Parola escrita por


Capítulo 23
O x marca o lugar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/567883/chapter/23

O por do sol tingia o mar de tons que brincavam pelo laranja, rosado e roxo. A brisa noturna enchia as velas do Despertar da Rainha enquanto as gaivotas se iam dormir. A calmaria era cortada pelos grunhidos rítmicos da tripulação que trabalhava, ansiando pelo descanso da noite. O capitão analisava o horizonte com sua luneta, uma visível ruga de preocupação em sua testa. Seus olhos enevoados, indecifráveis. Se aproximavam do ponto da rota onde um dia colocou tudo a perder.

As argolas douradas em suas orelhas contavam 9 anos desde o dia em que sacrificou seu mundo por uma ilusória vida de aventuras que nunca quis para si. Desde então, não se passou uma única noite sem que ouvisse sua irmã chamar por ele, sussurrar por misericórdia. Túlio havia se tornado o capitão do navio, mas a que preço? As cicatrizes do motim ainda lhe doíam nos dias frios, o cheiro do ópio e da fumaça nunca sairia de suas narinas. As imagens do fogo estavam tatuadas em suas pálpebras e os gritos por clemência assombravam sua alma. A morte de Maya foi a primeira, mas não a última que ele causou.

Sentia diariamente os olhares de julgamento sobre si. Era como se tivesse conquistado a lealdade de seus homens pelo medo, não pelo respeito. Alguns dos tripulantes do Sangue haviam permanecido por vontade própria. Muitos, porém, receberam liberdade e recompensa por seu tempo de serviço e foram dispensados. Alguns morreram no Dia Verde.

Túlio se tornara um homem embrutecido, com pulso firme para delegar obrigações. Rapidamente sua reputação se espalhou entre os piratas e comerciantes. Apontavam-no nas tavernas. Ele era o assassino de Casto, era o homem dos saques mais rentáveis, alguém que deu a própria irmã em troca de uma oportunidade de usurpar um dos mais influentes navios dos sete mares. Associavam-no a magia negra, questionavam como alguém poderia alcançar tamanho sucesso em tão pouco tempo.

O sol já havia se posto quando o capitão subiu as escadas que levavam à sua cabine, suas botas fazendo ranger o chão de madeira polida. Os tripulantes começavam a se reunir em volta de um caldeirão de cozido de peixe no convés, a fumaça subia em espirais para as estrelas que timidamente começavam a aparecer. Era noite sem lua, a escuridão vazia do oceano era levemente quebrada pelos pequenos candeeiros que se espalhavam pelo convés. Mais um motivo de preocupação para Túlio.

O capitão adentrou a sua cabine, tateando até encontrar e acender sua própria fonte de luz. Ele precisava analisar algo. Retirou a preciosa chave do cordão que utilizava para prendê-la ao seu pescoço e abaixou-se para visualizar melhor o baú. Girou a chave na fechadura até ouvir um estalo e então abriu, ávido para recolher o tesouro que ali guardava. Tirou o mapa e aproximou-o da luz cálida que emanava da luminária. Analisou-o por alguns segundos até encontrar o que lhe interessava: movia-se no desenho, em meio às ondas desenhadas, um navio de velas sangrentas. Mais à frente destacavam-se formações rochosas triangulares, havendo apenas passagens estreitas entre elas. Correu o dedo sobre o papel, sentindo seu calor sobrenatural. Era como se o mapa estivesse vivo, pulsante. Cada linha era como uma veia. Depois que se tornou capitão, o mapa passou a ganhar vida sempre que o tocasse.

Era esse o segredo do seu sucesso como capitão. Não havia rota no mundo que o mapa não traçasse, sempre o alertando a respeito dos perigos que pudessem aparecer no caminho. Se alguma besta cruzasse a rota traçada originalmente, o mapa logo indicava um caminho alternativo para que a viagem ocorresse de forma segura e sem imprevistos. Ele não sabia que tipo de magia alimentava o mapa, mas sabia que era o único que conseguia compreender os escritos e vê-los se mover. Certa vez tentou pedir ajuda a uma cartomante, porém ela tentou de todas as maneiras tirar vantagem dele, sem saber absolutamente nada sobre o mapa e sua magia. Ouviu falar, de um comerciante de óleos raros que pagava pelo contrabando, que tal feitiçaria era de certo muito antiga e apenas uma feiticeira igualmente experiente poderia decifrá-la. Alertou, também, que esse tipo de magia vem com um preço de sangue a ser pago no baú de David Jones.

Túlio saiu novamente de sua cabine, lá fora a noite fechada abraçava os homens que falavam alto no convés, preenchendo o som das ondas com suas histórias e lamentações enquanto bebiam de seus canecos de estanho. As ondas começavam a fustigar o casco do navio como chibatadas, o vento soprava mais forte. As velas do navio, apesar de vermelhas no mapa, eram brancas. Nada chamava atenção a respeito do navio, outro ponto a favor na aproximação durante um butim. Era discreto, pequeno e rápido, perfeito para ataques repentinos.

A escuridão à sua frente não o enganaria. Tinha em mãos o mapa que apontava para onde seguir sem sofrer danos ou atingir os rochedos. Mal reparou nos minúsculos pontos de tinta prateada que brilhavam sobre as ondas do seu guia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!