Nothing Left to Lose (HIATUS) escrita por The Stolen Girl


Capítulo 5
Depois da dor, o remédio que a cura (ou ao menos a mascara)




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Infelizmente tive que cumprir meu papel de secretária e ir trabalhar. Talvez por um milagre (ou uma garota de programa), Júlio estava com uma cara ótima, até me deu bom dia. A noite parece ter sido boa.

–Charlie, vá comprar um café pra mim. – ele disse de sua sala.

Fui até a cafeteria e comprei o bendito café. Hoje está frio e por isso consegui usar minha touca há tempos abandonada. Na esquina, resolvi voltar e comprar um cappuccino pra mim. Já em minha mesa, saboreando minha bebida, pensei um pouco no que faria nos dias seguintes, enquanto Chas não voltasse. Por algum motivo, eu não queria seguir minha rotina do fazer nada. Tive vontade, depois de meses, de sair, me divertir. Vou colocar isso em prática ainda hoje.

O dia no trabalho correu tranquilamente, com um único cliente. Paguei contas, li correspondências e ouvi música. Ao fim do expediente, corri pra casa. No meu pequeno e amontoado apartamento, tomei banho e vesti calça jeans, uma blusa do The Cure e meu all star velho. Permaneci de touca, pois o frio não abrandou. Com apenas um pouco de dinheiro e uma bolsa a tira colo, sai. Não conheço nenhum lugar legal, porque não saio desde, bem, desde Nick. Parei em um bar-karaokê movimentado e me sentei no balcão do bar. Não faz sentido ocupar uma mesa de quatro lugares estando sozinha. Pedi uma bebida e um pequeno lanche e passei horas ali, apenas sentada, ouvindo vozes boas e ruins cantando músicas conhecidas e desconhecidas. Até cogitei subir ao palco e tentar algo, mas desisti. Depois de meses sem frequentar lugar algum, não quero me expor tão depressa.

Subi as escadas do meu prédio, destranquei a porta e entrei. Apesar de não ter conversado com ninguém nem feito nada demais, posso dizer que me diverti. Foi como tirar um peso de minhas costas. Um passo em direção à Charlie que eu fui um dia. Ainda com a roupa que saí, sentei em minha poltrona, li e desenhei. Quando ia tomar outro banho pra ir dormir, meu celular, até esse momento jogado em cima da cama, vibrou. De longe vi o ícone de SMS. Provavelmente a operadora, a única que ainda manda mensagens de texto. Peguei o aparelho e congelei imediatamente. Um número que eu jamais seria capaz de esquecer. Uma pessoa. Um passado. Dor e sofrimento. Meu bom estado de espírito sendo substituído por sombras dentro de mim. A visão já embaçada com as lágrimas que queriam cair. Meus dedos tremiam, sem coragem para abrir e ler o conteúdo da mensagem. Mas é claro que meu coração e mente teimosos não permitiram que meus olhos fossem poupados daquelas duas palavras, inocentes aos olhos da maioria, mas que foram o bastante pra me fazer desabar.

“Boa noite.”

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Eu dormi como estava, depois de algumas horas chorando e me encarando no espelho. Meu estado atual é deplorável e nem muita maquiagem tampou minhas olheiras gigantes e conseguiu tirar aquela típica expressão de choro. E eu não entendo por que chorei. Eu estava bem, foi só uma mensagem idiota e repentina. “Você ainda o ama, Charlie”, eu conversava comigo mentalmente. Mas não. Eu me recuso a aceitar isso e vou superar, mas não antes de um bom dia longe daquele escritório e do meu chefe desprezível. Talvez eu arrume uma desculpa plausível, ou talvez eu diga simplesmente que não quis ir. Ele não me demitiria, tenho certeza.

Meus dias de folga se resumem a comer, ler, dormir e desenhar. Porém, hoje não consigo fazer nada disso. Está um frio tremendo lá fora, e como eu gosto desse clima, me vesti e fui pra fora. Eu sabia que era burrice. Ninguém em sã consciência senta num banco na esquina de casa com esse frio vestindo shorts. Mas é que eu não estou mesmo em meu estado mental perfeito.

Está muito frio. Meu queixo bate e meu corpo já está gelado. Acho que minhas pernas não se mexem mais. Como vou sair daqui? Não importa. Deito-me no banco, ignorando os olhares das pessoas que passam. Está tudo coberto pela geada, o que esfria ainda mais minha pele. Meus olhos já não me obedecem e se fecham. E eu adormeço ali, no frio, num banco duro. Assim como meu coração.

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Acordo com dor de cabeça, mas me sinto aquecida. Abro os olhos e enxergo o conhecido teto de meu apartamento. Como vim parar aqui? Estou coberta com muitos edredons. Há um copo no criado mudo, ainda quente, de acordo com a fumaça que sobe dele. Ouço o clique da porta do banheiro sendo aberta e lá está ele. Chas voltou e me trouxe pra cá. Tenho que me lembrar de agradecer.

–O que você pensou que estava fazendo naquele banco, Charlie? Achei que você era maluca, mas agora tenho certeza. – ele disse assim que percebeu que eu estava acordada.

–Chas, eu... – mas interrompi minhas palavras, porque minha voz está rouca e minha cabeça latejando.

–Tome o chocolate quente que preparei, vou buscar um remédio. – e saiu.

Minutos depois Chas voltou com o remédio em mãos, me deu e sentou-se em minha poltrona. Eu não sei o que dizer. É a segunda situação embaraçosa pela qual ele me vê passar. E nas duas ele me salvou. Se eu estivesse sozinha naquela lanchonete teria desabado lá mesmo. E se ele não tivesse aparecido eu poderia estar muito mal num hospital.

–Obrigada. – e ele me encara, muitas perguntas estampadas no seu olhar. Mas não é só isso. Eles estão cheios de água. Cheios de lágrimas. Eu sempre reconheço alguém prestes a chorar. Acho que olhei demais, porque ele levantou-se e foi pra cozinha. – Você está bem? – pergunto, certa de que ele pode me ouvir.

–Claro. – curto e grosso. E mentiroso. Quase um minuto se passa num completo silêncio até que um tremor percorre todo o corpo de Chas e ele diz, com voz embargada – Ela vai morrer, Charlie.

–Quem?

–Minha mãe. – e então ele começa a chorar como um bebê, apoiado em minha pia. Eu fico calada, porque não sei se devo dizer algo, até que ele explica – Fui visitá-la no hospital, porque me ligaram dizendo que ela piorou. Conversei com o médico, e ele me disse que ... que ela não irá viver por muito mais tempo.

–O que ela tem? Existe cura? – pergunto, preocupada e triste ao mesmo tempo.

–Leucemia. – foi o necessário para que eu entendesse a gravidade da situação. – Não encontramos nenhum doador compatível e ela já não pode mais esperar.

Me levantei num impulso, fui até ele e toquei sua mão, branca de tanto apertar a borda da pia. Puxo-a e seguro-a entre meus dedos, fazendo-o se virar. E então faço algo que nunca mais tinha feito com ninguém, simplesmente porque contatos físicos não me fazem mais bem. Eu o abracei. E percebi que sentia muita falta de um abraço. Ele me aperta tanto que quase tenho que reclamar, mas aguento. E então chora até molhar meus cabelos e minha blusa. Eu deixei, sentindo que Chas precisava colocar pra fora tudo o que sentia.

–É por isso que mora naquele trailer, não é? Sua mãe já não vive numa casa há algum tempo... – agora eu conseguia juntar as peças. Mas por que ele não mora sozinho numa casa?

–Sim... Nós morávamos de aluguel, e eu não podia gastar nada mais que o necessário, pra poder pagar pra que ela tivesse conforto. Desde então vivo naquele trailer, que meu pai deixou depois de morrer. – ele falou rápido, a voz ainda embargada. Ele me apertava naquele abraço, parecendo não ter intenção de me soltar. E eu não liguei. Ficamos ali, por quanto tempo nem percebi, aconchegados um no outro.

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Eu acho que Chas ficou um pouco constrangido. Ele desviou o olhar assim que nos separamos. Um silêncio estranho permaneceu até que Chas dissesse, ainda com a cabeça baixa:

–Charlie? – eu o olhei, encorajando-o a prosseguir – Aquele dia, e hoje também, por que você chorou daquele jeito e estava lá fora nesse frio?

Eu pensei em mudar de assunto, em dizer que continuava não querendo falar sobre isso, mas mudei de ideia. Ele havia me contado sobre sua mãe, ele confiou em mim. E eu precisava desabafar. Foi então que contei pra ele sobre o Nick. Como nos conhecemos, como me apaixonei perdidamente, como ele me usou, como eu sofri e me martirizei depois do nosso fim. Depois de apenas pouquíssimo tempo falando, meus olhos já ardiam e eu comecei a chorar. Enquanto contava, caminhei até o quarto e me sentei na cama. Assim que terminei, me calei, o rosto banhado em lágrimas.

–Ninguém merece que você chore assim. – e limpou minhas lágrimas com a ponta de seus dedos – agora, vá lavar o rosto.

Lavei meu rosto e segui para meu armário, a procura de minha maquiagem, quando Chas puxou meu braço antes que eu pudesse pegar o estojo.

–Não passe maquiagem agora. Você fica melhor sem ela. – apesar de discordar totalmente disso, decidi permanecer natural por um tempo.

Vendo meus desenhos espalhados na cama, disse:

–Não mexa nas minhas coisas! – e comecei a recolher tudo, parando no par de olhos recém-desenhado e fazendo uma bolinha com eles, que acabaram no chão de meu apartamento. Chas pegou a bolinha e a desamassou da melhor maneira possível.

–Ei, desculpa. Mas não joga nada fora, estão lindos.

–Então fique pra você, não quero isso.

–Por quê? – não respondi, apenas lancei um olhar que dizia “você não precisa saber” – ah... São os olhos dele. – ignorei a descoberta de Chas e guardei meus desenhos dentro da gaveta – Você quer fazer alguma coisa? – enquanto ele dobrava e guardava a folha em seu bolso, percebi que seu estado de espírito havia melhorado um pouco.

–O que você sugere? Nada de bares ou casas noturnas, por favor.

–Que tal o parque? – apesar de já estar escurecendo, ainda era viável caminhar no parque. Concordei, troquei de roupa e fomos passear.

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–Você vai ficar doente. – ele constatou depois do quinto espirro consecutivo e do nariz escorrendo – Não devia ter saído com aquelas roupas.

–Não me diga o que eu deveria... – espirrei – ou não ter feito. Uma gripe não vai me matar.

O frio era intenso, e o parque estava mais ou menos vazio. A neve havia caído com maior intensidade ali, e se amontoava aos pés das árvores. Escorreguei na estrada molhada, mas Chas me amparou antes que eu me esborrachasse no chão.

–Obrigada. – murmurei. O clima está meio tenso. Não estamos confortáveis pra conversar sobre assuntos triviais depois de todo aquele bla bla blá de desabafo. Então apenas andamos. Já estava escuro, mas não queria ir embora. Com nada pra fazer além de caminhar, resolvi levá-lo ao meu precioso cantinho.

–Venha comigo – e o puxei até meu esconderijo – sinta-se especial, não trago ninguém aqui.

–Quem você traria Charlie? Sou seu único amigo. – ele jogou na minha cara. Amigo. Então ele se considera meu amigo. Fuzilei-o com os olhos. Escondidos pelas pedras e longe dos olhares de outras pessoas, sentei-me no balanço velho que sempre esteve ali.

–Então... O que seria isso?

–Meu ponto secreto do parque. Ninguém usa aqui e eu gosto de sossego pra desenhar, ler, essas coisas. – Chas se sentou numa pedra próxima ao balanço. Enquanto me balançava suavemente, ele disse:

– “Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que eles te querem, teu mais amável e sutil recreio...” – um poema. Ele acaba de declamar um poema.

–Não sabia que curtia poesia.

–Você não sabe muita coisa sobre mim. Como por exemplo, o meu fascínio por balanços enferrujados. – e olhou sugestivamente para onde eu estava. Me levantei, indicando o balanço. Ele sentou-se.

–Você pode não conhecer a mim tão bem quanto pensa, Chas Rowinski. Como por exemplo, você ainda não sabia que não costumo entregar coisas minhas, como esse balanço, sem algum custo. E um conselho da Charlie: cuidado onde senta e providencie já um novo jeans. – então ele levantou-se, se contorcendo para olhar a parte de trás de suas calças, agora decoradas com um chiclete cor de rosa.

–Não acredito! – ele fingiu estar bravo, em vão. Gargalhou de si mesmo, enquanto em minha face brotava um sorriso triunfante. – Você ainda vai pagar por isso.

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Chas veio me deixar em casa, mas acabou subindo. Tomamos café e eu lhe disse que ficasse a vontade, enquanto ia ao banheiro. Quando sai, ele havia ido embora. Na porta do meio de meu guarda roupa, deixou um bilhete.

“Disse que ia ter troco. Agora, podemos ir juntos comprar calças e novos estojos de maquiagem : )”

Abri a porta e constatei que todos meus estojos de maquiagem desapareceram. E eles eram caros. De verdade. Liguei pra ele, emburrada:

–Devolva já! Sabe quanto dinheiro gastei nelas?!

–Não se preocupe. Me paga outra calça que te devolvo e ainda te compro uma nova.

–Quer fazer compras comigo, é isso? Você poderia ter pedido Chas, eu sei o quanto minha companhia é agradável. Eu te acompanho sim. – ele riu do outro lado da linha.

–Claro. Te pego amanhã, quando você sair do trabalho. Não se esqueça de levar o dinheiro, quero um jeans de boa qualidade. – e desligou antes que eu pudesse dizer algo.

Naquele dia, que começou mal mas terminou não tão ruim assim, consegui me deitar com um sorriso no rosto, apesar de tudo.


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