Eu não sou ruim, repetia para mim mesma a todo instante, tentando me convencer disso.
Eu não sou ruim. De fato, é complicado sustentar um pensamento quando todos vão contra ele. Estávamos no recesso para o Natal, n'A Toca, entretanto eu preferia ter ficado na escola. Não que Hogwarts fosse meu lugar preferido no mundo, nem que a ideia de estudar durante o feriado me agradava. Nada disso. A vantagem de ficar lá seria não ter de praticar tão intensamente o meu exercício diário de dizer internamente que eu não era ruim. Porque os murmúrios que ouvia pelos corredores do castelo e até mesmo os que rondavam a casa de meus avós diziam o completo oposto.
Não que minha família não fosse agradável ou divertida. Não que eu fosse mal tratada. A questão não era essa. A questão era que todos ali pareciam fazer um tremendo esforço para me aturarem. O único momento em que me sentia verdadeiramente querida era na hora de escolher os times de Quadribol. Meus primos literalmente lutavam para me ter em seu time, por isso eu gostava de praticar o esporte o dia todo, todos os dias se possível. Assim eu não me sentia tão só, assim não teria de tentar me convencer de que eu não sou uma pessoa ruim.
Porém, naquela manhã de véspera de Natal, meu braço direito estava doendo devido a uma torção sofrida na noite anterior quando recolhia os pratos da mesa junto de minha avó. Tentei convencer meu pai de que não era nada, mas não adiantou. Ele me proibiu de subir numa vassoura. Por isso eu havia ficado em seu antigo quarto, no andar mais alto da casa, abaixo do sótão. Era ali que Hugo e eu dormíamos durante as férias. O quarto havia passado por uma reforma, assim como o restante da casa. Os quartos ficaram maiores e mais aconchegantes. A regra era que o quarto dos pais passassem aos filhos. Azar de quem tinha muitos filhos.
Da cama onde estava sentada, eu tinha uma visão privilegiada dos meus primos jogando o que eu considerava ser a melhor coisa do mundo. Eles estavam sob uma espessa camada de feitiços que impediam que a neve e um pouco do frio os atingisse.
A imagem de todos se divertindo, o fato de nenhum deles se preocupar em fazer uma visita ao quarto para ver se eu havia melhorado e a neve que caía lenta e graciosamente do lado de fora me faziam ficar melancólica. E a transição de melancolia para tristeza era curta. Então, quando menos esperava, lá estava eu chorando. Chorando por não fazer falta, por não ser importante. Chorando por saber a verdade.
A verdade que eu era ruim. A competitiva, chata. Sabe tudo irritante como minha mãe, entretanto sem uma gota de seu carisma. Era grossa, rude, agressiva. Era mais do que ruim. Eu era intragável, indesejada. Por isso não tinha amigos, muito menos candidatos a sê-lo. Os que se aproximavam era por puro interesse na boa fama que meu sobrenome carregava.
Enquanto a euforia de meus primos podia ser vista e ouvida por qualquer um que se aproximasse um pouco, meus soluços eram abafados pelos grossos cobertores que me envolviam.
Num momento imprevisto, meu pai escancarou a porta trazendo consigo uma bandeja com o que eu considerava ser meu café da manhã. Ele sabia exatamente todos os meus horários, sabia que eu acordava por volta das oito da manhã e me alongava antes de me alimentar. Ele sabia também que eu amava chocolate quente e biscoitos de baunilha, dos quais sentia o delicioso aroma e que, por sorte, eram sua especialidade. Ele só não sabia que antes mesmo de se alongar, sua filha praticava o exercício mental diário repetindo por diversas vezes eu não sou ruim. E às vezes ela não acreditava, e por isso chorava. Essa foi a razão que o fez largar tudo o que carregava no apoio mais próximo e ir correndo em minha direção.