Peccato escrita por Glória San


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Oi. Ninguém por aqui deve me conhecer, eu sou de um fandom específico, é... Bom, essa fiction veio a partir de uma ideia que na minha mente era promissora, enfim. Não vou me prolongar mais. Boa leitura.



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Capítulo único

Lúcio piscou lentamente várias vezes seguidas e o lábio inferior tremeu com incerteza e medo. Os olhos castanhos se focaram em algum ponto distante e não verdadeiramente enxergado e uma onda de vergonha o encobriu. Os óculos de armações finas pareciam escorregar a cada minuto, obrigando-o a arrumá-los no rosto. As velas que sobraram, dedicadas aos finados ou talvez a uma divindade, naquele dia estavam no fim, sobrando apenas pedaços disformes de cera. As luzes haviam sido desligadas há pouco e a iluminação era fraca e tênue. Os detalhes poderiam ser descritos com muito mais precisão, mas Lúcio não realmente se importava. Estava esperando Jaime. E essas palavras diziam muito. Diziam tudo.

Olhou para o local que estava – o local onde se encontrariam – e questionou-se novamente se tinha todos os nervos de aço necessários para o ato que estava a ponto de cometer. Queria desistir, mas tinha a leve impressão de que não era capaz. Então, era melhor torcer para que alguma força maior impeça que Jaime chegasse ali. Lúcio descobriu há pouco tempo algo que, para ele, poderia continuar por descobrir: era um fraco, era homem, humano, pecador. Fechou os olhos, estes que pareciam pesar, e agradeceria se Jaime simplesmente não aparecesse para testá-lo.

Podia ser o ar frio da noite ou a ansiedade e a culpa que o assolavam no momento, mas sentiu leves vertigens. As estátuas das figuras santas com seus solenes rostos não lhe traziam o mínimo conforto e as roupas que indicavam seu ofício só o deixavam com mais e mais remorso, sentimento este que agora lhe era comum e que constantemente borbulhava em seu âmago.

Era extremamente errado o que estava prestes a fazer, sabia disso. Sabia que se dependesse de milhões de crentes fiéis e ligeiramente fanáticos estaria muito encrencado - por muito encrencado, entenda como condenado ao inferno - e sabia que eles estavam completamente certos. Era nisso que também depositara suas crenças desde a infância.

Jaime era um músico. Jovem – seis anos mais novo que o próprio Lúcio –, talentoso – tocava violino e piano como ninguém aos ouvidos do mais velho –, inteligente, feliz. Até conhecer, no momento que fazia uma confissão de seus males feitos, o homem que inundaria seus pensamentos por meses. Tomou coragem, se declarou, foi negado. Porém, não desistiu. Perseguiu Lúcio por tanto tempo que lhe era ofensivo. Mas Lúcio resistiu bravamente, com fervor e convicção de forma admirável.

Infelizmente para o reverendo, por uma ação maliciosa do destino, entretanto, teria que aguentar odiosamente calado. Não podia pedir para o garoto simplesmente parar de frequentar a igreja. E em um ato inconsequente que desarmou totalmente quem antes não queria com todas as forças, Jaime agiu. E o padre não resistiu por muito tempo mais. Uma criança insolente venceu a perseverança de um sacerdote de Deus.

Teve Lúcio pela primeira vez. E o fraco recém-descoberto “homem que desejava” nem sequer questionou. Deixou-se levar. Atendeu ao chamado mais primordial do ser humano. Quando terminaram, Lúcio, que tinha o estado de espirito como uma cidade devastada por um monstruoso terremoto, permaneceu nu e estirado na cama, contemplando o vazio, enquanto Jaime tocava maravilhosamente bem o violino, tentando em vão acalmar seu espírito. E, quando a máscara caiu, expondo todas as suas feridas, ficou atordoado e angustiado, não soube o que fazer. Chorou, como uma criança que acabou de sair do ventre materno, enquanto era consolado interruptamente e de forma ineficaz por Jaime.

Foi bruscamente tirado de seus devaneios melancólicos quando uma figura alta e esbelta apareceu na soleira da porta, entrando depois e de repente, com a face e os traços ocultos por sombras. A paróquia estava quase fechando.

– Filho? – com o tom tão polido e solene que lhe era possível, chamou.

– Padre,... posso me confessar? – Quando reconheceu à voz, um arrepio insano desceu por sua espinha e sentiu vontade de correr até seus pés sangrarem e ninguém mais o encontrasse.

– Estamos fechando agora, criança. – deu ênfase a última palavra, pedindo mentalmente para que o rapaz de desordenadas madeixas loiras deixasse o local.

– Oh, mas é tão importante. Cometi o mais terrível dos pecados. Não posso mais guardar para mim mesmo, padre. – o cinismo que ele usava era quase tangível, ao menos para Lúcio. O homem mais velho suspirou com resignação. Jaime nunca tinha jeito, era um inconsequente.

– Vamos para o lugar adequado para sua confissão, então. – Lúcio murmurou insatisfeito e fez um sinal que pedia claramente para ser acompanhado pelo outro. Ele rumou para o confessionário e Jaime o seguiu, tendo plena certeza do que viria a seguir.

...

Suas costas foram de encontro ao colchão anteriormente macio em seus conceitos. A força usada pelo rapaz mais novo era simplesmente exagerada. O aperto em seu corpo era doloroso no momento e certamente o deixaria marcado no dia seguinte. Seus lábios foram novamente vestidos pela boca faminta do outro. Seus óculos não estavam em seu rosto, o que fazia que tudo fosse um tanto embasado. As respirações se misturavam e seus corpos estavam tão juntos que podiam sentir cada músculo.

Nunca foram ao confessionário. Lúcio dormia no cômodo que ficava no fundo da capela, e era certo que ninguém jamais o procuraria ali àquela hora. Mas, mesmo podendo praticar sua perversidade contra os próprios votos sem empecilhos, tentou parar o homem que estava debruçado sobre si. Não gostava nem um pouco da ideia de não relutar, mesmo tendo o conhecimento de que era inútil.

– Jaime, Jaime... – chamou com insistência, todavia, não parecia que seria ouvido. Empurrou com mais força. – Jaime! Você pode me escutar? – A impaciência estava destacada em seus gestos e voz. O rapaz se sentou na cama, passando a mão direita pelos cabelos sedosos e respirou com força, de forma quase raivosa e Lúcio sentiu-se no direito de fazer o mesmo, entretanto, apenas sentou-se. Encararam um ao outro de forma insistente, os olhos castanhos focados nos olhos verdes.

– O quê?

– Como assim "o quê"? Não pergunte algo tão idiota, garoto. Eu cansei de te perguntar a mesma coisa todos os dias que você ousa vir aqui. – Respirou fundo, procurando acalmar os batimentos cardíacos e normalizar a respiração. Mas, por algum motivo, temia estar fazendo algo sem fundamentos. – Por quê? – Os olhos tão vívidos, calmos e focados do padre pareciam assustados e assustadores agora. – Eu sempre fui feliz obedecendo às regras; por que você veio, afinal? – As orbes cor de opalas tornaram-se de repente opacas e a expressão estava chorosa. – Eu não sei fazer mais nada... Se descobrirem... – Ele agarrou a batina de forma desesperada. – Por que você apenas não desiste e vai atrás de alguém da sua idade, ou, sei lá, desimpedido? – Lúcio olhou Jaime com a face mais que desesperada. Jaime apenas riu-se, porém, era uma risada seca e sem humor. Ainda assim, logo passou. Odiava ver seu padre daquele jeito fragilizado. Então, disse algo que teoricamente o acalmaria:

– Porque eu te amo. – pronunciou de forma tão sincera que foi desconcertante por um momento. Foi a vez de Lúcio rir.

– Você é louco...

– Não! Eu realmente te amo! Desde a primeira vez que te vi, eu te amei. Quando me ajudou com os meus pais. – Lúcio olhou com profundidade mal escondida. Jaime sempre conseguia ser tão intenso... Mas, o padre não seria convencido com tão pouco.

– Garoto, é meu dever! Mas quer saber? Faça o que quer. Não serei eu a tocar sua consciência, pelo visto. – Deitou-se novamente na cama, sentindo-se tão confuso que poderia explodir.

– Eu não quero assim, padre. – e lá estava a forma que Jaime o tratava quando estava impaciente, raivoso, magoado ou provocativo. Provavelmente magoado na situação presente. – Não tenha o atrevimento de fazer chacota dos meus sentimentos. – Ele se levantou, abotoando a camisa e arrumando a gravata em velocidade que ofenderia uma senhora de noventa e sete anos. O olhar era incrivelmente angustiado, os lábios se comprimiam e os as bochechas estavam rubras de constrangimento – o que seria cômico se não fosse trágico.

Lúcio suspirou. Era um fraco. Um fraco que se deixava levar pelos prazeres humanos. Pelos semblantes perturbados, pelas lágrimas e pelos olhares sedutores de uma criança. Poderia morrer agora, não haveria remorso para com o assassino.

– Jaime,... – O garoto virou-se com calma, apostando que escutaria algum sermão sobre a igreja, a família e as consequências de um ato impensado. –... fique. – Surpreendeu-se totalmente, todavia. Depois de um compreensível momento de choque e surpresa, sorriu e aproximou-se novamente da cama. Mas ficou sério assim que seus olhos muito verdes focaram-se nos olhos castanhos do outro.

– Padre,... – ele provocava, mas Lúcio pela primeira vez não se importou verdadeiramente. –... eu não quero que se force a nada.

– Jaime, se não quiser, o lugar de crianças dormirem, é em casa! – E mais uma vez perdeu a paciência.

– Não! Quero dizer, não podemos perder essa única oportunidade. Eu realmente não quero perder a chance... Você se importa?

– Não, eu não me importo... – Como em um transe, eles se aproximaram lentamente e selaram os lábios, em um consenso do que aconteceria depois. As mãos de Jaime estavam no rosto de Lúcio, acariciando as bochechas como se o padre fosse algo a ser cuidado. Devagar, o corpo esbelto de Lúcio foi deitado na cama. Jaime sussurrou um pedido entre o beijo, algo que, com certeza, Lúcio cumpriria mais tarde:

– Reze por nossa alma, padre.

O que houve em seguida foi testemunhado pelas velas, pelas simples paredes brancas e lisas e por uma estatueta da sempre serena virgem Maria, que sorria com sua elegância fria para o que estivesse à frente. No caso, eram Jaime e Lúcio. Com o coração pesado de remorso e desejo, eles estavam pecando.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Eu espero, sinceramente, que tenham gostado de ler tanto quanto eu de escrever. Espero suas opiniões. Um beijo e até a próxima c: