Hunter escrita por Jiinga


Capítulo 1
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- A gente devia jogar verdade ou desafio. - sugeri.

Estávamos eu, Tristan, Bel e Yuji no café. Era uma tarde de segunda-feira. Eu tinha saído para “lembrar dos velhos tempos” com Yuji e Bel, já que não íamos ao café há meses. Tristan havia faltado na aula de violão e se metido com a gente naquele lugar.

- Pode ser - respondeu Tristan, colocando os pés em cima da mesa.

- Você topa, Bel? – perguntei, olhando para ela.

- Claro, por que não?

- Ué, você disse que odeia essas coisas!

- Mas se todo mundo for jogar, eu jogo também, ora. – ela parecia desconfortável, mas ignorei. Bel tinha longos cabelos castanhos, uma altura razoável e seios que deixavam a grande maioria das meninas com inveja. Eu a conhecia desde... Desde sempre. Estudamos juntas desde a primeira série, mas ultimamente ela andava meio... Distante.

Yuji girou uma caneta na mesinha de centro.

- Verdade eu desafio? – perguntei para Rachel.

- Desafio.

- Eu te desafio a ir até a mesa ao lado e roubar um muffin!

- Fácil! – assistimos enquanto ela ia até a mesa do lado e falava com o cara que havia comprado o muffin. Ele rapidamente o entregou a ela, sem tirar os olhos do decote de Bel, e ela voltou para nossa mesa - Vai ter que dificultar mais na próxima. - ela girou a caneta. - Agora você pergunta pro Yuji.

- Verdade ou desafio? - perguntei.

- Desafio! - respondeu Yuji, animado. Yuji era muito inocente nessas brincadeiras, eu vivia abusando disso.

- Ok, você tem que chupar o canudinho do milk-shake sensualmente!

- Que nojo! – exclamou Bel

- Vai logo! - exclamei.

- Tá, tá, tanto faz - Yuji pegou o canudinho e fez o que eu mandei. Nós duas rimos, mas Tristan permaneceu indiferente.

Girei a caneta. Tristan teria que perguntar para mim.

- Verdade. Vá em frente, pergunte o que você quer saber. – sorri desafiadoramente.

- Eu não tenho nada pra te perguntar! – ele cruzou os braços.

- Qual é? Você sabe o que quer perguntar!

Na noite anterior, por algum motivo, eu havia contado a ele que estava apaixonada e ele queria saber por quem. Eu estava apaixonada por Henrique, o melhor amigo de Tristan, há um mês. Porém, uma amiga minha, Vitória, também estava. Isso complicava tudo, porque eu não queria magoá-la se ele quisesse ficar comigo.

- Tá legal. – ele suspirou e tirou os pés da mesa - De quem você gosta?

- Adivinha!

- Sei lá, fala! – ele revirou os olhos, desinteressado. Eu sabia que estava começando a estressá-lo, mas continuei.

- Não, você tem que adivinhar!

- Eu não tenho a mínima ideia!

- Vai! Você tem três chances! - insisti.

- Rique? – ele levantou uma sobrancelha.

- Aham!

- Uau! Nossa, eu não tinha ideia! – ele comentou, ainda indiferente, e eu podia dizer que ele estava sendo irônico.

- Jura? Não tá nem um pouco na cara?

- Não!

- Bom saber! – fingi acreditar e encostei minhas costas na cadeira - Ai, cansei de jogar isso...

- Ai, gente, eu tenho que ir! - exclamou Bel, olhando a hora em seu celular - Vai comigo até em casa, Yuji? Não quero ir sozinha a essa hora.

- Beleza, vamos! – respondeu Yuji. Ele vivia levando Bel para casa. Os dois se levantaram.

- E vocês vão simplesmente me largar aqui com o Tristan? - perguntei - Ele pode me estuprar!

- Ah, claro, como não pensei nisso antes? - brincou Tristan.

- Eu tenho mesmo que ir. Meus pais não podem saber que fiquei a tarde toda sem fazer nada! Desculpa mesmo, Emi! Tchau!

- Tchau. – respondemos e os dois saíram do café.

- Quer saber? Eu devia ir pra casa também, tá escurecendo. – comentei, olhando para fora.

- Quer que eu te leve?

- Pode ser! - levantei e Tristan me seguiu. Eu o conhecia há pouco tempo, mas já estava acostumada com sua gentileza exagerada.

Tristan era irmão de uma amiga minha que havia entrado na escola naquele ano. Até um mês atrás, nós quase não nos falávamos direito, mas hoje em dia, Tristan havia virado um dos meus melhores amigos. Eu nem tinha certeza de como tudo havia acontecido. Num minuto, ele era apenas o irmão mais velho de uma conhecida minha da aula de teatro e no outro, estava em todos os lugares que eu ia e falava comigo o tempo todo no Facebook. Caminhamos em silêncio, até que ele perguntou:

- Então... Você gostar do Rique... Quando começou? – eu não conseguia dizer se ele estava genuinamente interessado ou só estava fingindo.

- Hum... Há um mês acho. É que ele é tão... Engraçado, fofo, atencioso... Foi tipo à primeira vista, sabe?

- Aham. Graças a quem? Hein? – ele sorriu, levantando uma sobrancelha. Ah, claro, havia sido por causa de Tristan que eu havia conhecido Henrique. Foi ele quem insistiu para que o Henrique entrasse para a aula de teatro.

- Tá, valeu por ter nos apresentado!

- Disponha. – ficamos algum tempo em silêncio depois disso, até adentrarmos minha rua - Cara, você mora numa rua bizarra!

Ele tinha razão. Eu morava perto da Paulista, mas minha rua era muito assustadora depois que anoitecia.

- É, eu já acostumei.

- Hum... – ele olhou para os próprios pés e, depois de alguns minutos, continuou - Olha, você devia tomar cuidado com o Rique.

- Por quê? – perguntei, talvez rápido demais.

- Eu não devia te contar, mas... A Vitória tá a fim dele também.

Meu coração desacelerou.

- Ah, relaxa, eu já sabia.

- Então, você vai acabar se magoando se ele a escolher. – ele ainda olhava para baixo, distraído, enquanto falava.

- Você sabe de alguma coisa que não quer me contar?

- Não, nada.

Chegamos à porta da minha casa. Sim, eu morava perto da Avenida Paulista, mas morava numa casa. Ela havia sido da minha família há muito tempo e nunca deixamos que a demolissem, pois perderíamos coisas importantes que estavam nela.

- É aqui. - eu disse.

- Não vai me convidar pra entrar, não? – ele sorriu, olhando para mim.

- Ahn... É complicado, minha família é muito estranha, não me leve a mal!

Tristan suspirou, sem perder o sorriso.

- Tudo bem, eu entendo. A gente se vê.

- Tchau - dei um beijo na bochecha dele e entrei em casa.

Eu não trazia meus amigos em casa por duas simples razões.

Primeiro, porque eu tinha a família mais anormal do mundo. Não anormal do tipo louca ou estranha. Anormal porque éramos todos caçadores. Sim, caçadores. E o que caçávamos? Espectros.

Os espectros são criaturas que vivem entre nós e parecem seres humanos comuns, mas são a maior representação do mal. Duas vezes mais fortes e rápidos, três vezes mais perigosos do que qualquer criatura. Nunca vi seres tão frios, sem coração. Um simples toque ou olhar deles tira a alma de uma pessoa.

O segundo motivo era que minha casa era repleta de armas, livros antigos, amuletos, entre outros – as tais coisas importantes que perderíamos se a demolissem -, o que estragaria em segundos os catorze anos em que passei disfarçada. É, ninguém sabia que eu era uma caçadora. Se soubessem, todos iriam me achar louca e eu ia acabar sozinha num manicômio.

Deixei minha mochila no cabide e subi pro meu quarto.

E você se pergunta como uma simples adolescente de São Paulo pode ter começado com essa vida dupla? É uma longa história.

Meu pai, Carlos, costumava caçar espectros desde jovem. Era algo meio que passado de geração em geração na família. Mas ele não gostava disso nem um pouco. Tudo o que queria era ter uma vida normal. Então, ele fugiu de casa aos vinte e um. Foi quando conheceu minha mãe. Eles se apaixonaram, namoraram, casaram-se e ela ficou grávida.

Porém, certa noite, quando ela estava grávida de oito meses, um espectro invadiu a casa deles. Era lua cheia. Os espectros ficam mais fortes e perigosos nas noites de lua cheia. Eles não conseguem se controlar e roubam a alma de pessoas inocentes sem ao menos saber disso. E por algum motivo desconhecido, ele escolheu minha mãe.

Meu pai não pôde reagir, pois iria morrer também. Ele se escondeu enquanto via o espectro matar minha mãe com um simples toque. Eu deveria odiá-lo por ter ficado parado ali, assistindo-a morrer, mas se ele não o tivesse feito, eu não estaria aqui.

Assim que a criatura foi embora, meu pai correu até minha mãe. Foi quando ele viu que ainda poderia me salvar. Cortou a barriga dela e me tirou de lá com vida. Nomeou-me Emilia porque era o nome dela.

Daquele dia em diante, meu pai jurou que vingaria a morte dela, matando todos os espectros que visse pelo caminho, e voltou para sua família, agora comigo. Agora eu morava com ele, meu avô e minha tia. Todos caçadores.

Subi as escadas pra o meu quarto. Ninguém havia chegado em casa ainda, pra variar. Tomei um banho e fui direto para meu notebook para entrar no Facebook. Foi então que um post chamou minha atenção. Era Henrique, dizendo “Dia importante amanhã (:” Mandei uma mensagem pelo chat:

Emilia Forstensi:

*Oi! Dia importante amanhã?

Henrique Álvarez:

*Aham.

Emilia Forstensi:

*Posso saber o que é?

Henrique Álvarez:

*Hum... Digamos que eu vá pedir uma coisa muito importante para alguém muito importante.

Emilia Forstensi:

*Legal!

Depois de uma longa conversa, fechei o notebook, pois, por mais longa que ela tivesse sido, não me deixava esquecer o que ele havia dito. Henrique iria pedir alguém em namoro no dia seguinte, isso era óbvio. Será que... Era eu? Será que esse tempo todo, ele me amava e eu sofri à toa? Meu coração acelerou. Eu nunca havia recebido uma declaração, ninguém nunca havia me pedido em namoro. Será que a hora finalmente havia chegado?

- Docinho, trouxemos pizza! - meu pai me despertou de meus devaneios – Quatro queijos, sua favorita!

- Ok, pai, eu já vou comer.

Naquela noite, tive um pesadelo. Eu estava sentada com Henrique, na escada da escola, quando ele me disse que tinha arranjado uma namorada. Segurei-me completamente para parecer normal, para fazer que aquilo não me afetava, e assim que ele saiu, comecei a chorar. Segundos depois, uma de minhas amigas, Thaís, apareceu. Contei a ela tudo que tinha acontecido, ela me apoiou e disse uma frase muito marcante:

- É nessas horas que você tem que ser boa atriz.

Quando acordei, estava chorando e suando frio.


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