Parola escrita por


Capítulo 6
O Holandês Voador


Notas iniciais do capítulo

Ahoy, piratas! Espero que estejam gostando da nossa jornada! A música dessa vez é sobre "spanish ladies", graças a Maya nós as conhecemos bem, não é mesmo? https://www.youtube.com/watch?v=d_2g_kNTBek Muito obrigada a todos que acompanham a história, vocês são a minha inspiração para continuar!



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Durante toda a madrugada os bucaneiros comemoraram. Até mesmo aqueles que se ocupavam em suas posições não deixavam de comentar sobre o anúncio do capitão. Os assuntos que surgiam eram os mais variados. Aparentemente, as mulheres de Tortuga eram as melhores, a comida era mais saborosa, a bebida mais forte, os cheiros mais enebriantes e, definitivamente, a terra mais firme.

Túlio e Maya sentaram-se a uma roda no convés anormalmente agitado. Eles tentavam não demonstrar sua preocupação. Uma pilhagem? Teriam eles habilidades para isso? E se algo ruim acontecesse, como uma morte ou o descobrimento de Maya?

Os homens bebiam e jogavam dados, compartilhando histórias sobre a cidade portuária, paraíso dos piratas, enquanto os irmãos tentavam tirar os pensamentos ruins de suas cabeças.

— O nome dela era Anita, — começou Ed Caolho, após beber um longo gole de cerveja preta. — a conheci na primeira vez que fui a Tortuga. O saque havia sido uma beleza, se vocês querem saber, mas a noite foi dez vezes melhor! — A risada que seguiu o comentário foi áspera e soluços de embriaguez a acompanharam. Os homens gargalhavam e Trad deu tapinhas nas costas de Ed. O relato do homem caolho deu início a uma série de outros mais. Rapazes e velhos competiam por meio de suas histórias, um tanto exageradas, das experiências com o sexo oposto.

Depois de roubar a garrafa de rum de alguém, Po se dirigiu a Túlio, ainda se recuperando das risadas que dera quando Trad confidenciou a eles a "mais pura verdade" a respeito da vez em que tirou a virgindade de todas as sete filhas do rei da Espanha que passavam pela sua cidade a caminho de encontrar seus futuros maridos.

— E você, Túlio? Fazia sucesso com as mujeres de Cruz? — Po mexeu as sobrancelhas sugestivamente.

— É Luz. — corrigiu ele, corando com a pergunta. Túlio nunca tivera muito tempo para romance. Mas vivendo em um lugar como o Ninho, hora ou outra o seu instinto masculino haveria de se manifestar. Falar sobre a sua vida sexual na frente de sua irmã parecia embaraçoso, mas Maya sorria. Empurrando seu ombro, ela encorajou, sem disfarçar sua curiosidade.

— Anda logo Túlio, até o David Jones parou de torturar seus prisioneiros para ouvir! — Ela disse, se arrependendo imediatamente. Lembrou-se do prisioneiro do navio, com seus olhos congelados e suas palavras afiadas. Ignorou o pensamento e os calafrios que lhe eriçaram os pelos da nuca. Focou-se na curiosidade que tinha pela vida do irmão.

Muy bien, eu conto! — Rendeu-se Túlio. — Ao lado da nossa casa morava essa garota, o nome dela era Rosalinda e... — Nesse momento, a fala de Túlio foi interrompida por Estefano, um dos tripulantes mais antigos, que estava de vigia no cesto da gávea naquela noite.

— Ei vocês, meninas, acho que gostariam de dar uma olhada nisso! — Ecoou sua voz áspera, enquanto os homens se amontoavam na amurada do navio.

Vindo contra o vento havia o maior navio que os irmãos já haviam visto. Suas velas brancas estavam em frangalhos e seu casco tinha cor de madeira podre, entalhado com caveiras e polvos gigantes. Milhares de cracas e algas estavam presas a ele e candeeiros de luz pálida intensificavam o ar fantasmagórico da embarcação. Um denso nevoeiro avançava à medida que o misterioso navio se aproximava do Sangue e a noite, que poucos minutos atrás era quente, esfriou absurdamente. Calafrios, de frio ou medo, percorriam os corpos dos homens que observavam atônitos o navio seguindo em uma direção aparentemente impossível. Foi Benjamin quem primeiro se pronunciou, verbalizando o que muitos deles tinham em mente.

— O Holandês Voador. — Sua voz soava rouca, embora não demonstrasse sequer uma pontada de medo. Os marujos menos experientes o encararam com dúvida e pavor, enquanto os antigos limitaram-se a concordar com as cabeças. A voz que se seguiu era de Túlio.

— Você conhece esse navio? — Perguntou, com a testa enrugada de preocupação. Logo, Trad e Po se juntaram à conversa.

— Como assim você nunca ouviu falar do Holandês? — O primeiro disse, incrédulo.

— É a história de marinheiros mais conhecida de todos os tempos! — Complementou o segundo. Túlio não mudou sua expressão. Benjamin prosseguiu, revirando os olhos para os irmãos gêmeos.

— Conta a lenda que o Holandês Voador é um navio com uma tripulação fantasma, condenado a navegar pela eternidade, sempre contra o vento. Seu capitão fez um pacto com o demônio em um jogo de dados: se ele vencesse, poderia passar por uma tempestade terrível que assolava o navio, sem dano algum. Se perdesse, sua alma seria enviada para o inferno. O capitão usou dados viciados, ganhando o jogo. Quando descobriu, o diabo amaldiçoou o navio e sua tripulação. Agora, o Holandês Voador navega pelos sete mares, pilhando os navios que não oferendam sacrifícios a ele. Os prisioneiros da pilhagem são aprisionados e torturados, mas todos os dias se regeneram para sofrer mais. Dizem que aqueles que conseguem fugir do Holandês recebem um prêmio do próprio diabo, uma qualidade que lhes permite ler mentes. — Maya se manteve atenta às ultimas palavras. O prisioneiro de olhos vazios havia descobrido algo que ela escondia com todo o seu vigor. Teria ele lido sua mente? Ela lembrou de suas palavras cuspidas, "parece que a moça tem um segredo".

— Que tipo de sacrifício temos de oferecer? — Túlio parecia interessado. Aqueles dias no mar fizeram dele um rapaz mais vivo, alerta. Era natural que se sentisse atraído por histórias sobrenaturais envolvendo o mundo pirata. Ao que parecia, cada dia no Sangue fazia dele um pouco mais pirata. Ele poderia se acostumar com essa nova vida empolgante, cheia de aventuras. De fato, podia ver um futuro bucaneiro à sua frente, uma promoção à Mestre das Armas, pilhagens, riquezas, lutas e descobertas. Se em tempos passados ele fora um garotinho assustado, agora se tornava um homem do mar.

— Uma vida, geralmente.— Benjamin respondeu, fazendo uma careta.— Temos alguns prisioneiros de saques passados, um deles deve bastar. Já estão à beira da morte, de qualquer forma. Os que sobrevivem até Tortuga ou Port Royale são vendidos como escravos, mas a maioria não consegue. — Disse o flautista, com uma pontada de pesar em sua voz.

O capitão Casto já havia chegado até eles. Sua cara de sono e o seu cheiro de álcool não negavam que estivera dormindo. Ele trazia uma luneta consigo e a usou para analisar o navio por um longo tempo. Encontrar o Holandês Voador não parecia novidade para ele. Ordenou que Zaki trouxesse um prisioneiro que já estivesse quase morto.

O coração de Maya deu um salto, por um momento ela imaginou centenas de possibilidades. Talvez eles jogassem o prisioneiro de olhos azuis ao mar e suas preocupações acabassem, ou talvez ele decidisse contar tudo sobre ela. Minutos se passaram até que Zaki voltou, trazendo um velho homem, sujo e barbudo. Sua expressão parecia aliviada por poder finalmente descansar em paz. Casto analisou rapidamente o pobre homem e, em seguida, pediu que Túlio o lançasse ao mar.

O garoto o fitou sério por alguns instantes. O capitão deixara bem claro desde o primeiro dia que para fazer parte da sua tripulação era preciso merecer. Embora se sentisse mal por estar prestes a acabar com uma vida, agarrou-se a ideia de que também estaria dando um fim ao sofrimento do prisioneiro. Com passos lentos, dirigiu o homem trêmulo ao beque do navio. Olhou para a água escura em baixo de si e para o navio fantasma que, a essa altura, já havia trazido seu nevoeiro para mais perto. Com um gesto súbito empurrou o pobre coitado, que foi engolido pela fria e cinzenta mortalha que fluía abaixo do navio.

Por um momento, nada aconteceu. Mas quando Túlio estava de volta à amurada percebeu que o nevoeiro se esvaia. Mais rápido que qualquer outro navio, o Holandês Voador se afastava. Olhando para os lados Túlio percebeu que sua irmã também havia desaparecido.

☠☠☠

— O que você sabe sobre o Holandês Voador? — A voz da garota ecoava na escuridão. Ela desistiu de se esconder sob sua máscara ao falar com o estranho. Estava sentada sobre um barril e tinha um pedaço de charque em mãos. Balançava-o tentadoramente em frente aos olhos azuis do prisioneiro. Uma pequena risada de escárnio foi ouvida. O cheiro de morte só comprovava a razão de um silêncio tão repentino.

— Vamos com calma, milady. Como pude ser tão rude ao ponto de nem me apresentar? Meu nome é Owen. Posso ter a honra de saber o seu? — Embora falasse de forma mansa, seus olhos frios fitavam a comida com voracidade.

— Resposta errada. — Disse a garota, levantando-se de um pulo e cravando sua adaga roubada na coxa esquerda do prisioneiro. — A propósito, meu nome é Maya.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado