Nas entrelinhas escrita por Elizabeth Gray


Capítulo 5
4


Notas iniciais do capítulo

Nossa, esse demorou a sair! Eu não vou mentir e dizer que tive um bloqueio de escritor. A verdade é que eu estou escrevendo outra fic e planejando outra. E fiquei um pouco desanimada, é verdade, mas recebi comentários gentis que me deram o empurrão necessário para continuar! Então obrigada :D

Enfim, aqui está o capítulo. Boa leitura!



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Eu podia ouvir seu coração batendo acelerado junto ao meu. Podia sentir as mãos grandes de Nezumi afrouxarem em meus punhos. Envolvi seus cabelos azuis com os dedos e acariciei sua nuca, brincando com aqueles fios macios que me faziam enlouquecer. Mordisquei seu lábio e me afastei. Ele estava de olhos fechados, a cabeça levemente inclinada para baixo.

—Nezumi, você poderia fazer a gentileza de olhar para mim?

Ele mirava o chão agora. Por um momento pensei que estivesse perdido em pensamentos até que, lentamente, olhou para mim.

— Nezumi, nunca mais se atreva a duvidar dos meus sentimentos por você. Nunca mais, entendeu? — seus olhos cinzentos estavam confusos e surpresos. Não mais havia neles a raiva e frustração que o consumiram momentos antes. E de repente, talvez inconscientemente, fez a coisa mais linda que poderia fazer neste momento: corou. Suas bochechas assumiram um tom rosado e eu poderia jurar que ele tinha enrijecido em minha frente. Não se movia. Apenas ficou ali, me olhando confuso, quando desviou os olhos para o lado e murmurou:

— Idiota.

Como era possível este garoto atrevido ter ficado tão envergonhado com a minha reação? Ele nem podia olhar em meus olhos! Inclinei a cabeça para buscar seu olhar e ele continuava a virar o rosto.

— Nezumi, o que foi? Olhe para mim.

— Não, me deixe em paz.

— Nezumiiiiiii — cantarolei.

Mas que droga! Parecíamos crianças! Eu já tinha me inclinado em todas as direções e ele insistia em virar o rosto.

— Nezumi...

— SHION! — ele rosnou, depois se abaixou e começou a recolher as compras que se espalharam pelo chão — Vamos, precisamos ir para casa. Já vai escurecer.

Abaixei-me e coloquei os legumes e verduras dentro do saco. Quando ele pegou o último item no chão, agarrei sua mão.

— Você nem faz ideia do quanto fiquei feliz ao te ver com ciúme daquelas garotas.

— Ah, cale a boca. — sacudiu minha mão e se levantou, caminhando lentamente em direção à saída do beco— Quem você pensa que é? Não fique por aí se gabando. Além do mais, você nem...

— Nezumi... — agarrei seu ombro, fazendo-o parar. Então me inclinei e sussurrei em seu ouvido — Eu te amo.

Permaneceu ali, parado, mirando a saída do beco. Parecia refletir sobre o que eu acabara de dizer. Não se moveu e não disse uma palavra.

— Bem, nessas horas você devia dizer que também me ama. Por que você é sempre tão...

— Droga.

— O que foi?

— Eu quero te levar pra casa imediatamente e fazer coisas indecentes com você até o amanhecer...

— O QUÊ? Eu te declaro meu amor e você diz que quer fazer sexo comigo? Qual o seu problema?

— ... mas também quero te mostrar um lugar que há muito tempo não visito...

— Espere, Nezumi, O que...

— ... e o sol está quase se pondo...

— Você está me ouvindo?

— É isso! Vamos deixar as compras em casa e depois vamos para lá!

— Oi, Nezumi, do quê você...

Ele segurou firme em meu braço e olhou em meus olhos enquanto abria um lindo sorriso.

— Venha, Shion! Não temos muito tempo.

Fomos correndo até em casa e eu quase derrubei as compras uma ou duas vezes. Ele corria em minha frente e eu tive que acelerar para acompanhar seu ritmo. Fosse como fosse, ele certamente estava determinado a me levar a este lugar.

Chegamos em nosso esconderijo. Ele entrou primeiro e jogou tudo em cima da mesa, correu para os armários e começou a revirar algo lá dentro.

— Ei, Nezumi, Precisamos colocar isso na geladeira!

— Tá, tá, faça isso.

Idiota. O que será que ele procura com tanta pressa? Enfim, preciso guardar isso.

Eu mal tive tempo para guardar as coisas em seus devidos lugares, quando ele caminhou apressadamente até mim e me puxou pelo braço.

— O quê? Espere! Aonde vamos? Que mochila é esta?

— Você faz muitas perguntas, Majestade. Vamos.

Ele me arrastou para fora e caminhamos em silêncio por alguns minutos. O sol já estava desaparecendo do Bloco Oeste, escurecendo-o lentamente com a noite que se aproximava, enquanto No. 6 brilhava quase que sarcasticamente. A cidade era linda envolta pelo alto muro que reluzia sob os últimos raios de sol. Linda...

— As mentiras mais perigosas são aquelas que mais agradam aos ouvidos.

Nezumi parecia poder ler minha mente.

— Meus pensamentos são tão óbvios assim?

— Para mim, sim. Mas neste caso, eu também pensava nisso.

Continuamos andando em direção ao norte. De um lado, a Cidade Santa brilhava como uma estrela no céu noturno; do outro, o Bloco Ocidental, envolto na escuridão que o consumia aos poucos. E novamente eu estava entre os dois. Olhei para frente e vi Nezumi, quase como uma alternativa. Quase como uma terceira opção. Seja como for, é do seu lado que quero estar. Este é meu lugar. Este é o meu destino.

— Vamos, Shion. Estamos quase chegando.

Deparei-me com uma alta colina. Nezumi subia lentamente, sem olhar para trás, e eu o segui. Havia apenas uma árvore no topo, uma árvore grande e vigorosa, isolada de tudo. Quando faltava apenas alguns metros para que eu pudesse ver o que havia além da colina, Nezumi parou. Virou-se para mim e me fitou por alguns instantes, até que sorriu e suspirou:

— Shion... — estendeu a mão para mim e disse com um olhar convidativo — você precisa ver isso.

Segurei em sua mão e caminhamos até o topo.

Um vale. Um imenso lago. E eu podia jurar que as estrelas tinham caído do céu e se juntado àquela paisagem. Milhares, ou melhor, milhões de vagalumes dançavam diante dos meus olhos. O lago todo se iluminava de pontinhos amarelos que insistiam em permanecer em movimento, e refletia, como um grande espelho, a lua, que brilhava alto no céu estrelado. Eu podia ouvir o vento batendo nas folhas da imponente árvore, bagunçando meus cabelos, balançando a grama alta que cobria todo o vale. E por um momento eu pensei tê-lo visto. Podia jurar que o vi correndo pela imensidão iluminada, cantando uma melodia maravilhosa aos meus ouvidos. E de repente meu coração se encheu de alegria.

— Nezumi... eu...

Ele apertou minha mão. Olhei para ele e o vi de olhos fechados. Levantou a cabeça e sorriu, como se estivesse sentindo o mesmo que eu. Seus cabelos azuis esvoaçavam em seu rosto que brilhava sob a luz prateada da lua. Ele brilhava. Então respirou fundo e começou a cantar. Ainda de olhos fechados, ele cantou. Cantou com o coração. Sua voz saía limpa e clara de seu corpo, ascendia aos céus como uma alma que encontrava seu caminho para o paraíso.

Naquela tarde, vendo o sol se pôr, uma luz brilhou para mim
Nada além da tristeza me consumia a alma
E você surgiu pra me trazer a calma
Brilhando sob o sol, você veio, enfim

Naquela noite, sob as estrelas, uma luz brilhou para mim
Meu desejo foi realizado num momento
Fui, por você, salvo de meu profundo sofrimento
E as trevas que me consumiam chegariam logo ao fim

Naquela manhã, vendo o sol nascer, uma luz brilhou para mim
O sol trazia junto à si uma promessa
De que meu amor não teria pressa
De que eu encontrara um caminho, enfim

Naquele momento, ao meu lado, você brilhou para mim
Estava ali para me trazer a paz
E do seu lado não sairei jamais
Ficarei contigo até o fim

Seus versos dançavam sob a luz das estrelas. Suas palavras atravessavam o vale iluminado, pairavam sobre os inúmeros pontos brilhantes que piscavam ao redor do lago. E só o que pude sentir foi alegria, paz, êxtase. Amor. Era isso, e nada mais. Amor. E esse amor não mais me cabia no peito, escorreu-me dos olhos. Amor...

— Shion, esse era o meu lugar preferido no mundo. Eu vinha aqui todas as tardes, apenas para ver o sol se pôr. E ficava ali, sob aquela mesma árvore, mirando as estrelas, reconhecendo as constelações dos livros que lia. Reconhecia até mesmo as menores, como aqueles cinco pontinhos ali, vê? — ele apontava para um grupo de estrelas no céu. Eu sabia quais eram mas não pude reconhecê-las naquele momento. Seus movimentos, o modo como olhava de meu rosto para o céu e voltava a me olhar, com aquele sorriso nostálgico no rosto. Eu não queria tirar os olhos dele. Mesmo se quisesse, jamais conseguiria. Naquele momento, ele simplesmente era a pessoa mais linda no mundo.

Não tirou os olhos do céu. Parecia, até mesmo, olhar para além das estrelas, como se pudesse ver os planetas mais distantes das maiores e mais belas galáxias.

— Quando foi que eu mudei tanto? — murmurou, quase que para ele mesmo.

— Nezumi...

— Eu jamais trouxe alguém aqui, Shion. Jamais pensei que um dia pudesse trazer. Você me mudou garoto. Este lago, este vale... — fechou os olhos, sorrindo — Esta árvore. Escute! Ouça o vento! Não é maravilhoso o som do vento em suas folhas? Esse costumava ser o meu som favorito no mundo...

—Costumava? Não é mais?

Assim que terminei de falar, ele suspirou, virou-se para mim e sorriu:

— Não mais.

—Nezumi... eu...

— Você me mudou, Shion. Depois de tudo o que aconteceu, durante o tempo em que fiquei preso, depois do que passei e do que tive que enfrentar, eu perdi a capacidade de ver essas coisas. Não mais havia a beleza diante dos meus olhos. Até aquele dia em que você me salvou. Aquela janela aberta... Você não apenas salvou minha vida, Shion. Você me salvou de mim mesmo. Mostrou-me que os humanos podem ajudar uns aos outros, ajudar um completo desconhecido sem pedir nada em troca. Mostrou-me como era estar vivo. Viver, não apenas existir. — ele gesticulou para a imensa paisagem — Isso tudo não significaria nada se você não tivesse cruzado meu caminho. Isso tudo é por você.

Suas palavras me enchiam os ouvidos. Seus olhos cinzentos brilhavam ainda mais pelo efeito prateado da luz lunar. Uma luz cálida e fria, mas acolhedora. E subitamente percebi que a lua nada mais era do que o reflexo daqueles olhos, um olhar instigante que me seduzira desde o começo.

Olhava em meus olhos e sorria, quando levou a mão ao meu rosto e me beijou gentilmente. Afastou-se e ficou ali me olhando, aquele sorriso lindo nos lábios.

— Tenho algo para você.

Sentou-se e me puxou para que eu fizesse o mesmo. Pegou sua mochila e revirou algo ali dentro. Então pegou algo pequeno dali, segurou minha mão e colocou o objeto nela, envolvendo os dedos ao redor dos meus.

— Shion, isto é pra você.

Abri minha mão e havia um pequeno cordão negro com uma espécie de pingente redondo de madeira no meio. A peça possuía entalhes em ambos os lados e a tinta vermelha que o cobria já estava desbotada pelo tempo. Um colar.

— Nezumi, o que é isto?

— A última relíquia que restou da minha antiga vida. Estou te dando isso.

Olhei novamente o artefato em minha mão e o tateei. Nezumi não tirava os olhos de mim.

— Ah, meu príncipe, como eu queria que você pudesse ver a cara estúpida que está fazendo.

— Nezumi, por que está fazendo isso?

— Eu já te disse, imbecil. Você me mudou. O que você tem em mãos é o objeto mais valioso que possuo, além daquela biblioteca. Era o colar de minha mãe, a última coisa que restou de minha antiga vida. E eu estou dando isso a você.

Do que diabos ele está falando?

— Por que me dar o que você tem de mais precioso, Nezumi? Eu não posso aceitar isso.

— Há, não é possível que eu esteja ouvindo isso. Shion, o que eu preciso fazer pra você entender que o que eu tenho de mais precioso na vida agora é você?

Suas palavras me atordoavam. Nezumi não poderia estar me dizendo tais coisas. E mesmo ouvindo cada palavra que me dissera, eu não podia acreditar. Eu o devia estar olhando com uma cara muito boba, porque a primeira coisa que ele fez quando tentei balbuciar alguma pergunta foi abafar o riso.

— Idiota, pare de rir de mim — resmunguei.

— Oh, desculpe-me Majestade — deu-me um sorriso irônico.

Tirou o colar de minha mão e o amarrou em meu pescoço, inclinou-se novamente e senti seus lábios nos meus. Depois colou a testa na minha e disse:

— Tenho outra coisa para você.

— Outro presente? Não sei se posso aceitar isso.

— Ah, este é um presente para nós dois. Não pode recusar.

Olhei-o com um olhar desconfiado.

— Nezumi, o que está tramando?

— Não se preocupe, Shion. Será uma morte rápida e indolor.

— NEZUMI!

— É brincadeira. — ele pegou a mochila e se levantou — Vamos, feche os olhos e só abra quando eu mandar.

Fechei meus olhos. Pude ouvir os passos dele se afastando alguns metros, juntamente com o som do vento nas folhas da árvore. Depois de alguns minutos, perguntei:

— Já posso abrir?

Ouvi sua resposta um tanto distante:

— Ainda não. Espere, já estou terminando.

— Ande logo com isso.

Ele riu baixo.

Continuou com o que estivesse fazendo e, pouco depois, tocou meu ombro e se abaixou em minha frente. Segurou minha mão e colocou nela algo pequeno, que ao mesmo tempo era frio e quente.

— Pode abrir os olhos agora.

Obedeci e vi uma espécie de enfeite de vidro com uma pequena vela dentro. A chama tremulava em minha mão, preenchendo-a com uma pequena e cálida luz alaranjada. Olhei ao redor e vi um círculo de pequenos pontos laranja idênticos àquele em minha frente, um círculo enorme que nos cercava junto à árvore.

— Nezumi, o quê você...

— Ah, eu fiquei entediado e resolvi colocar velas ao redor da árvore. Tonto, eu fiz isso para nós. Achei que você iria gostar. Li numa peça de algum livro perdido de minha coleção e decidi colocar a cena em prática.

— Isso é... lindo! Nezumi, é a coisa mais linda que já vi!

Ele tirou a vela de minha mão e a colocou ao lado da árvore. Então se inclinou e me deitou na grama, subindo sobre meu corpo e colocando os braços ao lado de minha cabeça. O céu estrelado, a lua, o lago, o vale iluminado de infinitos pontos brilhantes que dançavam até onde a vista podia alcançar. As velas nos cercando. Parecia um sonho.

— Shion, eu te amo.

— Isso faz parte da cena da peça?

— Só se você quiser.

Lancei-lhe um sorriso malicioso.

— E qual é o próximo ato?

— Eu te beijo e depois... bom, a gente improvisa.

Envolvi os dedos em seus cabelos azuis e puxei-o contra mim. Seus lábios macios tocaram os meus e depois roçaram levemente em meu pescoço. Abracei-o forte e suspirei. Aproximou os lábios de meu rosto, e sua voz era o que havia de mais lindo no mundo quando sussurrou em meu ouvido:

Você brilhou para mim
Está aqui pra me trazer a paz
E do seu lado não sairei jamais
Ficarei contigo até o fim



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Notas finais do capítulo

Bem, espero que tenham gostado. Comentem, por favor. Só quem escreve sabe o quanto um comentário pode incentivar o autor. Muito obrigada por tudo e até a próxima!!



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