Marinwaal escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 4
O lado bom do mal




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Não me dei o trabalho de entrar no ginásio para a aula de educação física. Permaneci encolhida em um dos bancos do pátio. Meu olhar não focava em nada, eu estava apenas com raiva.

Embora tudo tenha terminado bem na hora do almoço e eu tenha conseguido confortar Mona passando-a a mensagem de que, dali para diante, estaria com ela sempre que ela precisasse, as palavras de Alison não me saiam da mente.

O jeito como ela pronunciara “se ficarmos quietas, talvez a coisa vá embora” me fazia, agora, ter vontade de vomitar, e de arrancar os cabelos de Alison ou cravar minhas unhas em qualquer parte do corpo dela, e só retirá-las quando sangue estivesse escorrendo por longos arranhões.

Deixei-me, por segundos, deliciar com a ideia de fazer Alison sofrer, porém respirei fundo em seguida, sacudindo a cabeça. Eu não era assim. Não era má ou vingativa como ela. Tratei, então, de ocupar-me pensando em Mona. E, de fato, meu coração enterneceu. Ela era realmente uma coisinha incomparável, não era? Com suas tranças castanhas escorrendo por seus ombros, seus óculos, seu jeitinho nerd.

Sorri para o nada, o que acontecera inúmeras vezes dentro daqueles dois dias, enquanto pensava nela.

Um toque em meu joelho desceu-me das nuvens.

– Hanna? – Emily me chamou suavemente, sentando-se no banco também, aos meus pés que ainda não tocavam o chão. – Posso conversar com você?

Ela tinha um olhar doce e curioso no rosto. Assenti, ainda meio distante.

– É claro.

– Eu só queria saber como você está.

– Eu... – comecei, entre suspiros. Já não lembrava mais o porquê de antes ter estado tão brava com Alison. – estou melhor, sim.

– Que bom, porque acho que nunca havia visto tanta fúria em seus olhos como naquela hora.

Um pouco daquele sentimento de tranquilidade que estava comigo evaporou, me devolvendo as memórias daquele almoço conturbado.

– Como você queria que eu reagisse depois do que Alison disse? – fitei Emily com os olhos, agora, tristes.

– Eu entendo – ela lançou-me um sorriso. – Acho que me admirei tanto justo porque, nunca, nenhuma de nós havia usado aquele tom com ela. Você foi destemida e tomou o lado de um dos “menos fortunados” que ela tanto despreza. Para resumir, você fez o que o resto de nós já deveria ter feito há muito tempo. Foi bonito de ver.

– Ali merecia muito mais – murmurei entredentes, como que para mim mesma, agora desviando meu olhar de Emily e voltando a desfocá-lo.

– Hanna? – Emily tentava buscar minha atenção. – O que há entre você e Mona?

Após alguns segundos de silêncio, pisquei para Emily em confusão, franzindo as sobrancelhas. Era uma pergunta que ia muito além do inesperado.

– O que, em nome de Deus, você quer dizer com isso? – eu realmente não entendia o significado daquilo.

– Bem, eu perdi alguma coisa? Você nunca falou realmente com Mona e de repente... – ela cortou-se. – Admito que me senti um tanto excluída. Quer dizer, da onde surgiu essa amizade que nenhuma de nós percebeu surgir?

Desci do banco as pernas e sentei-me ereta ao lado de Emily.

– Ontem – comecei, cautelosamente –, depois da escola, eu a vi correr atrás de Alison, como ela sempre tenta fazer. Mas Alison com certeza deve ter dado mais uma rasteira nela porque eu a vi dar meia volta ainda mais cabisbaixa do que o normal. Não sei bem – fiz uma pausa, buscando pelas memórias do dia anterior. – Em princípio achei que o que estava sentindo fosse apenas pena, mas, assim que eu perguntei a ela se estava tudo bem, ela sorriu para mim, ainda que nervosa. E eu senti uma empatia imediata.

Tive a sensação de que meus olhos brilhavam quando disse a última frase. Perguntei-me se poderia Emily ter achado aquilo um tanto estranho. Pude vê-la refletir por um tempo sobre tal comentário.

– Hanna... – Emily começou, olhando para as mãos, um tanto nervosa –, eu sei que isso não é da minha conta, e que eu provavelmente estou enxergando coisas que não existem, levando em consideração o pouquíssimo tempo que você e Mona se conhecem realmente, mas você é uma de minhas melhores amigas e eu sinto que me arrependeria se não tocasse nesse assunto com você, mais cedo ou mais tarde.

– Emily – foi a minha vez de tocar o joelho dela, preocupada –, podemos falar sobre qualquer coisa, você sabe disso.

Ela deixou de dar atenção às unhas cor-de-laranja e me encarou.

– Acha que pode estar sentindo algo a mais por Mona? Algo mais do que apenas empatia?

Não saberia nunca descrever exatamente o que senti ao escutar aquela pergunta, porém minha reação imediata, como que em um reflexo, foi afastar minha mão direita do joelho de Emily.

Acho que posso dizer que senti como se estivessem remexendo em meus pensamentos mais profundos e neles achassem um segredo que nem mesmo eu sabia que mantinha. Estava assustada e meus batimentos estavam um tanto acelerados, exatamente como estariam se eu tivesse sido pega em uma mentira.

– Por que está me perguntando isso? – finalmente indaguei, atenta aos olhos de Emily.

– Estou perguntando isso por causa dos sorrisos, Hanna. Eu conheço aqueles sorrisos – ela falava como se estivesse convencida a me fazer entender. – Deus, como os conheço! E digo isso porque sei que dirijo muitos dos meus a Alison.

Eu não estava preparada para ouvir aquele nome ao fim daquela declaração. Dei graças a Deus por existir uma parede por trás daquele banco. Com as costas rentes à esta, tentei assimilar o que me fora contado.

– Isso quer dizer que você...

– Que eu gosto da Alison – completou Emily, como se fosse algo que ela estivesse cansada de repetir. – Como em “mais do que apenas uma amiga”.

Fez-se alguns segundos de silêncio.

Alison? – eu repeti, quase que para mim mesma, tentando encontrar algum possível motivo pelo qual alguém como Alison deveria merecer o amor de alguém como Emily. – Por quê?

Emily deu uma leve risada.

– Para ser sincera, eu não sei exatamente por que também. Acho que talvez, no fundo, eu acredite que ela me olha de um jeito diferente, de um jeito doce, de um jeito que "só o outro do par" é capaz de perceber.

Sorrimos. Eram duas revelações de uma vez; uma sendo Emily gostar de garotas, o que não era exatamente uma surpresa, afinal, de todas nós, Emily era a única a não achar meninos aleatórios, fosse na escola ou em revistas, bonitos. Seu estilo esportista também a diferenciava um pouco. Ela usava principalmente leggins, moletons e tênis – e ela nunca, nunca mostrava as pernas em público a não ser nos dias de treino de natação.

A verdade era que todas nós já meio que sabíamos, internamente, e não fazia diferença alguma, por isso nunca tocáramos no assunto. A parte estranha, e quase incompreensível, era Emily ter Alison como ladra de seu coração.

– Em? – chamei-a delicadamente, sabendo que ela esperava que eu replicasse aquilo tudo de alguma forma. – Você sabe que eu te amo e que a possibilidade de não te aceitar do jeito que você é não existe para mim, não é?

– Eu sei – ela sorriu, fazendo com que eu recostasse a cabeça em seu ombro esquerdo.

– Mas eu ainda não entendo – aleguei, sentindo meus olhos já úmidos. – Se Alison fora capaz de fazer algo bom a ponto de você se apaixonar por ela, como ela é capaz de fazer o que faz com Mona e com tantos outros que estudam aqui todos os dias?

Emily entrelaçou seus dedos aos meus, ternamente, e suspirou.

– Acredito que ela seja insegura.

Afastei-me de Emily um pouco, agora olhando-a nos olhos.

– Você... acredita? – no momento havia muito mais indignação presa em minha garganta, porém eu não estava em capacidade de verbalizar mais devido à perplexidade.

– Escute, da mesma forma que existem pessoas como Mona, cujas inseguranças são visíveis a olho nu, existem pessoas como Ali, que as mascaram perfeitamente. Pessoas assim acham que, para serem notadas e respeitadas, precisam fazer com que os outros as notem e respeitem. Ambos os casos são solucionáveis.

Voltei a recostar minha cabeça no ombro de Emily, sentindo-me subitamente esgotada.

– Desculpe, Em, você daria uma ótima psicóloga, mas não sei se acredito na inocência de alguém como Alison.

Emily deu outra leve risada

– E se eu te contasse uma história? – perguntou-me numa voz tranquila, quase brincalhona. Ergui os olhos para ela, curiosa. – Você se lembra do verão antes do sétimo ano? Quando o pai de Ali construiu a casa da árvore para nós?

Assenti, ainda de olho em Emily, que tinha agora um sorriso nostálgico curvando seus lábios.

– Bem, ela costumava me levar até lá, às vezes, para conversarmos enquanto observávamos a cidade do alto. Ela gostava de se sentar na beirada e ficar balançando as pernas no ar tanto quanto eu. E houve um fim de tarde específico. Estava tudo muito quieto, Ali falava baixinho e me olhava do jeito que às vezes olhava para meninos mais velhos. Eu não sei se era o cheiro do verão em si combinado com o cheiro da loção corporal de baunilha dela, mas algo ali mexeu comigo e, Deus, ela estava linda naquele vestido cor-de-rosa florido!

Eu agora não olhava para Emily, apenas ouvia-a com o olhar preso em algo indefinível à frente. Em circunstâncias normais, eu já teria interrompido a garota e feito algum tipo de piada, porém aquelas descrições eram tão intensas, feitas por uma pessoa claramente apaixonada. Não era o momento de estragar.

– Enfim – ela continuou –, ela me disse algo a respeito de eu “ser a favorita dela” e depois disso eu não sei o que eu posso ter ou não inventado, porque ela se inclinou e me deu um selinho. E nós nunca falamos sobre isso.

Por mais surreal que tudo aquilo soasse para mim, não era difícil de imaginar a cena. E muito mais do que perplexa, agora eu também me sentia excluída.

– Uau... – suspirei – queria que você tivesse nos contado.

Para a minha surpresa, Emily concordou.

– Acredita em mim agora quando digo que ela tem um lado bom que só precisa ser estimulado?

– Talvez – respondi, quando na verdade ainda não estava completamente convencida. Mas Emily estava mesmo apaixonada por Ali, e não iria vê-la de outra forma. – Aposto que você é a melhor pessoa para fazer isso. Estimular o lado bom dela.

Emily riu outra vez, me abraçando parcialmente.

– Essa é uma das razões pelas quais eu levanto da cama todas as manhãs.

Abracei-a de volta pela cintura, deixando-me acreditar por um momento que Ali realmente podia mudar.

– Eu não sei o que sinto – disse, me referindo finalmente à pergunta primordial de Emily.

Senti os olhos dela em mim de repente, embora as lágrimas me embaçassem a vista outra vez.

– Mona é tão pequena – consegui sorrir – e parece tão frágil. Nunca havia visto de perto o quanto ela sofria, e agora que vi, sinto que preciso protegê-la. Preciso que ela saiba que me tem e que pode contar comigo. Mas não sei o que isso significa.

Emily me abraçou por inteiro, deixando que um som confortante de shh chegasse ao meu ouvido esquerdo.

– Você vai descobrir – ela me garantiu –, mais cedo ou mais tarde, sei que vai.


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