Coliseu escrita por Bela Escritora


Capítulo 21
21 - Percy Jackson


Notas iniciais do capítulo

E como prometido, aqui estou eu de novo!

YAY!

Espero não ter feito vocês sofrerem muito com aquele final em suspenso do último capítulo, mas aquele momento foi o único que eu encontrei no que antes seria um capítulo único de 10.000+ que aceitava divisão, por isso, me desculpem.

Vamos dar então continuidade à fuga dos nossos semideuses com um capítulo que ficou um pouco mais longo que o habitual. Espero que não se importem. ;)

Dito isso, deixo vocês com o penúltimo pedaço dessa história. Espero que gostem.

Boa leitura!



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Girei no lugar, erguendo o estilete e invocando Anaklusmos. A espada se formou na minha mão a tempo de aparar o golpe de uma espada que teria me partido em dois. O soldado rosnou para mim sob seu elmo. Eu rosnei de volta. Não ia perder aquela batalha. Não tinha essa opção.

Desviei a espada do romano e investi com uma estocada na lateral do corpo. O bronze mordeu a pele macia entre as costelas, mas graças à armadura, não penetrou fundo. Libertei a lâmina e aparei outro golpe. Deixei a minha arma desviar até a guarda da dele e então investi, enterrando a ponta no ombro desprotegido. O homem gritou de dor e, instintivamente largou a espada. Se afastando meio trôpego e com a mão cobrindo a ferida, ele alcançou uma faca no cinto. Ele investiu com um grito de fúria. Eu aparei seu braço com o meu e atravessei a lateral de seu tronco com a minha espada. Deixei-o cair morto aos meus pés e me voltei para o grupo.

— Onde. Estão. As. Minhas. Armas! - bramiu Clarisse.

— No quarto de Hazel. - falei me ajoelhando ao lado de Will e recebendo olhares confusos de todos. Bufei - Aquela porta. - respondi indicando o lugar com o dedo. Ela e Jason correram para o local com a urgência de duas crianças que recebem promessas de um brinquedo. Annabeth me olhou preocupada - Vá com eles. - falei com calma - Você vai precisar de alguma coisa para lutar. Eu vou ajudar Will a levar Nico para um lugar seguro.

A contra gosto, ela obedeceu e eu me virei para o filho de Apolo.

— Ele está bem. - o garoto falou - Apenas exausto. Vai acordar daqui a pouco.

— Bom saber. - respondi, passando um dos braços dele sobre o meu ombro. Não disse que estávamos desfalcados e que muito provavelmente precisaríamos dele para ganhar aquela batalha.

Com ajuda do filho de Apolo, carreguei Nico para dentro de uns quartos e o deitei sobre a cama mais afastada da porta. Queria evitar que os guardas o vissem e resolvessem atacá-lo.

— Assim que ele se recuperar - falei invocando Contracorrente novamente - arrume um jeito de me avisar, ok?

Ele assentiu e voltou sua atenção para seu paciente. Sem mais nada para fazer ali, corri para o pátio. A situação estava cada vez pior. Os soldados haviam dividido em duas a unidade de Frank e forçado-a a recuar para os lados, criando um corredor central em que os romanos fluíam. Vi Piper arrastar Hazel com muito esforço para fora do combate, buscando refúgio dentro de um dos quartos. Reyna e Thalia gritavam ordens de coesão por sobre os ruídos do combate e Frank jazia desacordado - ou morto - contra uma parede. Trovões de insatisfação ribombavam acima de nossas cabeças.

Zeus não estava gostando nem um pouco do nosso desempenho.

— Ok. Entendi o recado. - resmunguei e fechei os olhos.

Era difícil se concentrar nos aquedutos enterrados com tantos ruídos ao meu redor e o medo de que algum soldado me visse ali prostrado sem fazer nada e resolvesse atacar dificultava ainda mais o processo, mas me forcei a afastar o receio. Os subterrâneos do Coliseu continuavam inundados e agora eu não precisava mais ignorar a sua presença. Controlei a minha respiração e senti a costumeira pressão na boca do estômago. Sorri. Como eu sentira falta daquilo...

Abri os olhos e ergui os braços. Água explodiu pela entrada do liceu, atingindo os romanos com toda a sua força. Os soldados caíram uns sobre os outros, sendo arrastados pela água até mim para, logo em seguida, serem puxados de volta para os corredores escuros do Coliseu e, de lá, para o interior da arena recém inundada.

A pressão em minhas entranhas diminuiu e seu senti minhas pernas falharem com a exaustão. Nunca tinha manipulado a água intencionalmente naquelas proporções. E mesmo quando fora sem querer, eu acabara desacordado. Apoiei-me contra a parede enquanto os semideuses se aproximavam de mim, agradecidos e excitados. Um trovão satisfeito sacudiu os céus e eu os encarei com impaciência.

— Meu pai está satisfeito. - brincou Thalia, se aproximando de mim com um enorme sorriso. Ela trazia o escudo mais assustador de todos preso ao braço. Aegis era o nome dele. Em sua bochecha, um corte diagonal deixava uma trilha de sangue em seu rosto e na armadura.

— Claro que ele está. - resmunguei ficando de pé com ajuda dela - Eu acabei se salvar o seu traseiro.

Ela riu e olhou ao redor, preocupada.

— Onde está o meu irmão? - ela perguntou.

Abri a boca para falar, mas a resposta veio do meio da multidão.

— Thalia? - chamou Jason com um tom de surpresa na voz.

Ela se virou em direção ao chamado e o rosto dela se metamorfoseou em um sorriso de alegria e alívio.

— Jason?! - ela correu até ele e o envolveu em um abraço - Pelos deuses eu nunca pensei... - ela envolveu o rosto dele com as mãos - Achei que você estivesse morto! Que os lobos tinham dado cabo de você!

O garoto sorriu, meio sem jeito. Pela expressão dele, eu diria que ele mal se lembrava dela.

— Na verdade, eles me salvaram. - ele sorriu.

Thalia riu e tornou a abraçá-lo.

— Tudo bem que ele é o seu irmão, mas você vai realmente me ignorar? - perguntou Annabeth cruzando os braços. Ela estava usando armadura, o que a deixava com a aparência de uma legitima Amazona e, acredite em mim quando digo que já vi uma delas.

O sorriso de Thalia se alargou ainda mais e as duas se abraçaram com lágrimas nos olhos.

— Achei que você estava morta. - Annie sussurrou.

— Eu também achei que você tinha morrido. - respondeu a outra - Mas aí chegou esse estrupício e ficou falando de você a cada segundo. - ela apontou para mim com o polegar por sobre o ombro.

— Ah, é mesmo? - perguntou a filha de Atena me olhando com as sobrancelhas erguidas.

— Isso. Vai brincando. - resmunguei cruzando os braços, mas sem conseguir conter o sorriso por muito tempo.

— Odeio acabar com a alegria de vocês. - falou um Nico recostado contra o batente da porta, observado de perto por Will insatisfeito - Mas tem mais soldados vindo pra cá.

— Precisamos nos reorganizar. - falou Reyna com urgência, pousando a mão sobre o punho do gládio que trazia embainhado na cintura.

Jason e Thalia trocaram um olhar significativo e assentiram em conjunto.

— Deixa com a gente, Reyna. - ele falou.

— Percy, - a filha de Zeus se virou para mim - empurra essa água toda pra perto da porta, por favor?

— Ceeerto. - resmunguei e estiquei os braços a frente de mim. Senti o líquido deslizar pelo chão, recuando pelas pedras até os arredores da porta - Assim tá bom?

Ela assentiu com um sorriso no rosto e se encaminhou com Jason para a entrada. Olhei para Nico, buscando alguma pista do plano que os dois tinham inventado, mas ele deu de ombros. Olhando ao redor, ele percebeu Frank ainda caído contra uma parede e o indicou para Will. O filho de Apolo disparou para o outro lado do pátio.

— Se livrado dele? - perguntei quando o filho de Hades se aproximou de mim, se juntando ao grupo de semideuses que se recuperavam da batalha.

— Só garantindo que eu vou poder fazer o que eu preciso. - ele resmungou em resposta.

Assenti com a cabeça, nem um pouco convencido, mas sem querer começar uma discussão. Passos começaram a se aproximar e toda a tensão de antes voltou a nos atingir, nos lembrando da nossa precária situação. Soldados invadiram o pátio, melhor aparamentados do que os da primeira onda. Carregavam longas lanças e escudos retangulares típicos do exército. Eles formaram duas fileiras diante de Thalia e Jason, o que só deixou mais gritante o contraste entre a qualidade dos equipamentos.

— Fiquem prontos para o combate. - sibilou Reyna, desembainhando a espada e erguendo o escudo, sendo imitada por todos ao seu redor. Annabeth se colocou ao meu lado e eu sorri para ela antes de observar Will arrastar Frank para o interior de um dos quartos.

— Rendam-se! - bradou um dos homens.

Jason e Thalia se olharam e, de forma sincronizada, ergueram as espadas para o céu. As nuvens acima das nossas cabeças ficaram mais densas e escuras até se tornarem um longo tapete cinzento

— Vocês nunca vão sair daqui com vida! - continuou o soldado.

— Vocês também não. - ouvi Thalia responder e soube que ela estava sorrindo.

O ar ficou com um cheiro metálico e, assim que eles abaixaram os braços, dois raios caíram sobre os soldados. O estrondo quase me deixou surdo e teria me cegado temporariamente se eu não tivesse reagido rápido o suficiente para proteger meus olhos com o escudo. Quando me convenci de que olhar por sobre a borda era seguro, observei os estragos que os irmãos tinham causado.

 Ambas as linhas haviam desabado, todos os seus homens mortos. Ao meu redor, os semideuses deram vivas, entusiasmados com a possibilidade de finalmente saírem dali e Jason e Thalia bateram as mãos, com expressões satisfeitas no rosto. Comecei a sorrir também. Talvez finalmente estivéssemos livres.

E então começaram a cair as primeiras flechas. E, com elas, os nossos soldados.

— Escudos! - bradou Reyna - Formação tartaruga!

Ela nem precisava ter dito isso. A reação instintiva de todos diante da chuva de flechas foi erguer os escudos no ar. Olhei através do espaço entre eles, buscando nossos agressores. Eles estavam encarapitados nos arcos mais baixos do Coliseu, como se fossem aves em um poleiro. Aves que atiravam flechas.

— O que fazemos agora?! - perguntou Annabeth.

— Os merdinhas estão longe de mais para lutarmos com eles. - rosnou Clarisse.

— Então nós levamos a luta até eles! - exclamou Leo encolhido entre eu e Nico uma vez que não tinha um escudo - Me dêem cobertura!

E, com essas palavras, ele saiu da proteção dos escudos e lançou duas bolas de fogo na direção dos arqueiros.

— Leo! O que você pensa que está fazendo?! - berrou Thalia, escondida atrás de uma viga enquanto conjurava uma corrente de ar forte o suficiente para desviar o curso das flechas.

— Criando uma distração! - ele gritou por sobre o ombro, lançando mais duas bolas de fogo no ar - Saiam daqui antes que... - uma nova onda de soldados invadiu o pátio do liceu, alguns deles trajando a armadura da guarda pretoriana - Bom... Merda! Antes que isso acontecesse!

Leo lançou mais algumas bolas de fogo na direção dos arqueiros enquanto corria para buscar abrigo no mesmo quarto em que Hazel, Piper, Frank e Will estavam escondidos. O plano do filho de Hefesto dera certo em alguns aspectos. As chamas que ele lançara atingira alguns dos soldados e até mesmo derrubara outros. O restante fora forçado a se dispersar para evitar se queimar, nos deixando com alguns poucos arqueiros enfurecidos que seriam incapazes de voltar a fazer um ataque coordenado como aquele.

— Desmanchar formação! - bradou Reyna e os escudos se abaixaram em consonância.

— Eles estão em quase três para um. - resmungou Annabeth do meu lado - Precisamos de uma ideia melhor do que simplesmente atacar, ou seremos massacrados.

A filha de Belona me lançou um olhar significativo. Não tínhamos aquela opção.

— Vamos simplesmente massacrar os babacas. - rosnou Clarisse, sedenta por um combate.

— Não. - falei incisivo - Precisamos pensar isso direito.

— Alguma outra sugestão, Jackson? - ela sibilou.

Não. Eu não tinha outra ideia. Metade do grupo que planejara aquela fuga comigo estava refugiada em um quarto, com exceção de Thalia, que se escondia atrás de uma pilastra, torcendo para não ser vista. Sem eles... Eu simplesmente não sabia o que fazer.

Os soldados começaram a avançar, armas em riste e o rosto oculto pelas sombras dos elmos. Olhei para os céus em busca de auxílio, mas os deuses não pareciam interessados em interferir, mesmo que a vida deles estivesse em jogo naquele exato momento.

Clarisse se balançava em seus pés, ansiosa para entrar na luta. Se ela avançasse, o restante do grupo também avançaria. Todos ali estavam dispostos a morrer lutando e nenhum deles parecia ver outra saída. Talvez não houvesse outra saía...

Ainda bem que eu estava errado.

Frank saiu do quarto em que estivera refugiado até agora com os braços erguidos acima da cabeça e os passos trôpegos.

— Esperem! Por favor! - ele pediu - Nós... Nós nos rendemos.

Foi como jogar óleo no fogo. Um burburinho explodiu ao meu redor, repleto de insatisfação e incredulidade.

— O quê?! - rosnou Clarisse - O que aquele idiota pensa que está fazendo?!

— Shhh! - pediu Annabeth com urgência, relanceando-lhe um olhar de repreensão - Eu acho que... Eu acho que ele tem um plano.

— Só espero que valha o risco. - sussurrou Reyna.

Os guardas se mantiveram em silêncio, não dando nenhum sinal de que acreditavam no que ele estava falando. Frank continuou a se aproximar e, enquanto o fazia, Hazel saiu do quarto e caminhou até nós com cautela. Os soldados não deram nenhum sinal de que a tinham visto.

— Hazel, o que você... - começou Nico.

— Preciso que vocês formem uma linha logo atrás de Frank com o máximo de silêncio possível e aguardem pelo meu sinal. - Hazel interrompeu. E eu logo entendi o que isso significava. Ela estava manipulando a névoa.

— Qual o plano de vocês? - quis saber Reyna, claramente insatisfeita por ter sido deixada de fora.

A garota se limitou a sorrir.

— Não se preocupe. Vocês vão ver. Agora, por favor, façam o que eu pedi.

Sem muitas escolhas, obedecemos. Com o máximo de cautela possível, nos perfilamos ombro a ombro e avançamos pé ante pé até estarmos logo atrás de Frank. Jason e Thalia se uniram a nós assim que passamos por eles, mas não vi sinal de Piper. Será que ela estava machucada ou apenas esperando pela sua deixa para fazer a sua parte naquele plano improvisado? Optei por acreditar na segunda opção.

— Por favor. Acreditem em mim. - implorou Frank se colocando de joelhos diante dos soldados - Tenham misericórdia.

— Não há misericórdia para traidores como vocês, general Zhang. - rosnou um dos homens - Nem para aberrações como os seus amigos ali atrás.

Ele abaixou a cabeça.

— Nesse caso...

A forma dele começou a mudar e, de repente, nos vimos atrás de um elefante. O animal deu um barrido ensurdecedor e avançou contra as tropas, derrubando os homens como se fossem bonecos de pano.

— Agora! - gritou Hazel.

Não sei o que deixou os soldados mais espantados. O fato de Frank ter se transformado em um elefante ou nós termos nos materializado logo atrás deles. Atacamos com um grito uníssono as tropas dispersas, nos aproveitando do seu breve momento de incredulidade. A princípio, tentei manter Annabeth por perto, mas, na confusão do combate, acabamos nos perdendo. Quando eu percebi isso, não pude evitar um aperto no peito. Se algo acontecesse com ela... Afastei esse pensamento da cabeça. Não. Annie sabia se cuidar. Com isso em mente, me foquei na luta diante de mim.

Minha espada se movia com naturalidade, bloqueando e desferindo golpes com facilidade. Todos aqueles meses de treinamento ali dentro - somados àqueles que eu recebera fora - estavam se provando muito útil em me manter vivo. Eu ainda me sentia exaurido pelo uso dos meus poderes, mas não tinha a opção de pedir uma pausa. Olhando brevemente ao redor enquanto combatia, podia ver os meus amigos lutando. Clarisse parecia ser a única que se divertia, literalmente decepando cabeças e braços sempre que conseguia. Havia um sorriso maníaco em seu rosto e seus olhos brilhavam com o fogo da batalha. O restante lutava com bravura, mas já aparentava o cansaço provocado pelas duas últimas ondas e pelo uso de poderes. Dava para perceber isso nos movimentos mais lentos e nos grunhidos de esforço. Até mesmo Reyna, que parecia dançar enquanto lutava já dava sinais de exaustão.

Direita, esquerda, direita, estocada. Atravessei a ponta da minha espada rente ao queixo do soldado romano com quem lutava. Sangue esguichou no meu rosto enquanto o homem desabava com um último ruído gorgolejante. Instintivamente, protegi meu corpo com o escudo, a tempo de evitar ser atingido por um segundo oponente. Empurrei o guarda pretoriano com o escudo para ganhar tempo e recuperar a minha arma. Ele rosnou, ensandecido pela batalha, e tornou a atacar.

Aparei o golpe com a lâmina ainda coberta de sangue e fui atingido com a borda do escudo retangular no maxilar. Lágrimas subiram aos meus olhos, embaçando a minha visão ao mesmo tempo em que o impacto jogava minha cabeça para trás, me deixando desorientado. A doce vingança o fez sorrir sob o elmo enquanto eu dava passos trôpegos para trás com o gosto metálico de sangue dominando a minha boca. Por algum motivo, senti que aquela luta era pessoal para ele.

Cuspi um punhado de saliva vermelha, sentindo a língua arder. A dor aguda me anuviava a vista e eu rezei para que o torpor da batalha me livrasse dela logo. Alguém esbarrou em mim por trás, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio. O soldado romano se aproveitou, avançando com a espada mirada no meu pescoço. Girei para o lado, evitando o fio letal, mas não conseguindo impedir que ele me atingisse no supercílio.

Caí no chão com um rolamento sobre o escudo e sangue me cobrindo um dos olhos. Ótimo. Já estava super fácil de enxergar antes mesmo... Rosnando uns palavrões em grego para a minha má sorte, aproveitei a minha posição desvantajosa para atravessar a espada no joelho de um soldado que tivera o azar de passar por mim. Apoiando-me em meus reflexos de batalha, puxei a lâmina enquanto me levantava, rompendo tendões e ligamentos, basicamente inutilizando aquela perna e, em um ato contínuo, atravessei a espada na base da coluna, logo abaixo do peitoral da armadura. O homem não emitiu nenhum outro ruído além do berro de dor que escapara seus lábios quando eu lhe dilacerara a perna, ou se emitiu, foi muito baixo para ser ouvido por sobre os ruídos do combate ao meu redor. Ele desabou morto ou desmaiado antes mesmo que eu pudesse remover Contracorrente.

Ofegante, firmei o corpo para recuperar minha arma, mas fui lento de mais. Julgando ter escapado da batalha anterior, não me preocupei em checar minha retaguarda e fui atingido em cheio nas costas por um escudo, o que me lançou para longe da minha espada antes mesmo que eu conseguisse removê-la do cadáver. Caí no chão com um baque que me expulsou o ar dos pulmões e, ainda por cima, bati a cabeça com tudo no chão de pedra. Um zumbido agudo preencheu meus ouvidos e o mundo começou a girar, com pontos negros dançando diante dos meus olhos. Tudo parecia ter sido emergido em água de repente. Os movimentos e os sons estavam lentos e confusos. Tentei me erguer, mas minhas mãos me traíam. O chão estava escorregadio por conta do sangue dos corpos ao meu redor e eu logo me vi beijando as pedras na primeira vez que quis levantar. Grunhi baixinho. Não podia desistir agora. Estava perto de mais do fim para morrer. Passei a mão na cabeça, tentando sentir o local em que eu atingira, mas o sangue nos meus dedos tornava todo o meu cabelo pegajoso.

Bufando com raiva e determinação, firmei joelhos e cotovelos no chão, me erguendo aos poucos. Mas eu sabia que tinha demorado de mais. Bosta! Eu estava achando estranho não ter sido empalado ou pisoteado ainda. Tudo bem que minha noção de tempo estava estranha por causa da pancada, mas eu conheço muito bem o ritmo de uma batalha para saber que tinha passado tempo suficiente para ser considerado morto.

Exceto pelo fato de que eu estava me mexendo.

E pelo fato de que tinha um guarda pretoriano que parecia incrivelmente dedicado à tarefa de me matar.

Eu o vi se aproximando pela visão periférica, mas demorei tempo de mais para entender o que aquilo significaria. Ele se prostrou atrás de mim e colocou um pé nas minhas costas, me forçando de volta para o chão. Não consegui evitar um ganido que escapou junto com o ar que fui forçado a expulsar dos meus pulmões ao cair novamente. Seus dedos se fecharam sobre o cabelo da parte de trás da minha cabeça e a puxaram para trás, expondo a fina pele do meu pescoço e a minha traquéia para o frio fio da lâmina que ele apontou para mim.

— Fim da linha, graecus. - rosnou o homem - Você e seus amiguinhos vão arder no inferno.

Ele começou a passar a espada pela minha carne e eu senti ela começar a se enterrar. Em um minúsculo intervalo de tempo, eu pensei em todas as possibilidades que eu tinha para tentar fugir e me vi forçado a rejeitar cada uma delas. Não tenho vergonha de dizer que senti medo. Não queria morrer. Não ali. Não agora. Queria ver minha mãe de novo. Pelo menos uma vez. Mergulhar no mar mais uma vez. Cavalgar nas costas de Blackjack mais uma vez. Beijar Annabeth mais uma vez... Uma última vez. Eu nunca tivera a chance de dar adeus a nada daquilo. E eu queria essa última chance.

Mas então a espada parou, roçando de leve a minha traquéia, e caiu no chão diante de mim. A pegada em meu cabelo afrouxou e eu tive que tomar cuidado para não dar de cara com o calçamento de pedras de novo assim que me vi livre. O soldado foi jogado ao meu lado, com a garganta cortada e, enquanto eu tentava me levantar, alguém veio em meu auxilio, envolvendo meu tórax com os braços e me puxando para cima.

— Você parecia estar precisando de ajuda. - falou Annabeth sorrindo com um lenço em uma das mãos. O tecido parecia brilhar com uma tênue luz bronze.

— Obrigado. - resmunguei, passando a mão no pescoço para averiguar o ferimento. Nada muito sério, para o meu alívio - O que é isso?

Annie olhou para a própria mão como se só agora percebesse que segurava o tecido.

— Minha mãe me deu umas noites atrás. - ela respondeu - Disse para eu usar quando a hora fosse certa... É o elmo da invisibilidade dela.

Arregalei os olhos.

— Que presente. - resmunguei - O máximo que meu pai já me deu foi uma bolacha de areia.

Ela riu e isso fez todo o sofrimento que eu tinha passado naquele maldito lugar ter valido a pena.

— E então? - ela perguntou - Vai ficar deitado aí o restante da...

Ela se interrompeu com um grito de dor. Uma flecha lhe atravessara o braço, fazendo-a recolhê-lo para junto ao corpo com lágrimas nos olhos. Instintivamente, puxei-a para junto de mim e ergui o escudo. Senti o impacto do metal contra metal e tive a impressão que ele reverberava pelos meus ossos.

— Eles vão incendiar o liceu! - ouvi Jason gritar.

Olhei por sobre o ombro, para onde meus amigos estavam. Os soldados empurravam os semideuses para longe, usando os escudos para mantê-los afastados enquanto o restante fazia o seu trabalho sujo: lançar tochas e óleo no interior dos quartos e nos telhados.

— Leo! - berrou Reyna - Você pode controlar isso?!

— Tenho cara de quê? Encantador de serpentes?! - ele respondeu, olhando ao redor em pânico - Eu sei criar fogo, doçura, não controlar!

— Temos que sair daqui então! - falou Thalia - Eu e Jason já estamos sem energia para invocar uma tempestade!

— E quanto a Percy?! - perguntou Frank, mas assim que seus olhos caíram sobre mim e Annabeth, sua expressão de esperança morreu - Deixa pra lá.

— Precisamos afastar esses imbecis da entrada. - reclamou Jason enquanto Will se ajoelhava ao meu lado para ajudar Annabeth.

— A Piper podia ajudar! - exclamou Leo.

— Um soldado tentou me esganar! Eu estou sem voz! - ela sussurrou e, se ela não estivesse perto, tenho certeza de que eu não teria ouvido por sobre o ruído.

— Deixa comigo. - falou Nico se colocando a frente do grupo.

— Nico, não! - protestou o filho de Apolo, mas o outro não lhe deu ouvidos.

O filho de Hades embainhou a espada negra e, deixando os braços levemente afastados do corpo, virou a palma das mãos para cima. Seu rosto estava sério enquanto ele encarava os soldados avançando. Eu não sabia o que ele estava fazendo. Não até a terra começar a tremer e rachar em todas as direções partindo de onde ele encostava estava de pé. As rachaduras foram se alargando e deslizando até os soldados como se fossem serpentes negras retorcidas. Todos recuaram, inclusive nós. Will arrastou Annabeth com ele enquanto eu me punha de pé para evitar uma das linhas que vinha em nossa direção. Era difícil fazer isso, já que eu ainda estava tonto por causa da pancada na cabeça e a terra chacoalhava para os lados e para cima em um verdadeiro terremoto.

— Nico, que merda você tá fazendo? - perguntou Jason, assustado, tentando se manter estável, mas não obteve resposta. O garoto parecia completamente alheio a ele, observando com frieza os poucos soldados que foram engolidos pela terra, deixando buracos nas linhas de combate.

Os tremores pararam de repente e os outros se entreolharam, achando que já tinham acabado. Mas eu sabia que não. Hades não era o deus dos terremotos e olhando para dentro de uma das rachaduras, tive a impressão que elas desciam até as entranhas da terra ou, quem sabe, até o Mundo Inferior. Engoli em seco, nervoso, olhando para Nico com expectativa, mas sem ousar interrompê-lo. Um cheiro forte de enxofre começava a se espalhar pelo pátio, deixando o lugar ainda mais desagradável do que já estava com todas aquelas chamas e corpos, e eu soube que o pior ainda estava por vir.

Cara, como eu odeio estar certo.

Uma mão esquelética se ergueu de uma das rachaduras, seguida de outra e mais outra. Novamente, todos recuaram, assustados. Soldados esqueletos armados de espadas e lanças e trajando armaduras completas e roupas esfarrapadas escalaram para fora dos buracos um a um, totalizando quase vinte indivíduos. Suas órbitas vazias se viraram para Nico, que havia abaixado as mãos e agora empunhava a espada negra com a maior naturalidade, como se aqueles esqueletos ao redor dele fossem pessoas normais. Talvez, para um filho de Hades, eles realmente fossem.

— Soldados. - convocou o garoto e apontou a lâmina para os nossos inimigos, que pareciam desesperados para sair dali - Eu comando que vocês ataquem os soldados romanos e abram caminho para a nossa passagem.

Não para a minha surpresa, os esqueletos obedeceram. Viraram-se para os seus alvos e partiram para o ataque como se ainda estivessem vivos. Alguns romanos gritaram e abandonaram seus postos, correndo para longe e sendo perseguidos pelos mortos. Surpreendentemente, aquelas coisas eram rápidas e nenhum dos que tentou conseguiu escapar deles. Os que optaram por ficar logo se viram lutando contra algo que, além de não morrer, se reconstruía todas as vezes que eram desmontados por uma espada. Todos ficamos boquiabertos, observando o combate e sem saber exatamente o que fazer.

— Isso foi épico! - gritou Leo, o único que sorria no grupo - Por que você não fez isso antes?!

— Eu... Não sabia se ia funcionar. - Nico resmungou em resposta.

— Temos que sair daqui. - falou Reyna despertando do torpor, mas com os olhos ainda fixados na luta.

— Concordo com você. - o outro murmurou, embainhando a espada com mãos trêmulas. Ele tentou dar um passo, mas seus joelhos pareceram não aguentar o peso do próprio corpo e ele desabou. Reyna o segurou a meio caminho do chão enquanto Will soltava uma enxurrada de palavrões logo atrás de mim.

— Deixe eu adivinhar. - ela falou com um tom irritado - Você precisa ficar acordado para controlar os esqueletos, mas fazer isso está consumindo toda a sua energia, certo?

— Eu estou bem. - Nico resmungou.

— Claro que está. - retrucou Reyna, sarcástica, ajudando-o a se levantar - Se eu não estivesse dividindo a minha energia com você, você já estaria apagado. - e se virando para nós - Vamos dar o fora daqui antes que esses mortos-vivos se desfaçam.

Sem a menor vontade de descobrir quanto tempo ainda tínhamos, ajudei Annabeth a se levantar e corremos juntos para o portão. Alguns guardas gritavam para que parássemos onde estávamos, mas os esqueletos os derrubavam no chão, forçando-os para longe do nosso caminho.

Corremos pelos túneis, desesperados para sair dali. Os que não estavam feridos iam na frente ou atrás, com espadas em punho, prontos para entrar em combate caso precisassem. O lugar era um labirinto de celas e túneis e nenhum de nós sabia exatamente como sair dali. Por isso foi com grande surpresa que eu vi os portões por onde eu me lembrava de ter entrado no meu primeiro dia ali. Porém, quando você é um semideus em fuga, nada pode ser simples. Quatro guardas vigiavam a entrada com lanças nas mãos. Quando nos viram, reservaram uns poucos instantes para a surpresa e, assim que se recuperaram, correram com armas em punho para nos interceptar.

— Pessoal, cubram os ouvidos! - gritou Will atrás de nós.

Mal tive tempo de obedecer antes que um agudo assobio se propagasse pelo corredor, repercutindo pelas paredes. O ruído não fez eles pararem, mas os deixou atordoados e com caretas de dor.

— Ah, bom... Valeu a tentativa. - ele resmungou dando de ombros.

Jason apontou o braço para eles e, do meio do nada, uma forte corrente de ar soprou através de nós e atingiu os soldados com força, jogando-os contra o portão como se fossem feitos de papiro. O baque do impacto me deu certeza de que eles não seriam problema pelas próximas horas.

Reyna libertou Nico e vasculhou os corpos atrás das chaves que abririam os portões. O garoto se recostou contra a parede mais próxima e, lentamente deslizou até o chão. Will se aproximou dele com ares zangados e se abaixou ao seu lado.

— Sabe, se você quer tanto assim morrer, devia espetar uma espada no próprio estômago. - ele resmungou.

— Eu tô bem. - Nico resmungou, olhando para o garoto com cara fechada - Eu precisava fazer aquilo pra tirar a gente de lá. Agora, você quer me dizer por que está tão preocupado comigo?

— Eu salvei a sua vida. - o outro respondeu - Não vou deixar você estragar o meu trabalho.

O filho de Hades revirou os olhos, com uma expressão que deixava claro que ele se arrependia de ter sobrevivido à arena. Eu não pude evitar um sorriso enquanto me virava para Annie, escorada contra a parede e agarrada ao braço ferido.

— Como está se sentindo? - perguntei me aproximando dela e relanceando ao corredor escuro atrás de nós um olhar preocupado.

— Estou bem, Percy. Só levei uma flechada no braço.

— Você fala isso como se fosse uma coisa normal. - retruquei levantando uma das sobrancelhas.

— Bom... Pra quem já lutou mano a mano com leões, acho que isso não é grande coisa.

Eu ri e a abracei.

— Obrigado por me salvar lá atrás. - murmurei.

— Não foi nada. - ela respondeu e eu pude ouvir um sorriso em sua voz - Afinal, o que você faria sem mim, não é mesmo?

Revirei os olhos, mas não consegui conter uma risada.

Um clique alto revelou que Reyna tinha conseguido abrir a fechadura. Todos nos viramos para a entrada, apreensivos, esperando que uma horda de soldados se materializasse para impedir a nossa fuga iminente, mas nada aconteceu. Aliviado, caminhei lado a lado com Annabeth, até o túnel inclinado para cima que nos levaria até a superfície. Ao lado de Will, Nico estacou, indicando que os outros parassem.

— Tem dois guardas vigiando a entrada. - ele falou, olhando para as sombras feitas pela lua no chão - Um de cada lado.

— Não por muito tempo. - murmurou Thalia fechando os olhos para se concentrar e esticando os braços à frente. Um estrondo ecoou pelos corredores - Problema resolvido?

— Sim. - o garoto resmungou e entramos pela passagem quase correndo.

Estávamos livres. Quando passássemos o último portão, estaríamos finalmente livres. Já podia sentir a brisa fresca da noite romana e toda a perspectiva de uma vida nova que ela trazia para mim.

— Eu... encontro vocês mais tarde. - falou Leo atrás de nós.

Todos se viraram em conjunto e encaramos o garoto, confuso.

— Como assim? - perguntou Jason - Aonde você vai?

— Eu... Eu tenho que encontrar Calipso. - ele falou com os olhos baixos - Não vou me perdoar se eu fugir e ela for obrigada a continuar aqui, lutando pela própria vida todos os dias.

— Leo... - falou Piper com a voz rouca, indo na direção dele - Ela pode não estar mais aqui.

— Eu sei, Rainha da Beleza... - ele respondeu com um sorriso brincalhão - Mas... Eu tenho que tentar.

— Eu vou com você então! - ela argumentou.

— E impedir você de ter a sua liberdade agora? - ele perguntou - Não. Não posso fazer isso Pips. Essa é a minha missão maluca. A sua está no final daquele corredor. - ele apontou para o portal às nossas costas - Vá lá e cumpra ela. Eu encontro você depois.

— Só... Não morra. - a garota respondeu, chorosa e o envolveu em um abraço apertado.

— Não se preocupe. - ele falou - É preciso mais do que um fogo e espadas para me matar.

— Tente não ser capturado de novo. - acrescentou Nico, pousando a mão sobre o punho da espada - Ou você vai acabar executado.

Leo riu.

— Eu sabia que você no fundo gostava de mim!

O outro abriu a boca para replicar, mas foi cortado por Reyna.

— Não podemos ficar muito tempo aqui, ou corremos riscos de mais soldados aparecerem pelo lado de fora. - ela olhou para o filho de Hefesto com respeito - Boa sorte, Valdez. E tome cuidado.

— Eu vou tomar. - ele falou com os olhos úmidos - E vou encontrar vocês de novo. Por isso tomem cuidado também e boa sorte.

E com essas últimas palavras ele disparou pelo corredor, desaparecendo na escuridão. Piper começou a chorar e Jason a envolveu em um abraço enquanto caminhávamos ladeira a cima até os portões da entrada do Coliseu. Reyna usou as mesmas chaves para destrancar a fechadura e, com um rangido, vimos o último obstáculo para a nossa liberdade desaparecer. Lançamos todos um olhar para trás, como se esperássemos que Leo voltasse, falando que era uma pegadinha e que ele vinha com a gente, mas o corredor atrás de nós estava vazio, com exceção dos quatro soldados desmaiados no chão.

Respirei fundo. Conhecendo Leo do jeito que conhecia, ele ficaria bem. Não teria problemas em inventar algum jeito de fugir dali de novo. Se duvidasse, ele escaparia ainda aquela noite. Ele ia ficar bem, mas não era fácil dar adeus para um amigo. Principalmente quando você não sabia se ele ia viver para ver a luz do dia seguinte. Mesmo assim, me forcei a dar o primeiro passo para fora daquele lugar. Depois outro. E mais outro. Antes que eu pudesse perceber, estava correndo para a liberdade.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Estão prontos para o final definitivo? Se arrependeu de ter lido rápido de mais? Está com raiva de mim por ter tido tantos hiatos e agora liberar os últimos capítulos todos grudados uns nos outros? Achou algum erro? Quer deixar uma mensagem de amor para mim ou para o crush que lê a fanfic? Usem os comentários para se manifestarem!

E fiquem vivos porque eu ainda não terminei por aqui.

Nos vemos em breve ;)



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