Marinwaal escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 8
Sleepover




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Depois que jantamos, Mona e eu passamos uma parte da noite navegando pelos filmes de terror da Netflix. Eu sabia que era o gênero favorito dela porque Lembrava que, no sétimo ano, Mona dizia gostar de Fear Factor.

Como assim vocês não gostam de ver os caras comendo os besouros? – perguntara-nos ela certa vez, surpresa com a nossa aversão ao programa.

Lembrava vividamente também de Alison ao meu lado colocando um dedo na garganta naquele dia, deixando claro estar enojada após ouvir as preferências da moreninha. Nós todas na época achávamos um tanto insano um reality show onde jovens comiam insetos por dinheiro, aliás. Mas, certo dia, ainda no sétimo ano, enquanto eu estava sozinha em casa, resolvera dar uma chance àquele programa e, além de não ser tão ruim quanto parecia, tal me dera certa resistência a filmes de terror e à baratas que ocasionalmente corriam pela casa. O mais importante, porem, havia sido o fato de que passara a compreender um pouco e até a querer ser amiga daquela garotinha esquisita que vivia quase sempre nervosa e encolhida pelos cantos da escola.

Desde aquela época eu sentia que Emily era a mais compreensiva do grupo; ela era incrivelmente tímida e detestava muitas das extravagâncias de Alison. Mas mesmo para ela eu tinha receio de me abrir, sebe-se lá por quê. Portanto, por mais de dois anos, eu sofrera sozinha e calada com a ansiedade de querer fazer uma nova amiga.

Agora, entre uma ou outra cena de Hannibal Lecter, eu fitava Mona com o canto dos olhos. Observar o quanto ela havia crescido  mais em uma tarde do que naqueles dois anos, eu diria — me fazia ter certeza de que o tempo de espera por aquela amizade valera a pena, pois eu estava realmente orgulhosa de tê-la em minha vida.

Ela já havia lavado o rosto para tirar a maquiagem e estava com os novos cachos presos em um rabo-de-cavalo frouxo. Eu havia dito a Mona que havia uma escova de dentes ainda embalada no armário do banheiro, portanto ela poderia usá-la. Ainda assim os lábios dela continuavam levemente avermelhados.

— Ah, chega! – ela cobriu bruscamente os olhos – Meu estômago forte tem limites.

Eu estava tão absorta em observá-la que não percebi de qual cena do filme ela estava querendo fugir. Gargalhei e, já que estava com o controle remoto na mão, desliguei a tv, esticando o braço para desligar também o abajur sobre o criado-mudo em seguida.

— Boa noite – disse.

— Boa noite – ela me respondeu, em um sorriso doce.

Provavelmente daria para encaixar mais duas pessoas em meio à distância que havia entre mim e ela naquela cama. Eu não sabia dizer se estava aliviada ou triste com aquilo; provavelmente as duas coisas, mas tentei relaxar e tentar dormir, me virando para o lado oposto ao dela.

Estava tudo funcionando muito bem, até eu ter um pesadelo.

Em tal sonho eu me via desacordada, em um chão de terra batida. A imagem estava bastante desfocada, mas pude notar que era uma versão mais crescida de mim, de cabelos mais compridos e – quem diria! – mais magra.

Era noite, eu via pinheiros a uma certa distância, como em uma floresta, talvez, e apenas os joelhos de minhas três melhores amigas ao redor de mim, pois o foco estava apenas em meu corpo caído no chão. "Ela sabia demais. -A", ouvi a voz de Aria pronunciar, trepidando, enquanto ela lia algo em seu celular, o que provavelmente deveria ser uma mensagem de texto ou algo do tipo.

Ouvi o “Ah, meu Deus!” de Emily e, em seguida, Spencer gritar "socorro!", ao volume máximo que suas cordas vocais podiam aguentar.

Acordei em um susto  provavelmente o maior de minha vida , tentando puxar oxigênio pela boca. Meus batimentos nunca haviam estado tão acelerados e eu tinha medo de que meu coração fosse parar a qualquer momento. Puxei o lençol até o pescoço. "A"? Como em "anônimo"? Uma mensagem anônima? Cerrei os olhos. Mas o que diabos havia sido aquilo?

O quarto estava dominado por um breu tremendo, embora a janela estivesse aberta. Quis chorar, mas me contive. Minha mãe com certeza diria que aquele sonho havia sido fruto de “ficar assistindo filmes de terror até tarde”, mas eu sabia que havia algo mais. Eu não teria acordado daquele jeito se tivesse sonhado com Regan, de O Exorcista.

Sacudi a cabeça. Não queria pensar no que poderia significar aquele sonho e tratei de excluir da mente a teoria de que os sonhos sempre eram algum tipo de premonição. Mas ainda estava nervosa e chamei por Mona, porém tudo que obtive como resposta foi o silêncio, que chegava a ser ensurdecedor.

Virei o rosto na direção dela, e pude ver que ela dormia profunda e tranquilamente, ainda encolhida no outro extremo da cama. Me aproximei, cautelosamente, até que apenas alguns centímetros nos separasse uma da outra.

Mais uma vez, deixei que minha mão esquerda, trêmula, se encaixasse à curva de sua cintura. Suas costas subiam e desciam devido a sua respiração leve e ritmada. Soltei o ar lentamente pela boca e com isso ela se mexeu no lugar. Estremeci, com medo de que ela fosse se virar. Ao invés disso, felizmente, ela puxou minha mão até o centro de seu abdome, como se quisesse fazer com que eu a envolvesse ainda mais. Sorri em meio à escuridão, emocionada, percebendo o quão segura aquela proximidade fazia eu me sentir. As memórias daquele sonho haviam desaparecido completamente e eu apenas deixei que meus pés descalços tocassem a pele quentinha dos dela, sem pensar em literalmente mais nada. A fragrância suave de lavanda, semelhante a uma colônia infantil, que emanava do pescoço de Mona me ajudou a pegar novamente no sono.

Acordei antes das sete horas – e antes do despertador ter a chance de tocar – e percebi que ainda estava rente ao corpo de Mona. Ela também não havia se movido desde a madrugada.

Ainda que não quisesse, me desprendi dela com cuidado para evitar que minha mãe nos visse naquela... situação, entretanto permaneci observando-a por alguns segundos antes de descer para tomar café. Um sorriso surgiu em meus lábios. Ela conseguia parecer ainda mais inocente enquanto dormia! Decidi que, por enquanto, não iria acordá-la, porém Mona desceu as escadas alguns minutos depois de eu ter colocado cereal em uma tigela com leite.

— Bom dia – eu disse.

— Bom dia – ela me respondeu, sorrindo, ainda que parecendo sonolenta, e sentou-se à mesa de vidro de frente para mim, não me olhando nos olhos. Perguntei-me, apreensiva, se ela se lembrava ou mesmo sentira o que acontecera na noite passada.

Mona havia soltado os cabelos que, agora, estavam um tanto bagunçados; mas ela definitivamente estava graciosa vestindo aquele pijama amarelo creme que ficava adoravelmente largo para seu corpo pequeno.

Minha mãe, que estava fazendo café ao balcão da cozinha, virou-se para nós com a cafeteira em mãos e em seguida despejou o líquido em uma caneca.

— Vocês dormiram bem? – perguntou casualmente, tomando um gole do café.

Senti minhas bochechas ruborizarem. Olhei rapidamente para Mona com o princípio de um sorriso malicioso nos lábios que não sabia se ela seria capaz de interpretar, mas em seguida dei uma colherada em meu cereal, permanecendo quieta. Enquanto eu mastigava, nossos olhares prenderam-se um no outro e, por um segundo, Mona retribuiu aquele princípio de sorriso malicioso. 

— Dormimos sim, sra. Marin.


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