Parola escrita por


Capítulo 22
Homens sem rosto


Notas iniciais do capítulo

BEBEI PIRATAS YO-HO, ADVINHA QUEM VOLTOU? Isso mesmo, Parola e os seus personagens! E a nossa aventura tem tudo para ficar mais fantástica do que nunca, vocês não imaginam a mitologia que vem por aí! Mas, por hoje, um pouco de Benjamin pra matar a saudade. Muito obrigada por continuarem ancorados, marujos!



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A escada esculpida na madeira era íngreme e desaparecia em escuridão após alguns degraus. A maré subia perigosamente, ameaçando arrastar o corpo fustigado de Benjamin. Ele estava cansado, no limite. A água salgada penetrava em seus ferimentos causando uma ardência que borrava-lhe a visão. O esforço para se aproximar da passagem esgotava suas energias e, embora estivesse a poucos metros de distância do seu objetivo, não conseguia mais se mover. Era o fim.

Pensou em tudo o que experienciou até chegar ali, em seu leito de morte. A infância com seu pai e tudo o que ele havia lhe ensinado, sua vida como pirata, a liberdade que o guiara por suas aventuras, a solidão que sentiu durante toda a sua jornada. De fato, mesmo estando na companhia de outros, Ben nunca se sentiu completo, pertencente a algo. Sempre estivera sozinho, sentia-se assim. Entretanto, nos últimos dias havia encontrado em Owen um amigo fiel, com um objetivo em comum. E então havia Maya. Desde o momento que a descobriu, Benjamin sentia que deveria protegê-la, cuidar para nada de ruim a acontecesse, sabia que sua coragem era só uma máscara, que ela estava aterrorizada. Ele falhou miseravelmente. Agora, o corpo sem vida de Maya desaparecia em algum lugar do oceano e logo seria sua vez.

O rapaz sentiu um recuo da água que o banhava. Tentou em vão se agarrar a uma raiz próxima. Foi arrastado junto a um turbilhão de água salgada, espuma e areia. De repente, o mundo estava de cabeça para baixo e ele não conseguia respirar. O recuo arrastou seu corpo por vários metros, uma onda gigante se formava. A água entrava em suas narinas, seus ouvidos. Ele se afogava e não lutava contra a corrente.

Mas então o mar decidiu que era hora. A onda se dirigiu novamente em direção à praia, em alta velocidade, pronta para engolir a pequena ilha mais uma vez. Benjamin, impotente, não tinha meios de lutar contra a forte correnteza que o arrastava. A onda avançou, cobrindo as raízes, ganhando a distância. Uma enorme quantidade de água penetrou a fenda na árvore, carregando o corpo inerte de Benjamin consigo.

Horas mais tarde ele acordou. Seu corpo jazia sobre uma superfície quente, macia, viscosa e molhada que havia amortecido sua queda. Uma espécie de muco escorregadio se espalhava sobre ele. A escuridão era tamanha que seus olhos só conseguiam distinguir contornos confusos. O ar era úmido e um cheiro de peixe podre se espalhava por todo o lugar. Onde estaria?

Benjamin percebeu que, graças à substância que o cobria, as cordas que o amarravam seriam mais facilmente removidas. Além disso, a gosma parecia ter efeitos anestesiantes, pois sentia uma fraca dormência em sua pele, suficiente para acalmar, mas não extinguir, as dores dos seus ferimentos. Contorceu-se até soltar suas mãos, em seguida, trabalhou para soltar o resto do corpo. Finalmente, tateou cegamente pela superfície, procurando uma forma de sair dali.

Com espanto, constatou que esta se movia à medida que ele se movimentava. Imediatamente se imobilizou. Aquilo não poderia ser um bom sinal.

☠☠☠

O rosto do capitão estava vermelho, seus olhos saltados antecipavam os gritos que sairiam de sua boca. Segurava uma faca de encontro ao pescoço de Trad, que tinha seus olhos fechados e parecia rezar para que o sermão não resultasse em morte. Todos os homens haviam parado de trabalhar e agora observavam. Alguns pareciam preocupados mas outros estavam apenas curiosos com o desfecho da história. O dono da hospedaria não havia se intimidado nem um pouco com um navio cheio de perigosos piratas. Exigia o seu pagamento e esperava parado, no meio do convés, com as mãos na cintura e uma expressão de impaciência.

– Que tipo de homem é você?! - O capitão bradou para o marujo.– Como deixou que uma mulher te roubasse? Será que você é tão burro assim?

O garoto acenou negativamente com a cabeça, mas o capitão pressionou ainda mais a faca.

– NÃO RESPONDA! Eu deveria transformar você em comida de Kraken! Mas afinal, o que está se passando na cabeça dessas malditas mulheres?- Trad deu de ombros, mas o capitão gritou novamente: – NÃO RESPONDA! A partir de hoje você é o novo swab, marujo. Espero que saiba usar um esfregão ou eu o enfiarei no seu... bem, não importa. Já podem se livrar do velho, seus porcos imprestáveis.

Casto se afastou subitamente, em direção à sua cabine, mas se deteu no meio do caminho e apontou novamente para Trad: –Vá se cobrir, está nos envergonhando.

Todos esperaram o capitão se fechar na cabine para começarem a rir. Trad correu, em busca de roupas novas e Po, contrariado, teve de pagar a dívida do irmão para que o dono da hospedaria fosse embora sem arrumar outra confusão. Por alguns momentos o clima pesado que havia se instaurado sobre a tripulação desde a morte de Maya desaparecera. Ali, enquanto se preparavam para voltar ao mar, eram irmãos, rindo de trivialidades, bebendo juntos como uma grande família. O dia de trabalho só começava e eles precisavam preparar tudo para a viagem. Alguns tinham tarefas fáceis como mediar compras e vendas. Outros, entretanto, tinham que executar trabalhos complicados. Coube a Túlio, como parte final do seu castigo, limpar o porão onde passara a noite.

Po apareceu ao anoitecer, trazia um prato de sopa, uma caneca de cerveja preta e as chaves das algemas. Sentou-se em silêncio sobre um barril e acendeu uma vela enquanto Túlio comia. Po se sentia em conflito em relação ao irmão de Maya. Ele havia a considerado traidora por ter escondido a verdade, mas depois de repensar a situação concluiu que teria feito o mesmo em sua situação. Mas não sentia o mesmo a respeito de Túlio: ele traiu a irmã da forma mais fria possível. Ponce nunca faria o mesmo com seu irmão. Preferia morrer a desapontá-lo. Levantou-se ao perceber que Túlio estava de pé.

– O capitão pediu para mandar um recado, acho que você é o novo mascote dele. Enfim, retire os cadáveres do porão se não quiser se juntar a eles. Essas coisas estão começando a feder lá em cima, matey.

A situação do porão era realmente deplorável. Dois ou três cadáveres se decompunham no escuro, atraindo ratos e baratas. O cheiro de podridão fazia arder as narinas e doer a cabeça. Como Owen havia aguentado aquilo por tanto tempo era um mistério. Sem dúvidas, o simples fato de ter vivido naquelas condições quando todos os companheiros haviam morrido já era impressionante. O estômago recém preenchido de Túlio de revirou. Era hora de trabalhar. Aqueles eram homens sem rosto, sem nome, sem liberdade. Haviam morrido assim. Um pensamento mórbido passou por sua cabeça e fez os pelos de sua nuca eriçarem-se: Maya agora era um cadáver como aqueles, e a culpa era sua.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e o mesmo esquema de sempre: dúvidas, comentários, reclamações, elogios, festa de fim de ano e amigo oculto nos comentários!



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