Parola escrita por


Capítulo 1
Ratos


Notas iniciais do capítulo

Bom pessoal, espero que gostem da fic e o primeiro capítulo é meio que uma introdução, então não esperem muita ação. Vou postar pelo menos um capítulo por semana, mas provavelmente serão uns 2 no máximo. Obrigada por lerem e estou aberta a sugestões!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/567883/chapter/1

Era verão e o sol nunca parecera tão quente para Maya. O suor escorria-lhe pelas têmporas e seu cabelo estava úmido. Embora usasse chinelos, esses eram tão finos que seus pés queimavam a cada passo pelas lajotas escaldantes que compunham a estreita rua pela qual passava.

Dois dias a separavam de sua última refeição e a pressa com que ela andava evidenciava a voracidade com a qual pensava na pequena quitanda do fim da rua.

Dois dias sem comer eram o suficiente para levar um ser humano ao extremo. Maya prometera ao seu irmão que nunca mais roubaria, mas ninguém mais a contratava para cantar em festas. Ninguém queria ajuda para limpar a casa. Ninguém queria engraxar os sapatos. O único trabalho que lhe era oferecido era pior do que roubar.

Meninas que viviam no Ninho frequentemente vendiam seus corpos para viajantes, aventureiros ou boêmios. Vivendo naquele aglomerado de miseráveis, hora ou outra essa possibilidade aparecia. A violência, o fedor e a promiscuidade do local em que Maya e seu irmão viviam era aterradoras e a perda da dignidade era iminente. Vivendo com ratos se aprende a roubar.

Dessa vez havia sido fácil. Maya caminhava por uma viela que levava ao bairro rico da pequena cidade de Luz, no litoral da Espanha. Pouco a pouco os pequenos prédios deram espaço a casarões e mansões. Por onde ela passava olhares de repúdio a seguiam, mas ela não se importava. Já estava acostumada.

Se aproximou de uma senhora de aparência esnobe, que havia franzido o nariz no momento exato em que a viu. A mulher tinha cabelos loiros brilhantes que caíam em cascata por sobre o ombro e emolduravam um lindo rosto de pele alva e macia. A aristocrata usava maquiagem e brincos de pérolas. Vestia um longo e bufante vestido azul de seda e trazia luvas em suas mãos. Por cima da luva direita a mulher usava um belo anel com uma grande esmeralda encrustada.

Maya chegou tão perto da mulher que esta, tremendo, chamou pelo marido que estava do outro lado da rua. A menina maltrapilha sorriu tristemente e, com os olhos cheios de lágrimas, disse de maneira suave:

— Desculpe-me senhora, mas Deus pediu-me que lhe entregasse uma mensagem. Vi o seu rosto no meu sonho e vim até aqui, até esse bairro tão distante, para dizer-lhe que Deus sabe o que o seu coração deseja. Mais do que isso, ele diz que sua vitória está próxima e que você não deve desistir. — A garota sorriu mais intensamente enquanto a mulher amolecia sua expressão, seus olhos brilhavam ao imaginar que tudo aquilo que ansiava tão avidamente lhe seria concedido por forças divinas. — Me dê a sua mão, vamos fazer uma oração juntas! — Continuou a menina, em um tom de exigência enquanto agarrava a mão onde o anel estava.

A rica senhora fechou os olhos enquanto Maya recitava fervorosamente um Padre Nuestro. Delicadamente, a garota deslizou o anel por cima da luva, a pedra verde cintilando no sol da manhã. Quando a oração terminou, a mulher estava em prantos, agradecida pelo pequeno milagre que parecia ter ocorrido. No momento em que se acalmou, a pequena mensageira de Deus já havia ido embora e, como ela pôde notar poucos minutos depois, seu anel também.

Chegando à quitanda do senhor Javier, Maya enfiou alguns pedaços de bolo na boca, enquanto enfiava outros em sua cesta. Pela primeira vez em muito tempo teria fartura em casa. Ela havia trocado o anel por muitas moedas com Hector, um rapaz desonesto que vivia no Ninho.Pegou também turrón, leite, frutas, pão, peixe e queijo. Pagando tudo que devia, voltou para casa.

Seu lar não passava de um pequeno quarto com forros e esteiras no chão. Ali, ela e o irmão passavam as noites quentes do litoral, tentando se proteger ao máximo dos males do Ninho e de fora dele.

☠☠☠

Túlio chegou em casa exausto e suado. O sol havia se posto e, como no dia anterior, ele não havia faturado nem um centavo. Ofereceu seus serviços de sapateiro, engraxate e garoto de entregas por toda a cidade mas ninguém se interessara.

O rapaz estava preocupado com o que diria a sua irmã, pois a encorajara a não roubar e agora os dois estavam passando fome. Seu estômago roncava e tremores e tonturas passavam pelo seu corpo magro.

Ele entrou em casa desanimado e cabisbaixo mas, para sua surpresa, Maya exibia um sorriso culpado enquanto segurava uma cesta cheia de comida. Ele não disse nada, apenas conteve-se e sorriu tristemente de volta. Não adiantava tentar levar uma vida digna. A sobrevivência era mais importante.

Desde a morte da sua mãe, 8 anos atrás, Túlio considerava-se responsável pela segurança e saúde de sua irmã. A cada dia, conseguir meios para sustentar aos dois se tornava difícil. Ele se sentia incapaz e agradecia por ter sua irmã como companhia. O fato de estarem vivos se devia a Maya, que mesmo que por meio de "métodos alternativos" sempre dava um jeito de resolver as coisas.

Túlio tirou a cesta das mãos da irmã e a abraçou. Com o rosto em seus cabelos sussurrou:

— Eu vou sempre estar com você, mi luna.

Maya apertou mais o abraço e, chorando, sussurrou de volta:

— Eu também, mi sol.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!