Marinwaal escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 5
Você é linda




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/568597/chapter/5

Depois da aula, fiz questão de esperar Mona do lado de fora da escola para perguntar-lhe se ela gostaria de passar o resto da tarde em minha casa. Não fazia do que diria se qualquer uma das garotas passasse por mim antes de Emily. Felizmente, como se o universo conspirasse a meu favor, vi esta descer os degraus da frente da escola vestindo o abrigo da equipe de natação.

Toquei seu ombro para chamar-lhe a atenção e disse a ela que iria passar a tarde com Mona, ou que pelo menos era essa minha intenção. Pedi a ela, então, quase que suplicando, que inventasse qualquer desculpa se fosse perguntada sobre onde eu estaria.

Emily me lançou mais um de seus sorrisos compreensivos.

– Pode deixar – afirmou ela, me dando um breve abraço de despedida.

Mona aceitou prontamente meu convite, o que possibilitou meus ombros de relaxarem novamente e, andando vagarosamente junto dela em direção à minha casa, desfiz mentalmente qualquer possível compromisso que pudesse ter naquela tarde. As próximas horas estariam destinadas estritamente a conhecer ainda mais minha amiga nova.

Notei que Mona observava tudo ao redor enquanto subíamos as escadas que davam para o segundo andar. Ela pareceu impressionar-se com a decoração do meu quarto.

– Posso? – sorriu-me ela, tocando o colchão da minha cama queen size.

– É claro. Tire os sapatos, deite-se e relaxe – respondi, como que numa intimação, pensando na musculatura de Mona que aparentava estar quase sempre tensa.

Tirei meus próprios sapatos, depois de ter largado a bolsa da escola no encosto da cadeira da escrivaninha. Mona tirou a mochila dos ombros, deixando-a no chão, e deitou-se cautelosamente por cima do edredom, quase como se estivesse com medo de desarrumar a cama, não ocupando nem um terço desta. Fitava o teto, mais precisamente o lustre lilás, tranquila, na certa esperando alguma indicação sobre o que deveríamos fazer. Sorri, avaliando o quão inocente aparentava ser aquela criaturazinha.

Havíamos combinado de fazer uma maratona de filmes em preto-e-branco. Mona havia me dito ainda naquela tarde que tinha grande fascínio por tais tipos de filme, o que achei um tanto irônico, pois eu e as garotas também tínhamos, embora Aria, Emily e Spencer focassem mais nos romances da época, e eu, nas comédias. Alison porém, adorava as tragédias, onde alguém tomava um tiro por seu grande amor ou algum onde o casal morria. Ela tinha um quê para artes dramáticas, para falar a verdade.

Acabamos por assistir O Garoto, de Charles Chaplin. Um drama fofo e clichê de 1921 que eu já havia perdido as contas de quantas vezes já assistira.

Quase não desgrudamos os olhos da televisão durante o filme. Por conta disso, nossos dedos se esbarraram uma ou duas vezes quando tentamos pegar as pipocas ao mesmo tempo. Mona se desculpava quando isso acontecia, como se não tivesse permissão de me tocar. Eu me via na obrigação de dizer “não foi nada”, ainda que quisesse dizer “por favor, não se desculpe”.

Foi inevitável perder algumas partes do filme para refletir sobre as palavras que Emily me dissera mais cedo na escola. Seria mais do que apenas empatia? Eu suspirava, frustrada, incapaz de achar resposta para aquela pergunta. Mas, para falar a verdade e nada mais que a verdade, era como se cada célula presente em meu corpo vibrasse com o toque quente de Mona. Se isso não era mais do que empatia, então o que era?

Assim que lemos “fim” em uma tela escura, Mona suspirou e recostou a cabeça espontaneamente em meu ombro. Parecia relaxada, tanto que tal gesto me lisonjeou. Isto é, me lisonjeou, fez meu coração pular dentro do peito e minha mente gritar mas que diabos está acontecendo com você?!.

Quis colocar meu braço direito ao redor dela, como fizera pela manhã no refeitório, mas algo me deteve. Então permanecemos imóveis, daquele jeito tranquilo, por um tempo. Sentia que ali, ao lado dela, poderia pegar no sono.

– Eu quero te mostrar uma coisa – disse Mona, subitamente, me despertando.

Emiti um “hum”, em curiosidade. Ela pegou a mochila do chão e a colocou sobre o colo, dirigindo os dedos a um pequeno bolso desta e tirando de lá uma caixinha de plástico menor ainda. Abriu-a e tirou de dentro um semicírculo transparente e aparentemente gelatinoso, o qual manuseou com dois dedos e muito cuidado. Não tive certeza do que era até que ela tirou os óculos, colocando-os sobre a mochila, e inclinou um pouco a cabeça para trás.

– Uau – eu disse, surpresa, depois de ela ter repetido o processo com o outro olho. – Quando começou a usar lentes?

– Eu as comprei ontem – ela me fitou, um tanto encabulada. – Não sei bem porque mas precisava saber a sua opinião antes de começar a usá-las definitivamente.

Eu meio que estava impressionada. Nunca havia visto os olhos de Mona de perto; eram de um castanho muito claro. Sacudi imperceptivelmente a cabeça, a fim de começar a falar.

– Eu acho que você fica tão graciosa de óculos quanto sem eles.

Pude vê-la enrubescer.

– Obrigada.

– Mas por que a mudança repentina? – indaguei, deitando mais no colchão, com uma mão atrás da cabeça.

Ela fez o mesmo, de modo que a mochila dela ficou entre a fenda que nossos corpos formavam, paralelos um ao outro.

– Eu sempre meio que odiei esses óculos – informou ela, falando da peça com certo desprezo. Seu tom de voz indicava que ela estava visivelmente mais à vontade.

– Não diga isso. Eu acho que os óculos te dão uma aparência peculiar.

Mona sorriu ironicamente.

– “Peculiar” é uma palavra que as pessoas usam quando não têm nada melhor para dizer e não querem dizer que você é feia.

– Não – rebati prontamente, segurando de leve um de seus pulsos. – Você é única.

Mona ameaçava dar o mesmo sorriso irônico. Acrescentei:

– E linda.

– Está certo, já pode parar – ela baixou o olhar, como se fielmente não acreditasse naquilo.

– Ei – trouxe seu olhar para mim com dois dedos em seu queixo –, você é.

Deslizei dois dedos delicadamente por um lado de seu rosto, ganhando tempo para observar melhor suas feições. Sua pele cor-de-areia era uniforme e macia, livre de cravos e espinhas, ainda que ela não estivesse usando um único traço de maquiagem.

– Deus, se ao menos soubesse o quanto é linda! – senti meus olhos marejados ao finalizar a frase.

– Saberei se me deixar saber.

A inocência que vi naqueles olhos, naquele momento, foi de impossível descrição. Mona falava como se esperasse que algo fosse acontecer, nervosa. E eu não resisti. Deixei que a palma de minha mão esquerda se encaixasse na curva da cintura dela. A vi fechar os olhos de modo a absorver aquele toque, o que me emocionou. Estávamos em sintonia. E foi a última coisa que vi, porque fechei meus próprios olhos para beijar-lhe a testa, em seguida a ponta do nariz, e por fim os lábios, desejando profundamente que todo aquele carinho que sentia por ela fosse transpassado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!