Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 16
Memórias


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, estou viajando e programei os capítulos dessa semana, então e desculpem se eu não responder os comentários rápido o suficiente, ok?



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Dois dias cheios de visitas depois daquela conversa, eu finalmente tive alta. Consegui que meu pai me deixasse sair com Tristan e Rique antes de ir pra casa e como esperado, eles me levaram para o QG dos espectros. Estava assustadoramente vazio lá embaixo, o que era meio estranho, considerando o fato de que havia vários espectros na cidade.

– Por aqui. – disse Rique, abrindo uma porta pela qual eu nunca havia entrado.

Lá dentro era quente e aconchegante. Estantes repletas de livros cobriam as paredes e em vez de lâmpadas, a sala era iluminada por dezenas de velas. No centro, havia cerca de cinco pufes e uma poltrona formando um circulo. Sentado na poltrona estava um homem vestido de preto, aparentando uns cinquenta, sessenta anos, os cabelos completamente brancos e os olhos mais azuis que eu já havia visto.

– Emilia, esse é o Christiano, nosso “líder”. – explicou Tristan.

Christiano levantou-se de sua poltrona e deu um largo sorriso.

– É um prazer conhecê-la, Emilia Forstensi, paz e bem. Pode me chamar de Chris.– ele tinha um forte sotaque, talvez holandês.

– Ele também lê mentes e coisas do tipo. – comentou Rique enquanto ele e Tristan se jogavam em dois dos pufes.

– Venha cá. – disse Chris. Eu me aproximei e percebi que ele me olhou de cima abaixo, como se me examinasse. Então, estendeu a mão direita para mim – Importa-se?

– N-não... – estendi a mão para ele. Chris pegou minha mão calmamente e fechou os olhos.

Comecei a ficar preocupada, mas então ele abriu os olhos e disse:

– Vocês tinham razão. Emilia é um espectro.

– Como isso é possível? – perguntei.

– É, ela não passou pela transformação. – concordou Tristan.

– Não, garotos. Eu disse que Emilia é um espectro, não que virou um. Acho que ela simplesmente perdeu a alma dela.

– Ahn? – perguntamos os três ao mesmo tempo.

– Espectros são o que são por que não tem alma. É por isso que precisamos nos alimentar de almas humanas: para preencher o vazio da nossa.

– Quer dizer que tiraram a alma dela? – perguntou Rique. Ele e Tristan pareciam fascinados com a coisa toda.

– Mas um humano morre ao perder a alma. – fui eu a comentar.

Chris sorriu para mim.

– Você é uma garota muito especial, não?

– O que faremos? – perguntou Tristan.

– Eu sugiro que pesquisemos sobre o passado de Emilia. O que sabe sobre a sua família? – perguntou Chris.

– Bom, a minha família vem de uma geração de caçadores de espectros. – respondi, com medo que ele se assustasse, o que não aconteceu.

– E os seus pais?

Engoli em seco. Não gostava de falar sobre isso com as pessoas. Resolvi me sentar antes de continuar.

– Meu pai costumava caçar espectros com o resto da família, mas odiava isso, então fugiu. Minha mãe morreu enquanto estava grávida de mim. Um espectro a matou. Mas meu pai conseguiu me tirar da barriga dela, afinal, ela estava sem alma, mas o corpo ainda funcionava. Desde então, ele jurou matar cada espectro que encontrasse para vingar a morte dela.

– Acho que devíamos falar com seu pai. – comentou Chris, interrompendo meus pensamentos.

– Meu pai? Ficou louco? Ele mataria vocês.

– Você não nos matou quando soube. – disse Ethan.

– É, mas eu sou eu!

– Emilia. – Tristan estava do meu lado agora – É o único jeito de descobrirmos e consertarmos o que aconteceu com você.

Respirei fundo.

– Tudo bem.

Concordei em voltar no dia seguinte com meu pai e fui pra casa, pensando no que faria para convencê-lo disso. Eu e meu pai nunca conversávamos. Vivíamos cada um no seu mundo e ele não sabia quase nada da minha vida.

Quando cheguei, ele estava na cozinha, fazendo o jantar.

– Ah, que bom que você chegou. – a voz dele estava fraca. Ele estava definitivamente preocupado comigo, o que fez com que eu me sentisse ainda mais culpada.

– Pai precisamos conversar. – sentei-me em uma das cadeiras em volta da mesa.

– Claro, filha. – ele desligou o fogão e se sentou na minha frente. Acho que ele esperava que eu explicasse por que havia tentado me matar.

– A minha vida... Tem estado confusa... Eu descobri umas coisas... O Tristan...

– Você gosta dele né?

– Não é isso! – exclamei rapidamente.

– Emilia, você não precisa esconder esse tipo de coisa de mim, se foi por causa dele que você...

– Ele é um espectro, pai.

Meu pai ficou em silêncio, e de repente com raiva.

– Ele é o quê? Emilia, como você pode interagir com uma criatura dessas?

– Pai, não é o que parece!

– Ah não? O que é então?

– Ele não é mau. Nenhum deles é...

– “Nenhum deles”? Tem mais de um? Tá vendo? É por isso que você não tinha nada que ter ido pra escola e vivido uma “vida normal”. A sua tia ficou enchendo sua cabeça com essas coisas, e...

Pai! – gritei e ele parou de falar – Você não percebe que é esse tipo de reação que me faz nunca contar nada pra você? - ele respirou fundo, provavelmente se lembrando que eu havia cortado os pulsos há algumas horas – Tem um grupo de espectros bons. Eles são meus amigos. E eu preciso que você vá ao quartel general deles comigo amanhã.

– Você tá brincando comigo, né, filha?

– Você precisa fazer isso se quiser me ver bem de novo, pai.

Ele olhou para mim, desconfiado, e respirou fundo. Eu tinha conseguido.

Na manhã seguinte, levei meu pai ao QG. Ele hesitou ao entrar no alçapão e continuou desconfiado por todo o caminho até a sala do Christiano.

– Esses são o Tristan, o Rique e o Chris.

– Obrigado por vir, Carlos. – disse Chris.

– De nada... Então, por que vocês me chamaram aqui? – meu pai se sentou em uma poltrona, completamente desconfortável.

– Nós achamos que Emilia virou um espectro. – disse Chris, de uma vez.

– O quê? Como assim? – a cor sumiu de seu rosto novamente, como se ele nunca tivesse se recuperado.

– A verdade – Chris continuou – é que nós espectros começamos a vida como humanos normais e em algum período dela nos transformamos.

– E foi isso que aconteceu com a Emilia?

– Não. – respondeu Chris – Emilia perdeu sua alma e por algum motivo, em vez de morrer, tornou-se um espectro.

– E por que vocês precisam de mim?

– Achamos que se soubermos mais sobre o passado de Emilia, podemos resolver esse enigma. Ela me disse que sua esposa foi morta por um espectro e você a salvou a tempo. – Chris estreitou os olhos para o meu pai – Mas isso não é completamente verdade, é, Carlos?

– O que ele quer dizer com isso? – perguntei, sentindo meu coração acelerar.

– Eu não sei. Foi isso que aconteceu! – defendeu-se meu pai.

– Carlos, eu posso ler sua mente. Diga a verdade ou eu direi. – ameaçou Chris.

– Pai, o que está acontecendo? – perguntei, sentindo a raiva e o medo se misturarem no meu corpo. Aquela sensação estava voltando. A força...

– Emilia! – exclamou Tristan, trazendo-me de volta – Foco. Nos diga a verdade, Carlos, por favor.

– Tudo bem. – meu pai se endireitou no pufe e olhou pra mim. – Emilia, querida... Eu... Eu não sou seu pai biológico.

O que? ­– a confusão dominou minha mente. Senti o chão sumir embaixo dos meus pés e me joguei num pufe antes que desmaiasse. – Pai, o que você tá falando? Como assim?

– Eu amava a sua mãe. Ah, com eu amava. Éramos todos muito jovens. Eu amava a Emilia, mas ela só me via como amigo. Aquilo estava acabando comigo. Tanto que eu resolvi abandonar o negócio da família e passar o tempo sozinho pra me recompor. Eu simplesmente não suportava vê-la com aquele outro cara. Ele mais velho, tinha até um bebê de outro relacionamento e ela ainda preferia ficar com ele do que comigo.

“Então, numa noite, eu resolvi voltar pra São Paulo. Decidi passar pela casa da sua mãe. Era lua cheia. Quando me aproximei, pude ouvir os gritos, então corri e cheguei a tempo de ver o espectro com uma mão semi-transparente saindo de suas costas, enfiada no peito dela, como uma garra, sugando sua alma. Aquele tempo todo o cara era um espectro, debaixo dos meus próprios olhos e do dela. Por sorte, eu sempre guardava uma pistola de lágrimas comigo e atirei nele, mas ele fugiu. Era tarde demais para salvar a vida da Emilia, mas consegui salvar a sua. Não podia te deixar sozinha, então te criei como se fosse minha filha.”

– E por que nunca me contou isso? – eu estava chorando.

– Por que eu tive medo que você fosse atrás dele. Eu simplesmente não podia suportar a ideia de você convivendo com uma criatura horrenda como a que matou a sua mãe. Mas parece que meus esforços não serviram pra nada.

– Então, você está dizendo que Emilia é filha de um espectro com uma humana? – perguntou Tristan.

– É. – respondeu meu pai.

– E qual era o nome dele? – perguntou Chris.

– Daniel. Daniel Álvarez.

Não! – gritou Rique, assustando a todos.

– Rique, o que aconteceu? – perguntei.

Ele me encarou, pálido como um fantasma.

– Daniel Álvarez... Era o nome do meu pai.

Meu queixo literalmente caiu. Eu fiquei ali, parada, por vários minutos, tentando assimilar as informações que havia acabo de receber. Então, finalmente consegui levantar e caminhar lentamente até o pufe em que Rique estava sentado. Ele se levantou.

– Você... É meu meio-irmão? – perguntei tão baixo que achei que ele não ouviria.

– É o que parece.

Abracei-o fortemente e comecei a soluçar, contendo as lágrimas para não matá-lo. Tá, eu mais soltei todo meu peso sobre ele do que o abracei. Quando me recompus o suficiente pra conseguir falar, perguntei:

– O que houve com ele?

– Ele e a minha mãe morreram quando eu era muito pequeno. Então, o Chris me criou. Sendo filho de dois espectros, era inevitável que eu me transformasse uma hora ou outra. - parecia doloroso para ele falar sobre isso.

– Desculpe. – disse meu pai – Eu... Não queria ter dito tudo aquilo sobre o seu pai.

– Eu sei, não se preocupe. Eu só... Não entendo. Se ele trocou minha mãe por uma humana, como pôde matá-la?

– Eu sei. – respondeu Christopher e todos nos viramos para ele – Lembram-se do que eu disse sobre as profecias espectrais?

Tristan e Ethan assentiram.

– Profecias espectrais? – perguntei.

– Deixe-me explicar. Cada espectro que existe está destinado a ficar com uma pessoa para sempre, sua alma gêmea, seja espectro ou humano, seja homem ou mulher. Porém, quando um espectro está ligado a um humano ou humana, seus poderes não podem matá-lo. Acredito que Daniel pensou que Emilia fosse sua alma gêmea e que não poderia machucá-la, mas estava enganado e quando a lua cheia o atingiu, ele não pôde resistir.

– Então, o que faremos em relação à Emilia? – perguntou Tristan.

– Bom, sendo uma mestiça, deduzo que assim que sua alma se foi, ela virou um espectro. Só precisamos recuperar sua alma.

– Recuperá-la? – perguntou Rique. Ele parecia muito mais abalado que eu com o que estava acontecendo, como se várias cenas estivessem passando pela mente dele ao mesmo tempo.

– É. Vejam bem: Você não pode matar um mestiço por meios humanos ou por lágrimas. Você precisa tirar sua alma e, uma vez que ele é só espectro, matá-lo com lágrimas ou com poderes de espectro.

– Você quer dizer que alguém roubou a alma da Emilia? – perguntou Tristan.

– Sim. E precisamos recuperá-la. – respondeu Chris – O primeiro passo é descobrir quem foi. Vamos, garotos, temos muito trabalho a fazer. Paz e bem, Emilia e Carlos.

Tristan sorriu pra mim e eu sorri de volta. Ele puxou Rique pela mão para que o seguisse e Rique nem se despediu, mas eu não podia culpa-lo. Fiquei a sós com o meu pai na sala.

– Emilia... – ele tinha lágrimas nos olhos e eu também.

– Não precisa dizer nada. Não importa o que aconteceu. Não importa quem me colocou na barriga da minha mãe. Você é e sempre será meu pai de verdade.

O rosto de meu pai se iluminou com o alívio.

– Ah, querida! – meu pai levantou-se do pufe e me abraçou – Sua mãe estaria orgulhosa de você agora.

– É, eu sei.


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