A Esfera dos Renegados escrita por Boo, Jr Whatson


Capítulo 10
Janela de Fuga


Notas iniciais do capítulo

Só queria dizer que: sdds. Nem sumi, que isso.
Oooolá, Boo aqui.
O capítulo se passa em POVs de diferentes personagens.
Aproveitem a leitura.



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Capítulo X - Janela de Fuga

13/03/16 

Amon’s POV

Fechei a porta da geladeira, entediado. Era cômodo e bom descansar, mas não conseguia entender porque as pessoas tinham necessidade de seguir uma rotina programada, ter tudo à sua mercê. Eu não sabia o que era isso, o mais próximo que já cheguei foi minha infância miserável, sendo desprezado constantemente por meus mentores.

O pedaço frio de pizza de mozarela me incomodou na hora de engolir, macilento por estar velho. Liguei a TV, sem me atrair inicialmente por nada, até que passei por um canal de desenhos que, suponho eu, sejam orientais. O traço fofinho me prendeu em frente ao aparelho por um longo período de tempo, embora estivesse sonolento.

Quase cochilei, após algumas horas, então resolvi andar pelo casebre e observar o que ainda não tivesse fuçado. Porque, na realidade, aquela moradia não me pertencia. Estava cansado, pelos muitos dias sem descanso, e a encontrei por acaso há quase uma semana, bem distante do centro da cidade e sem sinais de que alguém morasse aqui ao menos pelos últimos dois meses – embora, estranhamente, nem a luz ou a TV tenham sido cortadas.

Pouca atenção tinha dado ao quarto da provável dona, porque há muito decidi que não me apegar a coisas materiais é o que manteria minha sanidade. Adentrei no cômodo, percebendo de cara a bagunça e as diversas roupas espalhadas. Algumas gavetas chamaram minha atenção, entreabertas, mas pouco me interessaram graças a quantidade de bugingangas.

A última estava recheada de quadrinhos japoneses, de forma que escolhi vários para ler, já que enquanto animação me atraíram bastante. Continuei minha busca, até que encontrei uma bolsa que parecia pesada enfiada no armário, este com poucas roupas. Ao abri-la, um sorriso se delineou pelo meu rosto.

— Pedras!

Se tinha uma paixão na minha vida, algo que eu realmente tinha um vínculo um pouco mais material eram pedras. Se tivesse seguido uma vida normal, certamente seria um geólogo ou algo parecido hoje em dia. Sendo um andarilho, já vi muito e aprendi muito sobre elas.

Deitei sobre a cama dura, já aconchegado, por estar acostumado a dormir de maneiras muito piores. Peguei um dos mangás e iniciei minha leitura, rapidamente me perdendo em outro mundo.

Ouvi um barulho, que me despertou, provavelmente a porta de entrada batendo. Levantei-me, assustado, e ao perpassar o olhar pela janela, percebi que já estava escurecendo. Senti o coração martelar nas orelhas, pronto para fugir em disparada. Corri até a janela, largando tudo, para continuar meu caminho, no entanto lembrei das pedras. Talvez esse fosse o momento certo para ter algo de valor comigo. Vozes femininas se aproximavam.

Voltei, pegando a bolsa no armário e pondo-a cruzada em meu corpo. Estava prestes a saltar pela janela baixa, quando me senti observado e fitei, de olhos arregalados, a mulher à minha frente, esta provavelmente alguns anos mais velha que eu. Meu coração falhou uma batida.

Apontando o dedo para mim, com os olhos mel destemidos claramente me sobrepujando, ela inquiriu, a voz autoritária:

— Quem caralhos é você?

— E-eu... - Não sabia lidar com confrontos, nunca soube.

— Coé, cara, qual foi? Eu continuo pagando o aluguel dessa merda e as minhas coisas ainda estão aqui. Não é nada legal darem tudo pra alguém só porque eu rodei.

Do que diabos aquela louca estava falando? Mantive uma expressão neutra, como se tratasse aquilo com displicência.

— Sério, cara, quem é você?

— Desculpa! - gritei, sem me conter. - Eu achei que a casa tivesse sido abandonada ou algo assim. Eu ando por aí, não tenho lugar fixo, aí estava meio cansado... Foi mal.

— Irado. - Ela comentou, parecendo aprovar. - Mas e o nome?

— Aaaah! Foi mal. É Amon Rá.

— Falou. Eu sou a X. - franzi o cenho, estranhando esse nome. - Aí, galerinha. A barra tá limpa.

Nisso, três garotas se aproximaram, com uma aparência cansada. A primeira delas eu já tinha visto, tinha certeza, exatamente a mesma pele morena e os cachos caindo por seu coque. Talvez em algum show a céu aberto? Algum lugar por que passei?

A segunda parecia desolada, e resmungava sobre sua gastrite ou coisa parecida. Atrás dela estava uma terceira, que destoava de alguma forma do conjunto, mas parecia em sua zona de conforto, apesar de tudo.

— X, tem alguma coisa para beber?

— É pra já. - Ela riu, parecendo meio aloprada.

A morena fez um olhar de reprovação, tocando o ombro da loira da gastrite. Gente demais para a minha cabeça.

— Lavy, você não disse que só iria beber quando recuperássemos o Ty? E a sua gastrite, mulher?!

— Não, Julieta, você não entendeu. A missão foi um fracasso total, o Ty fugiu e não temos nem ideia de onde ele esteja, o Peagá foi detido naquela droga de missão kamikaze e ainda não temos nem sinal do Beno, além de que a Tia Cloud está morta e a Jan sozinha. Como você não quer que eu beba? Dane-se a gastrite!

X olhou de forma confusa para a loira, como que desconfiada. Recuei, sem entender aquelas pessoas estranhas, mas sem gostar do assunto de que tratavam. Eu não era a pessoa mais corajosa do mundo, e odiava mortes. Elas falavam como se fossem um bando de delinquentes envolvidas em problemas mortais.

— Talvez eu deva ir embora...

— Não! - O grito de X veio da cozinha e sua voz aumentava conforme se aproximava. - Fica aí, eu quero a casa cheia por um tempo. Mas não quero ninguém comendo a minha comida, você vai ter que se virar pra conseguir uma grana. Toma, Hemederos.

Sem nem ao menos esperar, a tal Lavy virou 1/3 da garrafa, e pude perceber seus olhos lacrimejarem. Ela coçou o nariz, claramente afetada com todas as coisas bizarras das quais tinha falado. A menina quieta e aparentemente desajustada deu um sorriso cordial para a dona da casa.

— Desculpa, mas eu posso usar o seu telefone? Já que sugeriu que eu passasse a noite aqui...

A resposta foi uma abertura de braços, como que dizendo “vá em frente”, para logo depois o telefone ser apontado por X. Ela colocou uma música alta e começou a dançar, bebendo também da garrafa de vodka.

Joguei-me no chão, sentando, e encarei aquele grupo estranho.

— Sem querer ser intrusivo... - desconversei. - Como vocês se conhecem? – Julieta abraçou Lavy antes de me responder.

— Nós duas fazemos parte da mesma banda.

— A garota ali foi presa por algum motivo que eu não sei, eu rodei apertando um beckzinho. Quando as duas foram tentar salvar um dos membros da banda, que foi preso por suspeita de assassinato ou algo assim, elas me soltaram e eu soltei a Morgana. - finalizou, apontando para a morena no telefone.

Virei meu olhar para Morgana, ouvindo apenas algumas palavras desconexas, como “Duda”, “poeira baixar” e “casa de uma conhecida”. Fitei as mulheres à minha frente, já levando a mão até a testa e apertando os olhos.

— Onde eu fui me meter? - sussurrei.

 

Ed's POV

Sinto o gosto de sangue em minha boca. Foi um belo soco. Estou em um beco escuro na zona mais perigosa da cidade lutando com uns babacas fantasiados. Nada fora da rotina. Os flagrei tentando estuprar uma moça que voltava para casa às pressas. Parece que estavam voltando de uma festa à fantasia quando, bêbados e cheios de tesão, acharam que haviam tirado a sorte grande. Ah, eles nem imaginam.

— Cansado, frangote? - Praguejou um dos homens, vestido de amarelo. Que porra de fantasia é essa?,pensei.

— Quem você chamou de frangote? - Atingi-o com um gancho de direita. O homem caiu e começou a choramingar. - O que foi agora, Pikachu? Vai amarelar?

Orgulhoso de minha piada, baixei a guarda por um segundo, o suficiente para que um baixinho vestido de azul me agarrasse pelas costas e tentasse me enforcar. Dei-lhe algumas cotoveladas, até que caísse no chão.

— Alguém chamou os Smurfs?

“Você está muito engraçadinho hoje, Ed.”, disse para mim mesmo, “Vamos, termine logo isso e vá para casa descansar. Não quer chegar atrasado na casa de sua namorada amanhã, quer?”. Segurei ambos pelo pescoço, com firmeza, e imprensei-os contra a parede. “Não, não quero.” .

— Estuprar é feio, ouviram, seus merdinhas coloridos? - pareciam receosos, mas ainda assim não responderam. Ok.

Não me faltam métodos. Bati suas cabeças uma contra a outra e os derrubei violentamente no chão. Saquei uma faca do meu sapato e a apertei contra o pescoço do Smurf, falando extremamente alto:

— ESTUPRAR. É. FEIO. - Não. Um pouquinho mais de violência. Desloquei a faca então, posicionando-as a alguns centímetros dos países baixos de Pikachu. - Ouviram?

Assentiram com a cabeça desesperados.

— Ouviram?! - Ressaltei.

— S-s-sim, senhor! – confirmou o amarelo.

Perfeito. Um sorriso se formou em meu rosto. A mensagem havia sido transmitida. Encarei o Smurf.

— Prometo, prometo, nunca mais faço isso, apenas não me mate, por favor! - suplicou.

Não pretendia castrar ninguém aquela noite, mas foi o suficiente para os dois se cagarem de medo, o que já atingia o efeito desejado. Revezei os locais da faca por mais alguns segundos para manter o suspense, enquanto observava as luzes se acenderem em uma casa relativamente próxima, a jovem anteriormente atacada na porta, apontando em nossa direção. Estava satisfeito com meu progresso por hoje e precisava ser rápido.

Levantei-me e busquei em meus bolsos a bomba de gás mais clichê que pudesse para dar o fora dali em grande estilo. Entretanto, o Smurf se levantou do chão desesperado e agarrou meus ombros. Antes que pudesse revidar, o pequeno homem gritou:

— Não me mate, não me mate, por favor! Não, não, não me mate, NÃO!

Não me atacou, apenas gritava. Pensei que talvez tivesse sido violento demais.

— Wow, wow, calma, amigo. Não vou te matar, relax—

E então o Smurf não era o Smurf. Sua face mudou. Seus cabelos cresciam e tingiam-se de um chocolate sedoso. O criminoso cresceu e ao mesmo tempo ganhou formas mais voluptuosas. Agarrada ao meu pescoço, um rosto familiar. A mulher da minha vida implorava por sua vida.

— Não me mate, não me mate, não me mate. - chorava.

— Gwen! O que houve, como você...? Vai ficar tudo bem, Gwen, eu vou te proteger, eu...

Passei a mão carinhosamente por seu rosto, preocupada, quando em meio ao pranto ela engasgou. Sangue escapou de sua boca, os olhos perdendo o brilho a me encararem com desespero. Ela tentou mover os lábios, e então seu corpo mole caiu em meus braços.

— Gwen? GWEN?! Gwen, você está me ouvindo? Não faça isso comigo, Gwen!

Me ajoelhei conforme segurava seu corpo. Pikachu – que a esse ponto também não era mais Pikachu – estava coberto com o sangue da minha garota. Seu rosto também havia mudado. Mais familiar. Pálido. Fora de si, olhos arregalados. Entretanto, não conseguia me lembrar seu nome. Meu ódio o ofuscava. Não era importante no momento. Haviam vários nomes que serviriam perfeitamente naquele momento.

— FILHO DA PUTA! - tentei atacá-lo, mas algo me prendia. Não conseguia alcançá-lo. Por mais que me esforçasse, algum tipo de força gravitacional me impedia de sair do lugar.

— Fraco. Tolo. - O monstro esboçou um sorriso, enquanto eu esperneava em vão. - Se tivesse sido mais rápido... Se tivesse sido mais forte...

Preso ao meu espaço ínfimo e incapaz de me locomover para me vingar, tentei ignorá-lo. Chorava abraçado ao corpo de Gwen. Queria olhar para sua face, mas as lágrimas bloqueavam minha visão. Não sentia seu cheiro, bloqueado pela podridão do local moribundo e abandonado. Em um instante, o corpo de Gwen começou a se desfazer em minhas mãos. Seu corpo escorreu por entre meus dedos. Não a sentia. Tentei pegá-la de volta, mas não funcionava. Gwen se desfez. Não existia mais.

— Você é culpado. Você a matou.

Levantei de súbito, abrindo meus olhos.

Estava deitado em uma superfície macia, oprimido por um cheiro desagradável, mas ao mesmo tempo familiar. Meus ossos doíam e meus músculos pareciam fracos. A luz do sol atravessava as frestas de uma cortina e invadiam meus olhos cansados. Ergui mais meu tronco, recostando-me à parede com dificuldade e contemplei a bagunça ao meu redor: Algumas caixas estavam empilhadas desordenadamente em um canto e uma papelada jazia esquecida sobre uma mobília. A poeira acumulada no chão tornava notável a necessidade de uma faxina no local. Um cigarro estava esquecido no chão.

Reconheci o lugar, embora estivesse muito diferente. Quarto de hóspedes. Não que deva receber mais algum da maneira que está. Estava na casa de Kito, meu amigo de infância. Não demorou muito, então, para que eu me lembrasse dos acontecimentos recentes. O coma de cinco anos, a imprensa me atacando no hospital, a conversa com Kito. Ah, a conversa com Kito. Gwen está morta. Não sou mais um justiceiro e minha identidade secreta foi revelada. Perfeito.

Minhas memórias estão confusas. Me lembro de algumas coisas de minha vida antes do coma. Lembro de como eu e uns amigos decidimos sair às ruas e bater em bandidos. Lembro de como nossos ideais se disseminaram e de repente conflitos bizarros entre heróis e vilões ocorriam pela cidade. Eu era importante. É estranho pensar nisso.

Estranhamente, não me lembro do dia em que entrei em coma especificamente. Algo grande aconteceu, havíamos mexido com figuras grandes no mundo do crime e o tiro saiu pela culatra. Entretanto, não sou capaz de recordar o que houve no dia. Uma sensação de desconforto me possui. Gwen está morta e não lembro porquê. Não lembro como. Isso me aflige.

O ataque da imprensa me leva a crer que as coisas não vão muito bem. Alguns nomes me voltam à cabeça. Rhody, Barney, Linner... Será que ainda estão aí pelas ruas? Será que ainda estão vigiando?

Meu sonho me vem à mente. Parece-me óbvio de que as coisas não ocorreram daquela maneira. Entretanto, algo ainda faz sentido. Parte daquilo é real. O sonho é uma memória. Um final alternativo tenta me contar algo sobre a morte de Gwen. Quem era aquele homem? Um homicídio? Se sim, quem a matou? Maravilha. Mais um item para minha lista. Também não sei quem a matou.

Alguém bate na porta. Mando entrar. Kito aparece com um sorriso raso, em uma mescla de felicidade e alívio por me ver. As olheiras em seu rosto entregavam sua exaustão. Devia estar trabalhando muito.

—L– Ei, Ed, como está? - Se aproximou, os braços estendidos para me dar um abraço. Fui me levantar, mas Kito me advertiu: - Não, não, não se levante assim, não pode forçar seus múscul–

Ignorei a advertência e pus os pés no chão, enquanto ele ficava ao lado da cama. O abracei, do tipo camarada bem forte em meu amigo. Ou melhor, o mais forte que pude, não muito.

— Dormi por cinco anos, meu chapa. Você merece esse abraço.

Kito pagou minhas despesas do hospital esses anos todos, mesmo sem termos mantido tanto contato em minha época de justiceiro. Serei eternamente grato por isso. Pretendo retribuir um dia.

— O que eu perdi nesses cinco anos? - perguntei. Não aguentava mais esperar para me atualizar.

— Bem... - Kito respirou fundo. - Tive que pedir para cancelarem o aluguel do seu apartamento. Suas fotos, livros, cds estão guardados naquelas caixas. Seus móveis, foi mal, eu precisei vender para ajudar a pagar suas contas no hospital. - coçou a cabeça, com ar de culpado.

— Os vigilantes. Ainda estão agindo? Os vilões estão à solta? Aquela organização terrorista – não lembro o nome – foram eles que me colocaram para dormir? Foram eles que mataram Gwen?

— Wow, wow, calma, Ed. Olha, acho melhor eu te passar as informações aos poucos. Não tem mais heróis e vilões. Depois que você caiu, toda aquela bagunça meio que desandou. Com sua identidade revelada, não foi muito difícil de associar as coisas e descobrir quem era quem. Alguns foram presos, alguns resistiram. O resto se enfiou de volta em suas tocas. Depois de um tempo, todo mundo meio que parou de falar disso.

Meus amigos estão presos e eu estava em coma sem poder ajudar. Ótimo. Como faço para resolver isso? Acho que já posso adicionar na minha lista de merdas a resolver.

Reuni forças para encarar a verdade e soltei a pergunta que mais me atormentava.

— Como Gwen morreu?

Kito sabia que não adiantava me enrolar. Incapaz de me encarar, contemplou o chão e relatou, então, a informação fria e dura que não podia ser absorvida de outra maneira.

— Assassinada.

A imagem de minha mulher se desfazendo em meus braços em meu sonho retornou aos meus pensamentos.

— Por quem?

Sabia a resposta. O homem pálido e doentio. Precisava de seu nome. Precisava me vingar.

— Um homem morto. Encarcerado, prisão perpétua, a justiça está feita. Não mexa nisso, Ed, entendeu? - Kito parecia estar lendo meus pensamentos. - A imprensa está na sua cola, você precisa aproveitar que acabou de sair do coma e ficar quietinho. Se você der um passo em nome da liberdade, verdade e justiça, ou seja lá o que você defendia, só tem uma palavra que define o que acontece: merda.

Verdade, liberdade, justiça. Sim, esse era o lema. A verdade sobre o caos implantado em nossa sociedade que era ocultado e banalizado pela mídia que deveria ser revelada. Liberdade para que pudéssemos andar livremente pela cidade sem correr o risco de ser sequestrado ou estuprado por bandidos de quinta categoria como os de meu sonho. Justiça. Acho que essa fala por si só quando os espanco. Estava contemplando o vazio, imerso em meus devaneios, quando ouço a voz de Kito.

— Ed. Você entendeu? Um passo fora da linha e fodeu.

Meu amigo estava sério. Era um pedido. Kito nunca me fazia pedidos. Precisava confiar em mim, não só porque temia por minha segurança, nem porque ele sentiria que teria jogado fora cinco anos de despesas médicas se eu voltasse a me sujeitar a brigar em becos por aí, mas porque Kito sabia minha identidade secreta desde antes do coma. Se pesasse a barra pra mim, pesava pra ele.

— Beleza?

Obviamente, Kito estava me pedindo o impossível. Eu iria descobrir como Gwen morreu. Iria descobrir quem a matou e iria me certificar de que estava em seu devido lugar. Só então poderia descansar. Não antes disso. E precisava saber de meus amigos justiceiros. Onde estavam, se estavam bem e vivos. Eu comecei a bagunça, eu os incentivei e eu era responsável por qualquer coisa que tivesse acontecido a eles. Então contei a Kito a maior mentira da minha vida.

— Pode deixar, meu amigo. - Apertei sua mão, com um sorriso de perturbadora satisfação. - Vou ficar bem quietinho.

14/03/16 

Orion’s POV

Acordei de meu cochilo com a porta sendo aberta, e no instante seguinte ela estava fechada. Algo pareceu se esgueirar perto de mim, em movimentos ágeis e sutis. Quase me assustei ao olhar para o lado e perceber meu senhor. Esse homem é quase um felino.

— Teus sonhos estavam a beijar-te, Orion? - questionou, com a voz arrastada e de difícil compreensão.

— De fato. Eu dormi, Sir. Como posso lhe ser útil?

— Eu preciso... daquela esfera. Você não sabe o quanto.

Eu sabia, em parte. E temia por isso. Afinal, até mesmo um ladrão tem seus princípios.

— Da última vez que tentei descobrir sobre, estava nas mãos de um caçador de recompensas. Um tal de Luke Chase. Parece que aquele fotógrafo chato o achou antes de nós. Não consigo dizer se eles mantiveram a esfera consigo ou se ela foi entregue à polícia, mas acredito que não vá ser tão difícil de recuperá-la.

— Ótimo. - Embora tenha dito isso, sua expressão distante não se alterou. - E o moleque?

— Vivo. Mantido sob custódia da polícia como suspeito, já que o irmão escapou de outro presídio durante um ataque de um jovem rapaz aos guardas da unidade somado a uma fuga coletiva que pode ou não ter a ver com esse rapaz. Em todo caso, o sujeito Beno Kabroom perdeu a memória, precisamos saber se tem a ver com as propriedades da Esfera.

— Muito interessante.

Finalmente Sir K demonstrou alguma alteração, um sorriso imundo se espalhando por sua face. Esgueirou-se novamente, parando na porta do meu aposento.

— Ao trabalho, marmanjo. Do contrário, vou te jogar em rios e estradas.

E como sempre, seus comentários mais pareciam enigmas. Suspirei. Felino? Meu chefe era, na realidade, uma ratazana, e das sujas.

— E lembre-se, Orion. Somos todos ratos.

Saiu, assoviando alguma música, possivelmente da banda Gorillaz. Sua despedida era seu bordão e seu lema, abraçado com força por todos os seus subalternos e por todos na cidade sob seu comando. Os ladrões da região eram ratos.

Levantei-me, pretendendo tentar meus contatos. Afinal, como braço esquerdo – e não seria eu a ter o maior privilégio de ser o braço direito de Sir K – do Mestre dos Ladrões, eu era um dos supostos ladrões de alto nível e afortunados.

Ouvindo Queen em meu celular, segui sem pressa pela longa avenida. Em meu caminho, algo chamou minha atenção. Uma TV, em vitrine, repassando a luta de três dias atrás, quando Iris, a melhor lutadora da estação, perdeu seu posto e o passou para uma garota desconhecida, que, se não me engano, chamava-se Eva.

Ao meu ver, a luta surpreendeu por Iris cair em fintas de principiante, provavelmente cansada e subestimando sua oponente. Acredito eu que a própria Eva não estava dando o melhor de si, do contrário o combate violento teria sido muito pior. A imagem mostrou a nova campeã sendo parada, ofegante e suada, e seu braço sendo levantado, as mãos cheias de sangue.

Só então reparei que havia uma mulher alguns anos mais jovem que eu assistindo a reprise ao meu lado. Ela encarava, com olhos absurdamente claros, a expressão vitoriosa de Eva, claramente satisfeita com algo. Chamei sua atenção.

— Gosta de lutas?

— Nunca se sabe o que pode acontecer. E essa é a melhor coisa nelas. - sorriu para mim, com o tipo de ar misterioso que ronda meus parceiros de trabalho. - Bom dia. - A ruiva cumprimentou, se afastando.

É cada um que a gente encontra nessa cidade...


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Notas finais do capítulo

Minha nossa, eu tinha abandonado essa desgraça na mão do Jr, mas cá estou eu.
Não serei uma constante, acho, mas é isso aí. Obrigada por me permitirem o prazer de meter o dedo nessa história que me diverte tanto e me lembra de quando as coisas eram r e a l m e n t e muito boas para os ESFos.
Reviews?
Boo.



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