Parola escrita por


Capítulo 14
Minha âncora


Notas iniciais do capítulo

Ahoy marujos! Quem aí tá animado levanta a mão?



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Maya espantou-se ao sentir a pressão dos lábios secos de Owen sobre os seus. O gosto de suas próprias lágrimas a despertou para o que estava acontecendo. Arregalou seus olhos, percebendo que o rapaz mantinha os seus bem fechados. Maya se afastou subitamente, o som de um tapa ecoou pelo porão abafado. A forma de uma mão vermelha contrastava com o branco frio da pele do prisioneiro. Uma confusão de pensamentos tomou conta da cabeça da moça. Por que ele havia feito isso? Como ele ousava se aproveitar de sua fragilidade? Desde a sua breve conversa com Túlio, Maya estava fora de si. Sentia ódio do irmão, mas o compreendia. Esse sentimento não durava, pois o grande amor que cultivara por ele durante toda a sua vida tomava conta de seus pensamentos. Questionava o irmão em diálogos imaginários. Teria ele deixado de amá-la? Ao mesmo tempo, tentava entender se algum comportamento seu havia dado margem ao abandono que sofrera.

A garota levantou-se tempestuosamente. Gesticulava com os braços e caminhava de um lado para o outro.

Dios mío!— Ela gritava— Isso é baixo até mesmo para você!

Owen parecia confuso, seus olhos, tão brilhantes momentos atrás, voltaram à tristeza costumeira, os cantos de sua boca virados para baixo não negavam seu arrependimento.

— Desculpa— ele sussurrou, encarando o chão— não sei o que eu estava pensando.

— Você se aproveitou de mim!— Trovejou Maya em resposta, levando as mãos ao cabelo curto, por um segundo ela sentiu falta de seus fios longos, suas roupas femininas e sua vida antiga. Lembrou-se de Túlio mais uma vez. Owen se manteve em silêncio.

— Suponho que você queira me usar, não é mesmo? Me enganar? Da mesma forma que meu irmão fez. Não posso acreditar no quão tola eu fui confiando em você! Avast! Pra mim já chega!— Seu rosto estava vermelho, seus olhos saltados brilhavam no escuro com uma raiva que os lapidava como esmeraldas. Ela não sabia o que Owen queria com aquele beijo, mas tinha certeza de que ele teria de conseguir sem a sua ajuda. Caminhou para a porta batendo seus pés contra a madeira podre, ratos e baratas corriam à medida que ela se aproximava.

— Mil desculpas, Your Majesty.— Owen cuspiu as palavras contrariado. Maya parou à soleira da porta, o encarando, em sua boca estava o oposto de um sorriso.

— O que isso significa?— Perguntou confusa, esquecendo momentaneamente da sua raiva. Ela era mesmo uma garota curiosa.

Su Majestad.— Ele respondeu, imitando o sotaque espanhol e a voz da moça.

Mas Maya não estava prestando atenção. Sentado na escada que levava aos andares superiores estava o português que se juntou à tripulação depois do saque.

Seu nome era André, mas os homens começaram a chamá-lo de Smile, graças à cicatriz que prolongava sua boca em um sorriso macabro. Seus cabelos castanhos contrastavam com sua pele avermelhada pela exposição ao sol. Ele havia sido designado como swab, limpador de convés.

Smile dava nós aleatórios em um pedaço de corda quando percebeu que a garota estava o observando. Analisou-a demoradamente, dos pés à cabeça. Maya tentou conter um calafrio e agir naturalmente, mas não parava de pensar nos seus gritos de minutos atrás.

Ahoy.— Cumprimentou ela, subindo rapidamente as escadas. Esperava que ele não houvesse a ouvido. O homem gesticulou com a cabeça, mas não disse uma palavra, voltou toda a sua atenção ao pedaço de corda.

Maya foi procurar o seu irmão.

☠☠☠

Túlio estava no depósito de armas polindo as rapieiras, espadas nobres para espadachins experientes, quando ouviu os passos pesados da irmã. Desde o incidente com a sereia Túlio não conseguia tirar a irmã de sua cabeça. Até então ele não tinha dúvidas de seu amor por Maya. Ela era sua única família, eles estavam juntos a tanto tempo que se conheciam melhor que ninguém. Túlio a havia protegido durante toda a sua vida, cuidara dela, se importara com ela. Mas de repente dúvidas infestaram seus pensamentos. Maya sempre havia sido egoísta, mesquinha, cabeça dura, ignorante. Por mais que ele se esforçava em focar nas qualidades de sua irmã, seus defeitos sempre as encobriam. Uma parte de si cultivava um rancor nunca antes despertado, que agora se mostrava com força total. Sentia-se como se a moça fosse uma âncora, sempre o prendendo no mesmo lugar. Ele precisava se libertar Qualquer forma de arrependimento ou pesar que pudesse impedi-lo de magoar a irmã havia desaparecido, dando espaço para uma determinação nunca antes testemunhada. Maya aproximou-se do irmão, desviando de uma teia de aranha que pendia de uma prateleira de pistolas.

— Túlio, eu só quero saber o porquê, por favor, me diga.— Maya implorava, tentando encontrar os olhos dourados do rapaz com a mesma voracidade que ele evitava os seus olhos verdes. O mais velho continuou em silêncio, polindo a arma branca. Seu maxilar tensionado não escondia o esforço que ele fazia para manter sua boca fechada. Se ele dissesse algo não seria para fazê-la se sentir melhor.

Maya sacou sua adaga e a cravou na mesa entre as mãos do irmão. Ela exigia que ele a olhasse nos olhos.

— Você me deve uma explicação! Túlio, mi sol, eu sou sua irmã, sua única família, não entendo como você pode ignorar isso, seu lugar é comigo!— Sua garganta estava seca e as palavras soavam arranhadas porém carinhosas, a nostalgia carregada de doçura fez Túlio exitar por um breve momento, mas tão rápida quanto veio a sensação se foi.

— Túlio, olhe para mim!— Ela tentou por a mão no ombro do rapaz, mas ele se afastou bruscamente.

— Maya, você é a minha âncora.— Túlio disse, levantando-se e caminhando em direção à porta. Naquele momento nada importava. Todos os fortes sentimentos e a ligação amorosa que eles compartilharam durante tantos anos parecia ínfima se comparada a tudo que aquela separação significava para ele. Finalmente ele seria o protagonista de sua própria historia. Não precisaria proteger ninguém além de si mesmo, nada mais de preocupações com outra vida além da sua. Era como se pela primeira vez em uma eternidade ele tivesse a chance de viver para si, e não a desperdiçaria. Aquela sereia havia lhe dado um presente, clareado seus pensamentos da influência egocêntrica da irmã. Ele ainda podia sentir o cheiro enebriante daquela noite, ainda se sentia em transe. Caminhou sem rumo, fugindo da irmã antes que ela o fizesse mudar de ideia. Entretanto, Túlio não se sentia covarde. Se sentia um homem.

Sua determinação era tanta que não viu o rapaz de cabelos castanhos que estava ao lado da porta.

☠☠☠

André entrou no cômodo, batendo a porta atrás de si. Maya estava de costas para ele, levava as mãos ao rosto como se limpasse lágrimas, mas sua voz foi firme quando falou.

— Voltou para me machucar mais?— Ela perguntou, enganando-se ao achar que falava com seu irmão. Virou-se e constatou com espanto que Smile estava ali, com um sorriso amarelo escancarado em sua face.

— Ah, não, Maya— ele enfatizou o nome dela— não vai doer nada.

O homem magro avançou em sua direção como um predador vai de encontro a uma presa. Maya tentou recuar mas seu corpo se chocou contra a parede. André apoiou os seus braços dos dois lados do rosto da garota, que golpeava o seu tronco tentando se libertar. O hálito de rum e cerveja preta do swap embrulhava o estômago de Maya, que cravava suas unhas no rosto do mesmo.

Maya fincou dois de seus dedos nos olhos de André, que recuou por alguns segundos, conseguindo transpor a barreira que o seu corpo representava. Avançou em direção à mesa com o rapaz no seu encalço. Ela puxou sua adaga de cabo branco da madeira no mesmo momento em que ele a agarrou pelos quadris. Juntos, esbarraram em uma estante de pistolas, derrubando tudo com um som estrondoso.

Com estocadas aleatórias ela atingiu uma costela de Smile, que não afrouxou o seu aperto com o braço direito, mas tampou a boca dela com a mão esquerda. Ele grunhia, bufando pelas narinas, suor pingando de seu corpo. Ela lutava, contorcia-se, tentava golpes com sua arma e seus pés, até que conseguiu morder a mão que a silenciava.

E então ela gritou. Não se importava com quem a pudesse ouvir, só queria se ver livre daquele monstro pavoroso. Ela gritou como nunca havia gritado antes, sua garganta arranhava mas não a traía, o aperto cada vez mais forte do seu agressor só a motivava a gritar mais alto, sem deixar de tentar golpeá-lo.

A porta abriu com um estrondo, Zaki estava ali com uma espada curva em punho. Imediatamente André a soltou, deixando-a cair com o rosto virado para o chão e ali ela ficou. Ofegando e sem energias, embora a adrenalina ainda corresse em suas veias, Maya temeu por sua vida, sentiu seus ouvidos zunindo.

Uma pequena multidão começou a se juntar no cômodo apertado, pelo canto do olho ela pôde ver Trad, Valio, Wade, Po, até Ed Caolho estava ali. Ela vasculhou a aglomeração de homens, em busca de Túlio ou Benjamin, mas não os viu.
Ninguém ousou dizer uma única palavra até que uma tosse seca foi se aproximando, lentamente.

O capitão Casto entrou pela porta. Analisou a cena que o aguardava por alguns segundos: Smile se apoiava contra a parede, aplicando pressão sobre o seu ferimento. Suas roupas estavam sujas de sangue e um de seus olhos estava fechado. Arranhões cobriam-lhe a pele avermelhada e uma mordida sangrenta chamava atenção em sua mão. Maya estava jogada no chão, imóvel, seus braços tinham marcas vermelhas e hematomas, assim como seu rosto. Sua camisa estava rasgada na lateral e havia sangue em sua boca e roupas. Smile apressou-se a se explicar para o capitão, com um meio sorriso no rosto.

— Casto, meu companheiro, este marujo é, na verdade, uma rapariga.— Seu sotaque português era forte e ele dizia as palavras como se contasse uma piada, seguro de si. Não havia feito nada de errado, certo? A errada era ela, que estava metida naquele navio mentindo para todos eles. Ele estava apenas mostrando-a qual era o seu lugar.

O capitão levantou um dedo para André, sinalizando para que se calasse.

— Eu não sou seu amigo.— Ele disse, sem tirar os olhos da garota. Depois, dirigiu-se a Zaki, que tinha uma expressão confusa.

— Leve-a para a minha cabine.


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Notas finais do capítulo

E aí, marujos? Curiosos? Espero que sim! Estou louca pra conversar sobre o capítulo de hoje, então vocês já sabem, certo? MP, Comentários, sinal de fumaça, whatsapp, qualquer coisa! Muito obrigada por tudo e até sábado!