Dossiê Bellatrix escrita por Ly Anne Black


Capítulo 9
Pena e Ressentimento


Notas iniciais do capítulo

Eu fiquei muito feliz com os comentários que recebi essa semana. Cada vez mais percebo que existem pessoas lendo e realmente se identificando/se inspirando pela história. Nada poderia me deixar mais feliz do que saber disso *.*

Vocês são lindos, boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/563566/chapter/9

A carruagem com o brasão da família Malfoy chamava atenção estacionada na via principal de Hogsmeade, e atraia os olhares curiosos dos muitos alunos de Hogwarts e dos moradores da vila. A maioria provavelmente não a via ali como um bom sinal – famílias sangue puro com história de pouca tolerância à miscigenação começavam a causar certa tensão pública.

Mas principalmente para o quarteto de grifinórios que acabara de perceber a carruagem, sua presença parecia ainda mais alarmante. James franziu o cenho e cutucou Sirius.

– Aquela não é sua prima, entrando naquela carruagem?

Deve ser. – Sirius tentou soar indiferente. Quanto mais indiferente, melhor. Mas pra onde aquela louca estava indo? Observou sua capa de viagem, seus olhos correram para a barriga dela, mesmo que não quisesse. É claro que sabia pra onde ela estava indo. Dar um jeito.

– Ela está saindo da escola em pleno período de testes? - Remus também franziu – Isso não é estranho? Mesmo se tratando dela? Quero dizer...

Sirius não estava mais ouvindo. Bellatrix tinha olhado exatamente em sua direção antes de entrar na carruagem. Era impossível dizer o que passava pela cabeça dela, só parecia que queria atravessá-lo com o olhar, mas ela o olhava assim quase todas as vezes... Foi breve e então ela virou, e entrou, enquanto ele sentia um gosto amargo nojento na boca, como se tivesse comido um punhado de terra.

A carruagem partiu. Na confusão da rua pareceu que alguém vinha bem rápido em sua direção, e depois disso alguma coisa bateu duramente do lado esquerdo do seu rosto e tirou seu equilíbrio. Caiu aturdido no chão. Uma dor dos infernos tirou sua visão por alguns momentos.

– Pelas barbas de Merlin, você está LOUCO?! – ouviu James gritar, transtornado, a alguém. Piscou. Remus tinha se abaixado para ajudá-lo a levantar.

Ele enfim conseguiu identificar seu agressor. Rodolphos Lestrange era a personificação da raiva, os punhos cerrados, bufando com um touro, pronto para o combate. Sirius entendeu bem rápido; olhou e entendeu que o homem estava, por debaixo da fachada de raiva, humilhado. Então, Lestrange também já sabia.

– O que pensa que está fazendo, seu imbecil? Nós vamos quebrar você! – Pontas continuava bradando.

– Ele sabe por que está apanhando. – Rodolphos rosnou baixo. Só olhava para Sirius, atravessado. – Não sabe, Black?

– Uma merda que sabe! – então James pareceu se dar conta que o amigo não esboçara reação – Sirius? Sirius, o que diabos...

– Está tudo ok, Pontas. Vamos embora.

– Você não vai quebrar a cara desse idiota? Vai só deixá-lo ir?

– James, já chega. – Remus interrompeu, olhando rápido de um para o outro – Há jeitos melhores de resolver essas coisas.

– O quê..!

Sirius virou as costas, mas ainda ouviu Rodolphos lhe ameaçar de qualquer coisa. Remus pelejava para trazer James para dentro do Três Vassouras, mas na verdade o moreno estava se concentrando no latejar de dor que o punho do noivo da sua prima tinha causado em seu rosto. Ele tinha que admitir, não era assim tão ruim (mesmo que talvez tivesse deslocado algum osso) Era justo.

Olivia viu quando Sirius entrou no Três Vassouras, e viu mesmo seu rosto machucado, mas fingiu que não viu, que estava concentrada na conversa com Sophia. Ele devia estar brigando por ai, pensou, e ela não se importava. Que ele quebrasse a cara toda arranjando confusão, era problema dele. Certo?

– ...e minha mãe disse que eu estou sendo ingrata. Mas ela não entende, ela me sufoca com tudo isso! Eu não sou obrigada, sou? – Sophia cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha loira em desafio. Olivia, que tinha se perdido no meio da conversa, pigarreou.

– Hum, não, eu... acho que não.

– É claro que não! Olie, o que há com você?

– Nada. – disse rápido, tomando um gole de cerveja amanteigada para disfarçar. Os marotos tinham sentado numa mesa mais a frente, eles pareciam aborrecidos com alguma coisa. Menos Sirius, que sentara calado e a procurara com os olhos, e uma vez que encontrara, a estava encarando. Sophia buscou a fonte do aborrecimento da prima e olhou de volta para ela.

– Vocês andaram brigando?

– Nós...

Remus as tinha visto e estava vindo na direção delas agora. Ele era educado demais para ver Sophia e não falar com ela, ao que parecia. A prima de Olivia mordeu o lábio inferior nervosamente ao vê-lo se aproximar, e foi impossível não notar que suas bochechas coravam.

– Olivaras! – Remus disse cortês, estendendo uma mão. Seus olhos castanhos brilhavam muito, e era impossível entender o que havia por detrás deles. Olivia diria que era mágoa, mas o Maroto a disfarçava bem. – Você tem sumido há um tempo.

– Lupin – ela deu um sorriso sem graça. – Como vão as coisas?

– Diferentes.

O clima era desconfortável, e Olivia não imaginava como pudesse não ser. Não quando na ocasião do “sumiço” de Sophia ela deixara Remus - que todo mundo pensara que seria a tampa do seu caldeirão - inconsolável e sem notícias. Mas aquilo já fazia dois anos, e ela sabia que eles não tinham se visto por todo esse tempo.

– Espero que para o bem. – disse a loira, reunindo alguma dignidade para esconder o constrangimento.

– Iriam, se as famílias dos nossos amigos não estivessem sendo ameaçadas por um bruxo das trevas, eu penso. Ah, mas esse tipo de noticia ao menos chega a Avalon? Não, não é? Ah, essa inacessibilidade das corujas!

Remus sendo irônico era uma novidade que pegou as duas de surpresa. Sophia engoliu em seco.

– As noticias ruins chegam a todos os lugares.

– Bem, então! – Olivia pigarreou, querendo por todos os fios da barba de Merlin acabar com aquele clima estranho – Como vão os estudos para os testes, Remus? Ouvi dizer que os NIEMS para Transfiguração vão ser horrorosos.

– Sim, também ouvi – ele pareceu relaxar um pouco, virando-se para ela – Mas eu me garanto em Transfiguração. Aritmância, por outro lado... você vai prestar pra Aritimancia? Sirius não soube me dizer.

– Sim, eu vou. Eles são pré-requisito para o Ministério, não são?

– REMUS, CORRE AQUI! – James gritou da sua mesa, acenando – O Pedro vai fazer aquele truque do nariz com a cerveja amanteigada!

– Hum, ok, estou indo! – e voltou-se para as meninas, encolhendo os ombros – Eles não se comportam bem sem mim, é melhor eu voltar. Olivia, acho que você devia conversar com o Sirius, ele anda mal. Bom ver você, Olivaras.

– Igualmente. – Sophia devolveu, mas nenhum dos dois parecia estar sendo sincero. Ela esperou Remus se sentar para voltar a interrogar a prima.

– O que aconteceu com você e Sirius afinal? Ah, ele não para de olhar pra cá com aquela cara de cachorro que quer um osso.

Olivia se mexeu desconfortável na cadeira do bar; sentia o olhar dele mesmo que não estivesse vendo. Aqueles dias após a "conversa" tinham sido horríveis, porque afinal eles dividiam o salão comunal e os amigos. Uma vez que os Marotos eram inseparáveis, ela estava na maior parte do tempo sozinha. Lilian Evans tinha suas obrigações de Monitora Chefe, Bartô Crouch andava sumido e sendo esquisito; Alice namorava com Longbotton como se não houvesse amanhã. A visita inesperada de Sophia tinha lhe tirado do isolamento forçado.

– É uma longa história. – ela coçou a mão, ansiosa em não falar sobre aquilo – Ele está pensando no que quer da vida, e até decidir, é melhor ficarmos longe um do outro para que ninguém se machuque.

– E isso tem algo haver com Bellatrix Black?

Olivia arregalou os olhos, surpresa. Como ela sabia? Como é que Sophia sempre sabia? Seu profundo suspiro de exasperação foi o sim que a prima precisava.

– Como eu sei? Com vocês dois, é sempre sobre ela. O que foi agora? Não me diga que eles se pegaram mais uma vez?

A grifinória esfregava as unhas com tanta força no dorso da outra mão que estava quase abrindo um buraco na pele. Ela imaginou como diria aquilo para Sophia, mas de todas as formas, a palavra gravidez lhe dava náusea e nojo. Para evitar a vontade de chorar, buscou desesperadamente mudar de assunto.

– Quando você volta para Avalon?

Sol franziu o cenho, então desviou o olhar como se pensasse sobre aquilo, torcendo a boca.

– Eu não sei. Talvez eu não volte.

– E você pode não voltar?

– Eu estou cheia disso tudo. Eu não posso ignorar o que está acontecendo aqui fora quando, como Remus falou, os nossos amigos e a nossa família estão sob ameaça desse tal louco.

– E Avalon também não corre o mesmo perigo?

A loira deu de ombros, apertando os lábios. Seu conflito interno era claro, e Olivia podia compreendê-la. Quando a prima chegara em sua idade de entrar para Hogwarts, a mãe, em lugar disso, a levara para a ilha de Avalon, para ser criada como uma sacerdotisa, como as outras mulheres da família. Ao invés de dedicar o resto da sua vida à ilha, ela tinha fugido três anos atrás. Hogwarts a aceitara, mas após um ano Olívia voltara à Avalon. Os seus motivos para voltam nunca tinham sido claros para Olívia. E agora ela tinha fugido uma segunda vez, novamente sem grandes explicações.

– O que a sua mãe pensa disso? – Olie perguntou, de supetão. A Sra. Olivaras sempre fora muito rígida quanto à formação da filha.

– Eu não falei com ela desde que saí. Dane-se, eu sou maior de idade agora, ela não pode me obrigar a voltar. Eu não vou ficar de braços cruzados!

– E o que pretende fazer? – perguntou a outra, mais baixo. Como ela, ninguém estava muito satisfeito com o que estava acontecendo no mundo bruxo, mas ninguém sabia realmente como combater os mascarados que se chamavam Comensais da Morte, e que a mando d'Aquele-Que-Não-Se-Nomeava, queimavam e torturavam os mestiços da Grã-Bretanha. Como combater o desconhecido? Como lutar contra um terror sem nome?

– Eu não sei, mas você tem seus planos, certo? Entrar para o Ministério e ajudar?

Olivia assentiu. Sua pretensão era entrar para o Departamento de Execução das Leis do Ministério, e não era a única a pensar assim. Ela conhecia diversos colegas que pretendiam ser aurores, alimentados pela sede de justiça que os Comensais da Morte fomentavam, enquanto aterrorizavam suas famílias e roubavam sua paz. A reação, Olivia sabia, era uma tendência natural. No entanto, o Ministério pouco vinha fazendo pouco de efetivo para combater aquelas ameaçadas. O governo parecia tão pedido quanto qualquer um deles quando se tratava d’Aquele-a-que-Não-Nomeavam.

– Olá, meninas – uma garota de rosto redondo as cumprimentou. Alice Sturnel, a lufa-lufa namorada de Longbotton, puxou uma cadeira e se sentou ao lado de Olivia. Ela parecia um pouco pálida e agitada. – Olá, Olivaras. Há quanto tempo.

– Sturnel – Sophia cumprimentou, polidamente.

– Tudo bem com você, Alice? Se perdeu do Frank?

– Quê? Ah, não. Ele foi buscar umas bebidas – ela apontou vagamente para o balcão – Vocês souberam? Parece que a Bellatrix Black largou o colégio.

– Mesmo? – Olivia se virou, alarmada, enquanto a prima lhe lançava um olhar intrigado.

– Sim! Agora mesmo vi a carruagem dos Malfoy saindo, parece que foi a irmã, aquela que se casou com Lucius Malfoy, que veio buscá-la. Dizem que ela desistiu porque vai se casar com Rodolphos Lestrange. Eu vi a aliança em seu dedo. Porque ela iria querer ficar aqui mais um ano, se vai ser mais rica que qualquer um agora? Não é como se ela fosse precisar de NIEMS nem nada.

Casar com Lestrange? Grávida de Sirius? Olivia tentou não deixar transparecer que sabia por que a garota estava saindo, e por isso mordeu o lábio com força.

– Ah, não, ela não vai casar, Alice. – Frank, que acabara de chegar com cerveja amanteigada para todos, rolou os olhos para a namorada – Aquela ali está com alguma coisa bem ruim, alguma doença. Gertrie Allonse, a monitora da sonserina, me contou que Black vem passando mal há meses. Ela até desmaiou e ficou três dias desacordada na enfermaria. Bem, eu espero que ela morra, sinceramente!

– Frank! – Alice lhe deu um tapa no braço, horrorizada. – ela só tem dezesseis anos!

– Não, ela não é nenhuma criança, é uma cobra criada, minha flor. Todo mundo sabe que a família dela secretamente concorda com Você-Sabe-Quem.

– Bem, concordar é uma coisa, mas dai a...

– Eu apoio o Frank – disse Olivia, duramente – ela é uma cobra criada. Seja lá do que esteja doente, não lhe desejo nenhuma melhora.

Alice olhou para a amiga, surpresa com seu tom sombrio, e o mesmo fez Sophia, mas em seu olhar também havia desconfiança. Olivia sabia que a prima mais tarde lhe espremeria contra a parede para arrancar cada centímetro do que estava escondendo.

– É melhor que ela continue doente, Alice – disse Frank, que tinha os maxilares travados – porque caso o contrário, não vai demorar muito para encontrar um lugar nas fileiras do Você-Sabe-Quem. Merlin sabe que ele já tem seguidores o bastante para causar estrago...

Olivia se distraiu da conversa depois daquilo. Ela pensava em Bellatrix da última vez que a vira, magra, com uma cor pouco saudável e a aparência de quem não dormia bem há muito tempo. Tinha odiado a sonserina por cada ano de implicância na escola, mas agora, lutava contra o sentimento de pena. Odiava sentir pena de Bellatrix Black, porque a garota sequer merecia. Era a pessoa mais odiável que podia existir. Era mal educada, preconceituosa, desagradável, humilhava quem não gostava, e de quem ela gostava afinal?

Além de Sirius. E Sirius gostava dela. Era impossível entender como, mas aqueles dois compartilhavam uma conexão a qual Olivia, como sua namorada, nunca fora capaz de competir. Por quê? Por que aqueles dois nunca conseguiam ficar um sem o outro?

Ela catou Sirius pelo canto de olho, na outra mesa. Ele não estava mais encarando-a; no lugar disso, enchia-se de wisk de fogo Ogden e falava alto com James e Peter. Sua empolgação, ela podia dizer mesmo a distancia, era forçada. No fundo ele estava devastado. Ele devia saber que a prima estava indo embora. Ele devia estar triste por isso,

Sirius sentiria saudades de Bellatrix... talvez ele estivesse se arrependendo de deixa-la ir... Por um momento, ela pensou com horror, como seria se ele tivesse impedido a prima de ir embora? Se ele se propusesse a assumir a criança que tinham feito? Eles virariam uma família?

Talvez Sirius também abandonasse Hogwarts, e a ela. Sirius e Bellatrix usariam sua herança, comprariam uma casa, criariam seu bebê. Talvez fossem deserdados. Talvez a família dele o aceitasse de volta, ela sabia, muitos primos na família Black se casavam.

Olivia teve um vislumbre claro da cena: Sirius e Bellatrix juntos, cuidado de uma criança de cabelos pretos, olhos grandes, um lindo sorriso, o sorriso deles. Ela não pode evitar a onda de lágrimas que inundou seus olhos.

– Eu vou... com licença. – foi tudo que conseguiu dizer antes de fugir da mesa e sair a passos rápidos do bar, sob o olhar confuso dos amigos.

Sirius, que ainda não estava bêbado, muito menos feliz, a viu sair, pelo canto dos olhos.

– BD –

Era um pequeno chalé de dois andares, feito de madeira escura, com canteiros de flores sob as janelas, e janelas brancas de portas duplas bem abertas. O teto em V se estendia até metade do primeiro andar, e por detrás da casa era possível ver uma infinidade de arvores, colinas, e ao fundo, as montanhas para além do rio Otter. O próprio rio cintilava à luz do fim da tarde, maltado de laranja, lilás e rosa, as cores do crepúsculo.

Mais além, haveria Ottery St. Catchpole, embora não fosse possível ver suas casinhas trouxas mal arrumadas daquele ponto. Alguns quilômetros à frente estaria Devon, oculta pelas elevações do terreno. Para qualquer lado que se olhasse tudo era floresta ou campo aberto, árvores altas de copas curtas, o chão coberto de terra escura e fértil, e amontoados de arbustos floridos do fim da primavera.

Andrômeda chamava aquele lugar de lar.

Bella preferia chamar de barraco trouxa condenado dos infernos.

Ela escolheria ter o corpo untado com sebo de explosivim e incendiado por fogo fátuo a pisar na casa de Ted Tonks. No entanto, viu-se arrastada por suas irmãs pelo caminho de pedras que ondulava até a porta de entrada, e a resistência que oferecia era pouco contundente. Tinha sido destituída da sua varinha, e dopada pela força da poção reestabelecedora, e seus sentidos estavam embotados. Ao passar pela porta de entrada, ignorou a presença do marido da irmã, o trouxa imundo, fingindo que não estava entrando em sua casa, não estava, não estava...

O barraco era forrado igualmente de madeira por dentro. Cheirava a madeira, fresca e forte, e a limpeza e floresta. Um aroma adocicado de coisas maduras entrava pela janela com a brisa, e havia também um som de pássaros, que piavam em algum lugar muito próximo, sua empolgação de fim de tarde ecoando nos veios de madeira da casa. Ela teve a sensação de que estava entrando num ninho – tudo era um pouco escuro e aconchegante, o forro das almofadas do sofá e da toalha da mesa tinham cores fechadas, como o verde escuro, o marrom e o bordô. A poltrona pareceu abraça-la quando se sentou nela. Seu corpo todo reagiu, contra a sua vontade, relaxando e pedindo repouso.

Tinha sido uma longa viagem, afinal de contas.

Narcissa se sentou de um lado dela, e Andrômeda do outro. Ted ficou à porta, observando, numa postura claramente defensiva. Seu desconforto era óbvio. Assim como a própria Bella deveria se sentir, se não estivesse tão cansada... Andie pegou sua mão e envolveu com as dela, mas daquela vez, Bella sequer reagiu ao toque. A traidora do sangue estava encostando nela... os passarinhos faziam uma sinfonia e tanta do lado de fora.

– Bella, isso é para o seu bem – disse, alisando os dedos dedos magros da irmã.

– Ela sabe disso, Andie, no fundo – Narcissa tinha o tom firme, mas apaziguador. – Bella, me ouça. Eu vou dizer aos nossos pais que você precisava de alguns meses para pensar em tudo, antes do casamento. Direi que viajou, mas que não vai fugir de Rodolphos e do contrato. Eu mesma vou preparar tudo, e daqui a seis meses, quando o bebê nascer, nós faremos a cerimônia. Durante esse tempo... seja responsável, não faça nada estúpido. O medibruxo recomendou que você continue tomando suas poções, pois a sua gravidez ainda está instável. E você não deve fazer magia por algum tempo, por isso Andie guardará sua varinha. Lembre-se que não pode aparatar, nem deve. Nós vamos cuidar de você, mas você precisa nos ajudar. Eu não vou poder ficar aqui o tempo todo, pois tenho a Mansão para cuidar, e o Lucius. E lembre-se que Andrômeda está gravida também, ela não deve ser aborrecida.

Bella deixou os olhos vagarem além das irmãs, para a porta. Ted continuava ali de pé, teso. Pela sua expressão de profundo desagrado, parecia que ele estava dando abrigo ao próprio lorde das trevas sob o seu teto. Ela teve uma súbita vontade de sorrir. Sorriu. Ele apertou muito os olhos castanho-esverdeados para ela. Raiva.

– Eu venho lhe ver sempre. Me mande uma coruja se precisar. E não... só fique longe de qualquer atividade que possa lhe prejudicar.

Nas entrelinhas, a irmã queria dizer "fique longe de reuniões de comensais, de magia negra, de Lord Voldemort". Não precisava falar em voz alta para se fazer compreender. – Eu vou voltar para a Mansão, Andie vai lhe acomodar. Descanse, você está com uma cara péssima.

"Eu estou com a cara de quem está gerando a cria do satanás na barriga", ela pensou, desgostosa, mas não disse nada, só fechou a cara um pouco mais.

– Seja boazinha. – Narcissa pediu, lhe dando um beijo na testa. Ela passou por Ted como se ele fosse parte da parede e Andrômeda foi atrás dela. Estavam cochichando alguma coisa sobre Bella, com certeza planejando os últimos arranjos do seu confinamento. A sonserina se voltou preguiçosamente para Ted, imaginando por quanto tempo ele a aturaria. Ela não pretendia facilitar.

– Então eu ouvi dizer que você pôs esse barraco de pé? Com suas próprias mãos?

– Sim. Eu construí a minha casa. – ele tinha a voz grave e o olhar ainda mais grave.

– Bruxos de verdade usariam uma varinha, pelo menos. Ah, mas eu imagino que você quis honrar o seu sangue ruim, não? Os trouxas e seus métodos precários de fazer as coisas.

– Do que você está falando, garota? Sei que você não ergueria a sua própria casa nem se a sua vida não dependesse disso. Caso contrário, porque precisaria se esconder na casa dos outros?

Ele tinha cutucado a ferida. Bellatrix pulou da poltrona no impulso da raiva, imaginando que, na ausência de sua varinha, teria que usar as unhas, e os dentes. No mesmo momento, todo o sangue do seu corpo pareceu descer para o pé, e o mundo ficou escuro diante dela.

Ted a aparou antes que caísse, e ela quis gritar contra seu toque, não encoste em mim, sangue ruim imundo, mas não encontrou a própria voz.

– BD –

Sirius a seguiu até o fim de Hogsmeade, em forma de cão. Foi atrás dela quando dobrou na esquina de três pequenos apartamentos residenciais e correu até a Casa dos Gritos, ignorando a velha construção, seguindo adiante. Olivia atravessou a pequena faixa de arvores de margeavam a esquerda da estrada, e encontrou os trilhos do trem, andando sobre eles, andando rápido contra o vento, a cabeça baixa e os punhos cerrados. Ela parou cerca de cinquenta metros depois, parecendo enfim cansada. Se jogou nos trilhos com o rosto entre as mãos, e soluçou. O cão negro se manteve a distância, esperando seu próximo passo, ou até que ela se acalmasse. Sabia que, enquanto chorasse, iria reagir mal a presença dele.

Pensando bem, ela reagiria mal a presença dele qualquer que fosse seu estado de espirito.

Enquanto a observava soluçar e fungar, o crepúsculo os alcançou, enevoado, uma confusão de cores pálidas. O tempo começou a esfriar, como era costume no norte àquela altura. Aquele não seria uma primavera muito quente, Sirius pensou, dentro de sua cabeça de cão. Estavam a poucos dias da mudança de estação e não tinham tido qualquer dia mais enrolarado.

Olivia ergueu a cabeça por fim, esfregando as bochechas com as costas das mãos. Seu cabelo era uma profusão de cachos em torno do rosto, a boca estava vermelha, assim como a ponta do nariz, e os olhos grandes cintilavam no lusco-fusco. Ela ficou olhando para o nada, a respiração se normalizando. Ele voltou ao formato humano e resolveu que era hora de chegar mais perto.

Mesmo quando percebeu que Sirius estava ali, ela não olhou para ele.

– Quem te deu permissão para vir atrás de mim? – ecoou, a voz com uma entonação de irritação.

Sirius enfiou as mãos nos bolsos. Soprou o ar devagar até esvaziar os pulmões, e os encheu mais uma vez.

– Você saiu chorando, fiquei preocupado.

– Eu estou bem, não há com que se preocupar.

Ele passou os dedos pelo cabelo, perdendo o pouco de paciência que tinha. Não aguentava mais daquilo. Estava cheio da distancia, do clima tenso, da culpa, a culpa, a culpa sem tamanho lhe esmagando através dos dias.

– Olivia pelo amor de deus. Eu não sei mais o que fazer. O que faço? O que você espera de mim? Basta me dizer, e eu faço. Só, por favor...

Ela o encarou. Friamente.

– Eu acho que você já fez muito mais do que devia, Sirius.

– Eu sei! Eu sei que eu errei! – ela ergueu as sobrancelhas. Ele bufou – Ok, errei MUITO! Mas Olivia, eu estou arrependido, mais do que qualquer coisa que eu fiz até agora, acredite em mim, eu estou!

Sirius se largou nos trilhos, em frente a ela. Parecia muito desorientado, destruído e perdido. Toda sua pose de autoconfiança sumira num fiapo de fumaça, e no seu rosto não havia nenhum sinal do ar de auto-suficiência que ele se preocupara em esbanjar o tempo todo.

– Do que exatamente você está arrependido?

Você sabe, ah, vamos, você sabe, Mane.

– Eu sei? Você está arrependido de transar mais uma vez com a sua prima? Ou você está arrependido de engravidá-la? Ou de não assumir isso? Ou de deixa-la ir embora? Ou de não ter ido com ela?

– Quê... o quê?! – ele piscou, sem compreender – Você acha que eu queria ir com ela? Mas que ideia... quê? Olivia!

– Ah, infernos, eu não sei o que eu acho. O que eu sei, Sirius, é que você nunca pôde ficar longe de Bellatrix. Nem quando ela o renegou, junto com toda a sua família, até você ter que fugir de casa. Nem quando ela humilhou todos os seus amigos. Nem quando ela atacou sua namorada no corredor, quase usando uma maldição imperdoável. Você sempre a quis por perto. E agora, agora ela foi embora, o que você quer que eu pense? Eu acho que no fundo, você poderia ter ido com ela. Veja, eu não estou te segurando. Ninguém está. Siga o seu coração, Sirius. Você pode se arrepender depois se não seguir.

– Olivia, que conversa estúpida é essa? Eu odeio Bellatrix! Estou aliviado que ela foi embora, por mais... por mais que tivesse de ser desse jeito. E o meu coração, ele está com você! Você sabe disso. Você sabe, não sabe, Olivia? Que eu amo você?

Ela olhou para o horizonte, não para ele. Não vou chorar de novo, se prometeu. Sirius se aproximou engatinhando e pegou sua mão, entrelaçando seus dedos.

– Olivia, vai ficar tudo bem agora. Estamos bem, certo? Vamos superar isso tudo. Somos só eu e você...

– Sim, agora, que ela foi embora, mas se ela não tivesse ido? Como eu poderia saber que você não ia acabar nos braços dela de novo?

Ele suspirou, profundamente contrariado.

– E quando ela voltar, Sirius? Porque ela vai voltar, você sabe. Ela também não consegue ficar longe de você.

Ele negou, veemente.

– Eu prometo, amor, vai ser diferente. Eu estou arrependido, de verdade, e quando eu penso nisso, tenho vontade de bater minha cabeça na parede até ela explodir, por ter sido tão idiota. Mas eu te prometo, não vai haver mais Bellatrix. Nem mais ninguém entre nós. Seremos só nós dois. Para sempre.

Olivia via sinceridade no fundo daqueles olhos cor de chumbo, e ela queria acreditar em sua promessa. De toda forma, no ano seguinte eles não estariam mais em Hogwarts. Mesmo que ela voltasse, não precisariam se ver todos os dias, então talvez...

– Você tem que prometer, Sirius. Que não vai vê-la nunca mais.

– Nunca mais. – ele fez eco de suas palavras, fervorosamente.

– E se ela te procurar, você vai embora. Sem lhe dar oportunidade nenhuma, sem nem mesmo falar com ela.

– Sim, eu prometo, eu prometo. Isso nunca mais vai acontecer, meu amor.

Olivia deixou que ele a trouxesse para perto, e que encostasse a cabeça dela em seu ombro. Assistiram a despedida do sol, mas ela pensava em onde a outra estaria naquele momento. Se correria tudo bem, quando tirasse o bebê de dentro de si. Se ela se sentiria mal em algum momento, por matar o filho de seu primo. E se ela desejara, mesmo que por um segundo, aquela criança, se vira o mesmo que Olivia tinha visto mais cedo; a família de cabelos pretos, o bebê Black sorridente...

Fechou os olhos, deixando a lagrima quente rolar pela sua bochecha e sumir na camisa do namorado. Prometeu a si mesma que era a ultima vez deixaria aquela imagem aterradora surgir em sua mente. Sirius era seu, e não dela, ele tinha feito a escolha, não tinha?

Para ela bastava.

– BD –

– Eu ainda acho uma péssima ideia.

Andrômeda respirou. Lenta e profundamente, um, dois, três, quatro. A barriga pesava, as costas doíam, os pés doíam, fazia calor, mosquitos zumbiam ao redor na lâmpada da cozinha. Ted não parava de resmungar.

– Eu sei, querido. É por pouco tempo. Ela não tem para onde ir.

– E a casa dos seus pais? Não é lá que ela mora?

– Papai a deserdaria se soubesse, Ted. Você sabe como ele é... tradicional.

– Ele não ia deserdar, ele só ia adiantar o casamento! E então ninguém ia precisar saber que ela ficou gravida antes de casar. Ah, vai me dizer que os Black não tem suas artimanhas para resolver esse tipo de coisa?

Andy passou uma mão pelo rosto, apoiando a outra mão numa das cadeiras desparelhadas da cozinha. Ela não tinha dito para Ted que o filho que a irmã esperava era de Sirius, não de Rodolphos. Ele era seu marido, mas ainda assim, aquele era um assunto muito particular de Bellatrix para que ela o dividisse sem sua autorização.

– Bella ainda não está pronta para casar, ela precisa de um tempo.

– E então, quando o beber nascer? Porque eu tenho essa sensação de que sua irmã será a pior mãe entre as mães.

– Então, veremos. A gravidez muda as pessoas.

– Mas não faz nenhum milagre. – ele resmungou, seus pequenos olhos brilhantes estreitando-se em descrença. Andy sorriu para si mesma, mexendo o caldeirão onde a poção reestabelecedora ferventava. Arrastou os pés até onde ele estava, buscando lugar em seu colo. Sempre tinha cabido bem ali, mas agora que duplicara de tamanho, ele sempre fazia uma careta quando ela se sentava, e dizia que estava sendo esmagado pela matriarca Tonks.

– Me prometa que vai ser bonzinho nos próximos meses – pediu, fazendo um beicinho e franzinho as sobrancelhas – porque eu sei que a Bella não vai ser. E eu vou precisar de toda a ajuda que puder ter.

– Isso é absurdo. Você está grávida, e tem a sua formação de medibruxaria, Andy, não há como ficar de olho nela.

– Sim, por isso preciso da sua ajuda ainda mais.

– Ah, isso não vai dar certo! A sua irmã não me suporta, e eu preciso dizer, é totalmente reciproco.

– Eu sei, eu sei – ela enterrou a cabeça na curva do pescoço dele, plantando um beijo ali. – Mas ela é família, querido.

– Você sabe que ela nunca faria o mesmo por você.

Andrômeda deu de ombros.

– Por que razão eu me espelharia nela? Sempre fomos contrárias em todas as opiniões... – disse, rindo. – Posso contar com você?

Ele suspirou, resignado.

– Você sempre pode, Andy. Mas isso não vai ser bonito.

Quando a poção reestabelecedora ficou pronta, Andromeda a despejou numa caneca de porcelana decorada com lilases. No prato que fazia seu conjunto, arrumou alguns biscoitos de baunilha frescos, e subiu com a combinação os dois lances de escada, até o sótão.

Ted insistira que Bellatrix ia ter que ficar ali, porque ela não ia, de jeito nenhum, ficar no quarto do bebê. Ele arrumara o cômodo como pôde; tinha pendurado algumas lâmpadas no teto, esvaziara o armário velho e cedera a antiga cama de casal, a que ele mesmo tinha esculpido para o quarto, mas que tinha ficado, no fim das contas, pequena depois que a barriga dela começara a crescer. O sótão cheirava a umidade, e o teto era curvo nas extremidades, acompanhando desenho do telhado, mas a janela dianteira tinha uma linda vista para o rio Otter.

Bella dormia. Tinha se mexido tanto durante o sono que agora os lençóis tentavam estrangulá-la. Cuidadosamente a irmã a desvencilhou do aperto do tecido, a acordando no processo.

– Me deixa em paz, Andrômeda. – seu humor não melhorara nem um pouco.

– Eu trouxe sua poção, e um pouco de comida.

– Não tenho fome.

– Seu bebê com certeza tem.

Ela fez uma cara ruim, como quem se dava conta de que o pesadelo era mesmo real. Forçou a si mesma a se sentar e pegou a poção, bebendo tudo de um gole, evitando sentir o gosto. Poção reestabelecedora era amarga, mas era também forte, e tinha a capacidade de deixa-la sonolenta, e evitar que os pensamentos ruins a atormentassem. Quente e recém feita, era quase agradável.

– Você não precisa ficar me lembrando da minha condição o tempo todo. – resmungou.

– Logo a sua barriga não vai te deixar esquecer. Espere só até ele começar a se mover.

– Argh, pelo coração sangrento de Slytherin, pare com isso. Você está me enjoando. – ela abaixou os olhos, e ficou olhando para a barriga enorme de Andrômeda como se a visse pela primeira vez. – Como você aguenta?

– O quê? Ele se mexendo?

– Sim, e ele existindo. Dentro do seu corpo. Sugando toda a sua força, te deixando exausta... como você ao menos pode saber que ele não vai levar tudo, tudo de você, até te deixar seca, até te matar?

Andrômeda sorriu misteriosamente, como se guardasse consigo uma verdade secreta que a irmã mais nova não podia compreender.

– É uma honra, um grande milagre, Bella. Eu fico feliz de lhe dar minha força para crescer dentro de mim. Uma hora você vai entender o que eu estou falando. É a coisa mais incrível do mundo.

A garota meneou a cabeça.

– Não vai acontecer, não comigo. Eu nunca vou achar incrível. – encostou-se a cabeceira da cama, cerrando os olhos – eu só quero que termine logo.

– Você tem longos meses pela frente.

Bella escolheu ignorar aquilo. Não sabia o que ia fazer quando a coisa começasse a se mover dentro dela. Haveria algum meio de paralisá-lo, para que não fizesse aquilo? Para que ficasse bem quietinho até a hora de nascer?

– Já pensou como vai se chamar?

Bella fingiu que não estava ouvindo.

– Vai lhe dar um nome de estrela? Aldebaran é um nome bonito, ouvi mamãe falar dele algumas vezes, era o que ela escolheria, se tivesse tido um menino. Bem, eu pensei em Alderamin, se o meu for menino. O que você acha?

Ela não ia ter aquele tipo de conversa com Andrômeda. Nem com ninguém no mundo inteiro, de jeito nenhum, sem condições.

– Navi também é um bom nome. Navi Tonks. É simpático, não é?

– É horroroso, Andrômeda. – disse, com toda sinceridade.

– E que tal Rigel, para o seu? Rigel Black soa muito bem, o que você acha?


Ela abriu os olhos. Cintilavam de maldade.

– Escute, eu não ligo para como o seu filho estúpido vai se chamar, e muito menos para como a coisa que eu vou parir vai se chamar. Eu não me importo. EU NÃO ME IMPORTO!

Andrômeda se levantou devagar, e não era possível dizer se estava magoada. Seus olhos castanhos claros, que costumavam ser transparentes, estavam ilegíveis.

– Coma se quiser. Eu estarei lá em baixo. Chame se precisar.

– Me deixe em paz.

Ela saiu do quarto. Bella deixou as costas tombarem contra a cama. Tamborilou os dedos na viga lateral do móvel, as unhas ecoando ritmicamente na madeira.

Rigel Black, Rigel Black, Rigel Black, Rigel Black.

BD -

Os dias eram iguais no ninho dos Tonks. Elas nasciam barulhentos, com pássaros fazendo algazarra no telhado como se cada nascer do sol fosse o último. Bella descobriu que ali o barulho era pior, porque eles faziam seus próprios ninhos nas vigas do sótão do chalé. Eles às vezes voavam ali dentro. Ela não tinha varinha, nada podia contra eles.

O decorrer do dia não tinha muito barulho, a não ser o do vento, das árvores, um ressoar distante do rio. De dentro do sótão, ela ouvia um raspar contínuo, alguns estalos, assobios de motores. Imaginava que era Ted Tonks, trabalhando em seus móveis no atelier dos fundos da propriedade. Sua irmã se casara com um marceneiro, pelo amor de deus. Era de revirar o estômago.

De três em três horas, Andrômeda aparecia com poções e comida. Bella bebia a poção, grata pelo entorpecimento que lhe ofereciam, pela chance de não pensar, que era muito bem vinda. Não estava exatamente comendo, a poção a manteria alimentada, ao menos por hora. Estava sempre cheia. A barriga estava crescendo, parecia em plena expansão enquanto ficava ali deitada, fitando o teto, alternando sono e vigília. Se prestasse bastante atenção, podia sentir a energia sendo minada, absorvida pela coisa. Mas ela buscava não prestar; a distração era seu maior refúgio.

Sabia, pela inclinação dos raios de sol que entravam através de espaço entre as telhas, que horas eram. Quando fraquejavam e sumiam, mais um dia tinha se passado. A noite vinha, era mais longa. Os pássaros se despediam com algazarra e lhe deixava a sós com a escuridão.

Sempre tinha amado a escuridão, feito dela seu esconderijo, seu refúgio. Agora era diferente, aquela escuridão era desconhecida e cheia de ruídos. Não era o som do vento nas arvores, nem o sussurro do rio. Não eram os pios da coruja. Eram os ruídos do seu passado, dos últimos meses. Era o som que a voz de Sirius não fazia quando ela ia embora. Até os sons de seus gemidos, nas masmorras de Hogwarts, quando ele plantara sua semente dentro dela, era um assombro na noite. Há quanto tempo...? Parecia que tinha sido há anos, mas os ecos eram claros como se ele estivesse ali à beira do seu ouvido, gemendo seu nome.

O maldito.

Narcissa tinha vindo numa daquelas noites. "Lucius viajou", ela justificara. Não deixou claro, mas Bella podia imaginar que ele estava em alguma missão para o Lord, enquanto ela estava ali, naquela cama, alimentando com seu corpo a coisa. O pensamento a derrotava e a humilhava.

E mesmo sob protestos, a irmã passara a noite. Ela tinha tagarelado até bem tarde sobre como era a vida na Mansão Malfoy. Tinha doze elfos (doze!), uma criação de cavalos alados brancos como a neve, um lago. A mansão tinha vinte quartos e seis salas - duas de inverno, uma biblioteca de dois andares com a tapeçaria da família Malfoy presa à parede, onde seu nome fora recentemente adicionado.

Ficou quase uma hora descrevendo como se parecia na tapeçaria, e apesar de fingir que não se importava, e fazer comentários sarcásticos, Bella não ligava de ouvir a conversa mole da irmã. Por um momento, podia pensar em coisas que eram bonitas, ricas, simples e claras como o dia e a cabeleira loira de Narcissa.

Cissa estava deslumbrante. Se vestia com seda cara e ametistas, mas seu sorriso brilhava mais do que as suas jóias. Trouxera algumas roupas para Bella, e as pendurou nos cabides do guarda-roupas, que devia ser mais uma obra do Tonks. Lhe trouxe dois perfumes, um pente de ossos de dragão (o melhor para os cabelos de uma Black), alguns livros "para distrair a cabeça”. Dormiu ao seu lado, sem nem mesmo reclamar da cama dura, apesar de que, na mansão, provavelmente devia ter um colchão tão macio quanto uma nuvem.

Bella não queria sair do sótão. Sua ideia inicial era ignorar o mundo até a hora de parir a coisa, para nunca ter que lidar com o fato de que estava se escondendo na casa da sua irmã traidora de sangue e do marido mestiço. Ela era uma Black, uma futura comensal da morte, mas naquele momento, sabia que só era uma garota de dezesseis anos muito covarde. Essa percepção estava cada vez mais forte a medida que os intervalos entre uma poção e outra iam aumentado.

Mais uma vez a noite caiu, e Bellatrix se viu incapaz de continuar na cama. Havia uma energia fustigando seu corpo, agoniando seus nervos, a impelindo a se mover mesmo contra a sua vontade. Ela deixou o colchão e foi até a janela, abrindo as cortinas. Seu reflexo a confrontou, lhe mostrando a realidade de sua condição com uma sinceridade desconcertante.

Seu cabelo era um emaranhado confuso, pois ela não se deixara ser penteada desde que chegara de Hogwarts. Andrômeda a tinha obrigado a tomar um banho ou dois, mas era só. Se recusou a usar qualquer roupa justa, então a irmã lhe trouxera umas blusas largas enormes que cobriam até quase seus joelhos – Bella não fazia questão de saber de onde tinham vindo, ou se arrependeria de vesti-las no mesmo momento. Eram folgadas o bastante para cobrir qualquer vestígio da barriga inchada, então, para ela estava bom.

Prometendo a si mesma que não ia mais se olhar no espelho até aquilo tudo acabar, mudou o foco para além do vidro, a tempo de ver uma coruja se aproximando. Abriu a janela, deixando o espécime cinzento entrar com um pequeno livro preso a pata.

Enciclopédia de Serpentes, 3º exemplar. Seu coração deu um pulo. Arrancou o livrinho rapidamente da coruja e leu a primeira linha, sem hesitar.

O puxão no umbigo foi breve, e antes do mundo girar, seus pés tocaram chão firme. Olhou ao redor, tentando se localizar, mas, para a sua surpresa, não estava muito longe. Ainda ouvia o som do rio Otter, embora não o visse; estava cercada de árvores volumosas e baixas e um cheiro adocicado de frutas maduras. Sob os pés descalços, a terra era úmida e macia, com pequenos galhos e folhas secas.


Um movimento breve surgiu a sua direita, e um segundo depois, estava diante de Lorde Voldemort. Como sempre, as sensações que vinham com a sua presença varreram o corpo dela, e Bella era só arrepios, frio e calor, tontura e sangue quente nas veias.

– Milord. – ofegou, baixando a cabeça numa reverência. Seu cabelo emaranhando caiu sobre o rosto.

– Bellatrix. É nessas condições que se apresenta ao seu mestre?

O rosto dela ficou quente. Deu-se conta dos pés no chão, das pernas nuas, da camisa larga, da falta de roupas de baixo, do cabelo despenteado. Ele, no entanto, tinha um sorriso de divertimento no rosto bonito e encovado.

– Perdão, milord, vim assim que recebi a sua coruja. Não pensei... sinto muito.

– Melhor assim – ele aumentou o sorriso até mostrar os dentes. Os tinha num arco perfeito e branco contra os lábios rosa pálido. – Aprecio acima de tudo a sua disponibilidade, embora eu esteja me perguntando se não devia apreciar também esse seu novo estilo.

Lorde Voldemort estava de bom humor. Bellatrix não sabia o que dizer.

– Da última vez que a vi, tinha um aspecto ruim, Black. Parece que tem sido bem cuidada.

– Sim, milord, como contei ao senhor da última vez, minhas irmãs estão me abrigando aqui enquanto... durante a gestação.

– Você está morando com a sua irmã Andrômeda Tonks, traidora da casa dos Black, casada com um sangue-ruim, correto?

Ela teria preferido comer uma centena de vermes cegos antes de confirmar aquilo.

– Sim, milord. – admitiu, constrangida e humilhada.

– Então parece que, ao menos por enquanto, vamos precisar estender nossa misericórdia para essa pequena parcela de escória que manchou o nome da sua família?

– Eu penso... – ela abaixou os olhos – eu penso que sim, milord. Ao menos que o senhor deseje... eu não tenho misericórdia deles, meu senhor. Podemos fazer a justiça sobre os Tonks, se for da sua vontade.

Lord Voldemort riu, seus olhos negros reluzindo na escuridão como duas jóias lapidadas em maldade e morte.

– Aproveite de sua hospitalidade por hora, Bella. Os Tonks podem ser vingados quando não forem mais úteis a você.

Ela assentiu, uma sombra de entendimento cintilando em seus olhos e curvando o canto de sua boca.

– Sim, meu senhor, compreendo.

– Agora, se me permite perguntar, como vai a sua parte do nosso novo acordo?

Sua boca se abriu em surpresa, sem imaginar que ele pudesse ser direto daquela maneira. Ela aspirou ar rapidamente, levando a mão à barriga.

– Eu acho... que vai bem.

– Posso eu mesmo verificar?

– Claro, milord, como desejar.

Ela sentiu uma espécie de choque nervoso quando a mão de Voldemort a tocou, na altura do se ventre. Mesmo sobre o pano da camisa, sentia o toque gelado, mas de que importava se estava frio, quando esquentava todo o seu sangue? Ela ficou tremendo e sentindo fisgadas entre as pernas, olhando enquanto ele fechava os olhos.

Nunca em toda sua vida concebera aquele momento, nem em seus sonhos mais pervertidos. Estavam dentro da floresta, no meio da noite, sozinhos, ela usava apenas uma camiseta, e Lord Voldemort tocava sua barriga. Seu rosto era concentrado e sério, os lábios travados, os cílios pretos e longos cerrados. Bella achou que morreria, ou talvez saísse flutuando.

Então, do mesmo jeito que veio, foi embora quando ele a soltou. Mas seu sangue continuava fervendo através das veias como lava.

– Está saudável – ele informou, olhando como se quisesse ver através dela. – Cuide de sua saúde, se deseja mesmo cumprir o que me prometeu

– S-sim, meu senhor.

– Ele possui uma magia forte, já é possível senti-la, mesmo com tão pouco tempo.

– Pode ser que não seja um "ele". – ela disse, no fundo, temerosa. O seu Lord parecia muito certo de que teria um menino.

– Não importa o que será, Bellatrix. Só o quão poderoso e leal a mim se tornará.


Ela soltou o ar, de alguma forma aliviada. Ele abriu um novo sorriso, como sempre, parecendo maligno, e não feliz ou qualquer coisa que um sorriso devesse parecer.

– Eu conheço bruxas tão boas quanto bruxos, e bruxas melhores que muitos bruxos. Caso contrário, porque me disporia a esperar por uma delas? Tenha uma boa noite, Bellatrix. No encontraremos dentro de alguns meses.

Ele desaparatou, deixou a garota tremendo. Ela estava anestesiada. Lord Voldemort a tinha elogiado?

– BD-

Demorou para encontrar o caminho de volta, não fazia a menor ideia de onde estava. Descobriu que se encontrava num enorme pomar com árvores de todos os tipos, e teve de andar muito para sair dele, arranhando as pernas em galhos e furando os pés em espinhos. Quando finalmente avistou o chalé dos Tonks, apressou o passo, agradecida pela grama macia sob as solas dos pés, e mal se deu conta de que estava sendo observada. Esperava entrar pelos fundos, mas foi surpreendida por uma mão que agarrou seu braço, do meio da escuridão.

Ela se defrontou com Ted Tonks, que enfiou a varinha acesa em sua cara, fazendo seus olhos arderem.

– Onde a senhorita pensa que vai? – ele praticamente rosnou, ameaçador.

– Para casa. – disse simplesmente.

– E onde estava?

– Eu fui ao pomar. Tive desejo de pêras.

Ele estreitou os olhos para ela, não acreditando em suas palavras.

– Eu sou uma grávida, Tonks. Tenho desejos no meio da noite. – disse, indolente. Ele só pareceu ficar mais irritado.

– Escute aqui, sua pequena maldição, não pense que eu estou engolindo você.

– Mas eu tive um desejo por pêras. Elas não são deliciosas desse lado do país?

– Você pensa que engana a Andy. Ela acredita que você tem solução, mas eu sei que você é um caso perdido. A mim você não engana, nem por um segundo.

Bella ergueu uma sobrancelha ignorando a dor onde ele apertava seu braço.

– Pra mim tanto faz, sangue-sujo.

– Não pense que pode chegar aqui e fazer o que quiser. Minha mulher tem o coração mole, mas eu estou de olho em você. Vou garantir que não faça nenhum mal para a minha família. Eu estou de olho em você, Black.

– Você está machucando meu braço, sua esposa poderia pensar que isso é uma coisa ruim para fazer com a irmã caçula grávida dela.

Ele a largou, Bella cambaleou e se apoiou na grade baixa que ladeava a casa, sob o olhar feroz dele.

– Muito bem, bom garoto! – ela sibilou, debochando – agora se não se importa, eu vou para a minha cama, tremer de medo sob suas ameaças.

Se virou, entrando pela porta da cozinha, sentindo o olhar dele na sua nuca. A voz de Ted soou na escuridão da casa, ecoando contra as paredes de madeira.

Ter você como mãe é um destino infeliz, Bellatrix. Eu tenho pena dessa criança.

(Continua...)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Leu? Gostou? Não gostou? Me deixe saber disso ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dossiê Bellatrix" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.