovação.

– Por que você não vai lá falar com ele? – sugeriu Bel.

– É uma linha de duas pontas. Ele pode muito bem vir falar comigo.

Bel suspirou.

Eu encarei Tristan, com lágrimas nos olhos. O que estava acontecendo?

Naquela noite, quando vi a bolinha verde ao lado do nome de Tristan subiu no chat do Facebook, eu já sabia o que falar.

Emilia Forstensi:

*Oi. Você tá bravo comigo?

Tristan Reed:

*Não. Porque?

Emilia Fostensi:

*Chateado?

Tristan Reed:

*Também não. O que tá acontecendo?

Emilia Forstensi:

*Se você não tá nem bravo, nem chateado, por que me ignorou totalmente hoje?

Tristan Reed:

*Ah, isso.

Emilia Forstensi:

*É, isso.

*...

Tristan Reed:

*Eu não te ignorei. Eu só não fui falar com você porque achei que você não queria falar comigo.

Emilia Forstensi:

*O que? É claro que eu queria falar com você!

Tristan Reed:

*Ótimo, então foi tudo um mal entendido.

Emilia Forstensi:

*Hum.

A conversa continuou normalmente. Bom, nem tão normalmente assim. Tristan estava mais quieto do que de costume e não queria me falar por que. Alguma coisa estava acontecendo.

Na manhã seguinte, enquanto caminhava até o elevador, senti um cheiro conhecido. Não, eu devia estar ficando louca... Não tinha a mínima possibilidade de ele estar ali...

– Emilia! – a voz conhecida me chamou e eu virei.

Tristan estava sentado num banco, sem uniforme, e fez sinal para que eu fosse até ele. Aceitei e fui direto para os braços dele.

– Achei que você só fosse vir depois do meio dia!

– É, eu também! Aí eu descobri que tenho uma excursão ao necrotério!

– Nossa... Que coisa divertida pra se fazer no último dia de aula!

– É, né...

– Bom, tenho que ir pra aula.

– Ok, te vejo à tarde?

– Claro – sorri.

Ele me deu um último abraço e subi para a minha sala.

A primeira aula era de Inglês e nossa professora nos dividiu em duplas. Ironicamente minha dupla era Marina. Terminamos extremamente rápido e paramos pra conversar.

– Emilia... Você é amiga do Tristan, né?

– Claro!

– Bom... Disseram que ele vai me pedir em namoro, é verdade?

A dor tomou seu lugar já conhecido em meu peito.

– Er... Eu não sei. Mas se ele pedir, você vai aceitar?

– Não sei... Eu tô dividida. Eu gosto muito do Tristan, mas também gosto do Eric. E eu não sei de qual dos dois eu gosto mais! E as pessoas estão começando a comentar, sabe?

– Bom... Eu acho que... Você não devia aceitar nenhum dos dois. Pelo menos, não agora. Por que... E se você disser sim pra um e perceber que gosta mais do outro? E se você conhecer outro cara nas férias? Você só vai acabar magoando as pessoas.

– É você tem razão... Valeu pelo conselho, Emilia!

Ok, aquilo foi muito, muito errado. Sem falar que foi completamente egoísta! Era óbvio que eu só disse aquilo para que ela dissesse “não’ e eu pudesse ter alguma chance com ele.

Mas... No fundo, tudo o que eu disse era verdade e eu meio que tinha me convencido com aquilo. Se ela dissesse sim pro Tristan e depois percebesse que gostava mais do Eric e terminasse com ele, Tristan iria ficar muito mal. Pior do que se ela dissesse “não”. E, mais do que eu queria vê-lo comigo... Eu não queria vê-lo sofrendo.

Então, no fundo, eu fiz aquilo pelo bem de todos. Certo?

O resto do dia passou bem rápido. Nosso trabalho de inglês foi o melhor da sala e o de filosofia tirou nota máxima. Fiz dupla com Tristan no exercício de confiança na aula de teatro e arrasamos. Agora estávamos eu, ele e Bel sentados num banco, esperando o pai dele chegar para buscá-lo.

Estava tudo em silêncio. Eu olhava pra baixo, encostada nele, sentindo seu perfume. Então, decidi fazer uma coisa. Desabotoei a pulseira que vinha usando há algumas semanas e abotoei de volta no braço dele.

– Você me devolve quando voltar das férias.

– O que é isso? Algum tipo de promessa pra provar a minha amizade?

– É, algo do tipo! – sorri.

– Ok, eu vou usar.

– Não perca.

– Pode deixar.

Ouvimos uma buzina. O pai dele havia chegado.

Nos levantamos quase ao mesmo tempo. Abracei-o fortemente e ele me abraçou de volta.

– Vou sentir sua falta – comentei.

– Emilia, vamos nos falar pelo computador daqui algumas horas...

– Não é a mesma coisa.

Ele riu e apertou o abraço. Depois me soltou e deu um beijo na bochecha de Bel. Nós duas assistimos enquanto ele ia embora. Se ao menos eu soubesse o quanto as coisas iriam mudar depois daquilo...


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