The Heir escrita por Ginny


Capítulo 6
Seis


Notas iniciais do capítulo

PESSOAL, EU SINTO MUITO. sei que eu demorei um século. Tô me sentindo muito culpada, mas o caso é que eu estava sem internet. A internet da Oi é horrível, mas é a única que tem no meu bairro, então eu não tive opção senão esperar que eles viessem concertar (o que leva muito tempo).
Me desculpem? Por favor? Vocês sabem que eu amo vocês todos né?

Esse capítulo vai dedicado pra DulHerondale, pela recomendação maravilhosa! Eu tô sorrindo até agora, muito obrigada. Espero que você e os meus outros leitores divos aproveitem esse capítulo. Um pouco de Deadlyn (esse foi o nome do shipp "David+Eadlyn" que a Prismatic Queen oficializou no último review dela) pra vcs.

Boa leitura!



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Eadlyn

Logo depois de ter tido as conversas particulares com os garotos, eu estava reunida ao redor de uma mesa de mármore com o que eu gostava de chamar de Comitê V(amos)A(char)U(m)M(arido)P(ra)E(adlyn). Basicamente, o Comitê VAUMPE era composto pela minha família — até mesmo Ahren, embora ele nunca falasse algo —, Amelia e um grupo de organizadores que eu me sentia culpada por não saber o nome.

Eu estava tão cansada e entediada que não prestei atenção. Aquelas reuniões raramente exigiam minha opinião. E, além do mais, eu estava ansiosa demais por vários motivos diferentes. Primeiro, eu deveria anunciar o nome dos garotos que queria mandar embora no final daquela reunião, e isso me aterrorizava. E, depois, faltava menos de meia hora para que eu fosse encontrar David. Além do mais, aquele seria praticamente o primeiro encontro de verdade da minha vida. Claro, teve aquela vez na estufa de vidro da mamãe, mas eu tinha apenas treze anos, e o cara era perca de tempo.

O tique-taque do relógio ecoava na minha cabeça, e eu contava cada segundo enquanto rabiscava uma folha em minhas mãos. A maior parte dos rabiscos dizia: SCHRV ♥ NWSM. SCHRV e NWSM eram alguns codinomes que eu usava, o primeiro significando “Schreave” e o segundo “Newsome”. Schreave ama Newsome.

Eu era mesmo uma idiota.

Enquanto eu rabiscava, escutei vagamente enquanto Amelia dizia:

— Alteza? Senhorita Eadlyn?

Só prestei realmente atenção quando Ahren, sentado ao meu lado, me cutucou com o cotovelo. Depois de pigarrear e amassar rapidamente a folha entre os dedos, eu disse:

— Sim, Amelia?

Foi minha mãe quem respondeu, com um sorriso de apoio no rosto:

— Nós queremos saber se já decidiu quantos e quais Selecionados você mandará para casa, querida.

Respirei fundo. Na verdade, eu havia improvisado uma pequena lista daqueles que eu desejava mandar para casa no começo da reunião. Eu me sentia péssima por fazer aquilo, mas era o que todos esperavam de mim. Era o que eu devia fazer, certo? E, embora sentisse remorso por ter que, provavelmente, pisar no sonho de pelo menos uma pessoa (embora eu suspeite muito que os garotos estejam interessados mais na coroa do que em mim), eu sabia que adiar aquele processo só seria pior.

Sendo que # significa “definitivamente” e * “preciso pensar no assunto”, a lista ficou mais ou menos assim:

Andrew Cortez #

William Seeler #

Jamie Cavion *

Aaron Runner #

Marco Himmel *

Gale Greene #

Sean Hubermann #

Mark Fox #

Alexander Leger *

Sim, Alec estava na minha lista como “preciso pensar no assunto”. Apesar do nosso mais novo trato, eu ainda estava com raiva dele. Certo, eu sempre estava com raiva de Alec, mas eu não gostava quando ele ia contra David, não mesmo. Odiava quando ele tentava fazer com que o que eu sentia por David parecer errado.

— E então? — Meu pai perguntou, e eu percebi que estivera devaneando.

Depois de piscar várias vezes para voltar à realidade, eu citei os nomes daqueles que eu queria que fossem embora, tentando controlar meus dedos trêmulos.

Para a sorte de Alec, eu só falei em voz alta aqueles seis pobres garotos que tinham uma cerquilha ao lado do nome. Era difícil admitir, mas ainda havia uma parte de mim que estava feliz por ter um amigo — se é que Alexander Leger pode ser chamado de amigo — no meio de tantos desconhecidos.

Mas nunca deixaria que ele soubesse disso.

— Muito bem, querida — minha mãe falou. — Agradecemos por ter sido tão segura e objetiva. É esse tipo de atitude que precisamos da nossa próxima rainha.

— Sua mãe tem razão, Eadlyn — concordou meu pai, com um sorriso de orgulho no rosto. — Bom trabalho.

Eu não me sentia objetiva, muito menos segura sobre nada. Mas mesmo assim fiz o meu melhor para sorrir de volta. Percebi com o canto do olho que Ahren fazia uma careta exagerada de tédio, mas decidi ignorá-lo.

Olhei para o relógio na parede. Menos de cinco minutos para nove e meia da noite.

— Agora, se me dão licença, eu estou muito cansada, preciso deitar um pouco — falei, já me levantando, sem nenhum pingo de culpa por estar mentindo. — Foi um dia muito exaustivo.

— Claro, Alteza — Amelia assentiu. — Temos mesmo alguns assuntos oficiais para tratar com a rainha e o rei. — Ela virou o olhar para Ahren, que brincava com uma moeda de prata, girando-a entre os dedos. — Se não se incomoda, senhor, nós precisamos de certa privacidade.

Ahren abriu seu sorriso presunçoso.

— Já entendi o recado, Melia — ele disse.

Tive vontade de vomitar. Ahren certamente era do tipo charmoso (pelo menos é o que Astra vive dizendo, porque eu realmente o acho mais babaca do que qualquer coisa), mas ele não precisava falar daquele jeito com Amelia. Ela deveria ter quase seus trinta anos, e ele muito mal tinha dezoito.

E, mesmo assim, Amelia corou como um tomate.

— Vamos embora, Ahren — suspirei, certa de que poria meu jantar para fora se continuasse naquela sala. — Agora.

— Calminha — ele ria enquanto me seguia até a porta.

Assim que chegamos ao lado de fora, eu bufei.

— Qual é o seu problema?

— O que eu fiz dessa vez? — Ele perguntou, dando de ombros. Ele havia tirado o paletó e dobrado a camisa perfeitamente branca e amarrotada até os cotovelos, e seu cabelo estava mais bagunçado do que nunca, com fios ruivos apontando para várias direções diferentes. Era de conhecimento público que, por trás das câmeras, Ahren era um dos caras mais desleixados do mundo.

Irritada demais para falar, eu virei as costas. Mas Ahren continuou falando:

— Ei, Eady, espere. Eu preciso falar com você.

Com um suspiro, voltei-me para ele novamente. O sorriso havia sumido de seu rosto, substituído por uma expressão realmente séria. Isso me fez prestar atenção.

— O que é? — perguntei, cruzando os braços.

— É sobre aquele babaca cujo nome eu nunca consigo decorar — ele estreitou os olhos, como se tentasse se lembrar de algo. — Daniel? Drew?

Automaticamente, eu soltei:

— O nome dele é David, e ele não é um babaca — e só então percebi que foi um erro. Mas, antes que Ahren pudesse dizer algo, eu emendei: — E eu não sei o que você tem a ver com isso, certo? Até mais.

— Ei, não! — Ahren me puxou pelo ombro, me fazendo tropeçar enquanto me afastava e olhar para ele. — Olha, o Alec me falou dele. E acha que eu não percebi os sorrisinhos idiotas no jantar? Eady, sinceramente, eu esperava mais de você. Você é a inteligente, a racional, lembra? Eu é que sou o impulsivo, não você.

Fiquei desconcertada por um momento. Mas me recusei a acreditar que Ahren estivesse certo.

— Não é da sua conta — retruquei, com os dentes cerrados.

— Claro que é da minha conta — ele me balançou de leve. — Você é a minha irmãzinha, Eady. Eu supostamente deveria cuidar de você. E se esse cara for um maníaco psicótico? Você mal o conhece.

— Primeiro, a Seleção é toda sobre arrumar um marido para mim, certo? — resmunguei. — Uma hora ou outra, vai acontecer, Ahren, lide com isso.

Ele abriu a boca e fechou antes de finalmente ter o que falar:

— Mas... Você o conhece faz muito mal um dia! Você deveria conhecê-lo primeiro, e não se atirar em cima dele. E se ele não for tudo isso que você espera?

— Eu não estou me jogando em cima de ninguém! — Sussurrei, me segurando para não gritar, sabendo que meus pais escutariam. — E, aliás, eu não terminei todos os meus argumentos ainda. Eu não sou a sua "irmãzinha", Ahren. Sou mais velha, lembra?

Eu sabia o que ele ia dizer. "Só por sete minutos".

— Só por sete minutos! — Ele respondeu, indignado. — Não dá pra fazer nada em sete minutos. Não dá pra comer uma torta sequer em míseros sete minutos.

— Você já comeu duas tortas em menos que isso! — Bufei.

Ahren estava realmente me irritando. Eu queria poder chutá-lo, e chutar Alec por contar a ele sobre David. De repente, me arrependi de não ter falado o nome dele para Amelia.

— Esse não é o ponto — Ahren suspirou, balançando a cabeça e finalmente soltando meus ombros. — É só que... Eady, você sempre foi tão inteligente, e eu realmente odeio a ideia de ver você agindo desse modo por causa de um cara. Um cara que você conhece a pouco mais de vinte e quatro horas. É geralmente você que precisa me proteger das idiotices que eu faço, mas você está agindo como um verdadeiro Ahren agora.

Suspirei enquanto encarava Ahren. Eu não sabia o que dizer. Um horrível pensamento de que talvez ele tivesse razão recaiu sobre mim, mas eu não estava acostumada a perder uma discussão para meu irmão. E aquela definitivamente não seria a primeira vez.

— Cuide da sua própria vida, Ren — murmurei, enquanto me virava, definitivamente, para me afastar. — Eu mesma posso cuidar da minha.

***

Por alguns minutos, eu consegui deixar a discussão com Ahren de lado enquanto trocava o vestido do jantar por um outro mais simples, de algodão violeta. Lana e Astra estavam lá, sentadas na cama e disparando milhares de perguntas sobre a reunião do Comitê VAUMPE, mas eu ignorava a maioria com o pretexto de que “está tudo em sigilo”. Havia dito para elas que passaria na biblioteca antes de dormir (não queria mais pessoas me repreendendo sobre ir depressa demais com David), e elas aparentemente haviam caído nessa.

Mas, ao me acompanhar até a porta, Astra me alertou:

— Saiba que eu não caí nessa.

Com um revirar de olhos, eu comecei a caminhar para longe. Às minhas costas, Astra gritou, sem se preocupar com o volume de sua voz:

— Não se esqueça da camisinha!

— Ora, Astra, cale a boca! — Gritei de volta, mas sem me virar para ela, para que não visse meu sorriso.

Continuei andando, tentando afastar qualquer tipo de pensamento. Se eu pensasse demais, me lembraria de Ahren e nossa discussão anterior. Ele provavelmente não sabia do trato que eu havia feito com Alec naquela noite, quando eu prometi que daria mais atenção aos outros garotos e pararia de agir como se David já fosse O Escolhido.

Mas, já naquela mesma noite, eu já estava falhando miseravelmente no trato. Eu era mesmo uma idiota.

Isso quase me fez desistir do encontro com David. Mas eu permaneci andando, tentando ignorar o sentimento de culpa que começava a me corroer.

David

Às nove e meia, eu já esperava em frente a minha porta. Mas havia um enorme problema que eu havia me esquecido de citar para Eadlyn.

Os Selecionados estavam para todos os lados. Havia sido assim na noite anterior também, já que garotos raramente conseguem ficar parados por muito tempo antes da meia-noite. Nós havíamos sido proibidos de sair do andar dos dormitórios naquele dia por conta da reunião sobre a Seleção que estava acontecendo em algum lugar do castelo, então estávamos todos perambulando pelo corredor.

Ninguém me notou parado como um idiota na frente da porta, até que Alec surgiu de algum lugar, acompanhado de Cooper.

— Cara, você virou guarda, por acaso? — Alec perguntou, fazendo uma careta.

— Claro — respondi, sorrindo. — Seu pai não dá aulas particulares, né?

Alec sorriu.

— Mas, sério, Dave, você parece um babaca aí parado — Cooper riu, balançando a cabeça. Ele era tão alto que eu precisava inclinar a cabeça ligeiramente para olhar para ele, e isso me incomodava. — O que está fazendo, afinal? Esperando por alguém?

Hesitei por um breve momento, e isso pareceu ser suficiente para Alec descobrir.

— Você vai se encontrar com a Eady, não é? — Ele falou, ainda sorrindo, mas não havia nenhum traço de humor em sua voz.

Quando não respondi, Cooper falou:

— Nossa, isso que é ser rápido, cara — ele balançou a cabeça, fingindo estar indignado. — Você sequer nos deu uma chance.

— Olha, não contem isso para ninguém — alertei. — Por favor.

Cooper bateu em continência.

— Palavra de escoteiro — ele garantiu, ainda sorrindo. — Mas, sério, vê se deixa um pouco dela pra gente também, certo, Alec?

Alec fez uma careta antes de responder, com má vontade:

Certo.

Nesse mesmo momento, as vozes animadas no corredor se calaram. Ergui os olhos para ver Eadlyn parada na entrada do corredor, com uma expressão de surpresa ao se deparar com todos os garotos ali.

Definitivamente, eu deveria tê-la alertado.

— Uh... Olá — ela falou, erguendo o queixo, como que para esconder o quanto estava constrangida. — É muito bom vê-los aqui, garotos. Eu só vim até porque preciso... tratar de alguns assuntos com o senhor Newsome.

Todos os olhares voaram para mim. Em sua maioria, olhares cruéis ou de pena. Eles provavelmente achavam que eu estava prestes a ser chutado de volta para casa. E era quase que exatamente o contrário.

Chegava a ser engraçado.

— Boa sorte, Dave — Cooper murmurou, sorrindo de um jeito esquisito.

— É, boa sorte, Dave — Alec repetiu, com um tom sarcástico, quase ácido, na voz.

Comecei a caminhar até Eadlyn e, no meio do silêncio que se instalara no corredor, nós nos afastamos rapidamente.

— A sala de música fica por ali — ela apontou. Seu tom era estranhamente desanimado.

Fizemos o caminho até lá em silêncio. Eu me senti tão incomodado que até mesmo pensei em desistir e dar meia volta. Eadlyn era sempre tão cheia de vida — tanto que, mesmo que só a conhecesse pessoalmente por pouquíssimo tempo, eu já poderia dizer isso —, que vê-la daquele jeito era desconcertante.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei, enquanto subíamos o último lance de escadas.

Eadlyn, que estivera distraída, finalmente focou o olhar em mim.

— O quê? — Ela perguntou, mas então balançou a cabeça e forçou um sorriso. — Ah, não. Eu só estou um pouco cansada, é isso. Se quer saber, reuniões são realmente um saco. — E, com o sorriso já sumindo do rosto, ela acrescentou: — Odeio quando as pessoas ficam discutindo sobre a minha vida como se eu não tivesse o direito de opinar, sempre me dizendo o que fazer.

Estava óbvio que ela não estava num bom humor, e, por algum motivo, me senti no direito de mudar aquilo.

— Bem, não se preocupe — falei. — Eu te entendo perfeitamente. Juro que não vou te dizer o que fazer. Até porque eu tenho certeza de que levaria um soco se o fizesse.

Ela olhou para mim enquanto ria, surpresa.

— Como assim? — Questionou, fingindo indignação. — Eu sou uma perfeita dama, senhor Newsome. Não soco as pessoas.

Era a minha vez de rir.

— Sinto em discordar, Alteza — cruzei os braços. — Alec me contou que você já tirou sangue dele mais de uma vez.

Eadlyn ergueu o queixo, orgulhosa de si mesma.

— Bem, ele mereceu. — Falou, no mesmo momento em que parava em frente a uma porta enorme de carvalho e começava a girar a maçaneta. — Esta aqui é a sala, Newsome.

— Vai continuar me chamando assim?

— Se você continuar me chamando de Alteza, então, sim. — Ela deu de ombros e escancarou a porta aberta. — Sinta-se em casa, Newsome.

Sorri.

— Muito obrigada, Alteza.

O interior da sala de música era mais simples e aconchegante do que eu esperava. Havia uma parede inteira dedicada a instrumentos musicais de todo tipo, e havia mais deles no centro da sala — inclusive um piano preto lustrado, com teclas perfeitamente brancas que fizeram meus dedos coçarem para tocá-las. Já nos cantos havia sofás e poltronas de veludo com almofadas bordadas de lã, além de mesas de chá e pequenas estantes de livros bagunçadas. Um pequeno palco de madeira fora montado na parede leste, e eu tentei imaginar a família real ali, ouvindo música e conversando, mas não consegui, por algum motivo.

— Uau — suspirei, me virando para Eadlyn, que observava da porta enquanto eu rodeava a sala. — Isso daqui é demais.

Eadlyn encolheu os ombros.

— Minha mãe passa quase todo o tempo livre aqui — ela disse. — Mas ela está na tal reunião ainda. Temos uma hora, no máximo. — Ela caminhava enquanto falava, e a este ponto já estava ao meu lado. Com um aceno da mão, ela apontou para o piano no centro da sala. — Não vai tocar nada? Quero ver se você é realmente bom.

Soava como um desafio.

— Bom, aposto que eu sou melhor do que você — repliquei, tentando evitar um sorriso, mas falhando.

Eadlyn cruzou os braços.

— Infelizmente, isso é verdade — ela falou, mas não soava derrotada. — Mas, ainda assim, eu estou curiosa.

Dei de ombros enquanto me sentava em frente ao piano. Eu costumava ter um parecido em casa, no porão, já que meus pais odiavam quando eu tocava e atrapalhava o trabalho deles. Eu era tão obcecado por aquele piano que havia mudado meu quarto para o porão no Natal do ano passado, para que pudesse tocar sempre que quisesse.

Mas havia algo de especial em tocar na sala de música do palácio real. Quero dizer, era um palácio, e um de verdade. E, bem na minha frente, estava Eadlyn, a própria princesa de Illéa. Era tão diferente das madrugadas que eu passava tocando sozinho no porão da minha casa que era difícil de acreditar que não fosse um sonho. De repente, o fato de eu ter sido empurrado para a Seleção não parecia assim tão mau.

— Que música você vai tocar? — Perguntou Eadlyn, me tirando do breve devaneio.

Encarei as teclas enquanto pensava.

— Eu gosto de tocar coisas velhas — falei, mas então fiz uma pausa, fazendo uma careta. — Não, espera. Meu Deus, isso saiu tão errado.

Eadlyn riu, uma risada de puro humor que eu nunca ouvira vindo dela. Parecia real demais.

— Tem razão — ela concordou. — Você não pode sair contando esse tipo de coisa para as pessoas, Newsome.

Balancei a cabeça, sem conseguir evitar uma risada também.

— Certo, certo — disse. — Já ouviu falar de Chopin?

Eadlyn revirou os olhos.

— Ora, por favor — ela se sentou ao meu lado no banco, apenas a alguns centímetros de distância. — Eu posso ser um desastre na prática, mas minha mãe deu aulas particulares de música para mim e Ahren. Ele se saiu melhor na prática, mas eu sou um gênio da teoria musical.

Levantei uma sobrancelha.

— Isso não respondeu minha pergunta, Alteza — falei.

— É óbvio que eu conheço Chopin, Newsome — ela bufou, mas não parecia irritada. — Mas eu não quero ouvir nada que já tenha escutado antes. E, acredite, eu já escutei muita coisa. Por que não toca algo que você mesmo fez?

Bem, aquilo era uma surpresa. Certo, não uma surpresa tão grande. Depois que Eadlyn me convidara para a sala de música real, eu havia enfiado algumas partituras no bolso só para garantir.

— Isso é bem conveniente — disse, tirando os papéis amassados e rabiscados do bolso —, porque eu tenho algumas coisas aqui.

Eadlyn encarou as notas no papel com uma careta.

— Jesus — murmurou, balançando a cabeça. — Você não deve ter uma vida se tem tempo para fazer isso tudo.

Ri enquanto colocava as partituras no lugar, fazendo o melhor que podia para desamassá-las.

— Na verdade, eu sou bastante inútil — falei, dobrando as mangas da camisa. — Então tenho muito tempo livre pra isso.

— Isso explica muita coisa — ela sorriu, e então gesticulou para o piano. — Agora, eu estou ansiosa para julgar você. Toque logo.

Com uma última risada, respirei fundo. Eu provavelmente deveria estar muito nervoso. Afinal, era Eadlyn Schreave bem ali do meu lado, e qualquer erro seria enorme. Mas eu não estava. Eu estava tranquilo, na verdade. Eu sabia que, por trás da coroa, Eadlyn era uma pessoa de verdade, mais real do que qualquer um que eu já tivesse conhecido antes. Ela estava sempre demonstrando isso, em tudo o que fazia. E isso me deixava confortavelmente bem.

Então eu toquei, tentando não pensar muito sobre as notas, apenas tocá-las. Minha irmã, Glenda — a única da minha família que não desprezava minha preferência pela música —, costumava nomear as músicas que eu fazia com o que ela sentia ao escutá-las. Aquela música que eu estava tocando naquele momento, ela havia chamado de “Vazio”. Era esquisito, mas, segundo ela, eu não tinha direito de questionar suas escolhas.

Durante todo o tempo em que tocava, consegui perceber que Eadlyn encarava o nada, escutando atentamente. A música tinha uma melodia melancólica, com notas graves, e durava cerca de seis minutos — eu nunca conseguira criar algo que durasse mais que isso. E, quando chegou ao final, havia um zumbido de silêncio ao redor.

— E então? — perguntei, surpreso com a expectativa na minha própria voz. Eu realmente esperava que Eadlyn houvesse gostado.

— Newsome, isso foi horrivelmente... triste — ela murmurou, finalmente focando o olhar em mim. — Por um momento, eu senti um terrível...

— Vazio? — completei, com um sorriso de leve enquanto me lembrava da reação exagerada de Glenda quando ouvira a música.

— Exatamente! — Eadlyn concordou. — Como você sabe?

Dei de ombros.

— Já me disseram antes — falei. — Mas o que você achou?

Eadlyn pensou por um momento.

— Não se sinta todo convencido por isso — ela alertou, com olhos estreitos enquanto apontava um dedo para o meu peito —, mas foi muito bom. De verdade. Eu vou precisar de alguns dias para me recuperar do efeito dessa música.

Franzi as sobrancelhas, confuso.

— E isso é algo bom, por acaso?

— Claro que sim — ela me deu um empurrãozinho com o ombro, enquanto dedilhava ao acaso as teclas do piano. — Eu sempre achei que a música era muito técnica. Mas acabo de perceber que é o oposto disso, não é? Talvez seja por isso que eu nunca entendi muito bem. — Ela suspirou e olhou para mim novamente. — Não sou lá uma pessoa muito emotiva. Porque é isso que estão sempre me cobrando. Eu estou sempre sendo afastada à força das emoções, sabe? Porque uma rainha deve ser inteligente e agir com sabedoria, esse tipo de coisa.

Aquela conversa havia tomado um rumo muito diferente do que eu esperava. Eadlyn parecia horrivelmente infeliz, e isso não me agradou nem um pouco. Tive vontade de acalmá-la, embora não fizesse ideia de como.

— Eu discordo — falei, enquanto, com cuidado pegava sua mão macia entre os dedos. — Se quer a minha opinião, você seria uma perfeita rainha exatamente do jeito que você é.

Eadlyn apertou os lábios com um sorriso mínimo. Seus olhos estavam marejados, e eu rezei para todos os deuses para que ela não chorasse, porque eu não saberia lidar com isso.

Mas Eadlyn não derramou uma lágrima sequer. Ela era realmente boa naquele negócio de esconder emoções.

— Obrigada — ela agradeceu, com uma voz tão baixa que eu não escutaria se não estivesse perto dela. — Eu espero que você tenha razão, David.

Eu estava prestes a dizer algo quando percebi uma coisa.

— Você acabou de me chamar de David? — perguntei, com um tom de descrença exagerado na voz. — Isso é mesmo inédito!

Ela riu e, tirando sua mão da minha, cruzou os braços.

— Você acabou de quebrar minha cúpula depressiva, Newsome — falou, num tom de acusação não muito convincente. — Isso foi muito insensível da sua parte.

Mas, enquanto eu pensava em algo mais para dizer, me encontrei perdido enquanto encarava os olhos de Eadlyn. Eles eram castanho-claros, com traços de prata. Eram provavelmente os olhos mais bonitos que eu já havia visto, e eu não consegui forçar a mim mesmo a dizer algo, sequer a quebrar o contato visual. Eu me sentia bem só olhando para ela.

Foi quando percebi que, inconscientemente, estava me aproximando de Eadlyn, sem motivo aparente. Por um milésimo de segundo aterrorizante, percebi que estava prestes a beijá-la. Mas eu estava hipnotizado demais para pensar muito sobre isso.

Mas, antes que eu pudesse me aproximar o suficiente, ouvi quando alguém exclamou em surpresa. E a exclamação não havia vindo de mim ou de Eadlyn.

Sobressaltei-me, assustado, pulando de pé. Na porta, parada com olhos arregalados e rosto corado, estava a rainha America. Ela parecia incapaz de tirar a expressão de surpresa do rosto.

— Mãe — Eadlyn se pôs de pé rapidamente, com o rosto tão vermelho quanto eu imaginava que o meu estava. — Eu... Eu só vim até aqui para mostrar o piano para David. E-ele também é músico, sabia?

A rainha assentiu lentamente, recobrando aos poucos a expressão perfeitamente controlada.

— Isso é realmente ótimo, querida — ela falou entre pigarros. — Mas eu realmente preciso praticar agora, e...

— Sem problemas! — Eadlyn interrompeu, falando rápido demais. — Nós já estávamos mesmo de saída. — E, com isso, ela me puxou até a porta. — Até mais, mãe.

Com uma reverência rápida e envergonhada, eu acrescentei:

— Foi muito bom vê-la, Majestade.

Não havia sido nada bom, na verdade.

America assentiu rapidamente enquanto Eadlyn e eu saíamos da sala. Quando a porta se fechou atrás de nós, finalmente paramos de andar.

Eu não sabia o que esperar de Eadlyn, mas certamente não eram as risadas. Ela riu como se houvesse acabado de escutar a melhor piada do mundo. Riu tanto que eu não consegui evitar rir também.

— Meu Deus — ela falou, finalmente se recuperando enquanto limpava as lágrimas dos olhos. — Sim, essa foi muito boa, Newsome.

— Tem razão — concordei.

Ela balançou a cabeça, aparentemente sem muito mais o que falar. Vários segundos em silêncio se passaram, e eu estava começando a ficar constrangido quando Eadlyn disse:

— Bem — ela falou, soando tão constrangida quanto eu me sentia —, eu preciso passar na biblioteca, e se você ainda se lembrar do caminho até seu quarto...

— Ah, sim, eu lembro — falei, assentindo. — Posso ir sozinho, Alteza, muito obrigada.

Ela sorriu uma última vez antes de se afastar, acenando. Quando ela desapareceu no corredor, eu comecei a me virar também, com o maior sorriso do mundo no rosto.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu sei que aqui provavelmente ninguém shippa Deadlyn, mas o David é um amorzinho, admitam :3 Então, espero que tenham gostado, queridos. Juro que vou responder todos os reviews desse capítulo, mas é que sempre fico mt enrolada com isso. Beijos!



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