Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 18
Surpresa




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Acordei na madrugada de segunda-feira bem mais animada do que eu esperava. O sol nem havia saído ainda, por que eu havia acordado bem mais cedo que o normal para me arrumar para a viagem. Meus parentes tinham que trabalhar, então decidi que não os faria acordar cedo para me acompanharem até a escola e me despedi na noite anterior.

Tomei um banho, coloquei a roupa que já havia separado, tomei o café-da-manhã e chequei minha lista de coisas que estavam na mala. Antes de sair de casa, peguei a passagem em cima do balcão.

Assim que eu pisei dentro da escola, começou a chover. Muito.

Incrivelmente, eu fui a primeira do meu ônibus a chegar. Bel e minha professora favorita, Renée, chegaram logo depois de mim. Antes de sair, os alunos, pais e professores se reuniram na capela da escola para rezar pela viagem.

Fomos de ônibus até Paraty, direto para os hotéis - os meninos tiveram ficar em um hotel e as meninas em outro. Eu, Mia e Bel estávamos no mesmo quarto, como já mencionei.

O pessoal do meu ônibus e eu passamos a tarde numa trilha que levava a uma cachoeira maravilhosa. Chegamos no hotel pouco antes do jantar.

Eu estava deitada na minha cama, esperando Bel sair do banho e comendo um dos chocolates que havíamos contrabandeado, quando Mia entrou sorridente com o Itouch na mão.

– Oi! Eu tava lá embaixo com as meninas. Por que você não tava lá com a gente?

– Ah, você sabe que eu não gosto de ficar lá. Nunca me encaixei.

– Hum... O Tristan ligou. Ele mandou um oi.

– Ah é?

– É. Ele falou com todo mundo.

– Ele não quis falar comigo?

– Não, só mandou um oi, mesmo.

– Hum...

Minha tristeza começou a voltar, mas espantei-a rapidamente. Eu estava nessa viagem para me distrair e me divertir.

– Emi... Você me odeia? – a pergunta me surpreendeu.

– Quê? Claro que não, Mia!

– É que eu tenho andando muito distante de vocês e achei que vocês me odiassem por isso.

– É uma escolha sua, ok? E lembre-se que você passou pela transformação, por isso se afastou. As outras não sabem de nada, mas eu te entendo por passar mais tempo com os espectros do que com a gente.

– Sério? – ela parecia realmente aliviada.

– Sério.

– Ai, brigada!

Mia ia pular em mim e me abraçar quando Bel abriu a porta do banheiro.

– Gente, vocês têm que experimentar esse chuveiro! É o melhor chuveiro do mundo!

E ela tinha razão.

Tomei meu banho, sequei meu cabelo, coloquei um short, uma blusa soltinha e rasteirinhas, e nós descemos para o saguão. Naquela noite, haveria um luau e nosso hotel não era muito longe da praia, então fomos a pé.

A praia estava toda decorada com lampiões, havia uma mesa com frutas e um pessoal tocando músicas locais. Olhei para o céu, que ao contrário do de São Paulo, era repleto de estrelas. A lua estava quase cheia. Talvez se completasse em três ou quatro dias. Eu tinha que tomar cuidado, pois se fosse pega pela lua cheia, aquela força tomaria conta de mim de novo. Eu já podia senti-la chegando.

E então ouvi um latido.

Um arrepio percorreu todo o meu corpo. Meu coração acelerou. Meu estômago embrulhou. Cachorros. A única coisa da qual eu tinha mais medo do que da força.

Virei-me lentamente e vi dois vira-latas se encarando, prestes a brigar, a uns quinze metros de onde eu estava. Eles não repararam em mim. Eles não vieram até mim. Mas eles viriam. Eles sempre vêm.

– Emi, você tá bem? – Bel perguntou. Nem tinha percebido que ela tinha estado sentada ao meu lado o tempo todo.

– Tô, tô sim. Eu só preciso dar uma volta.

Fiquei em pé e comecei a andar de volta para a cidade. Caminhei em silêncio por um bom tempo, enquanto pensava na vida. Era incrível que nenhum professor tivesse percebido minha saída.

De repente, ouvi um grito. Uma mulher virou uma esquina correndo, vindo na minha direção. Ela tinha cabelo preto Chanel e vestia uma camiseta, uma calça jeans e sandálias nos pés.

– O que houve? – perguntei.

– Essa... Essa garota está atrás de mim! Ela vai me matar! – entendi imediatamente que se tratava de um espectro.

– Não se preocupe, eu cuido dela.

– Não, eu não posso deixar você brigar com ela sozinha! Você vai morrer!

– Relaxa, moça, eu sei o que fazer. Só vá para um lugar seguro e bem longe.

– Tudo bem. – ela assentiu, apreensiva, e continuou correndo.

Encarei a esquina de onde ela tinha vindo. Estava completamente escura.

É claro que eu sabia o que fazer, mas minha pistola de lágrimas tinha ficado em casa. Como se eu esperasse que um espectro fosse surtar em plena excursão da escola! Ok, ok, talvez eu pudesse me deprimir com a minha vida o suficiente para começar a chorar e parar quem quer que fosse, mas tinha um pequeno problema: eu não conseguia ficar triste, por que eu não tinha mais alma.

A tal garota que estava perseguindo a mulher apareceu correndo na esquina, mas parou abruptamente ao me ver. Estava escuro, eu não conseguia ver quem era.

Então, de repente, senti como se alguma coisa estivesse me puxando para aquela garota. Um fio de felicidade, tristeza, raiva... Podia quase ver as emoções flutuando no ar.

– Foi você, não é? Foi você quem roubou minha alma.

– Talvez. – tentei reconhecer a voz. Parecia familiar, mas era como se a garota estivesse “magicamente” alterando a própria voz para não ser reconhecida.

– Devolva.

– Ah, tá, por que eu faria isso?

Dei um passo a frente.

– Se você der mais um passo, eu corro, e você fica sem sua alma.

Engoli em seco. Essa poderia ser minha única chance.

– Então vamos fazer o seguinte: você devolve minha alma e eu prometo não ir atrás de descobrir quem é você.

A garota riu.

– Você não está exatamente em posição de fazer propostas.

Ela tinha razão. Eu não sabia mais o que fazer. Não tinha como atacá-la, não tinha como convencê-la. Sem contar que ela podia me matar a qualquer momento. Só me restava fugir.

– Devolva a alma dela.

Virei e me deparei com Bel apontando uma pistola de lágrimas para a garota nas sombras.

– Bel? Mas o quê? – eu não estava entendo mais nada.

– Eu mandei devolver a alma dela, tá esperando o que?

Mesmo no escuro, pude ver que a garota deu um passo pra trás. Derrotada, ela ergueu as mãos, segurando uma espécie de névoa prateada em forma de esfera. Jogou a esfera em minha direção e fui derrubada no chão.

E então eu desmaiei.

Quando recuperei a consciência, estava deitada no piso gelado de uma calçada. Sentei-me, sentindo dores no corpo todo.

– Como você se sente? – Bel perguntou. Ela estava sentada do meu lado.

– De ressaca, apesar de nunca ter passado por isso. O que aconteceu?

– Aquele espectro jogou uma bola estranha em você, aí você desmaiou e ela fugiu.

– Por quanto tempo eu apaguei? – massageei as têmporas.

– Uns quinze minutos.

Então, de repente, minha ficha caiu e eu olhei para Bel, boquiaberta.

– Você é uma caçadora?

– É, pois é. E ainda tô tentando descobrir o que você é.

– Ah, eu sou uma caçadora também!

– Você não é só isso.

Sentei-me corretamente na calçada, tentando parecer menos ansiosa do que estava.

– Ok, como você sabe?

– Eu ouvi a conversa entre vocês. Parece que já se conheciam.

– É, talvez a gente se conheça.

– Emilia, dá pra me contar o que tá pegando? Por que eu não estou me sentindo exatamente como se pudesse continuar confiando em você.

– Tudo bem, tudo bem, eu conto. Pode esperar chegarmos ao hotel? As pessoas vão começar a perceber que sumimos.

– Ok. – ela assentiu, mas seus olhos demonstravam pura desconfiança, além de um pouco de raiva.

Passamos o resto do luau em silêncio. Quando chegamos ao nosso quarto, Mia perguntou:

– Tá legal, o que tá pegando? Vocês tão estranhas.

Respirei fundo.

– A Bel é uma caçadora também.

Mia olhou boquiaberta para Bel.

– E o que a Mia é? – perguntou Bel.

– Eu... – ela olhou para mim, como se perguntando o que deveria dizer.

– Tudo bem, Mia, pode falar.

– Eu sou um espectro.

– Entendi. É, minha mãe me contou que tinham uns espectros na escola, mas eu não sabia que você era uma deles.

– Espera, então você sabia sobre os espectros? – perguntei.

– Sim. E você tava começando a se envolver cada vez mais com eles, por isso eu me afastei. Eu não podia te contar a verdade, não sabia que você também era caçadora. E eu não podia matar nenhum deles porque nunca os vi fazendo nada de errado.

– Não acredito! – exclamei. Esse tempo todo, era por isso que ela não falava mais comigo.

Nós nos sentamos nas camas e eu e Mia contamos a Rachel absolutamente tudo. Desde quem era espectro, até o que havia acontecido comigo nos últimos meses.

– Você vai se juntar a nós? – perguntei.

– Não.

– Como assim?

– Emilia, eles podem se dizer do bem e tal, mas ainda são espectros. E eu ainda sou uma caçadora. Não vou ficar andando com as criaturas que caço.

– Mas eu também sou uma caçadora e me juntei a eles. Não sei por que você não pode fazer o mesmo!

– Porque eu não estou apaixonada por um deles.

– O-o que? Como assim, Bel? Uma coisa não tem nada a ver com a outra! Eu ando com os espectros por que é o certo, não por causa do cara que eu amo.

Ela deu de ombros e saiu do quarto. Não nos falamos mais depois daquilo.


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