Quando acordou naquele dia, a coruja de Draco não estava mais no quarto, mas a carta sim. Estava mal selada e meio amassada, parecendo ter sido escrita às pressas, mas estava lá. Snape respondera. Levantou-se sonolenta, olhando o relógio e constatando ser 08:37.

“Devo ter algum problema com relógios…”, pensou aborrecida ao perceber que dormira menos de cinco horas. Foi calmamente em direção a carta, colocada cuidadosamente em cima do criado mudo, e abriu, ainda sonolenta. Na carta, não havia saudações, nem códigos. Somente duas frases.

Minha casa, assim que acordar. E mantenha seu amigo em casa.

A maneira como Snape escrevera, às pressas, sendo direto, deixou Lawrence com um pressentimento ruim lá no fundo. Largou a carta rapidamente e foi em direção ao armário, pegando a primeira peça de roupa que aparecera na frente: um vestido verde água. Era simples, com um cordão para ser amarrado acima da cintura, alguns babados no decote e alcinhas.

Pegou suas roupas íntimas e uma toalha de banho e saiu andando apressada. Constatou com irritação que algum dos loiros já estava ocupando o banheiro do corredor.

“Fala sério, eles têm um banheiro dentro do quarto, Merlin”.

– A loira oxigenada que está aí dentro pode me avisar que hora vai sair? - perguntou, e ouviu uma risada.

– Amorzinho, esse é o horário do meu banho da beleza, vou sair em uma hora. Se quiser se banhar comigo, eu destranco a porta. - falou Daniel de lá de dentro.

Lawrence bufou revirando os olhos.

– Draco está no banheiro do quarto? - perguntou.

– Não, acho que ele já acordou faz um tempinho. Ouvi barulho lá pra baixo. - respondeu enquanto ligava o chuveiro, aparentemente, porque o barulho de água correndo passou a ser ouvido do lado de fora.

– Beleza, vou tomar banho lá. Não abra a porta! - gritou, e ouviu a risada animada de Daniel.

– Okay, ruiva! Assim que eu terminar o banho eu te acompanho no teu, se é o que desejas. - disse.

O modo que Daniel estava descontraído e animado naquela manhã a fez ficar mais calma. Não devia ser algo ruim, afinal. Talvez ele estivesse cercado de pessoas, não pudesse falar no momento. Talvez o único horário que poderia era esse. Ela estava sendo paranóica, só isso.

Abriu a porta do quarto de Daniel e viu uma bagunça organizada dentro dele. Camisetas dobradas perfeitamente em cima da escrivaninha, onde pergaminhos estavam espalhados. As camas aidna estavam por fazer, e o sol batia no quarto inteiro, dando a previsão de um dia quente. Suspirou, entrando no banheiro.

Era um banheiro simples, nada demais. As cores branca e cinza se distribuíam em ladrilhos pequenos por toda parede, que davam em um box de vidro bem limpo. Havia uma pia em forma de bacia de mármore, com uma torneira alta. Um espelho fixado a parede refletia o rosto de Lawrence, que estava cansado e cheio de orelhas. Já fazia alguns dias que estava assim.

Se despiu e entrou no box, ligando o chuveiro e esperando a água esquentar. Prendeu o cabelo do jeito que conseguia e colocou a mão na água, percebendo que já estava quente. Entrou pra de baixo da água e soltou o ar que, por algum motivo, estava prendendo nos pulmões, e fechou os olhos, deixando o jato de água molhar sua nuca.

Levou a mão a cicatriz e tocou. Estava lá, aparente como sempre, mas estava ardendo ao toque. Retirou a mão de lá e se virou, deixando que a água molhasse o próprio rosto. Esfregou o rosto com as duas mãos e sentiu o cansaço saindo do corpo aos poucos. Pegou o sabonete e passou a se ensaboar, enquanto pensava nas palavras do Snape.

Ele parecia preocupado, não conseguia tirar isso da cabeça. Se não conhecesse Snape, diria que ele estava apenar impaciente. Mas aquilo parecia algo bem mais forte que impaciência. O modo que a letra dele estava mal desenhada, apressada exalava algo preocupante. A situação estava ruim.

Fechou o registro e pegou a toalha, saindo do banho e se secando, indo para frente do espelho enquanto se vestia. O olhar cansado desaparecera, mas as olheiras permaneciam visíveis. Colocou o vestido e se sentiu leve com a textura do tecido. Soltou o cabelo e ajeitou do jeito que gostava na frente do espelho, e logo depois destrancou a porta. Daniel já estava dentro do quarto, sem camisa.

– Vai a algum lugar? - perguntou franzindo as sobrancelhas ao notar o vestido - Vestido não me parece o tipo de roupa que você usaria para passar um dia em casa.

Foi em direção a porta e olhou o corredor para ver se estava vazio. Logo depois fechou e trancou a porta do quarto, indo até a escrivaninha e pegando a varinha de Daniel.

– Abaffiato. - sussurrou, e uma leve onda saiu da varinha, que logo depois não deu em nada.

– Era para acontecer alguma coisa? - perguntou Daniel com a sobrancelha arqueada.

– Sim. E aconteceu. Agora Draco não pode nos ouvir. - disse, sentando-se na cadeira da escrivaninha e cruzando as pernas.

– Com quem aprendeu esse feitiço? - perguntou curioso, sentando-se na cama.

– Snape. - disse direta - Agora escute bem. Mandei uma carta para Snape para perguntar como estava a situação de Draco na casa dos Malfoy, e ele me mandou uma carta de volta hoje. Ele quer que eu o encontre em Cokeworth hoje, e sinceramente… Eu realmente acho que a situação dele está ruim. Mas não quero preocupar Draco, por isso não conte a ele. Vou dar uma desculpa, e você ocupa ele dentro de casa enquanto eu estiver fora.

– Law… Sei o quanto quer protegê-lo, mas nessa história de proteger Draco você já está escondendo mais do que deveria dele. E você acha que ele não percebe, mas ele lhe conhece bem mais que eu conheço. Não acha que se continuar assim ele vai parar de confiar em ti?

Lawren mordeu o lábio inferior.

– É a única opção que eu tenho. Não quero preocupá-lo sem razões. Eu posso estar errada, sabe… - falou - Assim que eu voltar eu conto para ele, okay? Ele tem direito de saber a própria situação. Mas no momento, não quero causar preocupações sem causa. Tudo bem…? - Daniel parecia duvidoso do que fazer - Por favor, Dan…

– Tá. Mas seja rápida. Draco vai desconfiar, e não sei por quanto tempo vou conseguir ficar sem contar para ele. E ele vai me pressionar. Mentir para ele é fácil quando a mentira começou sem ele estar por perto, mas mentir na frente dele, na cara dura… Eu o conheço desde os três anos, é quase impossível.

– Não vou demorar, prometo. - disse - Agora coloque uma camiseta. Vamos descer juntos.

– Eu estar sem camiseta lhe incomoda? - perguntou travesso.

– Daniel Surrey, coloque a camiseta agora e cale a boca. - falou com um sorriso de canto nos lábios e retirando o feitiço, abrindo a porta e indo para o próprio quarto. Voltou com sua escova de dente e uma pasta.

– Ainda não escovei. - avisou, entrando no banheiro.

– Como você vai chegar até lá? - perguntou Daniel - Você não sabe aparatar.

– Até lá onde? - perguntou Draco sério, com um olhar meio magoado, talvez, entrando dentro do banheiro junto com Daniel.

– Beco Diagonal. - avisou Lawren com um sorriso de orelha a orelha - Preciso falar com Gina, e a barra de chocolate que Fred me deu acabou. - completou, dando um beijo na bochecha do amigo e manchando-a com pasta de dente.

Logo depois de fazer isso, cuspiu o que estava dentro da boca na pia e fez bochechos com água. A cara de Daniel estava estática, aparentando estar surpreso e até um pouco incomodado por Draco ter entrado naquela hora. Pelo espelho, Lawren olhou para o amigo e discretamente mandou-o mudar a cara, somente com os olhos.

– Falar com a Gina? - perguntou Draco, ainda com uma seriedade irreconhecível - Sobre o que, exatamente?

– Não sei. Ela me mandou uma carta hoje cedo, disse que precisávamos conversar e que o assunto é sério. - respondeu - Dormiu bem? - perguntou animada, saindo do banheiro e pegando a bolsa que trouxera junto com a pasta de dente.

Saiu do quarto e desceu as escadas apressada, indo em direção a lareira da sala de lazer.

– Não dormi muito bem, não. Nem dormi, na verdade. - disse Draco.

– Olhe, Draco, eu adoraria conversar com você sobre isso quando eu voltar, mas realmente estou com um pouco de pressa. Gina disse que assim que eu acordasse deveria ir, e eu estou bem atrasada. Falamos mais tarde? - perguntou com um sorriso.

– Claro. - disse Daniel no lugar do Malfoy, com um sorriso - Você fala comigo enquanto isso, Draco. Lawren não vai demorar muito.

– Com certeza. - falou, abraçando Daniel e logo depois Draco, que não retribuiu - O que houve? - perguntou preocupada, pensando que ele talvez estivesse irritado pelo que fizera na noite anterior - Não está irritado por causa de ontem, está? - perguntou.

– Aquele caderno do Mickey que você deixou em cima da mesa da sala… - começou Draco, e Lawrence sentiu o próprio coração ficar apertado, desviando o olhar para Daniel - Você pretendia me contar sobre ele? - perguntou Draco.

– Draco, olha… - começou Lawren.

– Olha nada! - ele gritou - Você estava pesquisando sobre algo que eu julguei estar esquecido, e nem se deu ao trabalho de me contar. Quantas coisas você vai esconder de mim e de Daniel?

– Draco, pega leve com ela, não foi essa a intenção que ela tinha ao esconder isso… - começou Daniel, e Draco se virou horrorizado para ele.

– Você sabia? - perguntou com os olhos úmidos - Vocês dois estavam armando essas pesquisas por minhas costas e nem pensaram em como eu me sentiria sobre isso?!

– Claro que pensamos! Draco, foi justamente por isso que eu não contei! - gritou Lawren de volta - Eu sei que isso foi algo delicado para você, okay? Não quis lhe aborrecer com perguntas e pesquisar sobre algo que quer esquecer! E não desconte em Daniel, ele não tem nada a ver com isso. Ele sabe sobre isso não faz nem uma semana, okay? E só não contou porque eu insisti e…

– Estão sempre pelos cantos, murmurando pelas minhas costas. - ele cuspiu as palavras na cara dos dois - Antes mesmo estavam trancados no quarto juntos, sabe-se lá o que estavam falando. Se é que estavam falando.

– O que está insinuando? - perguntou Daniel - Eu nunca beijaria a Lawrence!

– Você estava trancado dentro de um quarto com ela. Dentro de um banheiro! Sem camiseta, Daniel. Querem que eu pense o que?!

– Que somos melhores amigos e que estávamos conversando como qualquer amigo. - falou Lawrence com os olhos úmidos.

– É difícil de pensar isso quando escondem as coisas de mim. A cumplicidade entre vocês é bonita de se ver, sabe? - ele disse, e era aparente que estava falando aquelas palavras para magoar - As brincadeirinhas, ir tomar sorvete e comer pizza juntos, dar uma volta na roda-gigante… “Se quiser se banhar comigo, eu destranco a porta”. Eu ouço as coisas. - falou com ódio.

As lágrimas caíam pelo rosto de Lawren livremente. Mas ela secou como se não sentisse nada, e direcionou a Draco um olhar machucado, mas duro.

– Você está magoado e está falando coisas sem cabimento. Eu entendo. - ela disse - Vou deixar você se acalmar enquanto vou falar com a Gina. Falamos sobre isso quando eu voltar. - disse baixo, sem olhar nos olhos de Draco - Só não desconte no Daniel.

– Porque ele é seu amado e você não suportaria. - Draco respondeu amargo.

– Porque ele é seu amigo de infância e nunca faria algo com a intenção de lhe machucar. Brigue comigo, mas não com ele. Ele não tem culpa. - sussurrou, virando-se com os olhos ainda úmidos e entrando dentro da lareira e pegando pó de flu - Desculpe, Dan. - falou olhando para o amigo - Eu realmente preciso ir. - completou - Beco Diagonal!

E a última coisa que viu antes de tudo girar era o olhar magoado de Draco enquanto o deixava sozinho sem dar as devidas satisfações.

***

Quando entrou na loja de Fred e Jorge, sabia que seu rosto estava inchado por ter chorado. Não ligou muito para isso porque realmente não podia perder tempo e esperar o rosto voltar ao normal. A loja estava cheia de gente, o que era habitual, e viu ao longe Gina de costas conversando com uma garota do sétimo ano, perto das Poções do amor. Aparentemente ela estava ajudando Fred e Jorge para pasaar o tempo nas férias, mas naquele momento não necessitava falar com ela, então passou reto sem deixá-la notar que estava dentro da loja. Subiu as escadas seguindo a voz de Fred, que ecoava pelo local, e o encontrou perto de alguns potes gosmentos de cor verde musgo, que de quando em quando soltavam algumas bolhas que exalavam um odor não muito agradável.

– Tem certeza que isso foi testado? - perguntou sem muita emoção, apontando para os potes - Está cheirando mal.

– Afasta Indesejáveis. - falou Fred com um sorriso, deixando a garota que estava atendendo por conta própria - É bom para meninas que querem afastar aquele garoto que está sempre pegando no pé e que aparece do nada. Você passa um pouco dessa gosma em qualquer parte do corpo da pessoa, bem pouquinho, quase imperceptível a olho nu, e isso vai exalar um odor bem forte quando a pessoa estiver procurando por você. O odor fica mais forte quando a pessoa está mais perto, e o interessante é que só você é capaz de sentir. E não importa se ela toma banho ou algo assim, isso não sai sem auxílio do antídoto. É bom, porque dá tempo para que você se esconda. - ele disse tudo com um sorriso cordial, cruzando os braços e se escorando na prateleira - Lawren, Lawren! Estava ficando com saudade de suas visitas.

– É, eu também. - disse séria, revirando os olhos e só então abrindo um sorriso singelo - Preciso de outra barra de chocolate, a minha acabou. E quero que me leve a um lugar.

– Tenho cara de lareira? - perguntou Fred confuso, mas depois rindo.

– Não, com certeza não tem cara de lareira, mas tem muita cara de quem sabe aparatar e pode me levar a algum lugar sem que o ministério saiba. - disse, completando com um sorriso forçado, sem mostrar os dentes.

– Adoro esse seu jeito aventureiro e misterioso ao mesmo tempo. - ele sussurrou se virando - Vou só pegar o chocolate e podemos ir para a minha sala, lá é mais silencioso e você pode me contar melhor sobre essa história.

– Beleza. - disse Lawren.

***

– Tudo bem, ruiva! - começou Fred, trancando a porta atrás de si e vendo Lawren lançar um feitiço que não ouvira o nome - Quer me explicar melhor isso? - perguntou.

– Recebi a carta de um informante de dentro dos comensais hoje de manhã, e ele tem informações que podem ser importantes. Ele me pediu para encontrá-lo em Cokeworth, mas não tenho como chegar lá sem aparatar.

– Informante quem? - perguntou Fred, com a sobrancelha arqueada - Nunca ouvi falar dessa Cokeworth. Tem certeza que esse informante é confiável?

– Mais do que você imagina. Mas não posso dar o nome da pessoa, Fred. Desculpe. - disse séria - Por favor.

– Tudo bem. - ele descruzou os braços, estendo a mão para a ruiva - Pegue no meu braço. Preciso que memorize algum aspecto importante de Cokeworth, a paisagem, as casas, algo assim. Só com o nome da cidade não vou conseguir lhe levar para muito longe. Pense na cidade, e nada mais que isso. O resto eu faço. Se concentre.

– Certo. - disse pensando no quarto de Snape, desejando que ele não estivesse dentro do cômodo quando aparatassem lá dentro - Pensei. Não importa o que aconteça: quando chegarmos, mantenha os olhos fechados apesar da curiosidade. É melhor para nós dois, acredite. - falou, pensando em como Snape ficaria uma fera se Fred visse ele e sua casa.

– Beleza. - disse ele - Preparada? A viagem pode ser turbulenta, mas chegaremos inteiros se você fizer tudo direitinho. - Lawren arregalou os olhos - E sim, eu estou lhe pressionando. Com emoção tudo fica mais divertido. - disse antes de fechar os olhos e tudo começar a rodar.