Limbo escrita por Luna


Capítulo 1
Limbo




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Faltavam 11 minutos para a meia noite e as ruas estavam agitadas. Um pelotão de pessoas atrasadas deixavam a rodovia totalmente entulhada assim como um terreno baldio (daqueles que tem a plaquinha de NÃO JOGUE LIXO e encontramos até mesmo um colchão no meio).
Eram tantas motos, carros, caminhões, ônibus, bicicletas, pessoas a pé e até mesmo um garoto com patinete completava esse quadro de horror tolamente desorganizado, que me deixava tonto.
Prazer em conhece-lo leitor, sim... Sou um desses figurantes da cena acima, um ser ATRASADO.

― Droga, não vou chegar a tempo ― reclamei ao olhar com certo receio meu celular novinho ganhado no Natal.

Imagina se o roubassem? Papai Noel nunca mais me daria um novo e eu ia continuar com o meu tijolo para cima e para baixo por toda a vida de desempregado que levo.
Sim, minha mãe deixou claro que eu nunca mais ganharia um novo celular e me ordenou tomar conta deste com a minha vida. Então, eu posso até morrer... Mas o celular tem que estar no bolso para ajudar nas despesas do enterro.

Me mexi para o lado e tentei visualizar o céu que pelo estrondo já ganhava alguma coloração fantasiosa, porém o ônibus lotado me impossibilitou a visão. Só vi carro, moto e tudo aquilo lá que já falei. Um quadro de horror.

Tinha marcado de me encontrar com uns amigos e curtir a virada do ano, porém estava na cara que eu ia passa-la ali, exprimido com um monte de corpos nojentos.

Foi em meio aos meus devaneios de “Puta merda vou chegar atrasado” que senti algo estranho.
A mulher que ia ao meu lado, velha que nem o diabo, parecia se aproveitar da situação. Sua bunda estava cada vez mais próxima a minha, e mesmo me jogando ainda mais por cima dos passageiros sentados na minha frente que para minha grande felicidade eram um casal quase se comendo, conseguia sentir seu toque.

De maneira totalmente nojenta eu senti seu corpo, com todas as saliências, tocando o meu.

Me segurei para não vomitar.

Porém evitei fazer caras e bocas, afinal eu não tinha certeza das intenções estranhas da velha.

Sem contato visual, sem contato visual. Repeti e repeti na minha mente.

Olhei novamente, entre o casal se beijando e a mulher se passando comigo, para o meu celular: 9 minutos.

Que saco, por que não peguei um ônibus antes? – Realmente, achei que uma hora de antecedência estava mais que ótimo num trajeto que levo 25 minutos, porém não estamos nem na metade do caminho.

Respondi a uma mensagem que perguntava onde me localizava e depois fiquei encarando o vidro que me refletia. Não pensei em nada.
Um grande vazio se instalou na minha cabeça e não senti os segundos se passarem.

Meu celular vibrou e acordei do transe, tirei o mesmo novamente do bolso (com todo cuidado do mundo) e olhei a mensagem.

“Acho que você não vai chegar a tempo” concluiu com grande perspicácia Kásio.

“Não me diga” respondi um pouco indignado.

Ter que aturar as peripécias dos meus amigos, enquanto assistia a um filme pornô e era quase abusado sexualmente, estava além dos limites da minha boa educação.

“Dá um jeito e vem logo.”

Senti grande necessidade de surrar alguém nesse momento, e a velhinha do meu lado começou a correr grande risco de ser agredida fisicamente.

Nem me dignei a responde-lo, simplesmente olhei a hora e guardei o celular novamente.

7 minutos.

O nada voltou a me perseguir, minha mente ficou em branco e entrei nesse modo “Desassociado da realidade” pela segunda vez naquela noite.

Até ouvir os gemidos da garota, aquilo chamou minha atenção. Não só a minha, mas provavelmente do ônibus todo.

Alguns riam, outros falavam mal do casal e mesmo assim eles continuaram a se comer.

Senti simpatia pelos dois, estavam realmente curtindo com o que podiam a virada sem ligar a mínima para os outros. Era legal.

― Que Deus perdoe essas crianças impuras. ― Olhei para as suas vestes e reparei na saia até o joelho.

― Não poderiam fazer essa pouca vergonha em casa? ― A mulher que quase me agarrará a pouco, me olhou esperando uma resposta.

Virei o rosto, peguei o celular e olhei o relógio: 6 minutos.

A mulher não gostou de ter sua pergunta ignorada e ficou me encarando com esperança de que eu ainda tivesse algo a dizer. Porém, eu não tinha.

Puxei a cordinha do ônibus e gritei ao cobrador: ― Se eu conseguir chegar na porta, você abre para mim?!

Ele fez sinal positivo, então tentei fazer meu caminho.

Empurrei, fui empurrado.

Parei a fim de planejar alguma estratégia e percebi que só tinha uma: a força.

Empurrei de novo e fui empurrado. E nesse empurra empurra de alguma maneira mágica consegui chegar a porta.

Gritei para o cobrador, que já tinha esquecido da minha pessoa, e ele a abriu.

―Valeu! E feliz ano novo!

Ele não estava animado com isso, afinal ia passa-lo “naquele” lugar que eu estava finalmente fugindo, então apenas acenou brevemente.

Porém o pessoalzinho do fundão foi todo sorriso e se alegrou a me corresponder os bons desejos para o ano seguinte.

Desci quase caindo do busão e fui andando por entre os carros que estavam parados.
Aos poucos, muitos desistiam de chegar ao seu destino final e montavam suas barraquinhas por ali mesmo, em meio ao transito.

Olhei para o céu preto que vez ou outra ganhava um colorido fantasioso e me senti animado a continuar o percurso a pé. Rebolei por entre a massa e fui me locomovendo mais rápido que qualquer automóvel por ali. As pessoas me encarravam com inveja e me senti um grande Papa-léguas naquele momento, fazendo por gosto movimentos cada vez mais rápidos.
Por costume, averiguei novamente o relógio: 2 minutos.

Foi quando senti a batida.

Menos de um segundo foi o necessário para a dor se espalhar pelo meu corpo e outros tantos para me situar que tinha sido jogado por cima de um carro.

Um tumultuar de pessoas correndo para ver a cena criou algum ruído audível, porém este foi logo mascarado pela contagem regressiva.

Tentei mexer minha mão e alcançar o aparelho ganho no Natal, porém meu corpo não correspondeu ao meu desejo.

Percorri os olhos pelo braço cheio de cacos de vidros e observei ao longe meu celular que estava com o monitor desligado. Novamente tentei mexer minhas mãos para liga-lo, mas nada.
Vi os primeiros fogos pelo reflexo naquela tela escura, até ser encoberto por algum curioso próximo demais.

Depois só ouvi ruídos e vi o branco. Pela terceira vez naquela mesma noite estive no estado de limbo, onde tudo é nada e o vazio predomina.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por chegar até aqui :D E já que você leu, que tal deixar um comentário e me fazer sorrir? -ou chorar, vai que crítica muito né kk-Mas pfvr comente e me deixe saber o que achou da estória :'D