Dezenove escrita por Drama Queen


Capítulo 6
Psicodélico


Notas iniciais do capítulo

Classificação: +16.
Avisos: Heterossexualidade.



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Certa vez, eu tive um amor proibido. Era daqueles tão proibidos, mas tão proibidos, que me fazia ter azias só de pensar o que aconteceria se alguém soubesse o quão apaixonada fui por aquele homem com forma, cheiro e gosto de pecado. Pecado que a gente se suja, se lambuza, se joga, mergulha, e depois pede perdão pela obrigação, não por arrependimento. Como diria Santo Agostinho, dai-me castidade e continência, mas não agora.

Thomas era meu psicólogo. Meu professor de filosofia. Irmão do meu melhor amigo (que era apaixonado por mim, diga-se de passagem). Ex-namorado da minha prima. Se a situação ainda não parece de todo ruim e problemática, ainda posso dizer que é seminarista. E está preparado o combo: como ir pro inferno de uma única vez.

Tudo começou quando eu tinha meus dezessete anos e procurei ajuda profissional para consultas vocacionais. Uma adolescente — quase adulta — completamente perdida e desorientada, sendo cobrada cada dia mais por respostas. Como se eu já tivesse maturidade o suficiente para decidir o que queria fazer pro restante da vida.

Mas ele era bom. Com menos de três meses já tive um direcionamento. As consultas me conquistavam, e mesmo que ainda ali não tivesse nenhuma outra atração além da profissional, percebi que era aquilo que me via fazendo no futuro: ajudando pessoas em seus dilemas, aconselhando, ouvindo.

Por coincidência, destino, ou ação do subconsciente, ingressei na mesma Universidade na qual ele ministrava aulas. E foi aí que tudo desandou e ninguém viu o iceberg que estava por vir. A cada aula, a cada palavra, exemplo, citação, autor… Eu me envolvia mais e mais profundamente. Achava que amava filosofia, e num primeiro momento até acreditei ser o famoso conto da mulher que se apaixonou pelo pensamento de Nietzsche, e não pelo filósofo em si, mas eu estava perdidamente enganada.

Eu queria aquele homem. Queria aquela boca na minha, a barba rala roçando meu pescoço, os braços fortes em minha cintura, os dedos grossos se emaranhando em meu cabelo. Eu tremia só de pensar em tê-lo junto a mim, e as aulas passaram a ser cenário pros mais variados devaneios eróticos e sensuais, contudo eu era incapaz de sentir culpa. Mesmo sendo errado e não aceito. Mesmo sendo pecado.

Cada vez mais eu me via cercada. Fosse na casa de Theo, seu irmão, fazendo algum trabalho; nas sessões de psicoterapia para controle da ansiedade; nas aulas de uma disciplina que fiz questão de reprovar porque não era capaz de abrir mão de cada segundo na semana que tinha com aquele homem de olhos e cabelos escuros, que não era tão mais velho que eu, cujos gostos não eram tão diferentes.

Thomas era o meu homem ideal. Inteligente, bem humorado, sereno. Fã de música clássica, literatura boa, vinho e comida italiana. Como eu sabia de tudo isso? Eventualmente nos aproximamos. Como amigos, quando eu deixei então de ser sua aluna. Ele não mantinha relações com alunas (e com mais ninguém, desde que decidiu se tornar seminarista). Então saíamos para leituras de poesia, concertos, teatro, e qualquer programa cultural para o qual ele não tivesse companhia. E eu sempre estava disponível.

Aos domingo, comecei a frequentar a igreja. Não por coincidência, é claro. E é nesse momento que o leitor me julga, entretanto fui fraca, e atire a primeira pedra aquele que nunca pecou, ou ainda mais, que nunca amou. E eu amava, por mais pesada e significativa que essa palavra seja, era impossível não se tratar de amor. Amava a este meu próximo muito mais que a mim mesma, independentemente do quão doentio isso possa soar.

Eu precisava estar com Thomas, e a cada momento planejava como. Sempre percebia empecilhos nos meus planos de A a Z, antes mesmos de colocá-los em prática. Até que um dia, pelo maior motivador humano, eu agi. O medo fez questão de me empurrar precipício abaixo. Afinal de contas, quando você o encara, ele encara de volta.

Foi numa terça feira chuvosa, como tinha de ser. Estávamos naquele seu flat alugado, com a mudança ainda para desempacotar, tomando uma garrafa de algum chardonnay francês que eu sabia que ele havia guardado para uma ocasião especial, mas que até então acreditava se tratar da tardia saída da casa dos pais, acompanhando fondue de queijo (feito numa leiteira mesmo, porque não conseguíamos encontrar a panela específica no meio de uma pilha de caixas no lugar onde eventualmente seria seu escritório).

— Ok, eu estou oficialmente embriagada — tossi, deixando a taça de lado e pegando uma garrafa d’água no frigobar que temporariamente era uma geladeira. — Tenho aula amanhã cedo, acho que vou pedir um Uber.

— Ah, não, Ana — ele pigarreou. — Hoje é dia de comemoração. Venha, fique mais um pouco.

— Podemos comemorar depois que você desempacotar tudo isso — dei risada, mas me sentei novamente ao seu lado, sentindo aquele cheiro de banho recém tomado, misturado com cheiro do cigarro que ele havia fumado pouco antes de eu chegar, apesar de suas tentativas de parar com o vício. — Se bem que isso aqui provavelmente vai levar umas semanas, você tem uma biblioteca maior que a universidade.

— Não é só isso — Thomas riu. — Saiu a data da minha posse. Daqui a dois meses eu me torno um diácono. Finalmente cumular duas graduações à distância com o trabalho terá sua recompensa — Choque. Silêncio. — Não vai me dar os parabéns?

Mais silêncio. Por mim, pareceu uma eternidade, mas como não foi o suficientemente longo para gerar um clima tenso, a ciência diz que é porque não se passou quatro segundos (ou porque estávamos alcoolizados, hipótese bem provável, diga-se de passagem).

— Se você vai ser empossado, não deveria morar com os padres? — foi tudo o que consegui perguntar, qualquer outra coisa me levaria a crises existenciais.

— Isso é opcional. Eles recomendam reclusão, mas não sou o maior fã disso. Gosto de poder receber visitas e oferecer jantares em utensílios atípicos — sorriu.

— Calma. Não sei se entendi direito — encarei-o. — Você abriu mão de moradia e alimentação totalmente gratuitas para morar num lugar que permita que você receba visitas. Ou visita, já que vamos combinar que sou a única pessoa que não desistiu da sua comida — dei risada, tentando descontrair o clima. Thomas apenas acenou em concordância. — Então você abre mão, por mim, de casa, comida, roupa lavada e passada, mordomias etc… E não abre mão do celibato?

Droga. Não era para ter saído pela boca, maldita fala mais rápida que o pensamento. Botei a mão na cabeça, induzida a pedir desculpas ou sair correndo, mas bendito seja o álcool e a vontade de se abraçar o capeta quando já se está no inferno. Antes de ser capaz de falar qualquer coisa para me redimir, beijei-o instintivamente, num ato de desespero, um pedido de ajuda. E por mais curto e rápido que tenha sido, foi surreal, psicodélico, intenso. Eu não queria perder Thomas.

E então corri. Peguei minha bolsa pendurada atrás da porta e corri para a rua de paralelepípedos tentando conter as lágrimas que se formavam e secar aquelas que ainda escorriam, um esforço em vão. A cabeça girava, as pernas não reagiam corretamente e caí duas vezes antes de atingir a calçada do outro lado quando finalmente tomei coragem de olhar para trás.

Um carro esportivo, provavelmente dirigido por algum jovem adulto recém-habilitado, filho de pais ricos, vinha a toda direção. Faróis apagados para não ser pego pelos radares. A buzina nem foi tocada. O carro, mesmo sendo freado, derrapou nas pedras molhadas e acertou em cheio o homem de olhos escuros que vinha atrás de mim. Ele nem viu o que o atingiu.

Thomas morreu. E eu, como a esposa de Ló, fui reduzida a cinzas.


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Notas finais do capítulo

Ora ora ora, quem voltou! Sentiram minha falta? Cheguei com mais um capítulozinho para deixar o gostinho de "quero mais" pelos próximos anos HAHAHAHAHA enfim, um agradecimento especial à Clara (u/772051) pelo incrível trabalho com o tumblr Thomana ♥

Caso queiram conhecer: https://itsthomana.tumblr.com/

Beijão pra ti também, sue ♥

Fui!



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