Coliseu escrita por Bela Escritora


Capítulo 8
8 - Nico di Angelo


Notas iniciais do capítulo

E aí, galera?
Olha eu de volta! Dessa vez nem demorei tanto. Tava inspirada para esse capítulo específico. Ele ficou um pouco mais curto do que de costume, mas acho que não é o tamanho que conta, mas sim o conteúdo.
Embora o meu contador de visualizações marque que só quatro pessoas leram o Capítulo 7, eu vou postar esse aqui. Não vamos desanimar, gal. Fiquem firmes e leiam. Espero que vocês aproveitem porque eu gostei muito de escrever este trecho da história. Tem nota de vocabulário hoje, então não se esqueçam de checar lá nas notas finais, ok?



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— Aqueles eram gladiadores de verdade? - eu perguntei com mais entusiasmo do que deveria.

— Fique quieto, Nico! - Bianca sibilou irritada - Agora não é hora para isso.

Ela estava certa. Aquela realmente não era o momento adequado. Mas o que eu podia fazer? Gladiadores eram incríveis! O modo como lutavam para sobreviver dentro da arena era algo que me fascinava desde pequeno. Continuava a me fascinar, na verdade, mas agora que eu teria que entrar na arena, a coisa era diferente.

— Deixe o garoto falar - comentou um guarda com um sorriso malicioso no rosto. - Essa vai ser a última conversa de vocês de qualquer forma.

— Não dê ouvidos à ele, Nico - minha irmã falou estreitando os olhos e apertando levemente os meus ombros, onde ambas as suas mãos haviam encontrado apoio. - Vamos sair dessa.

— Não dê falsas esperanças para a criança, doçura - falou outro guarda se inclinando até seu rosto ficar grudado ao de Bianca. - Vocês VÃO morrer.

Tive vontade de chutá-lo no saco, mas não queria causar mais problema. Por isso fiquei em silêncio e me limitei a encará-lo com os olhos semicerrados. Por alguma razão, a morte não me assustava. Eu não estava com medo de morrer na arena do Coliseu e sabia que o mesmo valia para Bianca. O que nós dois temíamos era sermos separados pela morte do outro. Eu só pudera contar com Bianca desde que fugíramos de casa para escapar das tropas romanas depois de nossa mãe ter sido assassinada. Foram dois meses de fuga, vivendo nas ruas de Roma e nos escondendo nos bosques próximos das estradas. Fizemos de tudo para escapar, mas eu não queria me afastar da cidade, pois acreditava que nosso pai iria aparecer para nos buscar e nos levar para um lugar seguro. A verdade é que ele nunca veio, e o fato de termos ficado pela cidade ou em suas redondezas acabou por permitir nossa captura a dois dias atrás. Era minha culpa estarmos ali. Se fosse por Bianca, talvez estivéssemos refugiados no norte da Itália.

Começava a escurecer lá fora, o que tornava o corredor ainda mais escuro. O crepitar do fogo nas tochas presas as paredes era o único som que eu ouvi por longos cinco minutos, antes que um guarda bater nos portões. Os outros guardas sorriram de forma maldosa e abriram as pesadas portas de madeira. O som das vaias da multidão, até então abafados, me atingiram quase de imediato, me deixando momentaneamente surdo e desorientado. Minha irmã começou a andar para frente e quase me derrubou no chão. Em pouco tempo estávamos dentro da arena do Coliseu e as portas atrás de nós se fecharam com pressa.

— Fique atrás de mim, Nico - Bianca sussurrou, observando os outros portões de forma atenta. - Quando eles vierem, eu os distraio e você fica longe.

— Teremos mais chances juntos! - reclamei.

— Não discuta! - ela sibilou ao mesmo tempo que a porta lateral se abria e um homem de peito descoberto, turbante e ombreira de couro, portando uma rede com pesos e uma espécie de tridente saiu de dentro do túnel.

Ele virou o rosto na nossa direção e pude ver um brilho de prazer doentio em seus olhos amarelos. Quando sorriu, uma fileira pontuda de dentes reluziu sob a luz do poente. Mas se bem que o cara podia ter olhos e dentes normais e a fome estivesse me fazendo ver coisas. Fazia quase dois dias que não comíamos. Não, os romanos não haviam nos alimentado. Pra que gastar comida com quem vai morrer, certo?

Bianca, porém, parecia não estar ligando muito para a fome, e deu um passo a frente, erguendo a cabeça de forma desafiadora. O gladiador começou a se aproximar, o tridente mais parecia uma espécie de cauda de escorpião do jeito que ele a carregava. A multidão ao nosso redor, gritava em êxtase. O nome dele ecoava pela arena. “Mantícore! Mantícore! Mantícore!” Instintivamente eu recuei um passo, meu corpo buscando me preservar mais do que o meu próprio cérebro. Meus olhos correram pelas armas do gladiador e, logo, eu estava grudado em Bianca, falando tudo o que eu sabia sobre aquele tipo de gladiador.

— Ele é um Retiarii¹, Bianca. O único tipo de luta que ele sabe é jogar a rede nos oponentes e espetá-los com o tridente. É do mais baixo nível de gladiadores.

— Nico, isso não importa! - Bianca reclamou, exasperada. Quase podia ouvir o desespero na voz dela. Bosta, por que eu tinha que me empolgar tanto com esses benditos lutadores?

— Evite a rede e se for tentar um ataque, que seja corpo a corpo, porque ele não tem como usar o tridente nesse tipo de luta. Mas cuidado. Alguns deles têm facas. - Minha irmã me fuzilou com um olhar de ódio e eu soube que aquela era a hora de calar a boca.

Observei cada passo do homem, anotando mentalmente todas as suas possíveis fraquezas para gritar para Bianca durante a luta. Eu estava morrendo de vontade de me juntar a ela no combate, mas não o fiz. Era por minha causa que estávamos ali. Se eu a tivesse obedecido, era muito provável que não tivéssemos sido capturados. Dessa vez então eu ia obedecer para que tudo desse certo. As coisas tinham que dar certo. Pelo menos uma vez.

A luta começou de repente. Mantícore lançou a rede no ar assim que Bianca entrou em seu alcance. Ela, por outro lado, deu uma cambalhota no chão, escapando por um triz de ficar presa. Ao se erguer, acertou uma cotovelada forte na lateral do corpo do gladiador, e eu quase pude ouvir a costela quebrar. O homem xingou em latim e bateu com o cabo do tridente nas costas da minha irmã, derrubando-a no chão. Ela rolou para o lado a tempo de escapar das pontas afiadas do objeto, que perfuraram o chão onde ela estivera caída segundos antes.

Bianca se ergueu com pressa. Ela sabia tão bem quanto eu que ficar no chão perto de um cara daqueles era o mesmo que implorar para morrer. Ele tentou mais uma investida, e ela conseguiu escapar de ser empalada dando um pulo para trás e encolhendo a barriga. Eu, por minha vez, continuava parado no mesmo lugar de quando a luta começara. Encarava com olhos arregalados o combate diante de mim. Minha irmã agarrou o cabo do tridente e os dois começaram a brigar pela arma. Ele era bem mais forte do que ela, mas se tinha uma coisa que Bianca sabia ser, era insistente. Ela praticamente grudou no objeto, se recusando a largá-lo. Mas o gladiador conseguiu soltá-la ao erguê-la do chão e jogá-la longe.

Mantícore sorriu e se virou para mim, agora eu podia ver que os dentes deles eram tão amarelos quanto a íris de seus olhos. Ele pegou a rede do chão sem descolar os olhos de mim e a jogou no ar ao mesmo tempo que Bianca mandava eu correr enquanto se erguia. Eu tentei, juro que tentei obedecer ela, mas as minhas pernas estavam petrificadas e eu só fiquei observando a rede chegar cada vez mais perto e me envolver com tanta força que me fez cair de joelhos no chão. Ouvi minha irmã chamar meu nome e vi-a voltar a lutar com o gladiador por entre os furos da rede. Tentei achar o final ou um dos pesos, mas ambos pareciam ter se enterrado na areia. É mais difícil escapar dessas coisas do que parece. Por isso eu só pude observar enquanto o homem jogava Bianca no chão e cravava o tridente em sua barriga.

— NÃO!!!!! - gritei, sentindo a vida dela se esvair, a alma dela deixar seu corpo e o plano físico. Foi como se algo se partisse dentro de mim e, de repente, me senti vazio. Tanto quanto me sentira quando vira minha mãe ser decapitada na entrada da nossa casa pelos legionários. Estava sozinho agora. Totalmente sozinho. A platéia gritava de alegria, mas eu estava surdo para eles, completamente dominado pela raiva. Meu sangue fervia de ódio e eu ofegava, sentindo as lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto tentava conter os soluços em meu peito.

De repente eu comecei a ouvir algo na arena. Vozes de pessoas... Não, não eram pessoas. Não estavam vivas. Emanavam morte quando falavam. Fantasmas. Havia muitos ali. Todos gritando a mesma palavra: Vingança. Senti o desejo deles se misturar ao meu. O ódio deles se tornou meu enquanto eles subiam de volta para a arena, para o local onde haviam morrido. O chão ao meu redor se tornou negro e a rede se dissipou em cinzas. Eu me ergui, ouvindo a platéia se calar lentamente e logo depois, começar a gritar de desespero quando os primeiros espíritos brotaram na arena. Eles encheram o lugar. Cada espaço vazio estava ocupado por um fantasma de gladiador. E mais teriam subido para a superfície se eu não os tivesse mandado parar.

Mantícore, no centro de todos esses espíritos, tremia visivelmente. Eu não ligava. Queria vê-lo estirado no chão, tão morto quanto aqueles que me cercavam. Os fantasmas me olharam, esperando a ordem. E eu os olhei de volta, observando cada um deles. Pude ver um com um elmo de cabeça de vaca com um chifre quebrado, outro que parecia um gigante com cabelos pretos longos e barba espessa, um arqueiro com uma flecha enfiada em seu olho, um gladiador que não tinha face pois essa se transformara em uma massa de carne, ossos e sangue, um com um machado enfiado na garganta, outro que pingava água e tinha o pescoço quebrado pendendo para um lado e dois sem cabeça. Eram os que estavam mais na frente. Eram os mais recentes, os mais sedentos.

Com uma calma fria, ergui o braço e apontei para o homem de joelhos no meio da arena, implorando pela vida ao lado do corpo da minha irmã.

— Matem-no. - falei com voz dura e gélida. Uma voz que nem eu sabia que eu tinha.

Fiquei parado como uma estátua, enquanto o mar de fantasmas avançavam sobre o homem, todos querendo um pedaço dele para si. Um pouco de sangue para saciar a sua sede. Ouvi seus gritos de terror se transformarem em agonia, mas minha expressão continuava a mesma. A multidão que ocupara a platéia fugia como ratos da luz do sol. Guardas cercaram o perímetro da arena, apontando seus arcos inúteis para os fantasmas. Mas eu os parei. Tive que. O som de carne sendo arrancada dos ossos, de membros sendo despedaçados... Aquilo estava me deixando enjoado. Para fazer isso, porém, precisei de muito mais energia do que para trazê-los para sua vingança. A fraqueza me dominou aos poucos (causada pela má-alimentação), enquanto um a um os fantasmas afundavam na areia da arena e sumiam. Forcei-me a ficar de pé e consciente para terminar o serviço. Não sabia o que iria acontecer se eu desmaiasse antes de todos terem voltado a seus devidos lugares. Talvez eles desaparecessem, talvez eles atacassem os outros. E eu não queria ser responsável pela mortes de inocentes.

O último fantasma desapareceu no chão e eu desabei com o rosto na areia. Não sem antes ter um vislumbre dos restos mortais do gladiador, um corpo despedaçado em uma poça de sangue. A escuridão me envolveu como uma mãe e eu apaguei totalmente.

~X~

— Não acha que devemos acordá-lo?

— Deixe-o dormir, Percy. Eu não te acordei quando você estava ali apagado.

— Mas ele está assim faz quase uma semana!

Girei sobre o local em que eu estava deitado, uma pilha de feno, e as duas vozes se calaram. Ouvi um resmungo de dor vinda da primeira voz enquanto abria os olhos. Minha cabeça doía e eu estava confuso. O que eu estava fazendo ali? E onde estava Bianca?

Uma menina de cabelos pretos lisos e olhos azuis vibrantes e um garoto de cabelo preto, pele bronzeada e olhos verdes se aproximaram de mim, receosos. O que estava acontecendo?

— Garoto, você tá legal? - perguntou a menina.

— Sim... - respondi me sentando e levando a mão à cabeça por conta da tontura - Onde estou?

— No liceu² do imperador. - o garoto respondeu.

— Não... Não, isso está errado. Eu e a minha irmã fomos condenados à arena. O que eu estou fazendo aqui e onde ela está? - Os dois se entreolharam, nervosos e eu soube que estavam escondendo algo - O que está acontecendo?

A garota de cabelos pretos se sentou do meu lado.

— Qual o seu nome, garoto? - ela perguntou com voz gentil.

— Nico di Angelo - eu respondi percebendo que reconhecia aqueles dois de algum lugar. Dos meus sonhos talvez? - Eu conheço vocês dois?

— Não - a garota respondeu de imediato.

— Sim - o menino respondeu ao mesmo tempo. Ela o encarou confusa - Foi na saída da arena. Ele e uma garota estavam lá, cercados de guardas, esperando para entrar.

— Isso foi no meu sonho! A garota é minha irmã! - falei, me perguntando como eu podia ter tido o mesmo sonho que ele.

Os dois se entreolharam novamente, mas dessa vez quem falou foi o garoto.

— Não foi um sonho, Nico. Aquilo foi real.

Meu estômago gelou de repente e eu me ergui, assustado. Então tudo aquilo fora real?

— Não - falei. - Não pode ser. É mentira. Você está mentindo!

O garoto piscou e me olhou confuso. Acho que o nome dele era Percy.

— Nico, eu sinto muito, - ele encarou a amiga em busca de apoio, mas ela parecia tão sem chão quanto eu - mas é verdade. Tudo aquilo aconteceu.

— NÃO! - falei, dessa vez mais veementemente. - Você não entende! Aquilo não pode ter acontecido. Se não isso significaria que... Que Bianca... - Um vazio tomou o meu peito assim que pensei nela e, de repente, percebi que eles estavam falando a verdade. Que ELE estava falando a verdade. Senti ódio e tristeza tomarem conta do meu sangue. - Não. - murmurei me afastando do monte de feno que me servira de cama com lágrimas tomando os olhos.

— Nico, você está bem? - perguntou a menina.

— Saiam daqui - sussurrei.

— Nico... - chamou Percy.

— SAIAM! - bradei, sentindo meu ódio explodir.

O chão sob nós tremeu e algumas rachaduras surgiram no solo, mas nada saiu delas. Mesmo assim os dois olharam para baixo, assustados. A menina agarrou Percy e o arrastou para fora, mesmo com o menino insistindo em ficar para me consolar. Mas ele não entendia. Não entendia o que eu estava sentindo. Ele não podia fazer nada para me ajudar.

~X~

Notas de Rodapé:

¹ Gladiador que se utilizava de uma rede e um tridente para lutar.

² Local onde gladiadores eram treinados. Um tipo de escola de luta.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Sugestões? Críticas? Elogios? Deixem tudo aí nos comentários! Nos vemos no próximo século! (Talvez em novembro)

PS: "Bela, por que o Nico é viciado em Gladiadores?" Simples, caro leitor(a). Não existia Mitomagia na Roma Antiga. E o Nico sem ser viciado em alguma coisa não é o Nico que conhecemos. ;)



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