Perseus: A guerra contra o Princípio escrita por Naylliw Freecs


Capítulo 16
Uma fuga digna de Hollywood, ou não...


Notas iniciais do capítulo

Ehrr... Alguém? Se ainda houver alguma alma por aqui, só vou dizer uma palavra. Enem. Acho que isso explica muito não?
Desculpem a demora, de verdade.
Boa leitura!
Ponto de vista ainda do Percy.



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— Tenho que lhe admitir Jackson. Você me poupou de muito trabalho trazendo a criança de Hades até aqui. – Recuei institivamente alguns passos quando o sr. Reed avançou um. Minha cabeça girava tentando buscar, associar a figura a minha frente com algum deus, mas não importava o quanto buscasse o rosto de cada divindade existente, não conseguia chegar a resultado algum.

— O que você quer com esses semideuses? Hades não ficará feliz quando descobrir que alguém ousou machucar...

— Por acaso acha que eu me importo com o que o senhor dos mortos pode fazer? – Um pequeno rosnado escapou de sua garganta e seus olhos semicerraram-se quando falou do deus do submundo. – Não me importa o quão poderoso ele seja. Estou servindo forças muito maiores do que qualquer um possa imaginar!

Tão rápido quanto o vento, o suposto deus deu fim ao espaço que existia entre nós, descendo a espada sobre mim tão rápido e com tanta força que ao se chocar com a minha bengala faíscas brotaram entre as armas.

— Eu sempre soube que você era diferente. Sua simples convivência com as crias do submundo parecia sufocar a presença pútrida da morte nesse local. Devo admitir, que por um momento pensei que não fosse encontra-los, mas tenho certeza que independentemente de quem seja, não conseguiria esconder um terceiro! – Defendi mais um de seus golpes, mas sua afirmação me atingiu como um soco no estômago. Franzi as sobrancelhas sem entender o que ele havia dito, confusão estampada em meu rosto. – Ah, então você não sabia do terceiro... Bom, não importa, quando tiver acabado com você irei captura-los e leva-los até meu mestre!

— Percy! – O grito de Bianca atingiu meus ouvidos assim que a espada do sr. Reed abriu um longo corte em meu braço. Meu antigo professor de literatura riu alegre ao ver o líquido vermelho-escarlate e pegajoso fluir lentamente até meus dedos.

— Nenhum grito? Admiro sua coragem garoto, mas apenas coragem não vai ser o suficiente para conseguir me vencer. Você sangra como um mortal e morrerá como um deles! – Xinguei mentalmente aquele ser em todos os insultos em grego antigo que conhecia, recuando cada vez mais a cada choque de sua espada contra a bengala. Meu maldito professor ganhando terreno a cada golpe que desferia. – Sabe, apesar de ter ordens para levar os semideuses vivos, não me especificaram se teriam que estar em bom estado. Eu e a garota vamos nos divertir bastante, se é que me entende...

Cada célula de meu corpo parecia ferver. A fúria transbordava por meus olhos perfurando a escória em minha frente. Alguns metros atrás de nós, Nico tentava inutilmente livrar a irmã das grossas cordas que a prendiam, os soluços da garota percorriam toda a clareira. Deixei que sua espada cortasse o ar ao meu lado, numa tentativa de partir meu pescoço, abaixei no último segundo agarrando seu pulso e o torcendo no mesmo momento que ele me deu uma rasteira, fazendo minhas costas se chocarem contra o solo lamacento, a bengala de bronze escorregou por entre meus dedos. Carlota, em meu ombro, cravou com ainda mais força as suas pequenas unhas em minha pele, numa tentativa de conseguir manter o equilíbrio.

— Argh! – Rosnou o deus irritado, realizando um movimento rápido e preciso que fez alguns ossos estalarem ao voltarem para o devido lugar. Tentei me levantar, mas ele desferiu um chute em meu estômago que arrancou todo o ar de meus pulmões. – Não importa o quão forte você seja garoto! Não importa o quanto você se esforce! Existe uma linha firme que separa as divindades e os mortais. É simplesmente uma questão de hierarquia. Homens nunca se equivalerão aos deuses! Terei muito prazer em vê-lo queimar!

Os olhos do sr. Reed começaram a brilhar perigosamente, numa luz azulada que começava a preencher toda a floresta. Enquanto sua face começava a se dissolver naquele intenso turbilhão de luz, ele ameaçava mostrar sua verdadeira forma divina. Grover deu um grito agudo, pedindo para que Nico e Bianca fechassem os olhos, atirando seu corpo magrelo na frente dos dois. O vento gelado e cortante bateu com força em meu rosto, dando a impressão de que pequenas agulhas tentavam perfurar minha pele.

Arranquei bruscamente Carlota de meu ombro, rompendo nossa conexão e sentindo suas pequenas unhas rasgarem minha pele no momento em que tudo a minha volta escurecia no mais completo breu. Escutei seu rosnado de irritação quando pus minha mão em volta de seu pequeno rosto e mesmo sem poder enxergar coisa alguma senti o momento que o suposto deus explodiu em energia divina. O calor não era insuportável, mas também não era reconfortante. Os pelos de meus braços se eriçaram e escutei o rosnado do Deus, que logo foi seguido por um potente murro em meu rosto.

— Criatura imunda! – Cambaleei alguns passos para trás, largando Carlota institivamente para que ela pudesse fugir e se proteger. – Como você ousa... Como você ousa sobreviver?!

Firmei meus pés no solo lamacento da clareira, escutando os passos pesados de meu antigo professor atravessarem a curta distância que nos separava. O ar frio da noite bateu com força contra meu corpo no momento em que ele agarrou meu pescoço e me arrancou do chão. Mais um soco foi desferido contra meu rosto. Meu lindo, perfeito e maravilhoso rosto. Dessa vez senti minha boca se inundar com uma mistura de saliva e sangue. Seu aperto se intensificou em minha garganta, fazendo-me engasgar em minha própria saliva enquanto tentava tragar o ar.

— NÃO!! Por favor! Deixe ele em paz, por fav... – A voz cortante e trêmula de Bianca atingiu meus ouvidos me arrancando do estado de demência em que me encontrava.

— Calada, vadia imunda! Quando acabar com o mortal você terá o que merece. Antes de acabar com sua vidinha imprestável iremos nos divertir muito... – Todo meu sangue ferveu no momento que escutei sua língua estalar contra o céu de sua boca. – Mal posso esperar para você ver o que farei com seu jovem corpo, é claro que...

Antes que pudesse terminar sua fala atingi sua mandíbula com meu joelho, fazendo com que me largasse enquanto recuava alguns passos. Traguei o ar como se minha vida dependesse disso, de fato dependia, mas não iremos nos apegar a pequenos detalhes. Por que? Ah sim, o sr. Reed já avançava contra mim mais uma vez. Relaxei os músculos, buscando sentir o que acontecia a minha volta, escutando o som abafado dos pesados passos do deus.

— Argh! Minha orelha, animal maldito! – Antes mesmo que pudesse reagir escutei o rosnado de Carlota poucos metros a minha frente. Apenas para em seguida senti-la sendo brutalmente arremessada contra meu peito. Recuei mais alguns passos até sentir minhas costas encostarem contra o tronco de uma árvore. Nesse momento, Carlota agarrou minha mão com suas pequenas unhas e depositou algo um tanto mole lá. Larguei instantaneamente. Eu definitivamente não gostaria de saber o que era aquilo.

— Preste atenção. – Supliquei para a pequena mico mutiladora em meus braços. O sr. Reed já voltara a avançar, dessa vez um pouco mais lentamente. Talvez temeroso com a possibilidade de um outro animal raivoso ataca-lo e levar algo mais útil que uma orelha. – Preciso que você traga o Arthur aqui. O mais rápido que puder. Pode fazer isso? – Na minha mente tentei ao máximo focar a imagem de meu amigo para que ela compreendesse. Quando ela pulou de meus braços em direção a copa das árvores, pude apenas torcer para que ela tivesse entendido o recado e não saído a procura de bananas para comer como da última vez. Longa história.

A espada do deus cortou o ar acima de minha cabeça no momento em que me abaixei, arrancando algumas lascas da árvore que caíram sobre minhas bochechas. Rolei para o lado tentando me afastar e dei uma cambalhota um tanto mal executada para frente, erguendo-me e me virando na direção do sr. Reed. O fato de, bem, eu ter voltado ao completo breu dificultava um pouco as coisas, no entanto o grunhido irritado do deus me fez perceber o quanto o mesmo já estava farto da situação. Ergui a mão e minha bengala voltou voando em disparada de onde quer que ela estivesse largada.

— Vem brincar comigo, tio Reed?— Ele rosnou como um animal enjaulado e avançou pesadamente. Concentrei-me mais uma vez, escutando o som de seus passos, sua respiração alterada. E quando ele se aproximou o suficiente avancei um passo, girando meu corpo para desviar do golpe de espada que me partiria em dois e juntando toda minha força restante acertei seu peito (talvez tenha sido o estômago, eu não vi direito, se é que me entendem) com a bengala. O golpe o arremessou pelo ar por alguns metros, não tive certeza se o som que ouvi em seguida fora de seus ossos ou do tronco de alguma árvore se partindo ao meio.

— Oh meus deuses! Você conseguiu? Derrotou um deus! – A voz esganiçada do tal Grover atingiu meus ouvidos, mesmo que eu tenha certeza de ter ouvido um balido antes disso. Então ele era... Ah não, não podia ser...

— Impos... Impossível! – Dessa vez era o sr. Reed, alguns metros à frente, seus ossos estalavam no processo de cura, músculos e tendões regressando aos devidos lugares. – Eu vou te destruir! Não sobrará nem mesmo seu pó quando...

— Desculpa te informar professor, mas... – Interrompi seu discurso de ódio e pisquei um dos olhos para ele, mesmo que todos os meus músculos parecessem ter liquefeito ou virado geleia, torci para estar olhando na direção certa. – Como diz o ditado, “Vaso ruim não quebra”.

— Sua criatura patética! – Berrou de onde estava, ainda podia escutar todos os estalos que partiam de seu corpo. – Eu vou te matar! Não irá me vencer, por que... por que eu sou um deus! – Estampei o sorriso mais cínico que podia em meu rosto quando lhe disse o seguinte.

— Deus fraco!

Ele se reergueu juntamente com o rosnado que escapou de sua garganta, avançou alguns paços lentamente, suas caretas de dor misturando-se com as de raiva. Os olhos faiscavam numa tentativa de acessar sua forma divina. Meu corpo inteiro fervia, não de adrenalina, mas sim de exaustão. Não conseguiria levar a luta por muito mais tempo.

Nico? – A voz aguda de uma garota ressoou pela clareira e nos chamou a atenção, logo em seguida seu corpo surgiu de dentre as árvores, os galhos secos estalando sob seus pés. O cabelo negro preso acima de sua cabeça e o vestido azul que lhe valorizava as curvas me vieram a mente. Só então a reconheci. Havia escutado sua voz ainda nessa noite. Alex, a acompanhante de Nico.

— Alex?! – A voz do garoto demonstrava um misto de pavor e incredulidade. Ao seu lado Bianca e Grover pareciam ter perdido a fala, pesados soluços ecoavam da filha de Hades. Enquanto o garoto sussurrava “não, não, não”. – Saia daqui! Saia agora!

— Então a terceira finalmente resolveu se juntar a nós! – Mesmo sem poder ver, tive certeza que o sr. Reed abriu um enorme sorriso, sua voz transbordava satisfação. Quando voltou a falar sua voz soou mais distante de mim. E logo foi seguida pelo grito estridente de Alex. – Ouça bem garoto cego! Como sou um professor muito bom te darei duas escolhas! Ou você recua para aquela festa patética que aquele bando de adolescentes está celebrando e me deixa cumprir meu dever, ou você fica e eu quebro o pescoço da garota!

— Ni-Nico? O que... O que está acontecendo?

— Não! Percy, não... por favor... Deixa ela, por favor... – A voz de Nico se intensificou quando a alguns metros de mim Alex começou a tossir de forma desesperada. – LARGA ELA!

— Não! – Riu o deus. – Enquanto Percy Jackson não recuar eu não irei...

Sua voz foi abafada pelo som de uma trombeta. Uma trombeta de caça.

— Maldição! – Urrou, meu professor. Ao mesmo tempo em que o barulho de diversos galhos quebrando ao nosso redor atingiu meus ouvidos. – Você não pode fazer isso! Interferência direta, não é permitido!

— Você tentou ferir uma donzela e um espírito da natureza orou em meu nome, clamou por minha ajuda. – Um calafrio percorreu minha espinha. Mesmo com o passar dos séculos, sua voz ainda transbordava com o desdém. Quase podia ver a criança de doze anos na minha frente, com seu cabelo ruivo e os olhos tão brilhantes quanto a lua. – Então deve me perdoar, mas... Como deusa protetora das donzelas e da vida selvagem. Eu possuo total direito de interferência.

— Maldita seja, Olimpiana! Não me importa...

— Minha senhora. Permissão para abrir fogo contra o inimigo. – Ergui levemente uma das sobrancelhas, uma gota de suor frio escorreu pelo meu pescoço. Não consegui reconhecer aquela voz.

— Como ousa me interromper caçado...

— Permissão concedida.

Quase que instantaneamente o sr. Reed gritou. Algo passou rente ao meu rosto numa velocidade tão alta que senti minha bochecha arder. O barulho de cordas e das flechas encantadas que partiam de seus arcos era quase imperceptível.

— Argh! Ninguém me impedirá de cumprir meu dever, nem mesmo você Ártemis! Esses semideuses não estarão para sempre sobre seu arco, deusa da lua. E uma hora eles cometerão um erro! Sempre cometem...

Uma lufada de vento me atingiu de frente, fazendo meus pés derraparem pelo solo do local, atrás de mim a mesma garota que interrompeu o deus falou mais uma vez.

— Caçadoras, semideuses e sátiro! Olhos fechados! – Uma última flecha foi disparada antes da pequena explosão me atirar no solo. O grito de Alex ecoou pela clareira, até que o único som que podia ouvir, era o do balançar da copa das árvores.

— NÃO! – Gritou Nico. E só então me dei conta do que havia acontecido. O sr. Reed fugira, levando consigo Alex. A suposta semideusa de descendência desconhecida. – A culpa é sua! Aquele homem levou minha amiga, como você... Como você achou que arcos e flechas poderiam ajudar? Se sabia que estávamos aqui, por que não chamou as autoridades? Por acaso você é louca?!

— Garoto tolo! – Mais uma vez aquela garota. Sua voz era fria e dura, carregava o peso de séculos de dor. Eu sabia bem como era. – Como ousa insultar Lady Ártemis de tal forma?!

— Sem problemas Zöe, ele acaba de perder alguém com quem possui algum laço afetivo. Permanecerá vivo... por hora.

— Nico... por favor, tente manter a paciênc...

— Cala a boca você também! – O garoto rosnou enraivecido, a temperatura despencou no momento em que a aura fétida da morte tomou conta do local. – Você é o principal culpado! Se não tivesse me arrastado e ouvido o meu conselho, ela não teria nos seguido, não seria se quer raptada.

— Nico, por favor... – Bianca tentou intervir, sua voz embargada pelo choro. – Acalme-se, mantenha a calma...

— Não Bianca. – Era como se três Nicos falassem ao mesmo tempo. Os sussurros das caçadoras atingiram meus ouvidos, mas por algum motivo nenhuma delas atacou. Permaneceram imóveis, quase que como estátuas. – Eu mantive a calma quando a mamãe morreu, mantive a calma quando nosso pai nos largou como se fossemos brinquedos velhos e mantive a calma quando fomos obrigados a nos mudar de internato como quem muda de roupa. Agora definitivamente não é hora para manter a calma!

— Interessante. – A voz da deusa da lua se sobressaiu acima dos sussurros das caçadoras, fazendo um arrepio percorrer toda a minha coluna. – Duas crianças de Hades? Não... ele não ousaria... Zeus deve ser informado sobre isso.

— Desculpe-me Lady Ártemis. – Minhas mãos suavam frio. E talvez minha voz tenha se afinado um pouco, mas ninguém pode afirmar nada. – Mas os filhos de Hades vem comigo.

— Garoto tolo. – Mais uma vez aquela garota. Por alguma razão tive a impressão de que ela não era alguém que desejaria ter como inimiga. Engoli em seco, precisava agir rápido, ou então falharia com minha palavra para com o deus dos mortos. – Como ousa contrariar uma deusa olimpiana de tal forma?

— Está tudo bem, Zöe...

— Vocês estão me ignorando?! – Voltei minha atenção para Nico, a aura da morte ainda pairava sobre o local. – Como se atrevem a...

— Já chega. – O estalar de dedos de Ártemis ressoou por todo o local, logo veio o baque surdo, seguido pelo grito estridente de Bianca. Maldição. Ela havia apagado Nico. – Agora responda-me. Quem é você? Semideus, espírito da natureza, sátiro?

— Sou o guardião dos filhos de Hades. – Uma gota de suor frio escorreu pela minha testa, precisava ganhar tempo. – Com todo respeito, m-mas sua ajuda já não é mais necessária.

— Você é corajoso. Mas não passa de um homem tolo. – Sua voz ainda se mantinha tranquila, apesar de ter certeza de que em sua mente pensava ser melhor me transformar num coelho ou esquilo. – Estamos em maior número e em melhor estado físico. Irei leva-los ao Olimpo, serão julgados pelo conselho e acatarão minhas ordens sem questionamento, estou sendo bem clara?

— M-Mas La-lady Ártemis! Eu deveria levá-los ao acampamento... – O sátiro tentou argumentar enquanto eu buscava desesperadamente uma maneira de ganhar mais tempo. Droga Carlota! Por que tanta demora?

— Você já cumpriu seu dever, sátiro. Esses semideuses agora estão sob minha responsabilidade, pode nos acompanhar até o Olimpo ou retornar ao acampamento.

— Mas Quíron...

— Eu mesma me entenderei com Quíron se for preciso. A minha decisão já foi tomada. – A deusa suspirou, como se a conversa não lhe agradasse. – Zöe, você pode por favor soltar aquela garota?

A garota atravessou a curta distância que me separava da filha de Hades, seus passos leves eram quase imperceptíveis e não demorou muito para que eu pudesse ouvir o som das cordas se arrebentando. Bianca estava estranhamente quieta, apesar de ainda escutar os pequenos soluços que escapavam de seus lábios.

— O-Obrigada.

— Não foi na... Aquilo é um mico leão dourado? – Não demorou muito para que sentisse o pequeno peso cair sobre meu corpo, sua calda se enroscou em meu pescoço e as unhas cravaram em meus ombros. Minha cabeça girou por um momento, quando, pela segunda vez naquele dia, a escuridão ao meu redor tomou forma, pequenos pontos luminosos dançaram e saltitaram por um momento numa explosão instantânea de cores. Pisquei repetidas vezes, a ardência diminuía gradativamente com o tempo.

— Como ousa retirar de seu habitat natural, um animal à beira da extinção?! – Voltei minha vista para a direção de sua voz. Estava na forma de uma criança com não mais de 10 anos. Seu cabelo ruivo caia em cascatas por suas costas, os olhos levemente prateados fitavam-me com desaprovação e um pequeno bico de raiva desenhava-se em seus lábios. Dispostas ao seu redor, num formato de meia lua, haviam pouco mais de 15 garotas, todas com as características roupas das caçadoras, os arcos encantados ainda em suas mãos.

— Desculpe-me Lady Ártemis. – Sorri no momento em que o som de galhos sendo esmagados contra o solo atingiu meus ouvidos, fazendo algumas das caçadoras tomarem uma nova posição, com os arcos mirando em direção à floresta densa. Algo grande se aproximava. – Mas acho que uma olimpiana de tão alto escalão como você não teria tempo para escutar as histórias de um simples mortal.

— Mas o que... – Sua fala morreu na própria garganta quando o animal emergiu da floresta. O pelo esbranquiçado lhe cobria a maior parte do corpo, a não ser seus cascos e chifres, que reluziam num tom amarelado. Sua galhada era tão larga que abrigaria facilmente um humano adulto. Os olhos azuis chocaram-se nos prateados da deusa, sua face estava mais pálida do que consideraria normal. – Que animal tão belo...

Por um momento me permiti sorrir e apreciei o encontro de ambos. Arthur dobrou as patas dianteiras num sinal de respeito para com a senhora da lua, que por sua vez sorriu admirada, as caçadoras ainda permaneciam atônitas demais, a presença de uma espécie supostamente extinta pegara todas de surpresa. E então meu sorriso vacilou. Oh não. Droga! Ártemis ergueu uma das mãos e tentou tocar seu focinho. Os olhos arredondados de Arthur arregalaram-se e num único movimento ele saltou por cima da deusa e de suas subordinadas. Aterrissou ao meu lado e lambeu carinhosamente meu rosto, arrancando alguns protestos de Carlota. Ciumenta.

Os olhos de Ártemis voltaram-se para mim, chamas prateadas cintilavam através de sua íris. Puta merda. Eu estava muito ferrado. Recuei alguns passos, aproximando-me de Bianca que ainda chorava silenciosamente.

— Prepare-se. Ao meu sinal pule nas costas de Arthur. – Sussurrei para a filha de Hades. Ela ergueu os olhos negros, pronta para questionar alguma coisa que eu não iria responder, mas a deusa da lua resolveu se pronunciar.

— Um alce gigante? Como alguém como você possui um animal que foi extinto na última era glacial? Não... Ainda melhor, como você possui o respeito de uma criatura tão magnífica como essa?! – Seus olhos queimavam em ira. O bico raivoso desenhado em seus lábios, como se não aceitasse que um animal servisse a outro se não a ela.

Aproximei-me de Nico. Seu corpo inerte contra o chão ainda exalava a aura da morte. A tenente das caçadoras deu um paço em minha direção, sacando uma faca de caça prateada, enquanto eu punha o filho do deus dos mortos sobre meus ombros.

— Responda à pergunta de Lady Ártemis, homem tolo! – O metal frio de sua arma pressionou meu pescoço e Bianca conteve um grito.

— O rei dos alces gigantes não pertence a ninguém. – Respondi com tranquilidade, observando seus olhos se arregalarem e até mesmo sua tenente recuar alguns passos em choque. – Amizade e respeito mútuo é o que existe entre nós.

Arthur bufou e baixou a cabeça, afundando sua galhada na terra úmida e arrancando enormes pedaços de solo que logo choveram contra as caçadoras. Ártemis simplesmente estalou os dedos, incrédula, fazendo com que a terra dissolvesse no ar antes de sequer atingi-la. Sua tenente avançou, mas o rei dos alces simplesmente ergueu um dos cascos acertando seu estômago, o que a fez deslizar alguns metros no solo escorregadio. Um golpe apenas para atordoar.

— Bianca, agora! – Talvez eu esperasse que ela pulasse como uma daquelas heroínas dos filmes de Hollywood, caísse sentada sobre o dorso de Arthur e assim conseguiríamos fugir. Grande engano. Bianca tropeçou nos próprios pés e acabou agarrada ao pelo do animal por uma de suas orelhas, ele bufou mais uma vez, insatisfeito. Mas não havia tempo, aumentei o aperto de minhas mãos ao redor da cintura de Nico e pulei sobre o dorso do animal. – Arthur! Saia daqui, depressa!

Algumas caçadoras ergueram os arcos, prontas para atirarem, mas a voz de sua senhora sobressaiu-se acima de qualquer barulho naquela confusão.

— Não ousem atirar contra o alce! – Arthur bufou mais uma vez, satisfeito. O rei dos Alces tomou impulso e disparou em direção à floresta, Bianca agarrada a lateral de seu corpo gritou em desespero, Nico ameaçou escorregar de meus ombros. Uma flecha passou raspando pelo meu rosto, senti a ardência um segundo depois e xinguei mentalmente em grego antigo. Bianca gritou mais uma vez e arregalei os olhos quando percebi que uma das flechas havia atingido seu ombro. O peso de Nico parecia aumentar cada vez mais, as caçadoras eram persistentes, continuavam a correr atrás de nós, disparando flechas quando julgavam não haver perigo de acertar o rei dos alces.

Quando a própria deusa da caça investiu contra nós rosnei irritado, insistente como sempre, corria mais rápido que um leopardo. Logo a distancia que nos separava não passava de poucos metros, ela sacou duas facas de caça monstruosas tão longas quanto meus braços, sua forma física tremulou por alguns instantes enquanto atingia sua forma adulta. Então ela saltou, a distância se tornou menos de um metro, meus olhos incendiaram-se e uma parede de fogo surgiu em meio a floresta, a deusa estagnou, mas Arthur continuou a correr, atirando-se contra o fogo. O rosnado de ódio de Ártemis foi a última coisa que pude escutar antes de tombar para o lado, desmaiando vergonhosamente enquanto os gritos de Bianca ecoavam em minha mente.

               

               


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Façam esse pobre autor feliz! Deixem seus comentários!
Tenho a impressão que a história finalmente começou a andar...
Até o próximo!
~Filho da Noite e do Mar



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