Papercuts escrita por Gaia


Capítulo 2
I - Haru




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“Como eu já disse, meu apelido é de homem. Os poucos conhecidos que tenho me chamam de Haru, por causa do meu sobrenome. Eu fiz o ensino fundamental no Japão, então é fácil imaginar porque resolveram me chamar por outro nome que não fosse Sakura. Se vocês não pegaram a dica, é porque Sakura é bem comum lá.

Não foi fácil me adaptar, mas o apelido já é parte de mim e eu não me reconheço de nenhuma outra forma, então quando um loiro babão esbarrou em mim e me derrubou na neve, eu não me apresentei de nenhuma outra forma.

– Desculpa! – ele disse, parecendo arrependido e me ajudando a levantar.

– Tudo bem. – respondi, porque ele parecia tão molhado quanto eu e seus olhos azuis pareciam ter alguma forma de hipnose que me lembravam o mar. Estava prestes a soltar um comentário mal criado, quando ele pegou a minha mala e subiu as escadas com ela, me esperando na porta do que seria minha nova casa. Ele estava seguramente parado em um lugar que não estava nevando, enquanto eu o encarava com perplexidade.

– Você acabou de se mudar e só tem isso? – ele perguntou, genuinamente curioso e eu o fitei como se perguntasse “e o céu, é verde?”

– As minhas outras coisas chegaram com o caminhão de mudança. – expliquei, porque percebi que ele não notou meu olhar quando fui em sua direção.

O loiro sorriu e eu jurava que o sol iria abrir junto com a arcada dentária impecável dele, porque ele exalou uma energia positiva que eu não sabia que era possível existir em uma pessoa.

– Eu sou o Naruto. – falou e soltou minha mala por um instante para erguer a mão. Eu apertei, sem desviar o olhar e perguntei:

– Você não é japonês, por que tem um nome assim?

Sim, eu sempre fui direta e sem noção, mesmo, mas Naruto pareceu achar graça. Ele riu e eu o fitei séria, eu estava genuinamente curiosa.

– Você não pode simplesmente assumir que as pessoas não são japonesas. – ele falou, enquanto andava comigo pelos corredores da UKo.

Naruto já tinha retirado da minha mão o papel que dizia qual seria a minha acomodação e zanzava com destreza pelo lugar, como se soubesse exatamente para onde estava indo e de onde veio. Muitas pessoas estavam na mesma situação que eu, com expressões perdidas e perguntando para estranhos onde era isso e aquilo. Pelo menos eu não era a única que tinha chegado antes para me adaptar.

– Eu morei até os treze anos no Japão, sei reconhecer quando alguém é japonês ou não. – murmurei, enquanto tentava acompanhar os passos rápidos dele.

– Eu não sei porque meu nome é esse, acho que foi um bom amigo do meu pai que deu a ideia... – Naruto explicou e eu segurei uma risada, percebendo que ele não entendia tanto quanto eu. – E o seu, qual é?

Dei um sorrisinho nervoso, eu tinha acabado de julgar o nome dele, quando o meu era pior ainda.

– Sou Haru. Sem perguntas. – disse, determinada, mas ele já estava rindo. Ao vê-lo assim, pensei como ele era simplesmente feliz e o admirei por isso.

Finalmente tínhamos chegado na porta que seria meu quarto para o resto dos meus anos acadêmicos e eu suspirei, esperando que minha colega de quarto fosse tão legal quanto Naruto. Eu abri a porta e me deparei com todas as minhas caixas de mudança e mais algumas malas com todo o meu guarda-roupa.

Encarei as duas camas vazias e percebi que estava sozinha, talvez minha colega de quarto não fosse tão desesperada para se acomodar quanto eu. Encarei Naruto com um olhar de “bom, aqui que nos despedimos”, mas ele não entendeu. Percebi que ele era péssimo em entender coisas que não eram diretamente ditas.

O loiro entrou sem delongas e começou a abrir as minhas caixas como se me conhecesse há anos.

– Ei! – protestei, mas era tarde demais, ele já estava mexendo nas minhas velas perfumadas.

– Alguém precisa te ajudar na mudança. – Naruto deu de ombros e eu bufei. Tinha acabado de conhecê-lo e já queria dar-lhe uma voadora.

– Ninguém precisa me ajudar com nada, dá o fora! – reclamei, mas ele me ignorou, quebrando as caixas. Talvez eu precisasse de ajuda, mas nunca admitiria.

Bufei, mostrando meu desgosto e comecei a arrumar minhas roupas no guarda roupa que tinha ao lado da cama que eu tinha escolhido, esperando não incomodar a minha colega de quarto.

– Então, Haru, você passou em que? – ele perguntou de repente. Eu já tinha esquecido que ele estava ali, o que era estranho, já que eu sempre notava estranhos no meu quarto. Naruto já tinha se tornado tão rapidamente familiar que me assustou por alguns segundos.

– Medicina. – respondi e o vi soltar uma caixa e me encarar boquiaberto.

– Não acredito que você é um crânio! Que sorte a minha em ser seu primeiro amigo aqui, não se esqueça de mim na época de provas! – ele exclamou e eu o encarei confusa. Ele já me considerava sua amiga? Quem era esse cara?

– Eu não sou um...

– Meu deus! O que vocês estão fazendo no meu quarto?! – uma voz estridente berrou da porta e eu me virei para encarar a gralha falante. Era uma loira alta, que usava seus cabelos lisos em um rabo de cavalo alto e parecia sair de uma revista de moda. Suas roupas eram impecáveis, seus saltos eram de marca e a maquiagem que contornava seus olhos azuis era própria daquelas meninas que ficam horas na internet vendo tutoriais.

Sofri imediatamente. Eu simplesmente sabia que não daríamos certo, só de olhar para ela, eu percebia o quanto éramos diferentes. Eu, que amava estudar e estava cursando medicina, uma pessoa comum que não sabia o nome de nenhum estilista famoso e ela, que provavelmente gastava milhões em estética por dia, alimentando uma indústria nojenta que fazia testes em animais e possuía escravos.

– Oi! Eu sou o Naruto. – meu ajudante sorriu e foi em direção a Barbie, que apenas o encarou com descaso.

– Eu não sabia que havia dormitórios mistos aqui. – foi tudo o que ela disse, com um tom de voz ridículo de alguém que se achava superior.

– Não há. – Naruto riu e me fez notar o quão mais legal ele era, por achar situações como aquela divertidas. – Eu estou ajudando Haru, ela que vai morar com você.

Vi a loira me encarar de cima a baixo, analisando todos os centímetros da minha calça jeans velha rasgada, o meu moletom que tinha escrito “NO STRESS* porra nenhuma” e os meus tênis keds mais velhos que a segunda guerra mundial provavelmente.

Além disso, meus cabelos rosas estavam desbotando e eu estava com cara de quem não tinha dormido três noites, o que era parcialmente verdade.

– Haru... ? – ela murmurou, como se estivesse se encontrando com uma espécime em extinção e eu gargalhei com a ironia do destino. O universo devia me amar demais, só podia ser isso.

Naruto me encarou com divertimento e eu continuei rindo, enquanto a loira me fitava com desdém.

– Qual é o seu nome? – ele perguntou, tentando amenizar o meu ataque retardado.

– Ino.

– Prazer. – Naruto disse, mas eu percebia que ele estava pensando exatamente a mesma coisa que eu. Ele parecia uma pessoa completamente descontraída que não ligava para rótulos, mas era impossível não achar que aquela garota era nojenta.

Naruto me encarou uma última vez com uma expressão de quase pena e falou, antes de sair:

– A gente se vê por ai.

– Por favor. – implorei, um tanto desesperada e ele gargalhou antes de passar por Ino para sair pelos corredores.

– Bom, é óbvio que as minhas coisas ainda não chegaram. – Ino disse e eu não respondi, apenas continuei arrumando o meu armário. – Então acho que vou te ajudar a arrumar suas coisas, não tenho nada melhor para fazer mesmo.

Em choque, virei-me para encará-la. Ela não precisava fingir ser legal comigo, mesmo que fôssemos morar juntas.

– O que? – perguntou, e eu desviei o olhar.

– Obrigada. – resmunguei e deixei que ela abrisse minhas caixas.

– Nossa, quantos livros! – Ino exclamou a certo ponto e eu segurei uma risada. – O que você está cursando?

Novamente, voltei a fitá-la. Ela estava seriamente tentando conversar comigo? Era isso mesmo que estava acontecendo?

– Medicina. – falei e ela me encarou com incredulidade. Eu não entendia porque as pessoas sempre se surpreendiam com esse fato. Não sabia se era por machismo ou porque eu tenho cabelo pintado.

– Uau, então você é inteligente. – Ino parecia perplexa, como se alguém cursar medicina fosse uma loucura completa. E ok, talvez fosse, mas não somos todos loucos?

– Prefiro dizer que sou esforçada. – comentei, apenas por capricho, porque eu me achava inteligente. Ninguém entrava em medicina assim logo depois do colegial se não fosse inteligente, desculpa mundo. – E você, cursa o que?

Eu já sabia a resposta e talvez fosse preconceito meu, mas eu sou ótima em julgamento de caráter.

– Moda. – Ino respondeu, confirmando minhas suspeitas. Fora os testes absurdos em animais, o uso excessivo da ciência da medicina para usos estéticos, a indústria corrupta e a futilidade, eu não tinha absolutamente nada contra moda.

Soltei um sorriso falso e voltei aos meus afazeres.

– Você tem namorado? – ela perguntou e eu me sobressai, ainda sem entender porque ela estava tentando manter uma conversa. Pelo jeito, ela estava tão entediada quanto eu, então resolvi aproveitar aquela conversa para um estudo sociológico, é bom aprender com pessoas completamente opostas a você.

– Não. – neguei, sem me dar ao trabalho de explicar que um estudante de medicina tinha quase como regra não se envolver em outras coisas a não ser os estudos. Não tínhamos tempo nem para necessidades básicas, imagina para um namorado. – E você?

Ino desviou o olhar e eu percebi que tocamos em um assunto delicado.

– Nós terminamos antes de eu vir para cá. – ela murmurou e eu engoli em seco, por que raios ela tinha começado o assunto se não queria falar dele? – Ele era muito bom pra mim, então eu me cansei dele.

Eu entendia aquilo. Era o nosso maior problema, das mulheres eu quero dizer, gostar de quem não é bom para nós. De alguém quebrado, que nos dá a impressão de que podemos consertar. Mas é óbvio, é óbvio, que nunca dá certo. Não dá certo porque as pessoas não mudam essencialmente. E nós sempre gostaremos de tentar.

– Eu entendo. – coloquei em palavras os meus pensamentos e ela acenou de forma sonhadora. – Pelo menos você está livre para pegar quantos veteranos quiser. – completei, sabendo que isso seria apenas uma coisa que ela poderia fazer, enquanto eu estivesse no quarto estudando que nem um camelo.

Ino riu e eu a achei incrivelmente bonita quando sorria, porque era genuíno, alguma coisa real naquela face artificial.

– Você tem razão, eu já achei pelo menos três que estou de olho. – comentou e eu arregalei os olhos, a menina tinha olho para a coisa.

– Uau. Você é boa nisso. – admiti e ela sorriu orgulhosa.

– É a minha especialidade. – eu não duvidava nada. – Afinal, em um mundo machista, temos que ir atrás do que queremos, se não ficaremos para trás.

Me segurei para não abrir a boca com incredulidade. Talvez Ino não fosse nada o que eu imaginava. E se ela não fosse tão ruim assim? Então talvez nos tornássemos grandes amigas, eu só precisava deixar os estereótipos idiotas que eu tinha criado na minha cabeça de lado que, com sorte, ela faria o mesmo.

– Você tem toda razão. – concordei. – Espero que se divirta com os homens daqui.

– Amiga, eu não falaria melhor. – Ino sorriu e continuamos a arrumar o quarto que agora era nosso.

Passamos o resto da tarde nos conhecendo melhor e esperando a mobília que ela tinha encomendado, assim como todas as suas coisas. Ino provavelmente tornaria o meu quarto em um camarim, mas eu já não me importava tanto, estávamos ali por coisas diferentes, mas ainda éramos duas calouras tentando sobreviver no vulcão infernal que seria o primeiro semestre.”


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Notas finais do capítulo

Tai o primeiro cap gal!

Gostaram? S2

Até o próximo! :*

*sem estresse
** apesar do sistema de educação superior do USA ser bem diferente do nosso, vou tomar a forma de graduação do Brasil como base, porque é bem mais interessante e eu sei mais, haha (tipo nos USA você só escolhe sua especialização no terceiro ano). Outras coisas, vai ser tipo nos USA mesmo (vide fraternidades, sociedades secretas, o lance de se mudar para a faculdade etc)