Dossiê Bellatrix escrita por Ly Anne Black


Capítulo 7
Atos Falhos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/563566/chapter/7


If you want live, let live
( Se você quer viver, deixe viver)
If you want to go, let go (Se você quer ir, deixe ir)
I'm never gonna be your sweet, sweet surrender (Eu nunca vou ser sua doce, doce redenção)
Guess it wasn't real after all (Acho que não era real, depois de tudo)
Guess it wasn't real all along (Acho que não foi real, todo esse tempo)

(Cloud Nine – Evanescence)

O dia seguinte se emendou com o anterior - Sirius não pregou os olhos a noite inteira.

Pela manha parecia um zumbi, e negou-se a ir para Hogsmeade com os amigos. Preferiu ficar deitado na cama, remoendo a sua aflição e tensão, o turbilhão de pensamentos amontoados, listando todas as conseqüências nefastas que teria em sua vida caso o que Bellatrix abrigava dentro da barriga fosse dele, e então, viesse à tona. E ele não podia entender como ela tomara veneno e envenenara a si mesma, mas apesar de tudo, continuava grávida.

Resolveu que não podia mais para ficar ali deitado, torturado pela sua própria mente, e que se vagasse pelo castelo em algum momento encontraria Bellatrix. Imaginava que ela não teria ido para Hogsmeade, mas também não podia ficar enfiada no próprio salão comunal para sempre. Precisava comer, certo? Grávidas não estavam sempre famintas, afinal de contas?

Ele percebeu como o adjetivo soou absurdo mesmo na sua cabeça. Era muito estranho pensar na prima “grávida”. "Doente" combinava infinitamente mais. Sirius se martirizou. Era um monstro.

Não ajudou a surpresa de encontrar Olívia sentada numa poltrona perto da lareira, sentada sobre as pernas e com os braços apoiados nas costas do assento, o queixo sobre eles. Estava de costas e não o tinha visto, ao que Sirius pensou duas vezes antes de se aproximar e sentar no tapete, recostando-se na lateral da lareira.

– Você não foi para Hogsmeade. – ele disse, sem saber o que mais poderia falar.

– Você também não. – ela não se moveu para olhar para ele, então não viu seu alívio por ter lhe respondido.

– Olha, Mane¹ – usou o apelido que ela gostava, querendo amolecê-la um pouco – eu sinto muito por ter saído daquele jeito. Eu acho que eu fiquei... você sabe, não é por nada, mas a situação me deixou meio perturbado. Sei que agi mal, me desculpe.

– Não se desculpe. – ela disse, sentando-se reta e cruzando os braços. O seu olhar, normalmente doce e divertido, conseguia ser bastante severo quando queria. – Porque eu não acho que você se arrependeu.

– Sinceramente, eu não me arrependi – ele precisou admitir, sem conseguir encará-la para dizer aquilo – foi melhor ter saído antes de te magoar ainda mais.

Ele viu que os olhos dela estavam se enchendo de lágrimas novamente, fora de seu controle.

– Você acha que ainda pode me magoar mais que isso? – perguntou, a voz incerta.

Ele sentiu uma dor no peito. Porque poderia magoá-la ainda mais, tinha certeza. Talvez não tivesse escolha a não ser trazer àqueles olhos cor de terra e céu ainda mais dor. Queria demais dizer 'não', mas não conseguiu, e Olivia desviou o olhar para as janelas. Era quase meio dia e o tempo continuava frio. O sol que iluminava as ocasionais sardas das maçãs do rosto dela não chegavam a aquecer sua pele.

– Sabe – ela disse, falando para a janela – Eu não consigo parar de pensar em Bellatrix. Quero dizer, ela é detestável e tudo mais, mas ainda é só uma menina de dezesseis anos. Ela deve estar muito assustada. Espero que Lestrange seja condescendente com a situação dela.

Ele não tinha pensado por aquele ângulo, mas até mesmo Bellatrix devia estar apavorada com uma coisa como aquelas. Era o que seus atos claramente demonstravam. Talvez por isso ela errara na poção.

– Você não vai me dizer para onde foi ontem, quando me deixou falando sozinha, não é mesmo?

– Não foi nada demais.

– Só me diga que não foi atrás dela novamente.

– Eu não a vi novamente. – disse, com sinceridade. Ele realmente não tinha visto Bellatrix afinal de contas, apesar da sua intenção.

Ele se aproximou da namorada – pelo menos queria acreditar que ela ainda era isso – e pegou a sua mão.

– Eu nunca, nunca quis machucar você, Mane.

– Não é o que parece.

– Eu sei. Mas você não entende, eu... bem, eu também não sei explicar. – suspirou.

– Isso nos deixa num impasse. – ela tinha os lábios apertados – Mas eu tenho uma solução, a menos por ora.

– Mesmo? - ele sentiu uma ponta de esperança quando a garota voltou a olhá-lo nos olhos.

– Sim. Se você diz que não quer me machucar, mas não consegue não fazer isso, e nem consegue responder quando lhe pergunto se pode fazer pior – elucidou, magoada – acho melhor que eu o impeça de fazer qualquer coisa que me decepcione ainda mais.

– E o que isso significa?

– Que você precisa se afastar. Longe de mim, não pode me fazer mal.

Sirius apertou seus dentes, e ele se forçou a assentir. Em outra situação, ele discordaria. Mas ela estava certa, indiscutivelmente certa, dolorosamente certa.

– BD -

Regulus e Sirius se encontraram fortuitamente em salas vazias nos dias seguintes. Na segunda feira, o quartanista ficou dezenas de minutos se vangloriando do seu encontro com Marlene. Sirius imaginava que o irmão estava tentando contar vantagem, mas ouviu pacientemente e até mesmo maneirou nos comentários debochados. Aquele era, afinal, o primeiro encontro de seu irmão caçula, e Sirius ainda tinha um coração.

Depois Regulus revelou que Bella aparecera no salão comunal no fim de semana, lendo, estudando e ignorando a curiosidade dos colegas sobre o seu estado na maior parte do tempo. O que parecia saudável na opinião de Sirius.

Na terça, Sirius quis saber por que diabos Bellatrix não dera as caras no salão principal ainda. Regulus negou – ela tinha acordado cedo e tomado o café da manhã antes de todos, almoçara na beira do lago, sozinha, e fora a todas as aulas. Ela devia ter pegado alguns atalhos e ficado fora de vista. Decidiu esperar até o terceiro dia, quando tinham aula de Transfigurção juntos, e Sirius poderia dar uma boa olhada nela. Talvez até conseguisse arrastá-la para uma sala vazia e fazê-la falar, acabar com a agonia dele ou acabar de uma vez por todas com a sua vida – porque qualquer coisa era melhor do que aquele suspense interminável.

Mas ela não foi à aula. Aparecia e saía das refeições como um fantasma e não dava chances para ele se aproximar. Na noite de quarta, muito irritado, ele arrastou Regulus para a sala de troféus, e não ajudou em seu humor o irmão anunciar, cheio de provocação, que marcara um novo encontro com Marlene McKinnon no fim de semana seguinte.

– Por que Bellatrix faltou a aula de Transfiguração hoje?

– Ela faltou? Até onde eu sei, ela foi para todas as outras.

– Ela está me evitando! – ele praguejou, descontando sua raiva na mesa e provocando uma interrogação de duvida no rosto do mais jovem.

– Por que ela faria isso? Além das razões óbvias pelas quais alguém evita você, quero dizer.

– Escute – ele disse, sentado-se, ele e a sua frustração, sobre a mesa – Você vai ter que me ajudar encontrar com Bellatrix.

– Não mesmo, Sirius. Uma coisa é dizer o que ela anda fazendo, isso é fácil, mas armar contra Bella? Sem chance, ela sempre sabe.

– Covarde. – Sirius acusou – O que vai querer em troca dessa vez? Vá em frente, quer um encontro com Marissa Cullen? - ele ironizou, se referindo a uma setimanista, também da corvinal, que todos achavam ser meio veela.

– Credo, não. – ele disse, enojado – Cullen tem sangue sujo na família, e além do mais, eu estou satisfeito com a sua ex-Marlene. No entanto, se você me conseguisse outra coisa...

Sirius mal acreditou na condição do irmão, não pelo pedido em si, mas por Regulus saber da existência daquilo. Por fim, teve que concordar com aquelas condições, e depois dizer exatamente o que o mais novo faria para deixar Bellatrix sem escapatória.

– BD -


Uma vez, quando Bella era pequena, ela se lembrava de ter se perdido da sua mãe. Isso fora muito antes de seus pais sumirem de suas vidas, deixando ela e suas irmãs sob os cuidados de tia Walburga e tio Orion. Cissa e Andie já estavam em Hogwarts, mas Bella só começaria a escola dali a dois anos. Como eram só ela e a mãe agora (o seu pai estava sempre viajando a trabalho), Druella a levava consigo o tempo todo.

Uma dessas vezes, estavam no Beco Diagonal e Bella soltou a mão enluvada da mãe, atraída por uma vitrine do outro lado da rua, onde haviam algumas esferas brilhantes coloridas. Era um dia muito frio de fevereiro, mas o vidro da vitrine estava quente, e o calor vinha daqueles magníficos globos que giravam lentamente, suspensos no ar, exibindo seus conteúdos densos e cheios de cor. Eles pareciam vivos - Bella perdeu a noção do tempo os observando girar.

Ela só percebeu que estava em apuros quando o vendedor veio para fora, e perguntou, preocupado, se ela estava perdida. Ela negou, e olhou para trás, pretendendo apontar a mãe. Mas Druella não estava lá, nem em nenhum lugar à vista. Só haviam muitos adultos desconhecidos andando para lá e para cá. A neve tinha recomeçado a cair em pequenos flocos, e ela percebeu que estava tremendo.

Lembrava que tinha se negado a entrar na loja. Ao invés disso, ela vagou pelo Beco Diagonal, ignorando os adultos estranhos, e tentando achar novamente a sua mãe. Isso demorou muito; os feitiços de aquecimento em suas roupas começaram a se desgastar, e também em seus sapatos, que foram ficando encharcados. Era a primeira vez que podia se lembrar de ter sentido medo. Não conseguia parar de pensar o que ia acontecer se não pudesse voltar para casa. Ninguém ia acreditar que ela era uma Black, e ela não tinha nem mesmo uma varinha. Como poderia desfazer os encantamentos de proteção da Black Manoir? E ela nem mesmo tinha certeza se podia encontrar sua casa, só sabia que era muito longe e só podia chegar lá aparatando, ou usando uma carruagem voadora. Ela não podia aparatar, e quem ia dar uma carruagem a uma criança de oito anos?

Medo era um frio que vinha de dentro. Odiou a forma como seus pulmões estavam comprimidos, e a garganta fechada num nó bem justo. Ela odiou, odiou, odiou isso. Ela pensou que poderia apenas sentar no meio de toda aquela neve e esperar, porque tinha a sensação de que quanto mais andava, mais perdida ficava.

Mas não tinha certeza de que sua mãe ia procurar por ela. Druella tinha mais duas filhas. E seu pai nem mesmo queria tantas filhas (ele preferia um menino, talvez ele não ligasse se Bella se perdesse). Pensar nisso só a deixou mais assustada. Ela queria mesmo voltar para casa. Sentiu seu rosto arder, e percebeu que eram as suas lagrimas geladas.

Eventualmente, ela viu Druella através do vidro de um pub. A mãe estava tomando um café com canela e lhe observou entrar e andar miseravelmente até a mesa onde estava. Bella se sentiu aliviada, mas também apavorada. Sabia que era culpa ter se perdido, então sentou no banco comprido e esperou levar uma bronca. Ao invés disso, Druella pediu um chocolate quente para ela.

– Você esteve chorando, Bella?

Ela abaixou o rosto, se sentindo envergonhada. Ela tinha achado que ia congelar lá fora, e que nunca mais veria suas irmãs.

– Me desculpe, mãe.

– Do que você está se desculpando? - ela perguntou severamente.

– M-me desculpe - seus lábios tremeram - por ter saído de perto da senhora sem avisar. P-por me perder.

– Agora, eu entendo que você teve uma razão para fazer isso?

– S-sim - ela se encolheu um pouco, sem tocar no chocolate quente. O tom de sua mãe era muito, muito duro agora.

– Era uma boa razão?

Ela se lembrou dos maravilhosos globos de luz e como poderia ficar assistindo-os por séculos.

– Sim.

– E você achou o seu caminho de volta? - perguntou Druella, ainda mais severamente?

– Eu… sim. - Bella arfou.

– Então, não se arrependa. Olhe para mim, criança - Bella levantou o rosto, sua mãe lhe olhava altivamente - nunca se arrependa. Você entende? Agora vá, beba o seu chocolate. Você está tremendo.

Bella não tinha se arrependido, dali para frente. Pelo menos até então.

Ela folheou com cuidado mais uma página do livro que Regulus roubara para ela, do acervo de Mme. Pomfrey. Aquela era uma relíquia de dois séculos, um epítome extenso de providências contra males físicos que podiam acometer um bruxo, e como curá-los de uma vez por todas. Não era muito usado, no entanto, por ser uma das obras de medibruxaria que nunca tinham sido aprovadas pelo Conselho de Ética e Segurança em Medibruxaria. A única razão pela qual a curandeira da escola o tinha, era porque ela precisava conhecer os contra-feitiços para as receitas listadas ali.

Ela quase sorriu ao lembrar de tia Elladora descrevendo as diversas utilidades daquele livro. Como o usara uma vez para curar uma úlcera maligna em tio Donatello Black, e ainda, como ele passara dias extraindo de si os pedaços da mesma, que saiam pelos lugares mais inesperados do seu corpo.

Bellatrix não ligava para os efeitos colaterais que precisaria suportar. Ela estava certa que já alcançara os limites do que um ser humano poderia agüentar em quesito agonia, e nada poderia ser pior do que seu estado atual.

Aqueles pesadelos horríveis, e sujos, não a deixava dormir desde que saíra da enfermaria, há três dias. Tinha esperado pacientemente até poder voltar a confiar no próprio corpo – se alimentado bem, como há semanas não fazia. A trégua, surpreendentemente, resultara no quase completo sumiço dos enjôos e dores durante o dia. Só precisava se lembrar à noite – quando ficava rolando na cama, pensando em pequenos bebês com a cara de Sirius, zombando dela.

Ela vinha ignorando espelhos, mas o seu uniforme estava começando a ficar apertado, e dali a pouco as pessoas iam começar a perceber. Naturalmente, ela também estava ignorando Sirius. Nenhum bem podia vir de se encontrar com ele novamente e ouvir o que ele teria a dizer, especialmente se a sua ficha já tivesse caído.

Pegou o pergaminho e tinta e tentou ser gentil com o futuro marido:

Rodolphos,

Preciso que me arranje um verme-cego e uma sanguessuga luciferina. Se certifique de que cheguem vivos. Seja discreto e ande rápido.

Sinto muito por ter sido rude com você no sábado.

B.B.

Se certificou de que ninguém a estava vendo antes de deixar o salão comunal e ir, seguindo um caminho mais longo e pouco usado, para o corujal. Escolheu a sua própria coruja, a única que considerava confiável, para atar a carta, e lhe mandou diretamente para o noivo, quando percebeu, com um sobressalto, que não estava sozinha na torre cheia de excrementos.

– Hey, B. Você não está com frio?

Ela estreitou os olhos para o primo mais novo, observando atentamente como ele tentava parecer casual ali no canto, acariciando a cabeça de uma coruja branca que estava pousada em seu braço. Regulus vestia um pesado casaco azul safira que combinava exatamente com o tom dos olhos. Ele tinha algum tipo de obstinação rebelde oculta por detrás do sorriso torto, que elevava o canto esquerdo da boca. Se perguntou com quem ele aprendera a sorrir daquele jeito (como se ela não soubesse).

– Você está me seguindo? - perguntou, irritadiça. Estava vendo Regulus ‘casualmente’ muito mais do que o normal nos últimos dias.

– Deus, não, Bells. Só quero me certificar de que está bem.

Ela ergueu uma sobrancelha. Talvez desmaiar nos braços dele o tivesse deixado um pouco assustado, no final das contas.

– Anda praticando a azaração de ferretear? - mudou de assunto, perscrutando com atenção a expressão dele, procurando evidencias de suas verdadeiras intenções.

– Um pouco. – ele deu de ombros. – Na verdade eu tive uma idéia melhor. Eu estive pensando, você não quer que o lorde fique decepcionado comigo, não é?

– O que eu não quero é que você envergonhe o nome da família. Se você fosse qualquer outro, sabe que não me importaria com o que milord fosse pensar a seu respeito.

– Então você está do meu lado. – ele concluiu, com um sorriso.

– Eu suponho que sim. - respondeu cautelosamente.

– Eu andei pensando, há algo que posso fazer e que o deixaria satisfeito comigo. Ouvi dizer que há uma escassez de veritasserum no mercado, ultimamente. – Bella sabia que ele se referia ao mercado negro de poções, já que aquela especialmente era proibida de ser comercializada ou produzida a não ser por bruxos autorizados pelo ministério da magia. – E eu também sei que Hogwarts tem um estoque dela.

– Esperto. – ela desdenhou.

– E eu também sei – ele disse, sem se abalar – que você tem alguma facilidade em invadir o estoque de poções do colégio.

Ela se perguntou como ele poderia estar tão certo daquilo. É claro que boatos rolavam, mas ninguém poderia acusá-la de nada, não existiam provas contra ela.

– Deixe-me adivinhar – ela cruzou os braços, cética – você quer que eu roube poção veritasserum para você entregar à milord, e com isso obter algum prestígio.

– Isso. – ele confirmou, o sorriso ainda persistente.

– Por que, é claro, é muito mais fácil você me usar para roubar algo e levar o crédito por isso a aprender a realizar uma simples azaração com alguns coelhos.

– Na verdade, sim. Você não vai querer que eu chegue na frente do lorde das trevas e consiga apenas tostar o pêlo de um maldito coelho, não é mesmo, prima?

Ela considerou por alguns segundos aquela cena, e concluiu que não era uma idéia tão ruim. Regulus era uma negação em Feitiços e ela preferia adiar o momento em que veria Voldemort fazer um horrível estrago num rosto tão bonito quanto o do primo.

– Ok, bebê, eu pego pra você. Não vai ser nenhum esforço de qualquer maneira.

– Por quê? - indagou, astutamente – já pretendia assaltar o estoque de poções da escola de novo, Bella?

– Ah, como se isso fosse da sua conta.

– E quanto tempo você pretende demorar, priminha?

– Amanhã você já tem o seu grande triunfo em mãos, priminho.

"E eu, o meu", completou ela, mentalmente.

– BD -

Finalmente as coisas estavam dando certo para Bellatrix. A ausência dos enjôos eram certamente a parte mais louvável da sua melhora. Poderia até acreditar que o veneno devia ter tido algum efeito neutralizador sobre a coisa que carregava na barriga, mas não queria ser tão otimista.

No entanto, se sentir bem a ajudava a se concentrar na receita do livro. Dessa vez ela não iria falhar ou fazer o trabalho pela metade. Comeu direito no jantar e se recolheu no dormitório, jogando o feitiço de imperturbabilidade ao redor de seu dossel e esperando com paciência as colegas de quarto voltarem, e adormecerem. Quando tudo estava em silêncio, Bella deixou o quarto, sorrateira e silenciosamente.

Tinha tomado a maioria das providências para assaltar o armário durante a tarde. Um rato com um colar de catnip amarrado ao pescoço deixaria Mme. Norra, e então Filch, bem ocupados por algumas horas. O monitor-chefe que faria a ronda naquela noite era o lufa-lufa Leonard Mignon, mas se Bella calculara certo – e ela calculara – ele sentiria uma louca dor de barriga exatamente às onze horas, momento em que a poção de desarranjar que Bella engenhosamente colocara na jarra de suco dele faria efeito. O caminho estaria livre e ela ia conseguir muito facilmente todos os ingredientes que precisava.

Não teve problemas em chegar até a porta do armário de ingredientes do colégio, e jogou um feitiço de imperturbabilidade forte em todo o corredor. Com cuidado pegou uma caixa pequena de dentro da bolsa que trouxera consigo e abriu a tampa, deixando os minúsculos insetos cor de barro alcançarem a fechadura com um zunido contínuo. Observou, feliz, os cupins-de-ferro destruírem, em menos de dois minutos, a maçaneta e o sistema interno da fechadura, numa sucessão de estalos de suas pequenas presas.

Os tinha capturado no dia anterior de um ninho numa sala do segundo andar, enquanto filava aula de Transfiguração. Aquele tipo de infestação não era incomum em Hogwarts, não era como se alguém fosse acusar um aluno por isso.

A sonserina, uma vez no interior do armário, procurou disfarçar bem o seu furto, substituído as garrafas dos ingredientes por outras parecidas, que trouxera consigo. Eram elementos pouco usados, e demorariam séculos para dar conta da falta deles. Já a veritasserum, Bella só precisou substituir o conteúdo da garrafa de tamanho considerável por água, pura, cristalina e idêntica à poção.

Após reduzir todos os frascos e guardar na bolsa, e fazer parecer que somente os cupins-de-ferro tinham estado ali, ela seguiu tranqüila pelo corredor. Pelo menos até ouvir um barulho que a fez congelar no caminho. Rapidamente Bella virou à esquerda, buscando uma passagem secreta por detrás de uma tapeçaria, que a levaria para o andar de baixo. Ficou surpresa ao encontrá-la fechada com uma cola gosmenta que não cedeu ao seu feitiço.

Ouviu o barulho de novo, ainda mais próximo. Praguejou, percebendo que teria de desviar o caminho e ir pelas escadas principais. Fez isso o mais rápida e silenciosamente que pode. O cabelo ondulava atrás dela quando Bella desceu as escadas, pulando de dois em dois degraus, e o cabelo se voltou todo para o rosto quando pisou num degrau e ele cedeu ao seu peso, fazendo a sua perna descer – e não só ela, mas todo o tronco, a deixando presa. Após um breve momento de susto ela se debateu, tentando alcançar a varinha no bolso, mas era impossível.

Definitivamente alguém estava se aproximando. A garota tentou impulsionar o corpo para cima com o apoio dos braços, mas não tinha tanta força neles, e as suas pernas pendiam no nada. Ela desejou que não fosse Filch, que certamente zombaria da sua cara antes de tirá-la dali. Logo se arrependeu de ter desejado que não fosse o velho desagradável, pois o seu algoz era o pior possível para as circunstâncias.

Sirius se aproximou – pijamas, varinha em punho e um ar de triunfo estampado no rosto. Por um momento, encurralar Bellatrix quase lhe fez esquecer-se do real motivo das suas preocupações. Mas a expressão de vulnerabilidade dela o trouxe de volta a realidade, e o maroto franziu o cenho, se aproximando.

– Ops – disse ele com um vinco entre as sobrancelhas escuras – Sinto muito, Bella, só queria prender seu pé. Você se machucou?

Ela só conseguia ouvir um zumbido estranho no lugar da voz dele. Sabia que era o ódio subindo para a sua cabeça junto com o sangue. Sirius tinha mesmo armado uma armadilha para ela no meio do colégio, no meio da noite? A imaturidade da ação a fez tremer e fechar os punhos com força. Ele se aproximou todo sério e urgente, ficando bem na frente e fazendo sombra sobre ela.

– Nós precisamos conversar, ok? Já basta de fugir de mim. Me prometa que vai se comportar e eu te ajudo a sair.

– Você é inacreditável. - se limitou a falar. Não, não havia nada de terrível o suficiente que pudesse falar naquele momento para demonstrar como queria que o primo explodisse em milhares de pedaços. Mas ela estava desfrutando uma boa imagem mental, cheia de sangue e pedaços, e o zumbido estava começando a ceder.

– Bella! Sério, uma vez na vida, você pode deixar essa atitude toda de lado e falar sério comigo?

A vontade era de rir, e chorar e ela mordeu com força o interior da bochecha, ferindo a carne macia. Não sentiu a dor, só sentia o olhar pesado e incomodado de Sirius sobre o topo da sua cabeça. Ele interpretou o silêncio como um sim e a puxou pelos braços, ajudando-a a subir. Sempre que eles se tocavam algo acontecia – um choque elétrico inevitável, que ela esperou, mas que não aconteceu.

Apesar das mãos quentes dele, Bella sentiu um tipo de frio irradiar do local de contato e gelar seu sangue.

– Você está certo, precisamos conversar. – disse sem demonstrar emoção alguma. Os olhos dele se acenderam.

– Me deixe ajudar você – ele disse rápido, como se, se não falasse numa respiração só, fosse mudar de idéia sobre aquilo – eu... hum... você não está sozinha.

– Porque, você acha que pode me ajudar? Porque você me ajudaria, Sirius? Você sempre me deixou resolver as merdas que fiz sozinha. E sempre torcendo para eu me lascar no final.

Ele abriu a boca e fechou. Sua expressão era angustiada.

– A não ser – disse cruelmente – a não ser que você também esteja se sentindo parte do problema.

Os olhos cor de grafite dele se ergueram, repletos de antecipação e medo. Medo. Ele merecia cair da janela de um lugar alto e se quebrar todas as vértebras de encontro ao chão, não merecia?

– Eu sou? - ele perguntou sem ar quando viu que ela estava apenas contemplando sua agonia.

– Eu não sei. Você é? - o descaso, a frieza e a provocação inundando o rosto de Bellatix foram demais para ele. Agarrou os ombros magros da prima e a sacudiu, gritando entre os dentes.

– Droga, Bellatrix, diga logo de uma vez! Você não pode jogar com as pessoas desse jeito, sua vadia do inferno!

Ela o empurrou com toda a força e ele cambaleou para trás.

– Eu não estou jogando, Sirius! Eu estou tentando poupar você! Se você pudesse engolir seu maldito senso masoquista grifinório, nunca ia precisar saber!

Ele engoliu em seco. Estava olhando para ela como se Bella tivesse uma doença contagiosa. Ele estava tão branco que poderia estar morto.

– Então é isso? Então eu... você...

Ela deu um longo suspiro de exasperação.

– Escuta, Sirius. Só dê meia volta e suma daqui. Você pode fingir que nunca me forçou a ter essa conversa com você e não vai ter que remoer tudo pelo resto da sua vida. Você não quer isso, quer? Não seja nobre, seja esperto, só uma vez, e talvez não arruíne a droga da sua vida mais ainda.

– Você acha que eu posso ignorar, simplesmente? - ele meneou a cabeça – Você não tem que me poupar de nada. Só diga. Diga!

Ela olhou bem fundo no par de olhos que eram iguais aos seus. Ele não queria ouvir sua confissão, que seria como sua sentença. Não, Sirius só estava tendo um daqueles ataques de nobreza insuportáveis, aquela coisa estúpida que as pessoas faziam sobre se obrigarem a sofrer enquanto podiam se poupar.

Bella sabia que bastava dizer "não, você não tem nada haver com isso, só eu e Rodolphos temos" e ele nunca saberia. Mas seu peito espremeu mesmo quando mentalizou a frase e ela percebeu que não poderia poupá-lo. Mas não só isso. Ela percebeu que jamais dormiria em paz pelo resto da sua vida se não soubesse a reação dele.

– Nem, se já está pedindo. Sim, eu estou grávida de você.

Ela usou um tom cuidadosamente entediado, e poderia estar falando do tempo. "Céu nublado com pancadas de chuva ao longo do dia”. Enquanto isso ele sentia como se fosse vomitar. Onde ele estava mesmo?, se perguntou, através das manchas negras que tinham tomado a sua visão. Ah. Estava na escada para o terceiro andar e a sua prima mais nova estava dizendo que eles iam ter um filho juntos. O gosto amargo em sua boca indicou que o seu jantar estava voltando.

– Você está ficando verde, Black. – ela desdenhou.

– Como... como eu vou saber que não está mentindo? Até onde eu sei você não está exatamente se guardando para o casamento!

Então ele estava se prendendo a qualquer resquício de esperança que pudesse restar. Covarde, Bella xingou-o na sua cabeça. Mas quando falou foi tão doce e calma que não soava como a sua voz.

– Você foi o meu único, Rodolphos nunca tocou um dedo em mim dessa maneira. Você me infectou com essa coisa.

– Bella... – a voz dele saiu falhada e baixa.

Não. Só não... não fale nada de estúpido. Eu não quero saber o que acha disso. Você nem precisa achar nada. Nossa conversa acaba aqui e não quero ver você pensando que pode ajudar. Eu vou arrancar a coisa de mim mais rápido do que se possa dizer "evanesco".

Sirius achou que ela ia embora, mas ela não foi. Sua cabeça zunia, mas ele começou a lembrar sobre o veneno que ela tinha tomado para matar o que ela chamava de 'a coisa’. Ele sentiu algo que não tinha nada haver com a sua própria sensação de estar muito ferrado. Era como um tremor e um nojo e um desconforto – todos juntos como se fosse uma coisa só. Então ele piscou para ela.

– Isso é a assassinato. – disse através da boca seca.

Bella ergueu uma sobrancelha fina.

– Sim, é. – foi tudo o que respondeu. – E você não parece tão surpreso.

– Eu não estou surpreso. – o olhar dele era gelado – Mas você não pode matar uma criança. Você não pode ser tão... tão... – tentou dizer desumana. Mas pensou que as criaturas não humanas não mereciam ser postas no mesmo patamar que ela.

– Se é o meu corpo que está sendo prejudicado, até onde eu sei, sim, eu posso.

– Isso não é sobre a droga do seu corpo, Bellatrix! É sobre uma vida, por Merlin! Como você pode ser tão putamente egoísta?

Bella experimentou um breve momento de comicidade que levantou o canto da sua boca. O mundo estava virado, se Sirius estava acusando alguém de ser egoísta. Ela observou Sirius atentamente, o jeito como estava agitado e a veia que pulsava em seu pescoço. Parecia prestes a fazer alguma coisa impulsiva. Quebrar as coisas e gritar e xingar, talvez (ela já o tinha visto fazer isso outras vezes em seus surtos de rebeldia em casas). Mas ela soube que ele não descontaria nada nela, e a revelação foi uma surpresa. Ela era um monstro, mas também tinha algo que era parte dele dentro dela. Pela primeira vez Sirius se importava de verdade com algo sobre ela, e não só com o prazer que podia conseguir dela. Ela gostaria de saber até onde ele se importava, no entanto.

– Então o que você está dizendo – perguntou devagar - que você quer que eu tenha o seu filho? Você quer que um filho nosso viva?

Eles trocaram uma faísca quando se encararam. Sirius não conseguia ler a expressão dela. Mas a dele era óbvia, de hesitação e medo, novamente. Nem por um momento le esperara aquela pergunta e desde quando vinha procurando a prima para tirar satisfações, ele percebeu que inconscientemente tinha se forçado a não responder aquilo a si mesmo.

Não era uma escolha, era? Mas ela estava perguntando sua opinião mesmo assim. Bella esperou e esperou, tentando ocultar a expectativa atrás de um olhar vazio. Os segundos suspensos foram passando lentamente.

– Isso só... – ele arfou, desviando o olhar para o chão, para qualquer lugar longe dela – não é certo.

– É tudo? - a garganta da sonserina arranhou, seca.

Bella nunca realmente se esqueceu daquele momento. Ela podia perceber as pequenas engrenagens da cabeça dele processando freneticamente, e ela podia ver as suas pupilas ficando cada vez mais e mais escuras.

Naquele momento, Sirius poderia ter dito qualquer coisa, qualquer coisa que teria mudado a vida dos dois. De alguma maneira teria mudado, então ela esperou. Até que as pupilas dele pareciam dois poços sem fundo.

E Sirius ofegou pela boca aberta, deixando seus ombros caírem; ela percebeu que ele não diria nada.

– Escolha certa. – ela sussurrou baixo e firme quando a sensação era oposta de firme – Eu vou dar um jeito nisso. Você, você vai se certificar de nunca mais se aproximar de mim novamente. – vagarosamente pegou a bolsa com os frascos de poção no chão - E, Sirius, “putamente” não é uma palavra.

Deveria estar se sentindo vitoriosa. A rendição dele fora uma das mais fáceis, considerando-se todas as discussões que tinham tido no passado. Mas ela tinha a sensação incomoda de que lacunas enormes de persuasão e argumentos sobre moralidade e nobreza de espírito tinham sido engolidas pelo grifinório daquela vez.

Ela tinha vencido. Por que se sentia tão oca?

Sirius ficou naquele mesmo lugar, estranhamente petrificado, assistido a prima partir. Ela levou consigo a nuvem densa que o impedia de pensar direito, e também o seu equilíbrio – com uma vaga consciência ele sabia que estava desabando num degrau, e porque a sensação geral era um massivo aperto interno, ele ficou ali tremendo e chorando sem entender direito o porquê.

Os dois eram do mesmo sangue, afinal. Porque ele tinha mesmo acabado de fazer aquilo. Ele era como ela. Ele era exatamente como ela e não tinha tido sequer a força para evitar.

–BD-

Trix,

Você sabe ser bizarra às vezes, não sabe? Aí estão os seus novos bichinhos de estimação ou o que quer que eles sejam. Fique sabendo que isso me deu trabalho, eu fui ao inferno buscar essa sanguessuga estranha e você não vai me escapar fácil, vou querer uma boa retribuição quando nos encontrarmos.

Beijo, minha querida e estranha noiva,

R. L.


Bella amassou e atirou na lareira a carta de Rodolphos, passando a atenção para a caixa de madeira lacrada que tinha chegado junto com a correspondência. Era de se esperar que Hogwarts realizasse a mínima fiscalização na correspondência dos alunos, mas aparentemente o diretor não achava que isso era importante.

Aquela era dificilmente a única falha de segurança da escola, ela sabia. Frequentemente se surpreendia com a facilidade com a qual escapara da escola para reuniões de comensais. Haveria mais um na semana seguinte – a possibilidade espalhava um formigamento prazeroso pelo corpo da garota.

Ela rasgou o selo da caixa e checou as duas criaturas separadas por uma divisória; o verme-cego, que parecia uma minhoca gorda e castanha, ondulava satisfeito entre uma folha meio comida de alface e uma poça da sua própria gosma fedorenta. A sanguessuga luciferina – uma variação pouco ortodoxa da espécie comum, que preferia sangue novo – tinha um brilho lustroso esverdeado e cheirava a ferrugem.

Ótimo, a jovem selou novamente a caixa, era bom saber que Lestrange não era um grande inútil apesar de tudo. A coruja dele, Demetrius, ainda estava empoleirada no braço do sofá, esperando a resposta da carta, e piou desejosa para o conteúdo da caixa.

A porta do salão comunal da sonserina se abriu com violência e ela se ajeitou na poltrona, puxando a blusa larga que vestia para que não desenhasse os contornos do seu corpo. Reconheceu Regulus, que passou por ela como um furacão furioso, sem nem perceber sua presença.

– Pico hormonal, priminho? Olhe só para ele – ela debochou – virando um homenzinho!

Ele congelou a meio do caminho do dormitório masculino com a voz dela, e fez uma expressão estranhamente perturbada. Então após um segundo de indecisão, virou-se e partiu a toda para os dormitórios.

– Aberração. – Bella rolou os olhos. O ataque do quartanista também não passou em branco para as duas garotas fofoqueiras do quinto ano que tinham acabado de entrar.

– Pobre Regulus, caiu como um pato na teia da McKinnon. – disse uma delas, a que tinha cara de rã, e olhos esbugalhados.

– Ele pensou que podia dar uma de pegador como aquele irmão Black grifinório, mas, céus, ele é tão estúpido. Estava na cara que aquela McKinnon não podia ser sangue puro. Não com esses modos de vadia e tudo mais! Ela só fala por ai que é sangue puro, mas basta pesquisar um pouco e qualquer um descobre que o avô dela é aquele trouxa dono da Sainsbury's².

Bella rolou os olhos. As duas garotas perceberam a colega na poltrona próxima, se entreolharam e sumiram de vista. Os sonserinos tinham uma tendência de preferir ficar longe de Bellatrix, e ela não estava exatamente reclamando daquilo. Naquele momento Regulus voltava do dormitório, aparentemente mais calmo, no entanto ainda bem zangado, como indicava o brilho afiado dos olhos cristalinos. Ele tinha olheiras na pele pálida e lançou um longo e intrigado olhar para a prima, e depois para a caixa de madeira, e por fim à coruja de Rodolphos, o que a irritou profundamente.

– O quê? - perguntou mal humorada – Você não tem umas sangue-ruins para agarrar, não, em vez de ficar aqui me olhando com cara de quem mastigou ova de peixe?

A ofensa o atingiu e ele ficou pálido e trancou o maxilar. Mas pareceu achar melhor não revidar. Nunca era muito inteligente revidar uma ofensa de Bellatrix. Xeretar a vida dela, por outro lado, era meio que uma tradição para ele.

– O que tem na caixa? - sua expressão era uma mescla de desconfiança e curiosidade.

– Eu prefiro não lhe dar satisfações da minha correspondência, se não se importa, obrigada.

Ele sacou um sorrisinho maldoso.

– É de Rodolphos, não é?

As narinas dela inflaram.

– Não fique com a impressão de que eu quero você por perto só porque te ensinei uma azaração. Ainda mais agora que você anda se relacionando com escória também. – ela torceu o nariz com nojo.

– Eu não sabia, ok! Eu não sabia que Marlene McKinnon não era sangue-puro! – praguejou, fumegando de raiva.

– Ótimo – ela deu de ombros, se levantando para subir ao dormitório – Mas quando o lord ficar sabendo da sua traição, ele não vai perguntar se você sabia. Comensais competentes sempre sabem. – disse malvadamente, satisfeita com a sombra de medo que provocou nos orbes profundamente azuis do garoto.

Regulus alcançou Sirius depois da aula de Trato das Criaturas Mágicas, sob árvore perto das estufas. O irmão parecia enfadado e tinha se protegido debaixo de um ar de descaso, o que significava que estava só esperando o mais novo se queixar por ele não ter contado nada sobre Marlene ter parentes trouxas próximos. Não foi o que o quartanista fez; é claro que na noite anterior ele tinha ficado com vontade de afogar Sirius no lago e forçar a lula gigante a devorar seu corpo, mas aquilo tudo tinha passado por alguma razão. Essa razão ele só identificou quando viu que Sirius tinha a mesma expressão vaga e exausta que vira em Bellatrix.

– Aqui. – e entregou a capa da invisibilidade para o maroto; esse tinha sido o seu pedido, em troca de armar para ela e Sirius se encontrarem no dia anterior – Você, hum, conseguiu o que queria com Bellatrix ontem à noite?

– Eu falei com ela. – disse rigidamente.

– Eu suponho que isso seja bom?

– Está tudo resolvido. – comunicou sem exatamente olhar para o irmão. Na verdade ele parecia não estar focalizando nada.

– Você tem certeza, Sirius?

Sirius baixou os olhos. Regulus parecia inquieto.

– Desembucha pirralho, o que você está escondendo?

– Não estou escondendo nada – ele se defendeu rápido – é só que ela estava doente, não é?

– Eu já disse que o problema está resolvido. O que quer dizer que eu não quero mais ver a sua cara por ai, estamos quites, beleza?

O mais novo suspiro irritado, deu meia volta tomando o caminho para o castelo. Estava cada vez mais convencido que seus primos idiotas mais do que se mereciam.

–BD-

James Potter atravessou o seu salão comunal até o ponto mais afastado, próximo a lareira, onde um silencioso e derrotado Sirius se concentrava no nada. Aquela tinha sido uma longa manhã de aulas e o maroto não lembrava de ter ouvido a voz do amigo uma única vez. Se aquilo não era normal para a maioria dos mortais, para Sirius Black indicava que algo o estava incomodando em proporções astronômicas.

Além disso, todos tinham ficado assustados de verdade quando o moreno abandonara o seu almoço pela metade para 'pegar um livro no salão comunal para a próxima aula'. Então eles tinham horário vago e Sirius não estava infernizando a vida do ranhoso, ou discutindo efusivamente quadribol. Estava fitando o nada. Simplesmente parecia errado.

– Pads? - o rapaz de cabelos espetados sentou na poltrona mais perto do amigo – Eu notei que a minha capa sumiu durante a noite e reapareceu misteriosamente há poucos minutos.

Sirius pareceu estar emergindo de um lago muito fundo de pensamentos e piscou algumas vezes.

– Ah, cara, foi mal. Eu fui dar uma volta durante a noite, mas você estava ferrado no sono como uma princesa adormecida, não quis incomodar.

– Você sabe que não tem problema. A questão é que você está bem estranho. Talvez você devesse fazer as pazes com a Olivia. – ele esperou resposta, mas o amigo estava aéreo novamente – Sirius?

– Quê? Foi mal, Pontas. – ele coçou os olhos e deu um longo bocejo – não dormi muito essa noite.

– Sei... – James tinha que admitir que aquilo era óbvio porque o amigo estava com olheiras do tamanho de galeões. – Olha, eu não sou o rei da sensibilidade, mas até eu to reparado que tem alguma coisa muito errada. Não quero me meter, só quero avisar que nós, e por nós estou incluindo o Peter e o Remus também, nós não vamos julgar você nem nada.

Sirius balançou a cabeça. Depois enfiou os dedos pelos cabelos.

– São só alguns problemas. Bom, problemas realmente grandes. Mas acho que já dei conta deles.

– Você quem sabe. Mas é melhor não ficar com essa cara de morto-vivo pelos corredores ou a sua namorada vai ter um ataque de preocupação.

O moreno sentiu um gosto amargo. Pensar que Olie estava se preocupando com ele lhe dava ânsias, quando o estômago se apertava cheio de culpa e um horrível remorso. Estava adiando o momento de ter que olhar para ela e contar que Bellatrix estava grávida dele. Tinha certeza que se ainda restava algum frio de esperança entre eles, seria partido com uma notícia dessa magnitude.

Olívia nunca ia perdoá-lo por engravidar Bellatrix, e eles nunca iam ficar juntos novamente. Só de pensar em ter que falar tudo para ela, sentia que as forças eram sugadas do se corpo. Mas, ele precisava mesmo? Bellatrix ia resolver o problema, não ia? Problema, ele repetiu mentalmente, eu estou chamando uma criança de 'problema'. O que diabos há de errado comigo…?

Quando, para sua surpresa, ela se aproximou de si mais tarde naquele dia, o grifinório não conseguiu encará-la face a face.

– Sirius, eu...

– Você não precisa ficar preocupada comigo. – ele a cortou, seco.

Ela ficou sem ação. Respirou fundo.

– Será que a gente pode dar uma volta? Só queria conversar.

Sirius concordou e a seguiu pelos corredores até o pátio interno do castelo. Cada passo parecia três vezes mais pesado que o normal, ainda mais porque, pela expressão de Olívia, a conversa provavelmente não seguiria rumos agradáveis. Ela parou de frente para muro baixo, olhando o lago, de costas para ele, tornando mais fácil a tarefa de não olhá-la nos olhos. Talvez Olívia também não estivesse disposta a encará-lo.

– Você falou com ela novamente, não foi.

Seu tom passava longe de uma pergunta. Mesmo olhando para os cachos claros ao invés de para seu rosto, Sirius sabia que a namorada retorcia o rosto em desagrado.

– Eu tive que. – admitiu com pesar.

– E então?

– E então... o que?

Olívia bufou impaciente, e se virou com os braços cruzados firmes.

– O que ela vai fazer?

– Ela está pensando. – mentiu.

– Ela realmente está?

Ele não ligou muito para o tom de desconfiança da garota, porque nem chegava a ser uma surpresa ela saber quando ele mentia. Seus olhos grandes e cristalinos liam com muita facilidade o que ele escondia bem da maioria das outras pessoas. Procurou se desviar deles, encontrando o céu claro atrás dela.

– Sirius, se eu te perguntar uma coisa, você vai me responder com sinceridade?

– Eu acho... – ele vacilou. Poderia? - Acho que lhe devo isso.

– Eu também acho. Você teve momentos íntimos com Bellatrix?

Sirius franziu ligeiramente o cenho.

– Sabe que tive. Quando éramos menores...

Não, Sirius. Atualmente. Enquanto estava namorando comigo, para ser mais especifica.

Ela poderia ter lhe dado um chute no estômago e obteria o mesmo efeito.

– Mane, eu… - o que ele não conseguia dizer em voz alta, tinha certeza que estava estampado em sua cara de culpa.

A garota assentiu lentamente.

– Tudo bem, porque agora as coisas fazem mais sentido. O porquê de você estar tão incomodado desde que soube. Me diga, teve coragem de perguntar a ela?

O setimanista a olhou com terror. Olívia lhe falava com uma pedra de gelo no lugar dos sentimentos.

– O que, exatamente?

– Ah, por favor. – exasperou-se – Se o filho que ela vai ter é seu.

A sensação de falta de chão que vinha lhe acompanhando desde a conversa com Bellatrix se intensificou. Agora alguém que não ele verbalizara mais uma vez, as palavras como barras de ferro na sua cabeça já dolorida.

Como, ele pensava sem parar, tinha conseguido fazer algo tão estúpido? E como ele ia explicar isso para ela agora? Uma coisa sem explicação. Um acidente infeliz. Nada que dissesse seria o bastante.

No entanto ela já parecia estar quilômetros a frente, pensando muito rapidamente em todas as implicações.

– Se o filho é seu, Sirius, você tem a obrigação de ajudá-la com isso. – disse friamente.

– Bellatrix não quer minha ajuda. Ela já me mandou ficar longe.

– E você vai obedecer a uma adolescente grávida e confusa? Isso não seria um pouco oportuno da sua parte?

A insinuação o feriu e despertou seu sangue antes aparentemente congelado. Então Olivia estava ali para machucá-lo, e ele não parou para lembrar que ela tinha o direito de fazê-lo. Ele precisava reagir. Impulsiva e inconseqüentemente, era assim que ele funcionava.

– Bella decidiu o que vai fazer e não quer minha participação. Eu não poderia dissuadi-la. Eu a conheço melhor do que ninguém.

– Você ao menos tentou Espera... o que ela vai fazer, exatamente?

– Ela vai abortar.

– Ela... o quê?

– Você me ouviu, Olie. – suspirou, cansado.

– Sirius! – ele deliberadamente ignorou a cara pasma e cheia de horror na namorada – Você vai deixar?

Ele ergueu uma sobrancelha. Desde quanto na face da terra alguém mudava a cabeça da prima?

– Ah, meu deus. Eu nunca pensei... – ela tapou a boca com os dedos brancos – Você vai deixar ela fazer isso, não é? Você não se importa.

– E porque você de repente se importa tanto? - indagou, com mau humor.

De toda forma, aquele pareceu ser o ultimo golpe que Olívia estava disposta a suportar. Ela negou com a cabeça varias vezes, então o deixou sozinho no pátio frio. O moreno não percebeu realmente quando a garota se afastou. Só conseguia pensar que não dava para perder mais nada agora. Isso devia ser bom, certo? As coisas não podiam ficar piores que aquilo.

Ele ouviu um soluço, um ofego como de engasgo. Virou-se a tempo de ver a garota apoiando-se na parede. Ela parecia estar tendo um acesso de falta de ar, o rosto pálido enquanto sugava oxigênio em ciclos curtos, escorregando até o chão, rente ao muro. Correu para ela, se ajoelhando ao seu lado. Aparentemente o esforço em ser impassível lhe custara demais e agora a força da sua decepção viera ao de uma vez só.

– Sirius, você estragou tudo! – disse, de repente soluçando, a voz estrangulada – O que há com você, que... que há nela... Como você conseguiu...

– Eu sei, Mane, eu sei. – ele suspirou, apertando os ombros dela contra si – Eu decepcionei você.

– Nós estávamos dando certo... – se lamentou – Eu pensei que estávamos...

– Nós estávamos. – confirmou fervorosamente. – Me desculpe, eu sinto muito...

– O que acontece, o que é isso que existe entre vocês, que te impede de deixar Bellatrix de lado por mim?

Seus olhos avermelhados e cheios de lágrimas se viraram para ele em confusão. Um bolo sólido se formou na garganta de Sirius quando ele encarou o sentimento de inferioridade que Olivia sentia em relação a Bellatrix. Como ela podia pensar que a sonserina era um centésimo que fosse melhor do que ela?

E como ele pudera ser cruel a ponto de dar a entender isso para ela?

– Eu não sei, Olie... eu não sei, eu amo você...

Passos apressados se fizeram ouvir pelo pátio e uma onda ruiva de cabelos indicou que Lilian Evans se aproximava. Provavelmente algum aluno lhe avisara e ela viera correndo, com o senso irrevogável de eficiência que tomara junto com o titulo de monitora chefe da grifinória.

– O que está acontecedo... o que você fez com ela, Black?

Provavelmente para os olhos de Evans, Olivia devia parecer fisicamente machucada. Ela tremia como se realmente sentisse dor.

– Eu vou... levá-la para a enfermaria. - ele disse roucamente.

A garota em seus braços se contraiu.

– Acho melhor eu levá-la. Venha comigo, Olívia – a ruiva estendeu os braços, um olhar de acusação para Sirius – Não se preocupe, vai ficar tudo bem.

Ele se levantou e assistiu as duas garotas sumirem pelo corredor. Se sentia um lixo imundo, mas não ligava para o quão mal estava. Ele merecia se sentir horrível por causar tanta decepção e dor à Olie, depois de uma vez ter prometido que seria leal e cuidaria dela enquanto estivessem juntos.

– BD -

Estivera ali assistindo o sol desaparecer do céu e como resultado roera todas as suas unhas, tentando aliviar uma tensão que era impossível de ser aliviada. Aquela era a primeira noite com real perfil de primavera, o vento já não gelava os ossos, as flores começavam a brotar.

Mas o caçula Black tinha preocupações mais urgentes, que faziam sua cabeça doer desde a noite em que pedira ao irmão a capa da invisibilidade de Potter emprestada. Na ocasião, ele pretendera usar a capa para se encontrar com Mckinnon na Torre de Astronomia.

Estava quase agradecendo o fato de ela ter aberto sua enorme boca para fofocas sobre eles dois para a escola toda, o que o levara a descobrir - o que seus ditos amigos sonserinos tiveram prazer em informar - que ela não era sangue puro. No final das contas não tinha havido encontro em torre nenhuma, e no lugar disso Regulus usou a capa para matar sua curiosidade sobre o que Sirius queria tão desesperadamente conversar com Bella.

Sempre fora curioso sobre a relação estranha entre seus primos, ora de ódio, ora de cumplicidade. Então ele seguira Sirius e ouvira a conversa debaixo da capa. Bellatrix tinha feito sexo com Sirius. E ela estava grávida.

Ele não podia conceber qual dos dois fatos configurara horror maior, o incesto ou a gravidez da sua prima. Ah, ele tinha demorado dias para digerir aquilo, sem coragem de confrontar nenhum dos dois sobre o assunto. Como ia admitir para Sirius que tinha escutado a conversa escondido? Como ia olhar nos olhos de Bellatix deixando-a saber que ele conhecia os fatos que a relacionavam com Sirius? Que ela estava grávida do traidor do sangue, do traidor da família?

Regulus se sentia até mesmo constrangido por ela. Quando ele pôde repassar o assunto sem ter ânsia de vomito, as implicações o assaltaram. Bellatrix ia tentar abortar, mas ela já tinha tentado fazer isso até ali e não dera certo. E se ela não pudesse fazê-lo, simplesmente não tivesse capacidade de se livrar do bebê por magia própria?

Ia ter que pedir ajuda... ia ter que admitir... ia envergonhar a família de maneira ainda mais horrível do que Sirius fizera. E se ela tivesse que ter o bebê, ela não poderia ser comensal. Voldemort não ia querê-la, ia? A mãe de um bastardo, um pequeno desertor da família por hereditariedade?

E a família não ia mais aceitá-la. Rodolphos não ia querer mais se casar com ela. Todos os planos iam sendo arruinados, um a um. Era impressionante como alguém que nunca tinha nascido já podia ter tamanha capacidade destrutiva. Regulus já odiava o bebê de Bellatix antes mesmo de saber se ele sobreviveria ou não. Se pudesse ele mesmo ajudá-la com o aborto... mas Bella nunca ia aceitar a ajuda dele. Era orgulhosa demais para isso.

Questões daquele gênero tinham atormentado a sua semana, ao mesmo tempo que observava a comoção, ou a falta dela, nas atitudes de Sirius e Bellatrix. O primeiro andava visivelmente irritadiço pelo colégio, respondendo mal quem quer que se aproximasse. E visivelmente não comungava mais com a trupe costumeira, nem com a namorada Loren. Talvez ela soubesse e o tivesse largado, Regulus cogitou, mas qual era a probabilidade? Ele só esperava que ela não desse por aí com a língua nos dentes.

Já Bellatrix, surpreendentemente, voltara às atitudes normais. Seus níveis de descaso, sarcasmo, tédio para com a vida e desprezo pelo mundo tinham recuperado a médias rotineiras. A única indicação de que algo estava errado com ela era sua nova predileção por vestes folgadas, logo ela que praticamente ajustava seu uniforme ao corpo religiosamente a cada ano.

Aquela noite, no entanto, trazia uma preocupação a mais para o quartanista; mais uma reunião de pretensos comensais com o lorde negro. Aquelas ocasiões o deixavam a flor da pele, como se cada um dos encontros pusesse a integridade da sua vida em jogo. E ele sabia que aquilo era um fato. Até agora nenhum dos sonserinos tinham se machucado fatalmente, mas as tarefas a que o Lord lhes impunha vinham ficando piores.

Da última vez tinha dado ordens para que investigassem um grupo qualquer pró-direitos dos sangue-ruins que estava se formando entre os estudantes corvinais, com apoio da diretoria. Ia exigir relatórios, e da parte de Regulus não havia nenhum. Esperava que algum dos colegas tivesse uma boa informação para dar ao lorde das trevas.

Bem, e é claro, havia Bellatrix. Como ela ia aparecer na reunião com um filho de Sirius na barriga? O Lord saberia. Ele sempre sabia de tudo. Ele a humilharia na frente de todos. Talvez até mesmo pedisse que Regulus aplicasse nela um Cruccios, como tinha pedido na primeira reunião que a garota fizesse em Rodolphos. Seria capaz de aplicar uma maldição imperdoável na prima grávida? Um calafrio doloroso perpassou seu corpo. Medo. O medo do Lord Negro superava o medo de todas as outras coisas.

Mais uma vez desejou não ser tão intrometido e ter permanecido na ignorancia. Respirou fundo. Tenha calma, Regulus. Conversou consigo mesmo. Quando houver uma marca negra nova em folha reluzindo no seu braço, tudo valerá à pena. Um vento fresco soprou seu cabelo, corroborando os pensamentos positivos, lhe dando um pouco de coragem. O horizonte além do lago, agora completamente escuro, indicava que a hora do jantar provavelmente tinha acabado. Escolhera esperar distante do salão principal, porque seu estômago ansioso não ia aceitar a comida dos elfos de Hogwarts.

Ouvia muito vagamente o barulho de passos e conversas, o que significava que todos estavam indo para o salão comunal com suas barrigas bem cheias e preocupações pífias sobre trabalhos escolares e testes finais. Tomava coragem para seguir a corrente quando viu alguém entrar no pátio vazio e reconheceu a silhueta e o uniforme da corvinal.

– Black, podemos conversar?

Ele olhou para os lados se certificando de que não havia mesmo ninguém além deles. Seria péssimo que fosse visto em companhia de Marlene Mckinnon, logo agora que os colegas estavam começando a se cansarem de lhe encher o saco por ter tido um envolvimento com uma sangue-ruim.

– Não, garota, não podemos. Eu não tenho assunto em comum com nenhuma sangue sujo mentirosa, até onde possa me lembrar.

– Merlin, você é grosseiro. – ela não se fez de rogada ao se aproximar - Não lembro de você ter perguntado minhas referências sanguíneas antes de enfiar a língua em minha boca no Três Vassouras.

Ele rolou os olhos, exasperado.

– Bons tempos eram aqueles em que os sangue-ruins se resumiam a sua insignificância e não se davam a ousadia de falar com os puro-sangue. Eu tinha essa falsa esperança de que ainda houvesse sensatez no mundo, então desculpe por esquecer de perguntar se você era um ser inferior.

– Então você devia se envergonhar horrivelmente de ter ficado com o pinto duro por um ser inferior.

Ele fez uma careta.

– Você é tão vulgar.

Ela tinha chegado à frente dele e parecia além do aborrecimento por todas as palavras rudes que tinha recebido até ali. Porque afinal aquelas não eram as primeiras de Regulus, ele tinha lhe falado coisas muito piores ao descobrir que ela o enganara.

– Ninguém reclamou da vulgaridade quando estava tentando arrancar o meu sutiã fora.

Ele fez um muxoxo de incredulidade.

– Ok, eu já entendi, Mckinnon. Você é gostosa e eu lhe dei uns amassos. Mas terminou ai, está
bem? Não fique rastejando, isso é péssimo, eu não lhe quero mais.

Ela meneou a cabeça, muito desaprovadora e crítica.

– Você é exatamente como o seu irmão. Impressionante.

Regulus não gostou de ouvir a comparação, principalmente frente aos recentes acontecimentos que relacionavam Sirius e Bellatrix. Ser como Sirius nunca soara tão desonroso, e a insatisfação ficou tão clara em seu rosto que acendeu um sorriso satisfeito em Marlene.

– Você não gosta dele, não é? Mas fique sabendo que nem se fossem gêmeos poderiam ser tão parecidos. Eu posso dizer isso, porque eu conheço Sirius. Muito melhor do que aquela namoradinha banana dele pode dizer que conhece, eu garanto. Tenho certeza que ele não fez com ela metade do que fez comigo, e eu lhe digo, Black, vocês até beijam de modo parecido. De fato, você é um bom substituto, quase tão bom quanto ele.

Regulus ficou de pé na frente da garota. Era quatro ou cinco centímetros maior que ela e fez sombra em seu rosto.

– Cala essa boca, McKinnon.

– Eu poderia te ensinar a ser bom como ele. Aposto que essa é a sua maior frustração, que seu irmão seja tão acima de você em alguns quesitos... essenciais da vida.

– Eu sou muito melhor que Sirius – avisou, com raiva – Você não faz a menor idéia.

– Então me mostre. Você me mostrou tão pouco...

– Isso foi porque eu descobri que o seu sangue é sujo, e fiquei com ânsia de vomito de chegar perto de vocêe.

– Ah, vamos lá, Black – ela deu um sorrisinho, e um passo à frente, inclinando a cabeça para cima de modo a olhar nos olhos dele – Você não tem que ligar tanto para o que as pessoas dizem... e eu juro que fico de boca fechada a partir de agora.

– Essa não é a questão...

Marlene passou os braços ao redor do corpo dele, o envolvendo em calor e em seu cheiro amendoado e doce. A boca macia dela se aproximava e o coração de Regulus palpitou mais acelerado contra a sua vontade. Às vezes ele se aborrecia de verdade com aquele vigor dos seus hormônios, as reações do seu corpo, difíceis de controlar quando uma garota chegava perto. E assim tão perto, a ponto dos seios da jovem serem pressionados contra o brasão da sonserina do seu uniforme, foi completamente involuntário que os braços dele envolvessem-na firmemente.

A chance de esquecer os problemas todos e beijá-la (entre outras coisas) era muito tentadora. Como se agarrar com uma sangue-ruim podia ser mais urgente que a sua reunião de comensais, ele não poderia explicar.

– Fale a verdade, Reg – ela sussurrou em seu ouvido, clamando a reação imediata do palpitar de seu sexo – A pureza do meu sangue não faz a mínima diferença para você, você só está preocupado com a opinião alheia…

Enquanto seus hormônios mandavam em seus músculos, levando-o a segurar a morena ainda mais forte contra o corpo e beijá-la com sofreguidão, no fundo da sua mente parecia que uma luz de alerta piscava. Mas o que era? Fale a verdade... Então ele lembrou, entendeu o lembrete do seu subconsciente, de que estava chegando a hora da reunião com o lorde negro e ele ainda não sabia se Bellatrix tinha conseguido o que lhe prometera, a poção veritasserum que usaria para fazer média com Voldemort. Sem isso, ele não teria absolutamente para o lord aquela noite.

– Droga – interrompeu o beijo para xingar, e começou a afastar Marlene de si – Tenho que ir.

– Sério, Black? Deus, você é mesmo um bunda mole, eu sabia!

– Tenho coisas mais importantes a fazer do que ficar aqui suprindo o ego rejeitado de uma corvinal pisada pelo meu irmão, Mckinnon – ele a afastou para poder passar – Sinto muito.

– Ah, que ótimo! É isso que dá me meter com criança! – e quando Regulus estava deixando a garota sozinha no pátio, ainda a ouviu mandá-lo em alto e bom som ir fazer uma coisa com 'f' que não ficava bem nem mesmo saindo da boca de uma sangue ruim como ela.

– BD -

Eram onze da noite. Em uma hora ele ia estar vendo o par de olhos vermelhos malignos de Voldemort. A perspectiva o fez correr de volta ao seu salão comunal, ignorar a estranheza que causou nos colegas ao entrar esbaforido e correr escada acima rumo ao dormitório feminino da sonserina.

A sua casa era a única na qual os garotos tinham acesso ao dormitório feminino. Alguns alunos tinham conseguido desfazer o feitiço de contenção anos atrás e o diretor não se preocupara nunca em reativá-lo. Facilmente chegou ao quarto que Bellatrix dividia com mais duas colegas e bateu na porta, e esperou, sem resposta. Admitiu que estava vazio (todos ainda conversavam ou estudavam no salão comunal, sonserinos dormiam tarde) e entrou, correndo até a cama da prima mesmo sabendo que ela não estava lá. Tinha esperança de encontrar o vidrinho de poção da verdade no meio das coisas da garota e sair antes de ter que se deparar com ela.

Suas esperanças foram vãs, é claro. Nem revirar o malão da prima, as gavetas do criado mudo, olhar debaixo do colchão ou conjurar a poção funcionou. No entanto, quando puxou os cobertores de Bellatrix a fim de sacudi-los, dois livros caíram do chão, chamando a sua atenção.

Um era uma enciclopédia de Serpentes (ele não fazia nem a mais remota idéia de porque a prima ia querer aquilo) e o outro, aparentava ser um livro de transfiguração. No entanto, ele facilmente reconheceu que era aquele que roubara para ela da Ala Hospitalar, do acervo de Mme. Pomfrey, em troca de aprender a fatídica azaração de ferretar.

Ele usou a varinha para trazê-lo a sua forma original: Compêndio Geral das Soluções Extremas em Magia Curativa. Na ocasião do roubo se perguntara para que Bella ia querer aquilo, mas agora um novo significado o pegou de assalto, gelando seu estômago.

Regulus muito cuidadosamente abriu o livro no local onde as páginas se mostravam viciadas, como se tivesse sido forçado a ficar aberto ali por muito tempo. Era um capítulo inteiro sobre Males Vivos do Interior Humano. Ele folheou até chegar em Parasitas Mortais – vermes e outras criaturas que se alojam no corpo onde reconheceu a letra de Bellatrix ilegível em notas pelo rodapé. A página seguinte começava com um resumo do que a prática do ritual seguinte se propunha a fazer: Como se livrar de parasitas indesejáveis em órgãos do corpo humano com o uso de predadores.

Embaixo havia dois desenhos nojentos: em um deles, um verme cego e um sanguessuga com espinhos estranhos pareciam cruzar, e em seguida o verme punha um ovo-larva gosmento que pulsava como um pequeno coração. No outro desenho, uma pessoa segurava o que parecia ter saído da larva anterior – um anelídio semelhante a uma minhoca luzidia, com uma couraça de espinhos curtos e afiados e uma boca cheia de fileiras de dentes circulares. A pessoa do desenho suspendia a criatura acima da barriga, aproximando-a da pele.

A legenda dizia: o resultado do cruzamento entre o verme cego e a sanguessuga, se feito de acordo com as instruções desse capítulo, reunirá em si a capacidade de detectar o corpo estranho (parasita) no organismo e de ingeri-lo. O procedimento deve ser feito na lua cheia, de modo que o animal consiga ser atraído para fora do organismo pela freqüência lunar máxima (que ocorre durante a meia noite).

Com a cabeça rodando, o quartanista buscou na próxima página as instruções do tal ‘procedimento’, e percebeu que a pagina tinha sido arrancada. Isso, junto com a rápida percepção da lua cheia reluzindo no céu do lado de fora da janela, reacendeu o pânico dentro dele. Ele soube que Bellatrix não ia esperar pelo mês que vem, quando sua barriga já estaria grande o suficiente para ser notada. Lembrou da encomenda que recebera recentemente pela coruja de Rodolphos, uma caixa que poderia facilmente conter os "ingredientes vivos" daquela receita.

Mas, pensou, Bella ainda tinha que ir para a reunião de comensais meia noite. Talvez ela tentasse fazer o ritual mais cedo. Talvez estivesse fazendo naquele exato momento. A mais breve imaginação de Bellatrix fazendo com que uma cria de verme cego com sanguessuga entrasse em sua barriga para comer o seu bebê o fez querer vomitar e bater em algo ao mesmo tempo. O garoto correu em busca da lareira privativa mais próxima, pretendendo falar com a única pessoa que julgava poder ajudar naquele momento.

– BD -

– Mansão Malfoy! – Regulus gritou para a lareira da sala de monitores do sonserina, após ter jogado um feitiço de impertubabilidade em torno do monitor-chefe, que dormia. Em seguida enfiou a cabeça no fogo azul e sentiu o mundo rodar, até seus olhos doerem com a intensa luz que compunha a sala de estar da Mansão Malfoy. Para a sua sorte não precisou gritar muito, logo um elfo apareceu e ele lhe ordenou que chamasse Narcissa.

A sua prima mais velha apareceu minutos depois, vestida num robe cinza, e não se conteve de surpresa ao se deparar com ele.

– Regulus? Qual é o problema?

Era obvio que só algo muito grave poderia estar acontecendo para o caçula aparecer tarde da noite na lareira da Mansão Malfoy, inclusive porque ele e Narcissa nunca tinha sido muito próximos.

– Bellatrix! – ele conseguiu ofegar. – Ela vai... hum. Ela está grávida.

Os olhos de Narcissa se arregalaram feito pires.

– O que? Do que você está falando?

– Ela está grávida de Sirius. Ela tentou abortar algumas vezes e só conseguiu ficar doente. Ela até ficou uma semana inteira em coma na ala hospitalar. E agora eu acho que ela vai fazer uma coisa muito idiota.

– Pelo fogo do inferno, Regulus, que história é essa? - a loira se ajoelhou na frente da lareira, falando mais baixo e olhando para os lados, para ter certeza de que nenhum elfo estava ouvindo aquilo.

– Não tenho tempo de explicar tudo, Cissa, mas antes da Bella ir para a Ala Hospitalar da outra vez, ela me pediu para roubar um livro do acervo particular de Mme. Pomfrey, chamado Compêndio Geral das Soluções Extremas em Magia Curativa. Ela disse que era para o lorde das trevas, mas agora eu sei que estava mentindo. O livro estava aberto num ritual para se livrar de "parasitas do corpo humano" e eu acho que ela recebeu de Rodolphos uma encomenda com um verme cego e uma sanguessuga...

A ex-sonserina estava cada vez mais pálida. Parecia ter reconhecido sobre qual ritual Regulus falava, porque sua voz se encheu de gravidade.

– Regulus, onde Bellatrix está agora?

– Eu não sei, ela sumiu, não está no salão comunal! E eu acho que ela levou com ela a pagina das instruções, que ela arrancou! E hoje é lua cheia! Então eu queria saber, o que pode acontecer se ela fizer isso, o máximo que pode acontecer é dar errado, e ela não conseguir fazer o aborto de novo...?

– NÃO! - Narcissa percebeu que tinha acabado de gritar e se forçou a baixar o tom, apesar do visível pânico – Bellatrix não pode fazer isso, o risco da criatura... da cria resultante comer uma parte dela é muito grande! Se ela quer que o feto seja ingerido, ela com certeza usou um sanguessuga luciferino, e ele é faminto por carne nova... mas a carne dela mesma é nova! Ela ainda é uma criança, não há garantias que ele vá se contentar só em comer o bebê, e provavelmente não vai!

Obviamente Regulus agora se encontrava além do pânico. Seu rosto estava tão branco e cheio de horror quanto o de um fantasma recém-descarnado.

– O que eu faço? - ele praticamente implorou para a prima, a voz de choro.

– Ache ela!

– Eu não sei onde ela está, Cissa!

Pense! – a loira exigiu – Onde ela poderia fazer essa estupidez tamanha sem ser incomodada?

Talvez a urgência da situação fez seu sistema nervoso usar o máximo da eficácia, e ele se lembrou da estufa desativada onde tinham praticado as azarações de ferretar. Ninguém sequer tinha descoberto os restos mortais dos coelhos virados ao avesso que eles deixaram ali. Não podia existir um lugar mais perfeito.

– Eu já sei onde – ele disse por fim.

– Va agora e a impeça! O que você está esperando?

Ele olhou brevemente para o relógio pendurado na parede atrás dela. Onze e quinze. Nunca ia chegar a tempo para a reunião com o lorde negro se fosse atrás de Bellatrix agora.

– Eu tenho uma reunião marcada com você-sabe-quem meia noite! – sussurrou com urgência.

Narcissa avançou em seu pescoço. Literalmente. A ameaça no olhar dela quase se equiparava a que ele veria nos olhos de Voldemort quando fosse ser castigado por faltar a reunião.

– Regulus, lealdade ao sangue vem primeiro. Pare Bellatrix. Faça isso ou eu mato você antes que Voldemort possa dizer Avada.

Ok! – foi tirando a cabeça rapidamente da lareira, assim que seu pescoço foi liberado. Ainda ouviu as ultimas palavras de Narcissa: “E deixe-a saber que eu estou a caminho."

If I fall and all is lost (se eu cair e tudo estiver perdido)
No light to lead the way (nenhuma luz para iluminar o caminho)
Remember that all alone (lembre-se de toda aquela solidão)
Is where I belong (é onde eu pertenço)

(Cloud Nine – Evanescence)

(Continua…)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹Mane significa “Juba” em inglês. Sirius deu esse apelido a Olivia por causa do cabelo dela. 

²Salisbury é uma rede famosa de supermercados no Reino Unido.

Agora que eu vi que o cap ficou o dobro do normal. O.O Vocês preferem caps assim grandes, ou ficou cansativo?

Eu sei que tem gente por ai lendo e que ainda não deixou um alô! Não custa nada e me fará extremamente feliz =)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dossiê Bellatrix" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.