As Mulheres de James Sirius Potter escrita por Lia Galvão, Miss Stilinski


Capítulo 17
Viola Von Blumm


Notas iniciais do capítulo

Olá amores da minha vida, como vocês estão? Então, um pouco atrasado, mas ainda conta como presente de natal? Tenho uma grande história pra contar sobre esse capítulo, assim que postamos o de Holly e Allison eu desafiei a mim e à Laís para conseguirmos postar este aqui duas semanas depois e então começamos a trabalhar com todo vapor e, sabe, teria dado certo, se a Laís não tivesse começado a trabalhar, eu não tivesse em semana de provas e entrega de trabalhos, seguido por uma cena difícil de se escrever e que meu estado de espírito feliz não estava contribuindo para a escrita dramática e, enfim, uma série de conspirações do mundo para esse capítulo não sair na data pretendida, mas, mesmo com um bom tempinho de atraso, ele acabou saindo. ~comemorações~ Eu queria agradecer a todos vocês pelos views, acompanhamentos, favoritos, comentários e, ah, CLARO! PELA MARAVILHOSA RECOMENDAÇÃO DA LOREN!!! Garota, você não tem noção do quanto me fez pirar, e a Laís também. De todo o coração, meu mais sincero muito obrigada por todas as palavras de carinho e apoio, foi uma surpresa incrível essa recomendação, de verdade, por isso dedicamos este capítulo para você. ♥
Bem, eu já me demorei aqui, só queria dar as boas-vindas a todo novo leitor aqui e eu vou voltar a falar com vocês logo ali embaixo, talvez não tão logo, porque o capítulo, de novo, é longo pra compensar o atraso. Espero que gostem XO ~Lia G. / Victoire


Helo, hermosas! Quero desejar um a feliz Natal atrasado e um feliz Ano Novo, porque, provável que não postemos até lá hahahha. Ah, e quero lembrar que, dia 12 de dezembro, a fic fez UM ANO!!!! *COMEMORAJOGACONFETE* pena que deu para postarmos no dia. Sinceramente, eu só lembrei alguns dias atrás kkkkk bem, obrigada pelos comentários anteriores e aproveite este, porque eu adoro a Viola hauahuahaua E, meu Deus, esse capítulo é para Loren, cuja a recomendação linda e maravilhosa deixou eu e Lia vomitando arco-íris por um booom tempo! Amamos de verdade, Loren!! ❤❤/Miss Stilinski



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Se me perguntassem meu nome, eu dificilmente conseguiria proferir as silabas que vem após o "Ja". Na verdade, qualquer pergunta feita tinha várias chances de não receber alguma resposta decente, uma vez que o que quer que controlasse minha fala parecia ter sido afogado pelo álcool.

Mas estava tudo bem, enquanto eu conseguisse erguer a mão para pedir outra dose e então tomar essa dose, estava ok para mim.

Os acontecimentos recentes estavam, agora, meio borrados em minha mente. Era véspera de Natal e eu tinha saído com Holly, íamos para a casa de seus pais, mas fizemos uma parada em um restaurante por um motivo que não me lembrava mais. Allison estava lá também. Não sabia de quem fora, mas levei um tapa. Talvez dois, talvez das duas. Uma dor aguda tomou conta de mim, mas não devido as agressões.

As garotas xingavam e brigavam, mas minha atenção não estava nelas. Foi como se, no momento em que eu percebi que não as teria mais para distrair meus pensamentos, tudo o que eu vinha evitando pensar todos aqueles meses, explodisse em minha cabeça.

E aquilo doeu.

Como a dor de abrirem seu peito sem anestesia. Ou como se estivessem partindo minha cabeça comigo absolutamente consciente.

E então eu aparatei, deixando-as para trás.

E agora não doía mais. Fazia cócegas, o álcool me entorpecia, meus sentidos estavam falhos, mas tudo bem, não doía, não mais.

Ergui o dedo e deixei a cabeça pender para o lado enquanto esperava. Suspirei enquanto ouvia o homem se aproximar e encher meu copo, ele falara alguma coisa mas não consegui distinguir suas palavras. Desinteressante demais para que eu prestasse atenção. Assim, firmei a cabeça novamente e levei a mão até o copo.

Porém, quando eu estava quase lá, cinco dedos que brilhavam em um estranho tom de roxo o arrastaram para longe de mim.

— Já acabamos por essa noite. — Informou, mais para mim do que para o garçom, quando consegui focalizá-la.

Ela era um ser humano estranho. Seu cabelo azul chamativo se destacava por baixo da touca de panda que cobria sua cabeça e cores estranhas se misturavam com o restante da roupa. Era como a personificação do arco-íris.

Por um minuto pensei em perguntar aonde diabos eu estava. Até porque, até onde eu sabia, minha bermuda e camiseta de um natal australiano não pareciam condizer com as pesadas roupas de frio da senhora Arco-íris. Mas eu tinha outras prioridades no momento e, além do mais, não sentia frio.

— T... Ad... — Suspirei, fechei os olhos e tentei mais vez: — Boa noite, senhorita. Agora devolva minha bebida. — Ou pelo menos eu achei que tinha dito isso, eu posso até ter tentado, mas algo me diz que soou um pouco diferente.

Quando percebi que ela não me dava atenção e conversava sobre qualquer coisa com o garçom enquanto lhe passava o que eu identifiquei ser dinheiro, resolvi recuperar meu copo que havia sido deixado de lado e inclinei-me para pegá-lo, dando com a cara com o chão.

— Okay. — Ouvi a voz dela enquanto um par de mãos desajeitadas tentava me erguer. — Eu vou te levar para minha casa, te dar um banho e então, quando ficar sóbrio, decido o que fazer com você.

Avisou, conseguindo me erguer parcialmente. Pensei em gritar, aquilo era sequestro. E se ela abusasse de mim? Eu era lindo demais para ser morto por um arco-íris.

Estava prestes a pedir socorro, aproveitando da fraqueza física dela para conseguir reunir forças e formar uma frase, quando desmaiei.



A água gelada me fez abrir os olhos desesperado e me movimentar do mesmo modo, era como se eu tivesse me afogando, apesar de não parecer ter muita concentração de água aonde estava.

— Hey! Fica frio! É só o chuveiro! — Alguém avisou, mas eu não prestava muita atenção, graças a isso tentei me erguer e sair correndo, mais uma vez, cai no chão. — Você mal consegue ficar em pé, se sair por aquela porta desse jeito vai morrer de hipotermia, por Merlim! Eu não vou fazer nada com você! — Ela continuava falando e suspirou.

Minha visão estava borrada, eu mal conseguia entender o que ela falava, mas a cada segundo com a água fria nas minhas costas, parecia ficar um pouco mais consciente.

— Eu vou te preparar um café e um lugar para você dormir e se aquecer. Não que você consiga, mas não saia daí. — Informou e então eu senti uma corrente de ar gelado entrar antes de o barulho da porta fechando ecoar.

Tenho a ciência de que algum tempo passou e, durante boa parte desse tempo, eu tentei levantar. Acabei desistindo após alguns minutos de quedas constantes e apenas consegui evitar de me afogar na pequena poça de água que se formava no box. Em um determinado momento eu comecei a tremer e meus dentes batiam um contra o outro, agora realmente fazia frio. Foi nesse instante que a arco-íris voltou para o banheiro.

O frio parecia ter aumentado mas ela agiu rápido. Impediu a água de continuar caindo e abaixou-se com um monte de toalhas perto de mim. Ela resmungava algumas coisas enquanto fazia seu trabalho, algumas vezes me pediu por ajuda e, após alguns minutos de fracasso, sumiu por um curto período de tempo e, ao retornar, eu, literalmente, flutuava, enrolado da cabeça aos pés em panos macios e quentes.

Acabei pousando em uma cama e ela parou a minha frente.

— Você consegue tirar sua roupa molhada? — Perguntou e eu inclinei a cabeça para o lado. — Eu estou tentando ajudar, não te deixar com uma pneumonia. Só que eu realmente não estou afim de te deixar nu. Faça isso, por você, sim? Sei que você consegue. Depois vista essa short aqui. — Pediu, jogando algo em minha direção que acabou indo para o chão. Não estava com os reflexos funcionando e meus braços estavam presos em uma toalha. — Era de um… cara, ele era um pouco maior que você mas acho que serve. Eu vou buscar o café, troque-se enquanto isso.

Aquele cômodo estava quente, conclui que tinha algum tipo de aquecedor nele, já que ali eu não estava batendo os dentes. Fiz certo esforço para me livrar das toalhas e tirei a roupa sentado mesmo, àquela altura eu já tinha compreendido que levantar não era uma boa ideia. Estava com o short na metade das pernas quando a garota voltou e quase derrubou todo o conteúdo da xícara que carregava em si ao tentar tampar os olhos.

— Já terminou aí? — Perguntou após uns segundos e com um som estranho da minha garganta eu tentei concordar. Ela esperou mais um ou dois segundos até virar-se para mim e então me ofereceu a xícara. — Vai fazer você se sentir melhor, eu acho. — Resmungou a última parte, mas não pestanejei, apenas peguei o que quer que fosse e tomei um longo gole, fazendo uma careta no mesmo instante.

— Que coisa horrível! — Protestei, conseguindo formar a primeira frase conexa em horas.

— Não tinha açúcar e eu coloquei um pouco de mel, sinto muito. Mas dizem que faz bem para ressaca ou sei lá. Aqui. Colocarei suas roupas para secar, mas aconselho que arrume outras pela manhã. — Resmungou, estendo-me o que parecia um macacão. Com as cores do arco-íris. E um capuz. Com um chifre.

— Um unicórnio? — Perguntei após tomar de uma só vez todo o café, algo me dizia que ela não me deixaria sair dali sem o tomar.

— Fica grande em mim, então deve servir em você. Sinto muito, mas não posso te deixar dormindo só de bermuda, você vai morrer em questão de horas se eu fizer isso. Você vai dormir no sofá, essa é minha cama, já está tudo arrumado então pode se vestir e vazar daqui. Confisquei sua varinha, sinto muito por isso, não posso confiar em um homem bêbado com uma varinha. Você ainda tá muito bêbado, né? Ótimo, vamos, eu te acompanho. — Foi a última coisa que ela disse antes de me forçar a vestir o macacão de unicórnio e jogar-me no sofá, aonde eu adormeci assim que me acomodei.

(...)

Estavam tocando tambores em minha cabeça e aquilo não era nem um pouco agradável. Era como se tivessem instalado caixas de som ao lado do meu tímpano e este estourou assim que alguém cantarolou, alto demais, perto de mim.

— Então é natal, a festa Cristãããã. Do velho e do novo, do amor como um todo.

— Pare de gritar! — Pedi, apertando minhas têmporas e fechando os olhos fortemente.

— Ah! Cara bêbado! Bom dia! — A estranha alcunha me fez abrir os olhos.

Não tinha a menor ideia de onde estava, mas pelas dicas tinha certeza de que estava de ressaca. Era um apartamento estonteante, cada parede era pintada de uma cor viva e chamativa. Uma árvore de Natal exageradamente enfeitada estava coberta de pisca-piscas coloridos. Minha visão limitada não me deixava ver muito além da abertura de portas, mas, pelo que conclui, uma levava a um banheiro, uma para um quarto e a terceira para uma cozinha. Uma mesa de café da manhã estava posta e, enquanto observava tudo aquilo, surgiu em minha frente uma garota de cabelos azuis e roupas de mamãe noel.

— Feliz Nataaal. — Cantarolou, me fazendo amaldiçoá-la mentalmente, estendendo-me uma bandeja com um copo envolto em um laço vermelho que continha água dentro e um copinho menor com comprimidos. — São para a ressaca, fazem milagres. E eu fiz panquecas de Natal! — Confessou orgulhosa. — Tem formas de renas, árvores de natal e “gosto de felicidade, sonhos e magia”¹.

— Huh, obrigado? — Arrisquei enquanto tomava de uma só vez o comprido com a água.

— Não por isso. — Suspirou e girou pela sala, até sentar-se na mesa. — Acho melhor você vir tomar café, deve estar com o estômago vazio já que você levantou de madrugada e deixou na privada toda a sua dieta de pelo menos um ano. — Comentou despreocupada servindo-se de suco.

— Quem é você? — Perguntei enquanto me erguia e sentava no sofá, encarando-a. Antes de me responder ela se deliciou com o líquido laranja.

— Viola Blumm. Isso é tudo o que precisa saber. E você?

— James… só James. — Conclui e então me levantei, ouvindo os protestos de meu estômago e aceitando o convite para o desjejum.

— Eu nunca vi um bêbado dormir tão mal quanto você, James só James. — Comentou, jogando um pouco de mel em cima de suas panquecas.

— O que quer dizer com isso?

— Tentei fazer uma boa ação natalina te tirando daquele bar e trazendo-o para cá sabe? Mas você não foi bem agradecido. Acordei com você gritando durante a noite toda, perdi as contas depois da sétima vez. Quem são Saphira, Holly e Allison e o que você fez com elas? — Perguntou me encarando enquanto enfiava um pedaço de panqueca na boca.

O mal estar pareceu aumentar gradativamente e eu mexi-me desconfortavelmente na cadeira, optando por tomar apenas do suco.

— Não quero falar sobre isso. — Disse somente.

— Digo, você está visivelmente arrependido de algo que fez a Holly e Allison, mas Saphira me foi um enigma, tinha tanta dor em seus gritos quando você acordava, o que ac…

— Eu não quero falar sobre isso. — Disse pausadamente e uns decibéis acima do que o recomendado para minha ressaca. Ela passou a língua pelos dentes e abaixou o garfo, pegando o último pedaço de panqueca restante.

— Suas roupas estão secas, mas é melhor você arrumar algo a mais, se quiser ficar com o macacão pode, ele fica bem em você e eu não acredito que crescerei o suficiente para usá-lo um dia. Tenho uns compromissos então não vou poder te deixar ficar. Vou tomar banho e me arrumar, então não precisa se apressar, mas também não demore. — Tagarelou e então deixou a mesa, indo até o que seria o banheiro e trancando a porta.

Decidi direcionar toda a minha atenção em comer e tentar superar a ressaca. Acabei lavando as vasilhas - a mão mesmo, não conseguia achar minha varinha - em forma de agradecimento e tentava me aquecer com o lençol quando ela retornou a sala.

— Aqui. — Disse oferecendo-me minha varinha. — Não vai querer o macacão? Tudo bem, eu devia suspeitar. Vamos, pode ficar com o edredom. Você devia ir para casa, rapaz. Sua mãe deve estar preocupada. — Comentou enquanto me acompanhava até a saída do apartamento. — Foi bom te conhecer James, só James. E, sabe, você não deveria beber tanto quanto na noite passada. Tenha um ótimo feriado. — Desejou e, então, desaparatou.

— Igual… mente. — Disse para o nada e suspirei.

Estava em um prédio, tinha certeza disso. O único problema é que eu não sabia aonde aquele prédio se localizava, só sabia, devido suas janelas, que nevava do lado de fora. Enrolei o edredom em torno do meu corpo e andei em círculos por um minuto, tentando pensar no que fazer, para onde ir. Cheguei a conclusão de que precisaria voltar para a Austrália.

Não me lembrava de nada da noite anterior, mas pelo que Viola tinha dito, aparentemente eu tinha sido descoberto. Precisava, porém, pegar minhas coisas e dar um novo rumo para minha vida. Algo me dizia que a história em breve chegaria aos ouvidos do reitor Greysson e, talvez, eu não fosse mais bem-vindo na universidade.

Praguejei para mim mesmo e, em seguida, para a garota Viola. A lembrança de sua fala me levara a outra coisa que, por todos aqueles seis meses que estive na Austrália consegui ao máximo evitar. Rangi os dentes e então apertei minha varinha em mãos. Tentei focalizar a entrada da universidade mas, enquanto tentava o fazer, pensamentos ligados à Saphira, Viola, Holly e Allison inundaram minha mente. No meio de toda essa confusão, desaparatei.

O ministério da saúde adverte: Não aparatem de ressaca, isso pode resultar náuseas e uma absurda dor de cabeça.

Aprendi isso da pior maneira. Só não contava, entretanto, que causasse também uma dor tão aguda na perna. E doía tanto, que eu gritei, alto.

— Mas que diabos está… AH MEU DEUS! — Tinha ouvido sua voz o suficiente naquela manhã para saber que a dona era Viola. Uma faca pareceu penetrar minha cabeça com seu grito, mas a dor em minha perna era maior e eu também gritava.

Só então percebi que estava deitado. Ela gritava assustada, eu gritava de dor e quando consegui erguer meu tronco para enxergar algo, gritamos olhando um para o outro.

— O que foi que aconteceu? — Gritei, não conseguindo olhar para baixo.

— Você estrumchou! — Gritou de volta.

— Eu o quê? — Gritei mais uma vez, e senti uma leve tonteira, que me fez cair e aumentou os gritos de Viola.

— Você está perdendo muito sangue!

— Eu vou morrer!

— Sim, você vai!

— Chame ajuda!

— É um orfanato trouxa!

— Eu vou morrer!

Berrávamos. Eu estava desesperado demais para entender que estávamos na presença de pessoas que não entendiam o que estava acontecendo, mas a dor era muita para eu ao menos tentar raciocinar.

— Ah, meu Deus! Eu… eu fiz curso para medibruxa esse ano. Não deu muito certo, eu não consegui reagir bem ao ver sangue, mas ensinaram algo sobre isso.

— Me ajuda!

— Ah! Ok, eu… Não saia daí! — Gritou e então desapareceu. Forcei-me a levantar o tronco mais uma vez e olhei para baixo, uma pequena poça de sangue se formava em volta de minha perna e eu não conseguia distinguir o que tinha acontecido. Minha varinha tinha voado para longe e eu conseguia sentir a força se esvair de mim junto ao sangue.

Viola ressurgiu. Estava desesperada e falava sem parar. Algo me dizia que ela realmente não sabia lidar com sangue, já que assim que tocou em meu ferimento ela começou a chorar.

— É muito ruim? — Consegui perguntar.

— Não, você só perdeu um pé.

— Eu o quê?

— Não grita! Eu tô desesperada! É uma brincadeira! Só para descontrair! Eu acho que vou desmaiar!

— Não me deixe morrer!

— Eu estou tentando!

Mais uma hora de agonia se passou, ou um minuto, até que Viola finalmente se levantasse e olhasse com repugnância para sua mão completamente suja de sangue.

— Eu estou bem? Vou viver?

— Eu espero que sim.

— Aonde eu tô? Como vim parar aqui?

— Você pergunta para mim? — Ela escorregou pela parede, parando sentada e esfregou as mãos na saia. Reparei que, felizmente, ela ainda trajava as vestes de mamãe noel e meu sangue se misturou a cor natural do vestido. — É um orfanato trouxa. Meu pai viveu aqui até a vida adulta. Faço visitas frequentes para eles desde que papai morreu, ele costumava vir todos os Natais vestido de Papai Noel. Dizia que a beleza da vida está nos pequenos gestos. — Disse fazendo um exercício de respiração.

— Isso é… lindo. — Comentei e ela concordou com a cabeça.

— Você está ficando roxo. — Informou e eu a olhei. — Estão fazendo malditos quinze graus negativos lá fora e você ainda está com a maldita bermuda e a droga da camiseta! — Ralhou e eu parei para pensar em uma resposta. — Você precisa se aquecer. Só tenho um jeito de te ajudar e você não vai gostar.

Descobri que ninguém tinha ouvido nossos gritos porque Viola jogava feitiços de proteção na sala para fazer parecer mágica quando ela aparecesse. O que eu estranhei bastante, já que era mágica de verdade. Assim que ela se recuperou do choque, ela me obrigou a beber uma poção que dissera melhorar na cicatrização e na dor. Disse também que eu tinha perdido minha panturrilha direita, mas que ela felizmente sabia como reparar. Depois disso, ela ajudou a me limpar e limpar o chão que estava todo manchado de sangue, tirou quaisquer resquícios do líquido vermelho de sua mão e então sumiu por uma portinha, retornando um minuto depois com um grande saco vermelho.

Agora eu estava com a perna enfaixada, sentindo dor e um pouco de calor. A roupa que ela tinha para me ajudar, era um traje de Papai Noel e eu estava recheado de enchimento para parecer gordo, peruca de cabelo branco e barba, além, claro, dos quilos de roupa.

— OK, sinto por isso, mas devo dizer que há males que vem para bem. — Disse e eu a encarei. — Eu sei que o que aconteceu com você é terrível e, bem, eu terei pesadelos com isso por no mínimo um ano, mas já tem cinco anos que essas crianças não veem um Papai Noel, elas vão ficar tão felizes! Digo, elas se acostumaram comigo, mas o papai noel é muito mais amado…

— Eu estou morrendo de dor. E de ressaca. Não creio ser a pessoa perfeita para lidar com crianças hoje.

— Você só precisa carregá-las no colo e brincar um pouco com elas. Por favor. — Pediu e eu suspirei. — Além do mais, você não pode aparatar e eu não posso te ajudar agora. Vamos, não custa nada. É Natal.

Eu realmente não tinha muita escolha, então concordei. Viola sorriu, uma certa gratidão visível em seu olhar, e me ajudou a andar até um outro cômodo e sentar-me em uma velha cadeira de madeira.

O circo estava todo formado, a árvore de natal estava recheada de presentes, os biscoitos deixados a noite estavam mordidos e o copo de leite pela metade. Ela realmente tinha preparado tudo para fazer parecer o mais real possível.

— Só mais um detalhe. — Resmungou sumindo na parte detrás da cadeira e voltando com algo em mãos, que eu descobri ser cinzas da lareira assim que ela começou a espalhar na minha roupa.

— Você tá ficando louca? — Perguntei, começando a tossir, mas enquanto ela continuava a dar tapinhas em minha roupa, vi um garotinho ruivo surgir no topo da escada e transformei a minha tosse em algo que fez seus olhinhos castanhos brilharem. — Ho ho ho! Eu estou te vendo aí em cima, rapazinho. — Avisei e ele tampou as mãos com a boca.

— Papai Noel? — Arriscou em um sussurro, abaixando-se para tentar ver melhor entre as grades da escada.

— Quem mais seria? O coelhinho da páscoa? Hohoho — Viola não aprovou esta, já que me dera um discreto tapa no ombro.

— O Papai Noel está aqui! — O garotinho gritou, anunciando para o restante da casa! — É ele. De verdade! E a mamãe noel também! Ele veio desta vez?! — O garotinho gritava e desceu as escadas a pressa, correndo até Viola e abraçando sua perna.

— Sim! Ele reservou o dia de hoje só para vocês. — Ela disse, com um largo sorriso no rosto.

— Isso é incrível! — Exclamou o garotinho e então abraçou minha perna, segurei para não gritar.

— Perna errada, perna errada, perna errada! — Viola veio em meu auxílio e segurou o rapazinho no colo, colocando-o sentado em minha perna esquerda.

— O Papai Noel sofreu um leve… acidente… com uma das renas e está com dor na perna direita, vamos combinar de pegar leve com ele, ok? — Pediu e o menino concordou. Junto a mais um coro de crianças, que eu me surpreendi ao ver que tinham enchido a sala.

— Hohoho. — Disse, buscando desesperado o olhar de Viola. Ela sorriu para mim e levantou seus polegares. — Qual é seu nome, meu rapaz?

— Sheldon. — Disse empolgado.

— Ah, Sheldon, você foi um rapaz bonzinho este ano? — Perguntei, recebendo um fervoroso sim em resposta. — Então acho que tenho alguma coisa para você, não é mesmo, querida? — Olhei para Viola que já se aproximava com um embrulho em mãos. — O que você pediu neste natal, rapazinho?

— Uma família. — Ele respondeu, genuinamente. E foi como se eu estivesse levando constantes socos no estômago. Tudo que Sheldon queria era uma família e eu estava ali, fugindo da minha. Engoli em seco e tentei sorrir. — Mas a sua esposa já me disse antes que isso não depende do senhor, então eu pedi um ferrorama. — Acrescentou e Viola logo se aproximou entregando-o o embrulho.

— Obrigado, Papai Noel! — Disse contente, abraçando-me e então pulando do meu colo para ver o presente.

Eu sorri, e logo uma garotinha de cabelos encaracolados veio em minha direção.

— Deixa eu adivinhar, você é Sandy? — Perguntei e ela arregalou os olhos em surpresa.

— Como você sabe?

— Hohoho. Eu sou o Papai Noel! Conheço todas as crianças do mundo. — Isso ou ela tinha uma etiqueta com seu nome colada no pijama.

Assim, a manhã passou. Viola tinha comprado absolutamente tudo que as crianças pediam e isso ia de simples bonecas à telefones. Na hora do almoço ela tinha um jogo preparado e quem comesse de tudo ganharia uma surpresa extra. Depois disso brincamos com eles, ela parecia ter nascido para aquilo e eu fiz o melhor que uma perna sem panturrilha me permitia. No final do dia eu estava esgotado e sorrindo verdadeiramente, coisa que que não fazia há muito tempo.

— Eles são adoráveis, não são? — Perguntou enquanto ajudava-me a tirar a fantasia. Tinha conseguido umas roupas de frio para mim ali mesmo. — Às vezes eu queria adotar todos eles, mas eu mal consigo cuidar de mim, quem dirá de todas essas crianças. — Ela riu, um pouco triste.

— É incrível o que você faz aqui, Viola. Deve se orgulhar disso. Só de ver o sorriso delas e aquele brilho no olhar é… wow!

Ela sorriu e estendeu-me a roupa.

— Tento fazer o meu melhor. Meu pai, como eu disse, viveu aqui até a fase adulta. Minha mãe morreu quando eu ainda era um neném e quando meu pai se foi eu ainda tinha 14 anos e acabei vindo para cá. Não ficava muito tempo, por causa da escola e tudo o mais, mas saí ano passado e morro de saudades desses pirralhos. Eu sempre acompanhava meu pai quando ele vinha os visitar e, quando ele morreu, eu decidi fazer sozinha. Todos os natais eu voava dos Estados Unidos até aqui e me vestia de coisas diferentes. Já me fantasiei de elfo, rena, boneco de neve e esse ano escolhi a sra. Noel. — Ela sorriu e eu o fiz junto, passando o moletom por minha cabeça.

— Onde a gente tá? Digo, país.

— Escócia. — Disse me encarando e visivelmente segurando a vontade de rir.

— Por que você não estudou em Hogwarts?

— Minha mãe quis assim. Ela estudava na Ilvermorny, nos EUA, ela era americana e tudo o mais. E papai era trouxa, mas nunca quis sair da Escócia, antes de ela morrer ela disse que fazia questão que eu fosse para lá se eu fosse bruxa. Assim foi. — Deu de ombros e eu concordei. — Suponho que você não tenha família perto, já que nem sabe em que país está então, pronto para ir? Pode ficar na minha casa até melhorar sua perna.

— Obrigado.

— Por nada, vem, dá para pegar um táxi até meu apartamento.

(...)

Quando chegamos ao seu apartamento, Viola foi direto para a cozinha. Eu estava meio desajeitado e meio manco, mas fui atrás dela. Agora que eu podia pensar com clareza - coisa a qual eu estava tentando desesperadamente não fazer, pensar -, sentia vergonha de estar na casa de uma garota que havia me tirado de uma fria duas vezes.

Viola abria os armários e colocava coisas em cima do balcão, cantarolando alguma música de Natal. Tudo bem, eu sabia que ela havia perdido a mãe e o pai, mas me perguntava se ela não tinha alguma outra pessoa. Passar o Natal sozinha não era muito legal. Eu não gostaria de passar o Natal sozinho. E isso me fez pensar em casa, em como todos estariam juntos hoje... será que era igual sem mim por perto? Não, eu me recusava a pensar desse jeito.

— O que está fazendo? — resolvi, enfim, perguntar.

— A nossa ceia, oras! — Disse ela, como se fosse óbvio. — Como você vai passar alguns dias, terei de aumentar a comida. — Viola se virou para me ver. — Você deveria se sentar, James, só James. — E apontou para a cadeira, antes de se voltar para o armário novamente.

Eu sentei, sentindo alívio na perna. Tinha certeza de que eu teria ficado completamente curado em alguma clínica bruxa. Mas nunca faria algo para desmerecer os cuidados que Viola tivera. Eu estava muito agradecido, embora eu não merecesse tal ajuda.

Olhei em volta. Era uma cozinha bem grande e... cheia de vida. Na verdade, tudo naquele lugar era cheio de vida e grande. Franzi a testa ao perceber que Viola tinha tanta condição quanto a minha família. Ela tinha dinheiro, mas era sozinha. E era isso que eu não estava conseguindo entender.

— Você passa todos os Natais sozinha? Depois que visita o orfanato? — Quis saber, olhando suas costas. Seus cabelos azuis iam até um pouco abaixo dos ombros, mas dava para ver que eram castanhos pela raiz.

— Rapaz, você nunca está sozinho quando tem uma maratona de séries trouxas a sua espera. — Brincou fechando a última porta do armário, mas então me olhou. — Às vezes eu arranjo companhia, como hoje. E você? — Ela devolveu, erguendo uma sobrancelha.

— É o primeiro Natal que eu passo com uma estranha. — Respondi, sincero, desviando o olhar.

Viola deu uma risadinha.

— Acho que depois que se salva a vida de uma pessoa, ela não é tão estranha assim — comentou ela, colocando alguma coisa no micro-ondas.

— O que é isso?

— Hum... lasanha.

— Você come lasanha em todos os Natais? — perguntei, cético.

— Você come peru em todos os Natais?

— Sim!

— Esse Natal você vai comer lasanha, porque não compro peru! Sou só eu! — respondeu Viola e eu senti uma pontada no peito.

— Onde está o resto da sua família? — suavizei o meu tom de voz.

— Bem... — ela suspirou. — Não quero falar sobre isso.

— Mas...

— Não quero falar sobre isso. Você tem os seus motivos pessoais e eu tenho os meus. — Disse ela e eu me calei.

— Tudo bem, mereci. — Fiquei a observando por alguns minutos, em silêncio. — O que mais além da lasanha?

— Suco de uva, você não vai beber nada na minha presença... hum... de sobremesa tenho torta alemã. Só.

— Parece... ótimo. — E nem um pouco solitário, mas eu não falei isso em voz alta.

(...)

— E o que achou dessa ceia única e maravilhosa? — Viola sorriu, descansando a colher de sobremesa no prato.

— Hum... diferente. Mas bom. — Eu a olhei. — Olha... um dia, você não vai passar o Natal sozinha. Me recuso a deixá-la assim... — Viola ergueu uma das sobrancelhas. - Fala sério, você me tirou da sarjeta e ainda salvou a minha vida. Quero que você passe um Natal comigo e com a minha... — então deixei a minha voz morrer. Eu não sabia se ia voltar e isso doeu.

Engraçado, parecia que tudo estava voltando. E com um impacto mil vezes mais doloroso. Droga, eu sentia falta da minha família barulhenta! Tudo que eu havia deixado que me entorpecesse, Holly e Allison, o trabalho, a faculdade, tudo isso tinha ido embora. Agora eu não tinha nada para me distrair e... creio que eu não tenha superado nada naquela época. A dor me consumia.

— Hey, você tá bem? — perguntou Viola, segurando a minha mão. Eu só havia reparado que estava prestes a chorar quando ela me tocou. Então eu segurei as lágrimas.

— Sim, estou. — Falei, respirando fundo e me acalmando.

— Acho que não. — Devolveu ela, voltando a se recostar na cadeira. — Temos bagagem demais, não? — Viola deu uma risada desgostosa.

— É, acho que temos... — Respondi, dando o mesmo tipo de risada que ela.

Ficamos em silêncio, bebericando o nosso suco de uva. Eu não sabia o que fazer. Não queria pensar e era a única coisa que eu fazia, pensava. Pensava em tudo aquilo que eu não queria lembrar. Porque minha mente estava vazia e, como dizem, uma mente vazia é a oficina do diabo. E ele estava trabalhando na minha naquele momento.

Eu apenas não conseguia bloquear tudo aquilo. A culpa por ter usado Holly e Allison, a culpa por não saber o que fazer na hora em que... eu não podia dormir. Eu não queria dormir. Eu teria pesadelos. E todos me faziam ficar preso, sufocado com os meus medos e meus rancores. E Saphira estaria neles, em cada um deles...

— James! Meu Deus, o que está havendo? — Viola me sacudiu e eu voltei à realidade. Focalizei o seu rosto, que estava cheio de preocupação... ou me achando louco. — Você... você estava tendo um ataque de pânico?

— Eu... eu não sei. — Respondi com sinceridade. Nem sabia o que era isso. — Sinto muito.

Viola ficou me encarando por alguns segundos.

— James... eu não sei o que aconteceu na sua vida, mas eu preciso saber...

— Não vou machucar você. — Respondi rapidamente. — Desculpa se eu te assustei. Se quiser, eu lavo a louça. — Ofereci. Pelo menos, eu estaria ocupado.

— Eu estou preocupada com você, não comigo. — Ela balançou a cabeça. — Não... você precisa descansar. — Disse lentamente. — Tenho um quarto de hóspedes, pode ficar lá.

Era disso que eu tinha medo: ficar sozinho. Mas aceitei.

(...)

Ela caiu. Eu gritei. O pânico estava marcado em seu olhar e ficou lá até ela alcançar o chão. Quando isso aconteceu eu não tinha mais acesso a seus olhos. Não tinha mais acesso a ela.

Você vai ser pai. Ia. Seu filho morreu. Saphira também.

— James! — Levantei de uma só vez. Assustado, aterrorizado. O suor me cobrindo da cabeça aos pés. — Sou eu, Viola, você está bem, você está aqui. — Tentei focalizá-la através da luz fraca que iluminava o quarto do corredor, seus cabelos azuis se destacaram, respirei fundo. — Sua perna está sangrando, tudo bem para você eu trocar o curativo? — Perguntou e eu assenti, tentando afastar o suor. — Tem uma toalha no armário e o moletom de unicórnio. — Ela deu de ombros. — Já volto, não mexa muito.

A cama estava um pouco suja de sangue, mas não achei necessário trocar os lençóis, caminhei em busca da toalha e me sequei da melhor forma. Tirei a blusa, mas não trocaria de roupa enquanto ainda sangrasse e, para resolver isso, Viola retornou.

— Há quanto tempo você tem esses sonhos? — Quis saber enquanto retirava o outro curativo.

— Desde julho, eu acho.

— Acontecem com frequência?

— Toda santa noite. — Respondi, cansado e ela concordou.

— Eu conheço uma poção que ajuda a dormir, não sei se funciona com pesadelos mas, pode ser uma boa tentativa. — Comentou e eu a observei enquanto limpava a ferida e substituía as ataduras.

— Parece uma boa ideia. — Disse e ela sorriu.

— Prepararei um pouco para você, então.

— Você não tinha problemas com sangue?

— Tenho, surtei no tempo que fui buscar o kit de primeiros socorros. — Riu. — Pode se trocar, ela não demora muito para ficar pronta.

Dez minutos depois Viola voltava para o quarto com uma xícara de chá de camomila.

— Essa é sua poção? — Indaguei com uma sobrancelha arqueada.

— Receita de vovó, não falha. — Garantiu e eu ri, segurando a xícara e me deliciando com o chá. — Você é um unicórnio adorável. — Comentou me analisando e eu balancei a cabeça.

— Preciso arrumar roupas. — Pensei, mais pra mim do que para ela.

— Aonde estão todas suas coisas?

— Digamos que eu me meti em uma furada… Não sei como farei para recuperá-las. — Refleti. Estava na Escócia, na casa de uma recém-conhecida, sem dinheiro, sem pertences e sem panturrilha. Poderia ficar pior?

— Ok, eu posso te emprestar algum dinheiro até você se estabilizar, algo me diz que você não está na melhor fase da sua vida.

Ri pelo nariz e tomei o restante do chá, devolvendo a xícara para ela.

— E a minha dignidade, aonde fica?

— Mais segura do que agora, que está vestido de Princesa Celestia². — Ela riu. — Bons sonhos James. — Desejou e saiu.

Resisti ao máximo, mas logo o chá fez efeito e eu dormi novamente.

(...)

Assim, os dias se passaram. O chá não fez o efeito planejado e eu tivera outro sonho naquela noite. Viola ia cuidando de mim e da minha perna, que estava respondendo bem aos tratamentos. Algumas noites ela me acordava e ficava conversando comigo por um tempo, em outras ela me obrigava a dormir em sua cama e ajeitava um mini-acampamento no chão. Estas eram as menos recheadas de pesadelos.

O ano novo chegou e eu descobri que a definição de diversão para a virada do ano de Viola era a mesma que a do Natal. Ela tinha ido ao orfanato pela manhã, antes de eu acordar, e quando acordei ela preparou a tal ceia, desta vez com hambúrgueres e pipoca, armando-nos para uma maratona de Friends, uma série que acabou antes de eu nascer.

Assim, cerca de uma semana após o Ano Novo eu conseguia andar novamente e, apesar de ter perdido minha panturrilha para sempre, não parecia tão deformado quanto deveria.

— Eu te mando o dinheiro assim que tomar um rumo na minha vida. — Garanti enquanto ela me empurrava a mala de roupas e ela balançou a cabeça.

— Não se preocupe, não vai fazer falta para mim. Tem certeza que não quer ficar?

— Já te dei trabalho demais. Sou imensamente grato por isso. — Sorri e a puxei para um abraço, ela protestou. — Acho que estaria morto se não fosse você.

— Ah, estaria mesmo. — Ela riu. — Se cuida James, só James.

— Irei. Se cuida também, Viola Blumm e isso é tudo que você precisa saber. — Rimos e então ela veio me abraçar.

— James? — Virei-me e ela me encarou. — Você só consegue deixar algo ir embora quando entende que ele não pertence mais a você. Pense nisso. — Com um sorriso no rosto, ela me deixou para trás e fechou a porta.



Eu não tinha um rumo. Estar na Escócia me assustava, enquanto eu estava refugiado no apartamento de Viola estava OK, agora que eu estava solto eu não sabia o que fazer ou para onde ir. Era tudo perto demais. As lembranças moravam ali.

Não queria aparatar, apesar de minha perna estar boa, não a considerava 100% e não pretendia perder outro pedaço dela ao tentar fazer isso de novo, então, assim que deixei o prédio de Viola, comecei a andar.

Durante o caminho, eu pensei. Intercalava os pensamentos que eu me forçava a ter com os indesejados e tentava não surtar enquanto isso. Não nevava, mas tinha uma fina camada de neve cobrindo o chão e as ruas não tinham movimentação.

Comecei a refletir a respeito de aonde na Escócia eu estava. Próximo à Inglaterra? Perto de Hogwarts? Não saberia dizer e esqueci de perguntar a Viola.

Após alguns longos minutos de caminhada, quando minha perna já começava a arder, perto do que eu conclui ser o fim da cidade, e conclui isso porque um pouco mais a frente começava uma estrada e terminavam as construções, uma portinhola me chamou atenção. Tinha uma placa que fora completamente devastada pelo tempo e agora exibia unicamente a silhueta do que seria um testrálio. Encontrava-se em um lugar estratégico e era mal iluminada e eu não pude deixar de lembrar do Caldeirão Furado. E de Luna. E da minha casa. Suspirei e pensei em entrar no lugar.

Precisava mesmo de uma estadia até decidir o que fazer da vida, Viola tinha me forçado a aceitar alguns galeões e dinheiro trouxa e o verdadeiro Caldeirão Furado ficava em Londres e, se eu tinha alguma certeza naquele momento, era que ali não era Londres.

Os flocos de neve que começaram a salpicar do céu me convenceram a entrar. Fui surpreendido no mesmo momento em que atravessei a porta, apesar da fachada semelhante ao CF, seu interior parecia mais com o Cabeça de Javali. Tão desorganizado e mal cheiroso quanto. Seus clientes eram todos bruxos bem mais velhos que eu e mal encarados. Tossi, tentando afastar o fedor de minhas narinas e caminhei até onde eu julguei ser a recepção.

— O que você quer, garoto? — Um velho barbudo e rabugento perguntou quando me aproximei.

— Eu…. é… preciso de um lugar para ficar…

— Frigga! — Gritou e uma mulher corpulenta que eu julguei ser sua esposa apareceu. — A criança quer um quarto.

Eles me lembravam bastante os vikings do desenho de dragões que eu assitia quando criança.

— Vem comigo. — A mulher ordenou e eu não pestanejei, começando a acompanhá-la para dentro da taverna.

Depois de passarmos por duas portas, descemos algumas escadas e demos de cara com o corredor. Frigga caminhou até mais ou menos metade deste e então mexeu em seu cinto, puxando um molho de chaves de lá e enfiando na fechadura da porta - que estava visivelmente aberta, já que faltava um pedaço dela - e “destrancando-a”.

— O jantar sai às seis. Não se atrase. — Resmungou e tirou a chave do molho, colocando-a na minha mão antes de sair.

Eu respirei fundo e entrei no quarto. Não pude disfarçar a expressão de nojo quando olhei ao redor e, mais uma vez, tossi.

— Acho que não subo para o jantar. — Resmunguei para mim mesmo e puxei a varinha, tentaria limpar o local ao menos o suficiente para que eu tivesse coragem de sentar no banco.

Foi trabalhoso, mas eu consegui algo. Devia agradecer minha avó Molly por me fazer arrumar a casa sempre que eu aprontava muito quando pequeno. Dificilmente dormiria naquele colchão, mas consegui limpar os lençóis e edredons e montar uma espécie de cama para mim no chão.

Apesar da dieta nada saudável de Viola, eu tinha comido o suficiente naquele dia e não precisei subir para o jantar. Acabei dormindo mais rápido do que o esperado e no meio da madrugada eu acordei com o barulho de um chute na porta.

— Ei, garoto, estamos tentando dormir aqui! — A porta balançou e voltou a se “fechar”. Eu suspirei, esfreguei os olhos, tinha entendido àquilo como um aviso, e fiquei sentado encarando o nada até o amanhecer.

Infelizmente meu estômago pediu por comida e eu precisei voltar a taverna e arriscar a sorte.

— Você não veio para o jantar. — Frigga acusou assim que eu pisei no pub.

— Eu… é, estava muito cansado.

— Ainda está. Você dormiu?

— Um pouco. — Balancei a cabeça, não queria conversar sobre aquilo, caminhei até uma mesa vazia e apertei as têmporas, minha cabeça doía e eu estava com sono.

— Aqui. — A voz dela soou ao meu lado e ouvi algo sendo colocado sobre a mesa. — Comida melhora qualquer coisa. Coma.

Abri os olhos e cheguei a conclusão de que a aparência da comida era bem melhor do que a do lugar. Além do mais, o cheiro de bacon estava muito bom para que eu conseguisse resistir mais que cinco segundos a ele.

Mastigava o último pedaço de panqueca quando Frigga voltou, desta vez carregando uma caixa.

— Você é James, né? — Concordei e ela deixou a embalagem cair em minha frente. — Chegou para você hoje. Tem uma carta.

Encarei a caixa, estranhando-a. Não haviam nem 24 horas que eu estava ali e mamãe não costumava mandar caixas. Na verdade, em uma das cartas que a senhora Ginny mandara ela afirmou que não mandaria nenhuma ajuda, esperava que eu passasse fome e voltasse correndo para casa. Puxei o pergaminho que repousava em cima da embalagem e olhei frente e verso antes de abrí-lo.

Pensei em queimá-los, mas o meio ambiente não merece ser poluído por algo que vale tão pouco feito você. Espero que morra, Holly.

Balancei a cabeça em afirmativa, eu definitivamente merecia isso. Deixei a carta de lado e abri a caixa. Dentro, pude perceber, estavam todos os meus pertences que ficaram na casa de Holly ou no dormitório. Algo me dizia que eu realmente não devia voltar para a Universidade.

Suspirei e joguei o bilhete dentro da caixa, pegando-a e levantando-me.

— Almoço ao meio-dia! — Frigga gritou enquanto me observou saindo e eu concordei.

No quarto, comecei a fuçar na caixa para ver se teria algo útil e frustrei-me ao encontrar apenas roupas e materiais escolar. Puxei uma calça de lá e revirei seus bolsos, surpreendendo-me ao ver que tinha algo.

Fisguei o pedaço de papel amassado e desdobrei-o, contemplando o folheto que dava informações sobre um programa de intercâmbio para a especialização em certas matérias. Lembrava-me de tê-lo pego em minha primeira ida à Universidade com Holly. Se as informações estavam certas as primeiras aulas, na Escócia mesmo, começariam em uma semana.

Corri para o pub com o panfleto em mãos e parei no balcão, esperando até Frigga aparecer. Simpatizava com ela, o marido ainda me assustava.

— O que foi, rapaz?

— Você sabe alguma coisa sobre isso? — Perguntei e lhe estendi o folheto, ela franziu o cenho e correu os olhos pela folha.

— Não é muito longe daqui, mas também não é perto. — Resmungou e me encarou. — Pretende fazer isso?

— Pretendo distrair minha mente. — Resmunguei e ela riu.

— Bem, vai demorar um pouco para começar, enquanto isso… — Ela pousou uma pesada caneca de vidro em minha frente e então pegou uma garrafa a suas costas, enchendo até transbordar. — Dizem que é bom para amnésia seletiva. — Piscou para mim e então foi atender outro cliente.

Olhei para a bebida por um minuto. Da última vez que fiz isso uma garota tivera que me ajudar, duas vezes. Mas, em contrapartida, ocupava minha mente o suficiente para que eu não pensasse. Engoli em seco e peguei a caneca, tomando um longo gole do mais ardente whisky de fogo que eu já havia experimentado.

Naquela noite eu não tive pesadelos, mal me lembro de como foi que eu dormi ou cheguei no quarto. O episódio se repetiu por alguns dias. E eu não tive ressaca. Afinal, o melhor modo de combater uma ressaca é continuar bebendo.

(...)

— Hey, garoto. — Alguém me dava pontapés. — Acorde!

— Só mais cinco horas. — Resmunguei, virando para o lado. Um segundo depois eu bati a cabeça no chão. — Au! — Gritei, abrindo os olhos e focalizando Frigga.

— É o dia daquele seu negócio no panfleto, fiz seu café da manhã. — Informou e deixou o quarto.

Respirei fundo e levantei, sabia que se ela voltasse ao quarto faria bem pior. Minha dor de cabeça aumentou devido ao fato dela ter puxado meu travesseiro, fazendo com que eu batesse a cabeça no chão, assim, me arrastei até o pub e sentei em uma cadeira de frente ao balcão.

— Ok, você pode colocar um pouquinho de firewhisky nesse chá. — Pedi e assim ela o fez. — Acho que não vou mais nesse… nessa coisa. — Comentei, bebendo de uma só vez o líquido quente que feriu minha garganta a descer. — Você não está precisando de alguém para ajudá-la por aqui não, Frigga? Meu pai é um grande auror, se ele consegue lidar com bruxos das trevas, eu consigo lidar com alguns velhos bêbados.

— Precisar eu até preciso, mas você daria prejuízo ao bar. — Disse e eu murchei. — Rapaz, aquele papel que você me mostrou, era algo para estudos. Por que você estava interessado? — Ela colocou um pedaço de bolo a minha frente e eu o mordi antes de responder.

— Eu quero… queria, ser professor. Pretendia estudar o máximo que pudesse para ser admitido em Hogwarts. — Eu ri, enfiando o restante do bolo em minha boca. — Gosto da vida que estou tendo aqui, mas meu dinheiro está acabando então eu preciso trabalhar, prometo que não tomo todas as bebidas.

— Criança, escute uma coisa. Olhe a seu redor, olhe todos esses bruxos aqui. Velhos e mal encarados. Todos eles carregam uma longa e pesada bagagem que acabaram os trazendo aqui. Bebem até cair todas as noites, a maioria deles não tem um lugar para voltar, cada um tem seu motivo.

— Minha bagagem é mais pesada do que pode pensar, Frigga.

— Você é uma criança, James…

— Minha namora grávida morreu.

— Meus filho mais velho matou seus três irmãos e depois se matou. Você é uma criança, James. Podem ter acontecido tragédias em sua vida, mas você ainda tem muito para viver. E eu não vou ficar aqui te vendo desperdiçar toda essa vida em um copo de bebida. Se você chegar a noite e quiser uma bela dose, eu irei lhe servir com prazer, mas antes quero ver você indo atrás de seus sonhos. Pode ficar aqui o tempo que precisar, não se preocupe com o pagamento, agora levante essa bunda daí e vá para sua aula. Tem uma vassoura velha nos fundos, se quiser.

— Eu… huh… ham…

— Vá logo, rapaz!

— Ok, obrigado. Eu acho.

(...)

Óbvio que eu tinha descolado uma considerável dose de álcool antes de realmente partir, afinal, sem chances de eu chegar para o primeiro dia de aula de ressaca. Um pouco bêbado? Tudo bem. Frigga tinha me ensinado o caminho, o curso aconteceria em um vilarejo bruxo localizado no extremo norte da Escócia, Gladomain, ou algo assim, e não era muito longe dali.

Subi na vassoura emprestada e então rumei para lá. Durante o caminho percebi o quanto voar me dava uma sensação de liberdade e como eu sentia falta disso. Parando para pensar, a última vez que tinha subido em uma vassoura fora na final de quadribol, ainda em Hogwarts.

Só tinha um problema em pilotar uma vassoura levemente bêbado, manter o equilíbrio não era algo fácil de se conseguir. Graças a isso eu caí dela umas três vezes até chegar aonde queria. Em uma das quedas eu caí sobre meu braço e aquilo doeu horrores, mas eu ri, pesquei a garrafa de firewhisky que eu tinha furtado antes da saída de dentro da capa e tomei uma longa golada, o que aumentou meu humor e levou a dor embora. Além de tudo, fora uma viagem bem mais demorada do que eu tinha calculado.

O vilarejo era, bem, como qualquer outro vilarejo bruxo que eu já tinha estado. Aparentemente os arquitetos do mundo da magia não eram assim tão criativos. Tateei minha capa em busca do panfleto e olhei ao redor, procurando por algum indício de onde estava acontecendo o intercâmbio, como não vi nada que ajudasse em alguma coisa, decidi entrar em um dos estabelecimentos que me lembravam bastante as épocas douradas no três vassouras.

Na verdade era igual o três vassouras e eu tomei mais um gole de minha bebida antes de decidir o que fazer, para onde ir e quem perguntar.

— Ah. Meu. Deus. — Aquilo parecia o sibilo de uma cobra, mas como eu tinha entendido o que fora dito cheguei a incrível conclusão de que eu era um ofidioglota, e isso era incrível. — James Sirius Potter. — Meu nome fora pronunciado com uma gostosa satisfação e então eu busquei pelo animalzinho que conversava comigo, ficando quase sóbrio, quase, ao perceber que não era exatamente uma cobra.

Verde era sua cor. Os scarpins eram de um tom verde escuro metálico e possuíam uma cobra enrolada no salto. As pernas, incrivelmente brancas e expostas até metade das coxas, me remeteram à época em que eu tinha livre acesso a elas. A saia era justa e quase preta, mas se olhasse de um bom ângulo identificaria o verde presente nela. E o terninho era a peça mais clara do conjunto, apresentando um tom de verde musgo e um generoso decote em V que me fez parar os olhos ali mesmo. Não precisava encarar o rosto para saber de quem se tratava, conhecia aquele corpo muito bem e, se a bebida estivesse me fazendo imaginar coisas, o broche com os escritos “PM!” denunciava quem estava a minha frente.

— Amber Hailee Skeeter. — Concluí e então vi suas unhas afiadas tocarem meu queixo, erguendo meus olhos para seu rosto.

— Ora, ora. — Ela tinha um sorriso quase doentio no rosto. — Após meses desaparecido, James Sirius Potter retorna a casa. Testemunhas afirmam que o garoto mal conseguia se manter em pé de tão bêbado que estava. — Ela gargalhou. — Eu estava mesmo a procura de uma boa matéria para minha grande estreia. Assinei um contrato com uma grande editora, agora todo o Reino Unido terá o prazer de comprar a Poison.

— Onde eu estou? — Perguntei, percebendo que não era possível que um vilarejo fosse tão parecido com outro.

— Hogsmeade, é claro! Mas venha cá James, algo me diz que eu adoraria conversar com você bêbado.

A encarei e pisquei duas vezes. Merda, merda, merda. Puxei minha varinha do bolso da capa e me agarrei à vassoura, focando todos os meus pensamentos no vilarejo para o qual eu deveria ter ido e aparatando.

Cheguei inteiro, mas vomitei nos meus próprios pés. Fora nojento. Eu gargalhei. Agora eu via que o vilarejo não era assim tão parecido com os outros.

Continuei a avançar, tentando me manter em pé. Mas eu estava realmente péssimo, então eu parei, respirei fundo e olhei em volta. Meus olhos focalizaram um garoto saindo de um lugar e vindo em minha direção. Era a minha chance.

— Ei... amigão? Pode... pode me dar uma informachão? — perguntei, segurando o riso. — Informação. — Corrigi.

— Diga. — Disse o menino.

— Pode me dizer onde fica a aula, a primeira aula do intercâmbio para Poch... Poções? — Consegui completar a frase.

— Você está bem, cara? — Perguntou ele, desconfiado.

— Tô ótimo! Pode me ajudar ou não?

Ainda com uma expressão de quem não achava aquilo uma boa ideia, ele me indicou um prédio e disse que era no primeiro andar, bastava seguir direto, até no final do corredor e virar a direita, seria na primeira porta. Eu agradeci e, cambaleando, fui na direção que ele apontara.

Quando cheguei, abri a porta em um rompante, quase caindo. Tanto os alunos, quanto o professor, me olharam de forma reprovadora ou esquisita. Tentando não rir, eu pedi desculpas e sentei, ou tentei sentar, no fundo da sala ou do auditório, não me lembro muito bem, mas também não consegui chegar tão longe.

— Quem é você? — O professor exigiu e eu parei, piscando ao encará-lo e respirando fundo.

— James, só James. — Informei, tentando não rir da minha piadinha interna. Ouvi um gemido frustrado que chamou minha atenção e eu fiquei boquiaberto. — Viola Blumm e isso é tudo que você precisa saber! — Gritei, acenando. — Ela me fuzilou com os olhos antes de puxar a toca até metade do rosto e afundar-se na cadeira em que estava. Eu ri.

— James, só James. Seu nome não está na lista. — O professor, um homem baixo e magrelo que com certeza tinha feito muitos experimentos de poções em seu rosto, já que este era desconfigurado, informou, atraindo minha atenção de volta para ele.

— Que lista?

— O que o senhor está fazendo aqui? Está visível que você está bêbado, que mal está se aguentando em pé! Esse programa é sério, pessoas aqui querem se especializar em poções e têm comprometimento, senhor James. Não é uma brincadeira. Pelo menos o senhor se inscreveu o no curso?

— Merlin! Tinha que se inscrever?! Ninguém me falou sobre isso não. — Eu estava indignado com aquilo. Ouvi risadas abafadas.

A fúria estava evidente na face do professor, cujo o nome eu ainda não fazia ideia de qual era. Quando ele abriu a boca, ele soou bem mais calmo do que aparentava.

— A aula de hoje está encerrada. Nos vemos novamente amanhã. Viola? Se você conhece este… senhor, acompanhe-o até a saída. E que fique claro que não deverá voltar nunca mais, senhor James.

— O quê? Do que você está falando? Ficou louco? Esse é meu futuro! Você não pode fazer isso. Eu vou fazer essa aula. Eu sou James Sirius Potter! O maldito filho do cara que te permitiu estar sentado aí hoje dando sua aula de mer… — Minha fala foi interrompida e minha língua se grudou no céu da boca.

— Sinto muito, professor MacAllister. — Viola disse e veio até a mim com passos largos, me arrastando para fora da sala.

Eu tropeçava nos pés e ria à toa. Assim que fomos parar no corredor, Viola (ainda sem dizer uma palavra) pegou minhas mãos e fechou os olhos. Logo depois, eu senti que aquele famoso e desconfortante puxão no umbigo e escuridão. Ela estava aparatando comigo.

Senti que poderia ter perdido minha língua no trajeto, já que ela estava presa e começou a ser puxada. Por bem ou por mal, o ato anulou o feitiço. Quando aterrissamos em seu apartamento, eu caí no chão. Viola me olhou de cima a baixo, mas eu não pude dizer nada, pois eu virei para o lado e vomitei em seu belo tapete felpudo.

— Eu vou matar você! — Ela rugiu, como um leão, e então eu comecei a sentir alguém me chutar. Era ela. — O que tem de errado com você? — Ela gritou, se jogando no chão e começando a desferir repetidos tapas contra mim. — Eu te ajudo, duas vezes, e é assim que você me recompensa? E que diabos é isso de ser filho de Harry Potter? Por que você quer arruinar minha carreira? — Ela estava furiosa.

— Para! — Pedi, mas não adiantou, tentei levantar e também não deu muito certo. Após alguns segundos, finalmente, Viola cansou. — Eu não fiz nada para te prejudicar!

— Ah, não? Então que diabos…

— Eu estava interessado no programa de intercâmbio! Eu quero o fazer, quero ser professor. Eu … eu só bebi um pouco. — a última frase reacendera a chama em Viola, que voltara a me bater. — Para! PARA! Eu preciso de…

Mas não completara a frase. Vomitei mais uma vez e, então, desmaiei.

Acordei com um grito assim que senti a água fria escorrer pelo meu corpo. E confesso que aquele tempo terrivelmente frio da Escócia com água tremendamente fria doeu. Senti que minha espinha estava sendo congelada.

Levantei, então, em um salto. Eu olhei para cima e vi uma Viola vermelha de raiva. Só faltava espumar e, naquele momento, ela me lembrara alguém que não vinha de jeito nenhum à minha mente. Devo dizer que o vermelho de seu rosto não combinava com o azul do seu cabelo.

Viola jogou o balde ao meu lado, fazendo-me me encolher para que eu não fosse atingido.

— Quem você pensa que é? — sibilou Viola, tentando comedir sua ira. Eu não respondi. — Ok, dane-se que você é filho de Harry Potter. Harry Potter! Imagino o quanto o seu pai vai ficar infeliz ao ver o filho que teve.

— Não fale do meu pai, por favor. — Passei as mãos no rosto e a olhei logo em seguida.

— E por que não?! Você arruinou a minha vida! — Ela jogou as mãos para o ar. — Eu não sou sua mãe e aposto que Ginny Potter já teria te dado um jeito! Acho que você realmente precisa dela.

— Viola, eu sinto...

— NÃO, VOCÊ NÃO SENTE! — Viola berrou, fazendo com que eu me calasse. — Não tem a ideia do quanto eu fiquei envergonhada por conhecer você!

— Eu não sabia que você estudava lá! Não tenho dom da clarividência, está bem?! — Suspirei. — Antes de sequer sonhar em conhecer você, eu me interessei em ser professor!

Viola deu uma risada sarcástica.

— Desse jeito? — ela apontou para mim, com desprezo. — Como um mendigo?

Eu olhei para o lado, não querendo encontrar seu olhar.

— Você não... — fechei os olhos, tentando não desmoronar na frente dela. Depois de um minuto em silêncio, eu suspirei, rendido. — Eu realmente sinto muito. Muito mesmo. Não só por você, mas por mim também. Por ter estragado com tudo... nem olhei para o folheto direito.

— Aposto que estava muito bêbado para isso. — Respondeu ela. Mas eu mereci aquela... e todo o resto.

— Isso. — Assenti, derrotado. — Me perdoa, Viola. Eu não queria arruinar tudo para você. De ruim, já basta a minha vida.

— Sua vida não é ruim! Caramba, você tem uma família. Que te ama. E você está fugindo deles! Não é isso? É por isso que não gosta de falar sobre eles certo? Por isso não diz quem você realmente é! — Ela acusou. — E você não tem ideia do quão terrível isso é! Você não precisa estar sozinho, James, independente do que tenha acontecido com você, você não precisa ficar sozinho, você não deve. Eu posso dizer que eu não tenho mais ninguém e eu... odeio isso. — Viola se abaixou. — Eu aposto que eles te ajudariam com... seja lá o que esteja acontecendo em sua vida.

— Eu não sei lidar com isso, imagina eles tentando me ajudar. — Respondi e me levantei, ainda pingando água fria. — É melhor eu ir...

Eu me afastei dela e logo a ouvi grunhir. Virei-me para trás e a vi com uma toalha felpuda nas mãos.

— Você fica. — Mandou ela e eu ergui uma das sobrancelhas. — Você acha mesmo que eu deixarei você ir atrás de mais bebida? E estragar ainda mais a sua vida? — Viola secou a minha roupa com a varinha. — Você sabe onde fica o quarto.

Ela me empurrou e eu não consegui me mover até lá. Ficar num quarto significaria sonhos; sonhos significavam pesadelos que, por sua vez, significavam gritos. Eu não queria ficar só. Se eu ficasse, eu iria aparatar até a pensão de Frigga e beberia todas até eu não saber mais o meu nome.

Viola tentou me fazer mover, mas eu estava tendo (como foi que ela chamou?, ah!) um ataque de pânico. Eu não conseguia falar ou me mover, sentia um medo inexplicável, paralisador. Eu não queria ver Saphira morta no chão, não de novo.

— James! James! — Ela me sacudiu e me virou para vê-la. — Pelo amor de Merlin, James Potter!

Eu a olhei, me acalmando ao ouvir sua voz.

— Desculpe, Viola. Eu posso voltar para a estalagem... só te trago problema. — Falei, tentando dar meia volta. Mas Viola me impediu outra vez.

— James. — Ela chamou, segurando-me pelos ombros. — Diga para mim, você quer isso? Quer ser professor? O quanto você quer?

— Não creio que a matemática consiga expressar minha vontade. — Respondi com sinceridade, pensando no dia em que ficara feliz em ver Mia se dando bem na prova, quando ajudei Albus... quando Frigga me contou o que seu filho fizera. Eu queria aquilo, muito mais do que arranjar outro amor.

Viola respirou fundo e me conduziu para o quarto de hóspedes.

— Vou... tentar ver se eu consigo fazer o professor mudar de ideia. Talvez trazer o formulário do intercâmbio... se você quiser muito isso. — Ofereceu Viola e eu realmente senti vontade de chorar.

— Ah, Viola...

— Mas tenho uma condição. — Avisou ela e eu assenti, disposto a tudo. — Não vai voltar para onde você estava. Vai ficar comigo até eu conseguir algo. Ouviu bem?

— Não… — Era nobre, da parte de Viola, mas também não podia sumir sem dar notícias a Frigga. Conseguia sentir que ela estava, de seu jeito inconsistente, cuidando de mim.

— Sim. — Ela me interrompeu. — Boa noite.

— Viola. — chamei e ela voltou a me olhar, já na porta. — Não... não vá. Não... consigo ficar sozinho. — Falei, mas sem maldade na voz. E Viola percebeu isso. Ela hesitou e voltou até a mim, afastando a coberta e deitando-se na cama. Eu deitei ao seu lado, sem encostá-la.

Com Viola ao meu lado, me senti melhor e pude dormir sem muitos gritos.

(...)

A porta da frente bateu com força e Viola entrou na casa como um raio. Eu a olhei da cozinha imensa, chamando a atenção dela.

— O que é isso? — Perguntou ela, olhando ao redor e depois inspirando o ar. — E que cheiro é esse?

— Bem... — limpei as mãos no pano de prato e esperei ela entrar na cozinha. — Como eu quero mostrar que eu quero ir para essa faculdade e não posso sair daqui... arrumei a casa e cozinhei. Porque, pelo o que eu vi, você só tem lasanha congelada. Está na hora de comer algo mais saudável.

Viola se mexeu, constrangida.

— Você sabe cozinhar...

— Digamos que eu tive que aprender.

— Você bebeu. — Acusou.

— O quê? Não! — Defendi-me e ela cerrou os olhos, passando por mim e pegando uma garrafa de vinho sobre a pia. — É para a comida. — Justifiquei.

— E você não bebeu nem um golinho?

— Não! Ok, talvez uma ou duas taças. — Ela quase me bateu com a garrafa, mas pensou a tempo de bater em minha cabeça com a mão vazia. — Ai! Não faça isso! É que eu estava de ressaca, ok? Foi só pra dar uma melhorada, ficar alegre, eu não estou bêbado!

— Não ainda. Não, porque eu cheguei a tempo. James, você percebe que está tendo um problema com bebidas, não percebe? — Eu ri.

— Não estou tendo problema com bebidas, posso parar quando quiser.

— Então pare! — Ordenou e eu suspirei, caminhando até o forno e tirando o assado de lá.

— A diferença é que eu não quero. — Ela me encarou estática por um tempo e então balançou a cabeça.

— Quando você aceitar que tem um problema, você pode vir até mim.

— Por quê? Por que está fazendo isso, Viola? Mesmo com todos os meus erros, nós mal nos conhecemos! Por que está cuidando de mim? — Perguntei largando tudo o que estava fazendo para encará-la.

Viola abriu e fechou a boca algumas vezes e então suspirou. Floreando a varinha de modo que a mesa fosse posta e caminhando até lá, sentando em sua cadeira de costume. A segui e a encarei, ainda a espera de uma resposta.

— Eu não sei! — Disse dando de ombros. — Talvez seja meu destino ser seu anjo da guarda. — Ela riu e eu a acompanhei.

Meu sorriso se tornou mais sincero quando lembrei de um outro anjo da guarda que tinha e sentia saudades. Perguntei-me então qual seria o problema em ter um anjo da guarda dentro dos padrões normais da sociedade, já que Luna e Viola passavam longe disso. Ou, talvez, esse fosse o aspecto mais importante de um anjo da guarda.

— Isso ou eu estou pagando todos os meus pecados da vida passada e, considerando os juros — Ela olhou para mim sugestivamente. — Eu fui uma pessoa terrível.

— Prefiro acreditar na primeira opção. — Respondi, mudando de assunto. — E aí? Conseguiu alguma coisa?

Eu tinha expectativas, mas algo na expressão que Viola me fez ver que eu não teria chance.

— Eu tentei, mas o professor se recusa a te dar aula. — Disse ela, jogando a mochila em cima do sofá. — Mas, como os professores não são sempre os mesmos, você só vai perder os seis primeiros meses, porque o prazo para matrículas já acabou e eles também não podem abrir exceção. — Ela suspirou e me estendeu um pedaço de pergaminho. — Isso aqui é uma ficha de inscrição. O reitor disse que... bem, que não pode recusar um filho de Harry Potter e por isso te deu essa chance de estudar no segundo semestre.

Peguei o pergaminho de suas mãos e analisei.

Não tinha planejado as coisas daquele jeito. Não era para ser assim. Agora todo mundo sabia que eu estava lá, e agora? Para meu pai me achar era fácil. O reitor de certo estava se vangloriando por ter um dos filhos de Harry Potter entre os seus e aquilo não estava tomando o rumo que devia.

Ouvi os gritos de Viola antes de sumir da frente dela. Ironicamente, aparatei em casa e senti-me quase sem ar ao reconhecer o lugar. Porém, fora um lugar escolhido propositalmente, era parte de meu plano. Conhecia os horários da família e sabia que não tinha ninguém por lá.

Caminhei meio zonzo pelos cômodos até chegar ao quarto de meus pais. Não era muito difícil saber como a cabeça de Harry Potter funcionava e, graças a isso, não foi difícil achar a chave do cofre. Aparatei novamente, desta vez, na porta do Gringotes. Sabia como era perigoso estar no beco diagonal, meu coração se apertou mais um pouco, tão perto e tão longe. Mas não pretendia ficar muito tempo.

Felizmente duendes eram menos incheridos que bruxos, se você tivesse a chave do cofre que queria abrir, estava ok para eles. Retirei uma generosa quantia do cofre da família. O suficiente para pagar as contas na estalagem de Frigga, suprir as dívidas com Viola e me sustentar por um longo, longo tempo. Converti parte do dinheiro para dinheiro trouxa e tudo isso demorou menos que meia hora. Esperava que ninguém desse falta do dinheiro e suspeitava que não dariam, os Potter, por mais ricos que fossem, preferiam um estilo de vida mais humilde.

Meu destino seguinte estava perto mas, novamente, desaparatei, não queria passar pelo caldeirão furado e não o faria.

Guardei a maior parte do dinheiro em um local seguro, estava desorientado, mas não burro e aparatei em um beco escuro de Londres.

Ainda era de tarde quando eu cheguei lá. O que realmente aconteceu no dia é um espaço em branco em minha memória. As lembranças do dia vêm em flahses, mas nada nunca conclusivo demais. O que eu me lembro pode se resumir em breves palavras. Eu fui para um bar, tinha certeza disso, independente do que falavam, a bebida tinha suas inúmeras vantagens. Em um determinado momento da noite eu tagarelava sozinho, resmungando que adoraria alguma coisa que pudesse me deixar alegre novamente. Há tempos não sabia o que era aquilo.

Alguém apareceu com uma proposta que me pareceu irrecusável. O ponto a ser tratado aqui é que, quando se está bêbado, não importa quantas conversas você teve com seus pais sobre drogas. Quando você está no fundo do poço, a um passo de desistir de sua vida e alguém te oferece algo que, supostamente, o ajudará a melhorar, você aceita. E eu aceitei.

Era cocaína, nada muito pesado, nada muito leve. O efeito prometido veio de imediato, mas os problemas não vão embora quando você se droga, você apenas tenta lidar melhor com eles. Eu, um jovem de 18 anos com uma ex-namorada morta e um fardo pesado demais para carregar, decidi que a melhor maneira de lidar com a situação era jogar a culpa no mundo.

Em algum momento meu plano não deu certo e eu tinha sido levado para um lugar estranho. Minha varinha estava em meu bolso, poderia pulverizar todos os cinco homens a minha frente se conseguisse pegá-la, mas eles me batiam, dificultando o acesso ao artefato.

— Ele está morto?

— Vamos embora, cara.

Era o que eu conseguia ouvir, do chão. Sentia um líquido quente escorrer de diversos pontos do meu corpo e o gosto de cobre que vinha a meus lábios me dava a dúvida se a origem do sangue que escorria até lá era de meu nariz ou da cabeça. Minha respiração era imperceptível, apenas o suficiente para manter meu coração batendo. E eu não sabia se queria isso.

Minhas pálpebras, pesadas e inchadas, cederam e se fecharam.

E, então, ela apareceu.

— Estávamos esperando por você. — Disse. Estava mais linda que nunca. Seu vestido era longo e branco, estava descalça mas não parecia se importar com isso, seus cabelos voavam com o vento e ela caminhava em minha direção. — Oh, James, quanto tempo!

Tentei pronunciar seu nome mas nada saiu de minha boca, ela riu e parou de caminhar, encarando-me.

— Você está tomando decisões horríveis, isso é exemplo a se dar para nosso garoto? — Repreendeu, mas logo voltava a sorrir. — Sim, é um menino. Leon James Potter. Não é lindo? Está tudo bem, meu amor, podemos deixar isso para trás. Venha, ele está dormindo mas deve acordar em breve. — Saphira estendeu a mão em minha direção e eu a observei. Um menino, ela dissera, meu menino. Reuni forças para tentar alcançar sua mão, mas quando ergui meu braço para chegar a ela, fui puxado para longe.

— Romeu? Romeu! Não ouse me deixar aqui! Não fizera isso nem quando devia, não deixarei que faça agora. — Uma voz distante choramingava enquanto todo o meu dolorido corpo balançava.

Tossi, minha cabeça pareceu explodir, um soluço ecoou e uma gota quente caiu sobre minha bochecha.

— Ah, James! Achei que estivesse morto. — Lamentou, me abraçando de modo desajeitado, devia suspeitar das dores que eu sentia e temia me machucar mais. — Vim trazer o lixo e então encontrei você aí. Foi horrível, não te via desde àquele verão mas é impossível não te reconhecer. Quem fez isso com você?

— Lou... ise? — Perguntei, tossindo outra vez e tentando encará-la.

— Eu vou ligar para uma ambulância, Deus sabe o que pode ter acontecido com você. Por Shakespeare, James! O que você andou aprontando? Deixei meu celular lá em cima, eu já volto, prometo.

Era uma boa pergunta. O que eu estava aprontando? O que estava fazendo com minha vida? Saphira me tinha repreendido. Àquilo era real? Saphira esteve realmente lá? Se a criança tivesse nascido, teria sido mesmo um menino? A dor física se tornou fácil de suportar perto da que se aninhava em meu peito. Mal conseguia me mexer, mas consegui alcançar a varinha e, assim, antes que Louise reaparecesse, desaparatei.

Meu corpo foi jogado em frente a porta do apartamento, fazendo todo o resto doer ainda mais. Consegui reunir forças para bater a porta e esta não demorou a ser aberta.

— James! O quê? Por Merlin! O que aconteceu? Para onde você foi? O que.. — Viola parecia estar em pânico.

Engoli em seco, sentindo dor até mesmo neste simples movimento e tossi mais uma vez.

— Eu... acho que estou tendo problemas com bebidas.

Disse, antes de ceder ao cansaço e as dores e desmaiar.

(...)

A melodia tocava distante, quase como se fosse a música alta de algum lugar bem longe de onde estava. Meu corpo doía, meus olhos estavam pesados, mesmo assim, me esforcei para abrí-los.

Toda a minha visão se resumia em uma fina e desfocada linha, estavam inchados demais para se abrirem completamente. Enquanto tentava descobrir aonde estava, a música começou a tocar.

It’s alright to cry

Even my dad does sometimes

So don’t wipe your eyes

Tears remind you you’re alive

(Está tudo bem chorar

até meu pai chora as vezes

Então não seque seus olhos

As lágrimas o lembrar que está vivo)

 

It’s alright to die

If that’s the only thing you haven’t tried

But just for tonight

(Está tudo bem em morrer

se isso é a única coisa que você ainda não tentou

Mas, apenas por esta noite

Aguente firme)

— Hold on. — Uma voz próxima a mim concluiu junto com a música. Um tecido úmido e gelado tocou meu corpo, provocando um gemido de minha parte. Dedos correram por meu cabelo e o rosto de Viola surgiu na fina linha que eu enxergava. — Não fale. Está tudo… você está vivo. — Sussurrou e sumiu novamente de minha vista. A música continuou, com sua voz soando ao fundo junto à do cantor.

So live life like you’re giving up

Cause you act like you are

Go ahead and just live it up

Go on and tear me apart

(Então viva a vida como se você estivesse desistindo

Porque você age como se estivesse

Vá em frente e apenas viva isso

Vá e me despedace)

 

It's alright to shake

Even my hand does sometimes

So inside we'll rage

Against the dying of the light

(Está tudo bem em tremer

Até a minha mão treme as vezes

Então por dentro vamos ficar bravos

Contra a morte da Luz)

 

It is alright to say

But that's the only thing you haven't tried

But just for today

Hold on

(Está tudo bem em falar

Que essa é a única coisa que você não tentou.

Mas só por hoje

Aguente firme)



— O… q…

— Silêncio, James. — Mandou. — Você não está em condições de conversa. Feche seus olhos, não adianta forçá-los. — Aconselhou e eu suspirei, seguindo as instruções dela.

A voz de Viola era suave, mas, se prestasse atenção, daria para perceber que tinha alguma coisa a embargando, como se ela estivesse segurando o choro enquanto cantava. Mais alguns versos tocaram e, pouco antes de desmaiar novamente, percebi que, talvez, ela estivesse me passando uma mensagem através da música.

So live life like you're giving up

Cause you act like you are

Go ahead and just live it up

Go on and tear me apart

And hold on

(Então viva a vida como se você estivesse desistindo

Porque você age como se estivesse

Vá em frente e apenas viva isso

Vá e me despedace

E aguente firme)

 

Live life like you're giving up

Cause you act like you are

Go ahead and just live it up

Go on and tear me apart

And hold on

(Então viva a vida como se você estivesse desistindo

Porque você age como se estivesse

Vá em frente e apenas viva isso

Vá e me despedace

E aguente firme)

(...)

“— Por que você não volta para lá e fica com a sua pre...

Mas eu nunca saberia com quem eu deveria ficar, pois, nesse momento, Saphira deu um passo para trás.

E a escada se moveu.

Eu gritei seu nome.

E Saphira caiu das escadas.”

O grito rasgou minha garganta enquanto eu me debatia, tentando alcançá-la. Meu corpo doeu, mas não importava. A imagem de Saphira sumiu aos poucos, apesar de eu ainda gritar. Braços me envolveram e me seguraram até que eu me acalmasse. Lágrimas molhavam meu rosto e meu choro era alto. Um soluço se juntou ao meu e eu ergui a cabeça, percebendo que estava envolto nos braços de Viola, que beijava o topo de minha cabeça e chorava.

— Está tudo bem. — Ela disse e eu não soube dizer se era para mim ou para ela. — Deite-se, se acalme. Você esteve dormindo pela última semana, só acordava quando eu tentava lhe dar comida e, mesmo assim, nunca esteve 100% consciente. Você ainda não está completamente bom, apenas… tente não se mexer. — Pediu.

A exaustão em sua voz estava evidente. Era como se ela não tivesse uma boa noite de sono há dias e aquilo me deixou com remorso, mesmo sem ter ideia do que estava acontecendo. As pontadas ao longo de todo o meu corpo incomodavam, mas eu estava tentando não dar atenção para elas.

— James. — Ela chamou, sua voz era um sussurro, tentei focalizar seu rosto no quarto escuro. — Eu preciso… eu preciso saber o que aconteceu. Eu quero te ajudar, eu realmente quero, mas… eu não consigo fazer isso sem saber o que atormenta seu sono, sem saber o que te levou à tudo isso.

Eu vi a sombra de sua expressão preocupada, depois que minha visão se adaptou à escuridão. Eu sabia que não podia mais mantê-la longe. Ela precisava saber. E eu precisava de ajuda, não apenas em relação às bebidas, porque se ninguém me ajudasse na verdadeira raiz do problema, nada iria me parar.

Viola acendeu o abajur. Seus cabelos azuis pareciam sem vida... assim como ela.

— Na... na minha formatura... — engoli em seco e respirei fundo. Meus olhos ardiam. — Eu tinha uma namorada. O início do nosso namoro foi... complicado. Ora, eu sou um Potter e ela uma Malfoy! Tivemos nossas dificuldades, nossas desavenças, mas fomos felizes. Eu fui feliz... até que… eu não sei, ela viu algo que não existia. E ela saiu... ela saiu correndo. — Parecia que eu estava vendo tudo acontecer novamente. Minha voz embargou e meus olhos se encheram de lágrimas. — Ela gritava comigo, nós discutimos... mas as escadas, elas mudam de lugar. Saphira estava... ela não prestou atenção... — Uma lágrima caiu dos meus olhos. — Eu tentei avisá-la, eu tentei falar. Pedi para que ela tomasse cuidado mas ela… ela não me ouvia, ela estava insana. — Minha voz ecoava pelo quarto mas eu não estava lá, estava de novo na escadaria de Hogwarts, parado, impotente, a dor aguda em minha garganta se espalhando por todo o meu corpo. — Ela caiu... e eu vi. — Pisquei e mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. — Eu estava lá e não pude fazer nada. Minha varinha não estava comigo e eu fiquei lá, parado, sem poder fazer nada. — Apertei a cabeça entre minhas mãos e solucei, senti um toque delicado em meu rosto e respirei fundo, afastando as lágrimas por mais um minuto. — Mas ela chegou com vida na ala hospitalar e, lá, eu descobri que ela... Ela estava esperando um filho meu. — Olhei para Viola, que estava com as mãos cobrindo a boca agora. — Eu perdi uma parte de mim, naquele dia. E eu não sei como seguir sem ela. — Disse e então deixei de segurar, as lágrimas vieram como uma avalanche e meu corpo balançava com o choro pesado.

Era a primeira vez que eu chorava, consciente, desde que Saphira partira. Eu, nem uma vez sequer, havia chorado. E, de alguma forma, foi libertador. Como se chorar me fizesse pôr toda a minha tristeza para fora do meu peito e ajudasse amenizar a dor. Quase podia respirar melhor, ainda que doesse.

Viola me olhava com compaixão. Ao tirar as mãos da boca, ela as colocou em cada lado do meu rosto. Ela chorava, assim como eu, e sua expressão era solene. De alguma forma, eu sabia que eu estava seguro com ela.

— Não é culpa sua. — Ela disse, acariciando minha bochecha. — Você não podia fazer nada, você não podia prever, para de culpar a si mesmo.

— Eu n… — Tentei dizer entre o choro, mas ela me impediu.

— Sim, você pode nem perceber isso, mas você faz. É por isso que não consegue dormir, por isso que não para de pensar nisso. Você acha que é culpado, que deveria ter se esforçado mais, deveria ter estado ao lado dela, não deveriam ter brigado, você acha que deveria ter conseguido a salvar. — Ela suspirou, afastando as lágrimas, em vão, de meu rosto. — Você sofre pela morte dela, claro que sim, você a amava, mas o que te atormenta não é isso, certo? Ela chegou com vida ao hospital, mas não a criança, estou certa? — Tentei encará-la e perguntar como ela sabia, mas não tinha forças para isso. — Está tudo bem. — Disse em um sussurro e então ela me abraçou. — Tudo vai ficar bem, James. — Ela beijou o topo da minha cabeça enquanto eu me agarrava em seu abraço como uma criança assustada pedindo colo para mãe. — Eu acredito em destino, James, e que tudo nessa vida acontece com um propósito. No seu caso não foi diferente, não sei dizer qual a lição você deve tirar disso, mas sei que não foi culpa sua. Você vai ficar bem, eu vou te ajudar.

Eu assenti novamente e enterrei meu rosto em seus braços. Não sei por quanto tempo eu chorei, mas, uma vez que as lágrimas finalmente saíram, eu não sabia como refreá-las. E talvez nem quisesse.

(...)

O cheiro era delicioso e entorpecente, talvez este tenha sido o motivo de eu abrir os olhos, assustado, até porque não era cheiro de lasanha. Ela riu, mas quando falou estava séria.

— Fico contente por sua confiança em minhas habilidades culinárias. — Disse fingindo estar ofendida e eu suspirei, tentando sorrir.

— Não me leve a mal… — Ela bufou. — O que é isso? — Perguntei ao ver que ela segurava uma bandeja com uma tigela fumegante, o aroma bom vinha de lá.

— É o que você quiser que seja. — Disse orgulhosa e eu franzi o cenho, aquele simples movimento doeu. — Ambrósia. Comida dos deuses? Por Poseidon, você é leigo assim? — Revirou os olhos. — Significa que é uma comida simples que quando ingerida terá o gosto de sua comida preferida, agora coma logo. — Resmungou, colocando a bandeja sobre meu colo.

O cheiro era realmente delicioso e eu não podia negar à ideia de que seria muito bom, depois de todo aquele tempo, sentir o gosto da comida de vovó Weasley novamente. Concordei com a cabeça e segurei a colher, colhendo um pouquinho do caldo servido e soprando por um segundo antes de levá-lo a boca.

Foi um tremendo choque o real sabor do que quer que seja aquilo, uma vez que se afastava completamente do cheiro que emitia e não era nem de longe parecido com a comida da dona Molly. Preparei-me para cuspir, mas Viola tinha pensado mais rápido e antes que eu realizasse tal ato ela estava com as mãos tampando minha boca e nariz.

— Engole. — Avisou em tom de ameaça. Resmunguei, ainda com aquela coisa horrível na boca, e ela apertou meu nariz com mais força. — Engole. — Mandou e eu choraminguei, enquanto engolia.

— Mas que merda é essa? — Perguntei fazendo caretas e sentindo uma terrível vontade de vomitar.

— É uma poção, fiquei a noite toda trabalhando nela, chama ambrósia. — Ela riu, como se fosse uma piada interna. — A ideia é que você melhore de uma vez de todos seus ferimentos, não é instantânea mas vai agir rápido, porém você tem que beber tudo.

— Sem chances de eu colocar mais um gole disso na minha boca.

— Ah,James… Doce, adorável e inocente James. — Ela balançou a cabeça, sorrindo de modo macabro. — Você não tem condições de se levantar daí, está sem sua varinha e, querido, eu sei ser bem persuasiva quando quero. Então, se você não quiser que eu, acidentalmente, dê uma cotovelada nas suas bolas, é melhor comer tudinho.

— Você não ou…

— Quer apostar?

A encarei por um segundo e assim que ela fez um movimento eu me adiantei, voltando a segurar a colher e tampando meu próprio nariz para forçar-me a ingerir o caldo.

— Esse é meu garoto. — Ela sorriu, satisfeita. — Eu vou pegar um pouco de pão, talvez deixe o gosto melhor, e não tente me enganar. — Cantarolou enquanto caminhava para fora do quarto.

(...)

— Você realmente precisa trabalhar no sabor.

— Cala a boca.

Uma hora tinha passado desde que Viola me forçara a tomar até o último gole daquela coisa horrível, o efeito estava como previsto, mas o gosto não saia de minha boca não importava quanto enxaguante bucal eu tomasse.

— Não me entenda mal, eu realmente pensei que nunca mais saberia como é viver sem dor, mas é que não está perfeito ainda.

— É, sei. Cala. A. Boca.

— Você precisa trabalhar essa coisa com recepção de críticas.

— James. — Ela respirou fundo, e eu soube que ela estava com os punhos cerrados. — Você pode não ter reparado, mas eu estou com preocupações maiores do que mudar o gosto de uma poção que já fez o que eu queria que fizesse e que eu mal lembro como foi criada, agora, você pode, por favor, sair desse banheiro para conversarmos? — Pediu, mais uma vez e eu passei a mão pelos cabelos, descartando a embalagem vazia de pasta dental e destrancando a porta.

— Você podia ter usado mágica.

— Estava tentando respeitar seu espaço e evitar imagens traumáticas.

— O quê? Hey! Isso é ofensivo.

— Não me entenda mal. — Ela sorriu cinicamente e eu cerrei os olhos.

— Não temos nada para conversar. — Pontuei, deixando o banheiro e caminhando para o quarto.

— Olhe, você precisa de ajuda, você me pediu por isso, mas eu preciso da sua colaboração!

— Desculpe, mas não posso fazer isso.

— Ah, você pode, por bem ou por mal.

— E como é que você vai me forçar? — Neste momento eu me virei para encará-la, e esse foi meu erro.

Viola tinha a varinha apontada para mim e assim que nossos olhos se encontraram a palavra “Legilimens” ecoou pela casa.

Eu estava de volta a copa mundial de quadribol e Victoire me torturava deixando o sapo de chocolate ao meu alcance e depois o erguendo, ela sempre foi uma pessoa muito alta.

— Prometa! — Pediu enquanto eu dava pulos para tentar chegar ao doce. — Vamos James, eu quero uma promessa solene. — Exigiu e eu bufei, desistindo de escalá-la e erguendo as mãos para o céu.

— Victoire, minha loira e querida Victoire, ela é uma Malfoy! Você está sugerindo que eu… — Neste momento eu fiz uma careta. — Beije — a palavra foi pronunciada com um arrepio, como se a ideia de um beijo fosse aterrorizante demais para ser verdade. — um animal gosmento e nojento, isso nunca vai acontecer.

— Prometa!

— Eu prometo que nunca irei namorar a menina Malfoy! Satisfeita? Agora me dê isso daqui. — Pedi, voltando a pular nela, ela suspirou e me entregou o doce.

— Por que é que eu não acredito em vo….

Mudança de cenário, estava no segundo ano, uma garota pequena e magricela estava no chão, eu a tinha derrubado, e tentava ajudá-la a levantar, mas ela gritava e xingava, não queria minha ajuda.

Ela estava mais velha agora, estávamos rodeados por pessoas e luzes de neon, Saphira e eu nos beijávamos e eu estava gostando daquilo. Outra mudança, e assim sucessivamente, ela dizia que me amava, nossas brigas e reconciliações e, então, o acidente. Todos os pesadelos, mais uma vez. Desta vez, entretanto, muito além. As paredes geladas da ala hospitalar, a voz fraca de Melody, as palavras “Ela estava grávida” e, então, a chuva, a dor, o funeral.

— Pare com isso! — Implorei, aos berros, sentindo toda a minha energia se esvair através daquelas palavras. Eu chorava, Viola também.

Sua varinha caiu e ela buscou apoio em uma parede, me encolhi no mesmo canto em que havia caído e deixei as lágrimas correrem.

— James… eu… eu sinto muito, eu não quis… eu…

— Você… você não tinha o direito! — Gritei, sem conseguir visualizá-la.

— Eu sei! — Sua voz estava mais perto agora e eu percebi que ela tentava me tocar, mas tinha medo de o fazer. — Eu… eu não sei o que deu em mim, não pensei que fosse… assim, eu só queria… só queria ajudar. — Lamentou-se e eu bati a cabeça contra a parede, respirando fundo e tentando afastar as lágrimas.

Sem nem mais uma palavra proferida, levantei-me e caminhei até o quarto, fechando a porta atrás de mim e me afogando em minhas dores.

(...)

Os toques na porta me acordaram. Demorei um longo tempo para abrir os olhos e me virar na cama, mas não respondi.

— James… eu sei que você está acordado, eu posso ouvir sua respiração, ela é pesada quando não está dormindo. — Disse, a voz cansada, suspirei e virei novamente na cama.

— Entra. — Acabei cedendo e me surpreendi com a ausência de voz, Viola, entretanto, parecia ter entendido o recado e a porta se abriu, novamente ela entrava com uma bandeja.

— Eu… pedi o café da manhã… — Começou e eu a encarei. — Tem uma torta que é feita com licor. — Acrescentou e mordeu o interior da bochecha, eu ri, desacreditado. — Eu só queria dizer que eu sinto muito, você não tem ideia do quanto eu… — Ela tinha colocado a bandeja em meu colo e eu aproveitei para interrompê-la.

— Deixe isso pra lá. — Disse, enfim, e ela me olhou sem entender. — Viola, você fez tanto por mim desde que eu cheguei aqui… Você me ajudou, me manteve vivo, cuidou de mim e… eu acho… acho que apenas devemos deixar o que aconteceu ontem para trás.

— James, eu…

— Sim, eu sei, você sente muito.

— Não. Quero dizer, sim, mas não é isso. Quero dizer, estou arrependida por ter feito àquilo daquele jeito, mas eu ainda acho que você devia encarar isso. Você realmente deveria perseguir os fantasmas de seu passado ao invés de deixar com que eles te assombrem para toda a eternidade. — Ela suspirou e segurou minhas mãos. — Você confia em mim? — Perguntou e eu desviei o olhar. — James, pare de fugir. Você confia em mim? E eu sei que a resposta é positiva, mas preciso ouvir de você.

— Sim. — Disse após alguns segundos de silêncio.

— Então confie. Você me pediu ajuda, James, só James, e eu prometi que o ajudaria, então, por favor, enfrente seu passado. Você não terá que fazer isso sozinho, eu estarei lá com você, para combatê-los ao seu lado, mas, por favor, prometa que irá se esforçar. — Pediu e eu a encarei, Viola tinha olhos castanhos, e a determinação neles me lembravam uma outra pessoa, eu só não conseguia recordar quem. — Se você concorda coma uma torrada. — Pediu, quase sem esperança na voz e eu suspirei, esticando a mão até o prato de torradas e trazendo uma para minha boca. Ela sorriu e apertou minhas mãos mais forte, suspeitei que ela fosse me abraçar, mas exitou devido ao copo de suco.

— O que você tem em mente?

— Tome seu café e se vista, estou te esperando na sala. — Informou e então deixou o quarto.



Meia hora depois eu fui para a sala, Viola lia uma carta a qual ela largou de lado assim que me viu e passou a mão pelos olhos, antes de se levantar e me estender um envelope.

— A coruja que deixou ainda não foi embora. — Avisou, passando por mim, e eu encarei os dois lados do papel.

— Você tem alguma fitinha verde aí? — Perguntei e a ouvi fungar. — Você tá bem? — Indaguei, virando-me para encará-la.

— Ótima, só vou ter verde oliva, serve? — Perguntou tirando um pedaço de pano de uma gaveta no móvel da sala, eu assenti, não enxergava diferença mesmo.

Amassei a carta e a joguei no lixo enquanto caminhava na direção da coruja, em quem amarrei o pedaço de pano na pata e que, no momento em que me afastei, voou.

— Você… você não vai ler?

— Nop.

— Mas…

— Eu disse não. Como é que vai me torturar agora? — Perguntei, mudando de assunto. Ela suspirou e estendeu a mão, a encarei com o cenho franzido.

— Confiança, lembra? — Instigou e eu cedi, segurando sua mão. No segundo seguinte, depois de puxões e reviravoltas, aparatamos em um local largo, rodeado por árvores e a casa mais próxima quase não se enxergava no horizonte. Demorei um tempo para reconhecê-lo, mas finalmente o fiz.

— Não, você é péssima com isso sabia? Eu não posso, eu não estou pronto. — Uma coisa que eu estava? Completamente desnorteado. Viola me segurou pelos ombros e me fez encará-la, respirando profunda e calmamente até que eu a imitasse.

— Você está pronto sim, James. Faz quase um ano, você tem que estar pronto. — Disse e eu pensei em respondê-la, mas quando tentei fazer isso ela repetiu os movimentos de respiração. — James, eu sei que você a amava, que ela foi uma pessoa muito importante em sua vida e que não vai ser fácil você passar por isso, mas só tem um jeito de começarmos essa jornada e é aqui. Você precisa deixá-la ir.

— Amo. — Disse e ela inclinou a cabeça para o lado. — Eu… eu a amo. — Disse e ela concordou.

— Certo, isso. — Ela balançou a cabeça em negativa, percebi que os fios azuis dela estavam quase sem cor. — James, você e ela, vocês tiveram uma linda história de amor mas… tem uma coisa que sempre ficará entre vocês, sabe o que é? — Perguntou e eu a observei. — Ela está morta e, você, não.

— Delicada como um cactus.

— Não me interprete errado! Se isso não tivesse acontecido, se ela ainda estivesse aqui, talvez vocês dois estivessem felizes, com um filho, talvez estivessem se casando mas… se. Você quer passar o resto da sua vida com “ses”? Com possibilidades que você não tem a menor chance de tornar real? Ela se foi, James, mas você não. Você continua vivo e com sua vida toda pela frente. Eu já te disse isso uma vez e repito, eu acredito em destino, mas não posso dizer qual é a lição que você tirará disto, só vivendo você irá descobrir. Então, se não por você, por ela, faça isso, deixe-a ir. — Pediu e eu olhei para o horizonte, mas não para um ponto aleatório, na direção aonde eu sabia que Saphira tinha sido enterrada.

— Eu nem consegui ficar até o final… — Engasguei e então vi Viola ficar na ponta dos pés para beijar minha testa.

— Vai ficar tudo bem. — Ela prometeu e então floreou a varinha, no minuto seguinte um buquê estava em meu colo.

— Que… peculiar. — Disse tentando adiar o momento o quanto fosse possível, ela sorriu.

— No meio é uma tulipa, vermelha, significado de amor verdadeiro e eterno. Entretanto, essas florzinhas que parecem uma joaninha e estão a rodeando, são adónis, a representação da recordação amorosa e, essas espuminhas roxas que estão fazendo o contorno, são ageratos, purificação. — Ela tocou minha mão por mais um minuto e então me soltou, dando um passo para trás. — Não é só um buquê, James, é uma despedida. — Suspirou. — Vamos?

— Não. — Disse e ela já se preparava para protestar, eu ainda observava as flores. — Não, não é isso, é só que… não, eu preciso fazer isso… sozinho. — Disse, enfim, e ela sorriu, consentindo.

— Estarei bem aqui quando voltar. — Prometeu e eu concordei, dando o primeiro passo, meio tonto, em direção ao cemitério.

Eu segurei as flores com mais força e respirei fundo. A verdade era que eu queria parecer forte, chegar até o túmulo de Saphira sem fraquejar, dizer tudo o que estava preso em meu coração, enfim, ser o grifano que eu sempre fui.

Mas isso estava além do meu alcance. Muita coisa havia mudado e aquele James alegre e brincalhão se escondera atrás de uma parede espessa de tristeza. Não, eu não queria sentir aquilo. E, por incrível que pareça, quando chorei nos braços de Viola, uma pequena parte daquela parede se quebrou. Ainda que não significasse que ela estivesse completamente destruída, porque duas partes de mim haviam sido tiradas.

Eu dei uma olhadela para trás, apenas para constatar que Viola ainda estava parada no mesmo lugar. Vê-la pareceu me confortar e, de longe, eu pude ver que ela havia assentido com a cabeça, como se estivesse me encorajando. Talvez ela estivesse mesmo. Virei-me novamente para a estrada, engolindo em seco, e caminhei tentando não fraquejar.

Eu não sabia como meus pés me levavam até o seu mausoléu - os Malfoy tinham um para sua família -, uma vez que eu não estava prestando atenção quando carreguei seu caixão, na verdade, eu ao menos tinha reparado que entramos em um.

Conforme eu fui me aproximando daquele lugar, em direção a seu túmulo, a verdade me atingiu como um tapa. A dor, que antes estava contida, começou a invadir meu peito, fazendo com que eu me sufocasse e tremesse. As flores que eu carregava chacoalhavam em minhas mãos e eu comecei a suar frio, querendo que as lágrimas saltassem de meus olhos já marejados.

Quando parei em frente do mausoléu sinistro dos Malfoy - era uma grande casa de mármore preto, com desenhos de anjos estranhos esculpidos no mesmo - lembrei do dia em que eu vira o caixão entrar na terra. As lágrimas caíram dos meus olhos. O lugar era grande e diferente de demais mausoléus, possuía alguns buracos para o enterro propriamente dito, ao invés de deixar o caixão exposto. Ver aquela casa sinistra me fez perceber que Saphira não merecia ter seu descanso final ali.

Segurei na porta e entrei. Por causa da magia, assim que o fiz, luzes se acenderam e eu vi. Dentre todas as lápides ali expostas em homenagem a muitas gerações de Malfoys, eu encontrei a dela e as letras gravadas ali me deram ainda mais certeza de que ela jamais voltaria para mim, ela não me pertencia mais, estava muito além de meu alcance.

Saphira Hope Malfoy

★ 13. 11. 2006

♱ 21. 06. 2022

filha querida, irmã amada, amiga fiel



Arrastei-me até seu túmulo, segurando-me pelas beiradas, para não cair. As flores caíram das minhas mãos assim que eu alcancei meu destino e eu fiquei de joelhos, minhas mãos passaram pelo tampo de mármore, tentando alcançá-la, sentí-la, mas ela não estava ali, apenas um vestígio do que um dia ela fora. Eu tremia e as lágrimas escorriam pelo meu rosto, juntando-se a um ou outro soluço de vez em quando. Era tão doloroso saber que, agora, ela não estaria tão bonita quanto da última vez que eu a vira. Com os cabelos trançados como tiara, louros platinado, seu belo vestido rosa e os olhos brilhantes... eu nunca mais veria isso. Nunca mais escutaria sua voz me chamar e só agora eu me dava conta disso.

Acho que meu subconsciente esperava que eu, finalmente, entendesse isso: não adiantava mais. Ela se fora. E era isso que me fazia chorar ainda mais; a percepção de que ela estava... morta. E eu, vivo. Eu estava vivo.

Passei a mão nos dizeres da lápide, sentindo meu peito afundar. As lágrimas ainda estavam presentes, frescas, em meus olhos e meu rosto, mas estavam ficando menos frequentes. Meu coração batia forte, apertado, mas eu começava a conseguir pensar além da dor.

— Por quê…? — Suspirei, encostando minha testa no mármore gelado e deixando as lágrimas escorrerem até ali. Balancei a cabeça, minhas mãos arranharam o túmulo, como se, a força, tentassem a puxar de volta. Não era aquela pergunta a ser feito, não era aquilo que eu queria dizer, que culpa ela tinha? Que culpa eu tinha? Mas se eu ao menos tivesse conseguido a segurar… — Eu sinto muito. — Minha voz saíra em um sussurro fraco, um sopro, meus olhos estavam fixos no chão abaixo de mim. — Eu sinto muito por não… por… eu sinto tanto! — Minhas mãos se fecharam em um punho e eu ergui a cabeça. — Por não ter sido o suficiente, por ter te aborrecido de alguma maneira, por não ter conseguido te salvar — Minha voz vacilou, minha garganta ardeu, um soluço tão alto escapou que todo meu corpo tremeu, caindo de lado, joguei minha cabeça contra a parede da cripta, minhas mãos agarraram um punhado de terra, sabendo que ela estava bem ali embaixo. Tão perto, mas tão longe. — Sinto muito por não ter protegido nosso filho. — Disse após alguns minutos de choro silencioso.

Balancei a cabeça. Viola tinha me dito que não era minha culpa, eu tentava me agarrar aquela possível verdade, mas… mas… minha culpa, culpa dela. Culpa de para quem eu deveria voltar. Teresa era a culpada? Não poderia. Saphira também não podia ter culpa de sua morte, estava com ciúmes, eu não agiria igual se a visse tratando Benjamin com tamanho afeto? Eu não poderia ser culpado. O que eu poderia fazer? Se tivesse avançado em sua direção para a impedir de continuar andando talvez a queda tivesse sido pior, como saberia que ela estava com ciúmes de Teresa se ela não conversou comigo e apenas surtou? Não era minha culpa, nem dela, nem de Teresa.

Destino. A palavra proferida por Viola brilhou em minha mente. Passei as mãos sujas de terra em minha cabeça, sentindo ainda mais meu peito comprimir. Era culpa dele. Não tinha certeza se acreditava naquele papo de destino, mas qual outra opção existia? Destino. Lição. Ele havia tirado de mim de modo brutal a pessoa que eu mais amei nos meus não tão longos 19 anos de vida para me ensinar algo com isso. Mas ensinar o quê? Que eu não era uma pessoa destinada a amar? Que eu não merecia sentir aquele sentimento? Que, se essa história de vidas passadas fosse real, eu fora uma pessoa terrível demais em outra vida para merecer um mínimo de felicidade nessa? Ou, e, naquela época esta me parecia a pior das hipóteses, apesar de eu duvidar que conseguisse sentir algo novamente, que Saphira não era destinada a ser a mulher da minha vida.

Bati a cabeça contra a pedra fria de mármore, a dor sentimental anestesiava a dor física. Talvez fosse isso. Por as coisas não correrem como o planejado o destino resolveu pregar uma peça, não algo divertido, algo dramático. Afinal de contas, eu realmente pensei que poderia casar e ter filhos com uma mulher que eu amei quando estes não eram os planos do grande e inexistente destino? Ri com amargura. Eu conseguiria amar alguma outra vez na minha vida? Já não tinha ganho provas o suficiente de aquilo não funcionava para mim?

Suspirei, as lágrimas tinham secado em meu rosto e olhos, agora o choro tinha cessado e dava lugar apenas para a angústia. Apoiei-me em minhas mãos e voltei a me ajoelhar em frente ao túmulo.

— Sabe, estamos em fevereiro de 2023. Daqui uma semana vão completar oito meses desde que você se foi. De todo esse tempo, a única semana em que eu consegui dormir durante a noite toda, e, sabe, o dia também, fora essa que passou. Porque meu cérebro não suportava a dor física que eu sentia e me colocava para dormir para ser um pouco mais agradável. — Balancei a cabeça. — Você me visita todas as noites. Em cada sonho. Lá está você, com seus olhos verdes, seu jeito birrento, seu… — Segurei o buquê, afim de deixá-lo mais arrumado, e só então percebi um outro buquê de flores que, mais tarde, descobri serem gardênias. Elas estavam frescas, o que queria dizer que alguém havia visitado seu túmulo um pouco antes de mim, segurei aquele buquê junto ao meu, por algum motivo aquelas flores me lembravam seus olhos. Ao segurar ambos os buquês, porém, percebi algo novo. Gravado na tampa de mármore, uma pequena e prata moldura oval que, em seu interior, guardava a foto de uma Saphira sorridente, deslumbrante, superior. — Rosto. — Conclui sentindo minhas forças cederem mais uma vez, porém, desta, limpando a garganta e conseguindo suportar ao colocar as flores por cima da foto. — E então seu grito. — Balancei a cabeça. — Você tem ideia do quão eu sinto sua falta? Do seu cheiro, do seu toque, de seu perfume? — Olhei para seu nome por uns segundos e fechei os olhos, sentindo algumas lágrimas voltarem. — Você me deixou aqui, eu não sei o motivo, eu não sei o por quê, mas você me deixou aqui Saphira. — Uma lágrima escapou pela lateral de meus olhos. Eu respirei fundo, tentando conter as demais. — Eu amei você, tanto! E eu acho que uma parte de mim sempre irá te amar, você sempre será uma parte do meu coração. — Soltei o ar, abri os olhos e afastei os buquês para encarar a foto, os olhos marejados, mas eu precisava ver aquele rosto, pelo menos uma última vez. — Mas acho que eu preciso seguir em frente agora. Eu não sei por onde começar ou para onde seguir mas… você me deixou aqui e eu não posso me unir a você. — Solucei, buscando forças sem saber de onde para me levantar. Encarei seu túmulo e permiti mais algumas lágrimas rolarem. — Eu amo você, Saphira, mas estou te deixando ir, porque a verdade é que você não é minha, não mais, há muito tempo. — Disse e então respirei fundo, munindo-me de toda a coragem que tinha para dar as costas a seu túmulo e sair dali.

Estava tudo escuro e as estrelas brilhavam no céu. As luzes do mausoléu se apagaram assim que eu sai e eu comecei a minha caminhada, de passos vacilantes, até onde Viola estava me esperando, ao me ver, ela veio caminhando em minha direção. Percebi pela luz da lua que ela estava preocupada, permaneci firme até nos encontrarmos, no meio do caminho. Assim que Viola se aproximou o suficiente, vacilei sobre meu peso e quase cai de novo, sendo amparado por ela que me abraçou com força.

— Está tudo bem. — Sussurrou com palavras doces enquanto acariciava minha cabeça. — Está tudo bem, James, ela se foi agora. Ela está em um lugar melhor, junto com seu filho, eles estão bem, sei que estão. E querem que você seja feliz. — Afirmou e eu solucei. — Vai passar, agora vai. — Ela prometeu antes de aparatar comigo de volta para o apartamento.

(...)

Três meses tinham se passado. Descobri que Viola tinha razão e realmente passara a dor e a angústia. Demorou um pouco, mas com o passar dos dias os pesadelos pararam de vir, o choro foi ficando mais raro, eu não precisava mais beber para esquecer, mantinha-me ocupado mas sem usar duas garotas para isso.

Conseguira um emprego, Frigga, após de uma boa bronca por eu ter passado cerca de um mês sem dar notícia e ter desaparecido com sua vassoura, me aceitou como seu ajudante temporário. Trabalhava lá no período em que Viola estava na aula e conseguia tirar uns bons galeões por dia, o que, somado ao dinheiro que eu tinha retirado do cofre da minha família, dava para pagar minhas dívidas com a taverna, com Viola e, ainda por cima, garantir meu sustento por um tempo. Estava ajudando Viola com algumas contas de casa, aquelas que ela não podia me impedir de pagar, como as compras do mês.

A faculdade de poções fora realmente adiada para o próximo semestre, agora estávamos há apenas um mês e meio das férias de verão e eu já estava com minha inscrição praticamente pronta, apenas aguardando a permissão para ser enviada.

Era um sábado, Viola tinha se permitido uma folga dos estudos árduos e era o meu dia de folga da taverna. Gostava da convivência com meu anjo de cabelos azuis, apesar de ela nunca me permitir chegar perto demais.

Estava sentado no sofá a sua espera, tínhamos separado o dia para assistir uma das infinitas séries trouxas pelas quais Viola era fissurada. Ela tinha assinatura em uma espécie de aplicativo que era recheado de filmes e séries e dava para morrer feliz com isso.

— O que vamos assistir? — Perguntei enquanto ela se aproximava com novas pilhas para o controle.

— Percy Jackson e os Olimpianos. Essa série é maravilhosa! Você não pode morrer sem assistí-la. Digo, os filmes eram terríveis! Sério, de chorar se você tivesse lido os livros antes. Mas então a netflix conseguiu os direitos e fez essa série, o mundo ficou mais belo desde então.

— Yeap, não tenho ideia do que você tá falando. — Afirmei e ela bufou.

— Você é tão leigo e tão… bruxo! — Disse revirando os olhos e se sentando.

— E você é tão linda.

— E você é tão linda. — Ela me imitou afinando a voz e se deitando sobre mim. Eu ri e observei enquanto ela manuseava o controle em busca da série.

— Psiu. — Chamei e assim que ela olhou lhe dei um selinho.

Ela não se afastou, o que me fez sentir vitorioso, então eu me afastei a encarando, orgulhoso, mas comemorei cedo demais.

— Ótimo, eu vou ter que escovar os dentes de novo agora. — Ela resmungou limpando a boca com a mão.

— Hey! Qual é! Minha boca é limpa. — Rebati ofendido e ela concordou de modo irônico com a cabeça.

— Estou vivendo com você há tempo o suficiente para saber que isso é uma possível mentira.

— Você me ama.

— Talvez.

— Por quê não namoramos mesmo?

— Porque você não quer uma namorada, você quer uma distração. — Disse fazendo uma referência a uma das inúmeras séries que me fizera assistir e me provocando uma risada.

— Ah, é… certo.

— Sabe James? Eu estive pensando… — Começou e eu a encarei com mais atenção. — No dia em que eu te conheci você disse que nunca se apaixonaria.

— Não comece! — Avisei, sabia o que ela pretendia, mas, assim como ela, já estava rindo.

— Não! É sério! Eu tinha acabado de chegar no bar, você já estava bêbado feito um pinguim, e enquanto eu esperava ele me atender você estava falando com o garçom “O amor é uma merda! Eu odeio isso! Quer um conselho parceiro? Nunca se apaixone! Eu não vou, não mais”. — Disse fazendo uma terrível voz masculina.

— Eu não falo assim!

— Fala sim, quando tá bêbado. Mas, sabe de uma coisa? Agora que eu te conheço, eu percebo que aquilo era na verdade medo.

— Pare, Viola!

— E agora, cá estamos nós! Tão perto, mas tão longe!

— Você sabe que está me usando de travesseiro, certo?

— Eu não passei no teste?

— Você não percebeu que eu acabei de sugerir que a gente devia namorar? — Ela fez uma expressão dramática, sentando-se no sofá e abaixando a cabeça.

— Quando é que você vai perceber que, querido, eu não sou como o resto?!?

Fechei os olhos e suspirei. Ao longo daqueles três meses eu vira Viola fazer aquilo diversas vezes, cada uma com uma música diferente. A escolhida da vez ela não parava de cantar há cerca de uma semana, desde que ouvira no rádio na lista das 50 mais tocadas da década passada. Como eu havia previsto, Viola saltou do sofá, agarrando o primeiro objeto comprido em sua frente e então jogando o cabelo para o lado ao me encarar.

— Don't wanna break your heart Wanna give your heart a break I know you're scared it's wrong Like you might make a mistake There's just one life to live And there's no time to waste, to waste So let me give your heart a break — O controle estava servindo de microfone e ela sentia a música enquanto cantava, o que não estava sendo muito bonito de se apreciar, considerando que, apesar de ter uma bela voz, Viola não estava se esforçando para afiná-la.

— Ok, já chega. — Conclui quando ela estava prestes a começar a segunda parte da música. Levantei do sofá e caminhei até sua direção, passando os braços ao redor de sua cintura e a levantando, jogando-a em meus ombros e caminhando na direção da janela.

Viola continuou insistente na cantoria, até chegarmos lá.

— Ok, ok! Eu paro! Já parei! De novo não, por favor! — Ela tentava implorar, mas não parava de rir. — Por favor! — Pediu ainda rindo e balançando os pés.

Me afastei uns passos pra trás e então a coloquei no chão, Viola me olhou, tentando não rir e eu semicerrei os olhos em sua direção.

— The world is ours if we want it We can take it, if you just take my hand — Ela interrompeu a cantoria por mais um segundo, para gritar, e saiu correndo. — Theres no turn back noooooo-ooooow Baby, try to understand. — Outro grito quando eu a alcancei novamente. — Ok, agora é sério, eu parei! Porque você não vai cozinhar? Eu estou com fome! Acabou a lasanha. — Pediu, de cabeça para baixo, e eu ri, percebendo o quão engraçada ela ficava com o rosto vermelho e os cabelos azuis.

— Ok, certo, acho que acabou todo o alimento dessa casa.

— Ainda tem pipoca. — Ela disse, fazendo algumas flexões enquanto tentava se levantar. Ri, a segurando pelo braço e então a trazendo pro meu colo. — Meu herói. — Suspirou passando os braços envolta do meu pescoço. — Agora vamos comprar comida. — Ordenou, apontando pra porta.

— É, não, eu vou comprar comida e você vai lavar as vasilhas. — Informei e ela murchou.

— Você sabe que é só balançar a varinha certo?

— Então balance sua varinha. — disse rindo e a colocando no chão. — E, por favor, não tente fazer pipoca enquanto eu estiver fora, eu farei quando voltar. — Prometi e tentei lhe roubar outro beijo, mas ela foi mais esperta desta vez, piscando pra mim e dando uma reboladinha da vitória por não ter sido pega desprevenida mais uma vez.

— Eu ainda vou te conquistar. — Afirmei, frustrado, pegando as chaves.

— E eu já disse que não vou entrar nessa lista de mulheres da sua vida. — Retrucou enquanto ainda rebolava em direção a cozinha. Eu ri, consentindo, e então sai.

Viola vivia em um bairro truoxa. Entretanto, com o passar dos dias ali, eu descobri que vivam por lá tantos bruxos quanto trouxas. Tinha até mesmo um prédio na esquina do mercado aonde viviam apenas bruxos. E a maioria deles eram mestiços que gostavam de ter o melhor dos dois mundos. Me parecera uma ideia boa com o passar das semanas.

Eu gostava de Viola e me dava bem morando com ela, tinha um emprego temporário que, segundo Frigga, podia durar quanto tempo eu precisasse e poderia fazer minha especialização por lá. Não era tão longe de casa, o que as vezes ainda me assustava, mas parecia bom. Uma vida legal de se levar pelo menos até decidir voltar para casa. Bem, talvez.

Estes pensamentos foram imediatamente descartados assim que deixei o mercado. Não tinha feito uma compra grande, apenas alguns itens básicos para passarmos pelo fim de semana e, claro, a lasanha de Viola, caminhava distraído, tentando bobamente dividir igualmente o peso das sacolas nas duas mãos quando ouvi uma voz, conhecida demais para ser ignorada, e a visão fora tão surpresa que eu quase pulei de susto e sai correndo. Ao contrário disso eu apenas engoli em seco e virei a primeira esquerda, escondendo meu rosto da melhor maneira que pude.

Os cabelos ruivos do homem misturados a fios brancos e sua voz grossa e preocupada foram o primeiro susto, mas o que me fez gelar completamente fora o homem a seu lado, os óculos redondos e as cicatrizes inconfundíveis. Ronald Weasley e Harry Potter estavam parados bem a frente do prédio de moradores bruxos e isso me aterrorizou de um modo que eu não esperava.

Quando eu descobri que estava na Escócia meu primeiro pensamento foi em ir embora imediatamente, mas as coisas aconteceram, a bebida, Viola, o destino, e lá estava eu, cinco meses depois, ainda lá. Meus medos eram de ter voltado para tão perto de casa e ser descoberto, eu tinha deixado… coisas, no passado, mas voltar para a minha família, por mais saudades que eu sentisse, ainda não era algo que eu pretendesse fazer, eu precisava de um tempo para mim, para me conhecer como James, só James, e não ser o mais velho filho dos Potter. Em todos aqueles cinco meses, minha situação nunca parecera tão ameaçada quanto naquele instante, nem mesmo quando eu encontrei com Amber Skeeter, e eu só descobri isso quando Viola me mostrou uma revista em que eu era a capa.

Subi as escadas do apartamento ainda desnorteado, não pretendia tomar uma decisão como aquela ao longo de três quarteirões, seria muito rápido e eu teria que reorganizar toda minha vida, mas, no momento em que parei em frente a porta e girei a maçaneta, soube que tinha de sair daquele país. O quanto antes. Ainda naquele dia.

Pretendia falar com Viola mas fui completamente desarmado ao vê-la chorando no sofá, um pedaço de pergaminho amassado nas mãos. Deixei as sacolas caírem e corri em sua direção, a puxando para perto e tirando seus cabelos do rosto.

— Hey, está tudo bem. O que foi? — Perguntei e ela balançou a cabeça, mas sem parar de chorar. — O que aconteceu, Viola? — Perguntei, realmente preocupado, nunca tinha visto Viola tão abalada.

— É que… — ela fungou. — É bobagem. — Resmungou tentando se desvincilhar, mas eu a segurei em meu abraço.

— Você ouviu e me ajudou com todas as minhas bobagens, deixe-me te ajudar também. — Pedi e ela suspirou, passando as mãos pelo rosto e respirando fundo.

— James, sabe porque eu vivia sozinha antes de você aparecer? — Perguntou e eu neguei. — Minha mãe, quando conheceu meu pai, também não tinha ninguém. Ambos eram órfãos de pai e mãe, e talvez tenha sido isso que os fizeram se aproximar e se apaixonarem um pelo outro. — Ela suspirou, tentando soar calma para que a voz não tremesse. — Meu pai e minha mãe construíram uma empresa trouxa, que vende imóveis pelo país, e ganharam muito dinheiro. Uns dois anos antes de o meu pai falecer, ele descobriu que tinha uma irmã mais velha. Eles criam um tipo de aproximação, porém não o suficiente para terem um laço. — Eu assenti, segurando sua mão, encorajando-a a continuar. — Quando ele morreu, eu cheguei a morar com ela. Mas era terrível! Ela não aceitava o fato de eu ser bruxa e que eu havia ficado com toda herança dele e ela nada. Ela não me... amava. Lá nos Estados Unidos, a escola de magia, não é igual a Hogwarts e eu voltava para casa, para aquele inferno, todos os dias. Quando eu vi que não aguentava mais, voltei para cá, e fiquei no orfanato, onde eu, por incrível que pareça, eu era feliz. A diretora da escola entendeu minha situação e então me permitia ficar lá e voltar só em datas festivas, era exaustivo pra mim atravessar o mundo todos os dias, mesmo que pela rede de flu, então eu ficava lá, em um quarto improvisado em uma das velhas salas de aula, sozinha. — Fungou. — Por mais que eu estude numa faculdade bruxa, eu administro a empresa que, um dia, fora dos meus pais. Não podia vendê-la. Era deles... Então, era por isso, eu não tinha ninguém que… se importasse, eu era sozinha, e me acostumei a solidão.

— Mas… — Isntiguei, sabendo que apesar da triste história aquele não era o motivo de seu pranto.

— Mas então Paisley apareceu. Você se lembra dela? Do orfanato, ela ganhou uma coleção de livros.

— Sim! Claro, os olhinhos dela brilharam quando abriu o presente. — Ela concordou.

— Ela tem oito anos, está no orfanato desde os três, os pais morreram num acidente de carro e não tinha nenhum parente conhecido. Nunca foi adotada porque os casais diziam que ela era muito estranha, por ser quietinha e falar muito pouco. — Contou e eu coloquei uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha, tentando confortá-la. — Bem, tudo bem até aí, acontece isso com milhares de crianças, a maioria só quer saber de bebês fofinhos como se os mais velhos não precisassem de amor, ou de um lar. — Concordei e ela respirou fundo. — Mas então, de uns meses para cá, ela começou a me mandar algumas cartas, porque ela gosta de conversar comigo e eu sou a única pessoa em quem ela confia, mas é que, olhe… — Fungou me estendendo a carta molhada de lágrimas.

“Aconteceu de novo” era as palavras inciais. misturadas a essas, palavras como “estranha”, “assustadora” e “exorcismo” se destacavam. Após ler a carta inteira entendi o que acontecia. Paisley era uma bruxa. Sua primeira demonstração de magia ocorrera há não muitos meses, mas ela não sabia o que era aquilo e não sabia controlar. Os colegas a isolavam ainda mais a chamando por aqueles nomes, as freiras acreditavam que ela estava possuíam por algum espírito maligno e tentavam tirá-lo através de sessões tortuosas para a garotinha.

— Ela é tão nova para suportar isso sozinha. — Viola disse assim que concluiu que eu tinha terminado. — E é uma criança tão boa! Ela não merecia isso! — Lamentou-se e eu suspirei, acariciando seu braço. — Eu venho pensando em adotá-la. — Riu, como se fosse uma ideia maluca. — Mas que condições eu tenho de criar uma criança? Ajudar no orfanato é fácil, mas eu não tenho que ampará-las de noite quando tiverem pesadelos, ensinar sobre coisas da vida, de onde vêm os bebês e… essas coisas de mãe. — Ela estava perdida, sabia disso, mas sorri e beijei sua testa.

— Me escute bem, dona Viola. Você é a pessoa mais capaz de tomar conta de uma pessoinha em todo o mundo. Se existe alguém capaz de criar uma criança, esse alguém é você. — Sorri. — Quero dizer, olhe bem para mim! Você me pegou do fundo do poço, destruído, sem rumo, a ponto de acabar com minha vida e você me salvou. Você me confortou a cada pesadelo, você me ensinou muito mais do que de onde veem os bebês e você me mostrou coisas sobre a vida que eu seria incapaz de aprender sozinho. — Sorri terno e então beijei o topo de sua cabeça. — Você é meu anjo da guarda, Viola, mas não é um anjo particular. Acho que essa é sua verdadeira função aqui, sabe? Cuidar dos outros. Primeiro seu pai, depois eu e, agora, Paisley.

Viola pareceu medir as palavras, queria encontrar alguma brecha nelas ao mesmo tempo que queria se agarrar em suas verdades, acariciei sua bochecha.

— Eu não tenho palavras para dizer o quão grato sou por ter você em minha vida, mas agora tem uma outra criança precisando de você, uma de verdade, que não te dará problema com bebidas e brigas de rua. Pelo menos não agora — ri e ela tentou me acompanhar. — Você tem que guardar outra pessoa agora, alguém que está precisando mais de seus cuidados do que eu. — Ela suspirou.

— E pelo jeito que você está falando, você não vai me acompanhar nesta jornada, certo? — Perguntou e eu assenti.

— Eu… vi meu pai, perto do mercado. — Confessei e pela inexpressividade de Viola sabia que ela tinha um sermão completamente preparado. — Eu não estou pronto para voltar, eu achava que tinha fugido por causa de… bem, você sabe, mas eu acabei descobrindo que eu sai para me encontrar, para descobrir quem eu sou além de meus pais. Eu irei voltar, Viola, mas não hoje, não agora.

— Então isso é um adeus? — Perguntou, eu segurei seu rosto entre as mãos.

— Não, é um até breve. — Prometi e ela riu.

Através de seu olhar percebi que, naquele momento, eu tinha permissão para o que vinha tentado fazer já há umas semanas. Cautelosamente e com ternura, então, aproximei meu rosto ao de Viola. Apesar da brincadeira de mais cedo não sabia se conseguiria me ver passando o resto da vida a seu lado, e sabia que era recíproco, mas mantínhamos um carinho especial um pelo outro, não como irmãos, mas também não como amantes. Apenas alguma coisa entre os dois. Ao perceber que ela não recuara, senti mais segurança a prosseguir e então uni nossos lábios.

Pela primeira desde que a conhecera, Viola correspondeu a meu beijo.


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Notas finais do capítulo

¹SODRÉ, Ilana. 2015.
² Uma personagem do desenho animado e coleção de brinquedos “My little pony”

Bem meus chuchus, então, espero que vocês tenham tido um natal maravilhoso e desejo a todxs um ano novo incrível cheio de novas realizações. Gostaria de dizer também que agora eu estou de férias /reboladinha e em breve a Laís tb termina o emprego dela então, gostaria de avisar sobre os planos de tentarmos, tentarmos!! Voltar àquele ritmo de postagem legal que tínhamos no comecinho da fic, lembram? Bem, não saberemos se vamos conseguir isso, mas tentaremos ao máximo soltar os novos capítulos com a menor demora possível, no mais muito obrigada a todas que ainda continuam aqui e ah, se sair como o planejado, é possível também que a quantidade de palavras por capítulo tenham uma queda daqui para frente também ok? Enfim, obrigada a quem leu tudo e... reviews? haohsoa ~Lia G./ Vic