Se depois de tudo isso você achou que tudo fosse terminar bem, se enganou só um pouquinho -- é claro que não demorou muito para que os Cavaleiros Rúnicos, o exército do Conselho, aparecessem com ordens de prisão. E é claro que, embora a maioria delas tivesse sido para os magos criminosos - ainda inconscientes - da Oración Seis, nem todos eles realmente mereciam ser presos. Não que isso importasse agora.

Um homem de óculos deu um passo à frente e se apresentou como Lahar, capitão daquela divisão dos cavaleiros. Uma barreira de runas mágicas prendia o grupo numa pequena área (apesar dos protestos de Ichiya, que queria ir ao banheiro).

— Nenhum de nós fez nada de errado! — Happy gritou em protesto, e Natsu concordou com a cabeça.

O capitão dos cavaleiros deu um passo à frente com um olhar determinado, a capa verde-azulada se agitando em suas costas com o movimento repentino. Sem esperar, declarou:

— Tem um dentre vocês. Nosso propósito aqui é prender o Oración Seis — os olhos de Lahar pairaram sobre o grupo, tentando identificar dentre eles quem era seu alvo — Aquele de vocês que é conhecido como Hoteye, por favor, um passo à frente.

Naruto e Jura imediatamente se colocaram à frente do ex-membro da Oración Seis, prontos para o defender.

— Espere um momento! — Jura gritou.

Mas antes que ele pudesse falar algo além disso, Richard (ou Hoteye) avançou e colocou uma mão em seu ombro.

— Está tudo bem, Jura-san, Naruto-san. — disse ele, sorrindo. Ignorando o olhar surpreso deles, prosseguiu: — Minha boa natureza pode ter despertado, mas os pecados que cometi ainda não se foram. Se eu quiser recomeçar, preciso fazer as coisas do jeito certo.

Naquele momento, Naruto admirou o homem diante dele muito mais do que pensara ser possível. E, apesar de se sentir mal por ele, após uma breve conversa com Jura e Erza (em que Hoteye acabou finalmente descobrindo o paradeiro de seu irmão, que no final era um dos amigos de Erza da Torre do Céu) o loiro sorriu e apertou a mão dele antes que ele entrasse na carruagem do Conselho.

— Hot-... Richard. — disse Naruto, sorrindo para ele. — Quando você sair da prisão, venha nos visitar na Fairy Tail. Quem sabe você não acaba até se juntando a nós?

— Isso é bom. — Richard concordou com a cabeça. — Vou lembrar disso, Naruto-san. Obrigado.

Quando ele finalmente entrou na carruagem, Lahar limpou a garganta, chamando novamente a atenção de todos. Seus olhos se moveram entre o grupo e pararam fixamente num deles.

— E também… — disse ele. — Matou mais de mil pessoas. Destruiu trinta guildas só esse ano. É acusado de invasão, sequestro, espionagem, tortura, assassinato, e se filiar a um dos magos mais infames da história. O membro da White Snake que atende pelo nome de Kimimaro Kaguya, venha adiante.

Kimimaro não pareceu surpreso, tampouco os demais - se Hoteye havia sido preso, não era inesperado que ele também fosse. Até então o membro do clã Kaguya estivera sentado no chão, cansado demais por causa do estresse do selo amaldiçoado, e conforme ele se levantou, vários membros dos cavaleiros rúnicos instintivamente recuaram e apertaram suas armas.

— Isso não é justo… — um murmúrio passou entre eles. Kimimaro virou o rosto e sorriu para a pessoa que havia falado - Mike, um dos Dragon Slayers com quem ele havia lutado antes. Erza também parecia um pouco incomodada, mas não disse nada.

— Está tudo bem. Ainda vamos nos ver. — disse ele.

— Eu não contaria com isso. — Lahar falou enquanto Kimimaro passava por ele. — Você vai passar o resto dos seus dias na prisão, isso se não for condenado à morte.

Não é algo que ele deveria falar desse jeito. Naruto suspirou. Naturalmente ele iria tentar convencer o Conselho de que Kimimaro tinha sido uma peça fundamental na derrota da Oración Seis, mas sabia que no máximo conseguiria fazer com que ele recebesse uma prisão perpétua, ou no mínimo tão alta que dificilmente estaria vivo quando a pena acabasse.

Mas nada daquilo pareceu perturbar Kimimaro, que simplesmente entrou na carruagem depois de ser algemado. Apesar de tudo, ele sabia que Orochimaru ia libertá-lo assim que possível -- suas habilidades eram importantes demais para a White Snake, e com a perda dos outros quatro já seria muito difícil suprir a falta que eles faziam.

— Já podemos ir? Está começando a vazar~~~ — Ichiya outra vez tentou passar pela barreira mágica, só pra dar de cara com ela de novo.

— Não… Ainda não. Nossa meta não eram apenas esses dois. — A expressão de Lahar ficou ainda mais séria. Ele baixou a cabeça e estreitou os olhos na direção de Jellal, que até então tinha estado em silêncio. Naruto não se surpreendeu. — Infiltrou-se no conselho e causou sua destruição. Disparou o Etherion. Tem um criminoso ainda pior dentre vocês. — Erza arregalou os olhos ao ouvir aquilo.

— Jellal! Venha conosco! Temos permissão para te eliminar, caso seja necessário!

Mais uma vez as coisas se agitaram. Natsu, Wendy, Gray… Vários deles se levantaram e tentaram protestar, mas Naruto sabia que nada daquilo adiantaria. Suspirando, ele deu meia volta e caminhou de novo até Erza -- que observava tudo com uma expressão surpresa --, sentindo o conflito de emoções dentro dela.

Jellal deu alguns passos à frente e imediatamente dois cavaleiros se aproximaram e o algemaram. Não que isso fosse inesperado, mas mesmo assim... Naruto queria ajudar Jellal a escapar, mas sabia que fazer isso não era uma boa ideia. Mas isso não significava que não houvesse nada que ele pudesse fazer.

— Isso não é justo! — surpreendendo a todos, Wendy gritou no meio deles — Jellal perdeu as memórias! Ele não se lembra de nada disso!

— De acordo com a lei, não pode haver absolvição. — disse Lahar, e fez menção para os cavaleiros conduzirem o prisioneiro até a carruagem.

Como já era de se imaginar, não demorou muito até que Natsu ficasse irritado e resolvesse acertar as coisas com força bruta. Com os punhos cobertos de fogo, o Dragon Slayer partiu pra cima da divisão inteira dos cavaleiros rúnicos, batendo em qualquer um que estivesse ao alcance de seus braços. Um pouco depois Gray se juntou a ele, e o caos se espalhou por mais alguns segundos. Naruto olhou para Erza pelo canto dos olhos; ela estava tremendo. Ele podia sentir dentro dela as emoções conflitando. Ela queria se juntar a eles e lutar para libertar Jellal, mas ao mesmo tempo sabia que isso não iria adiantar de nada. Sabia que nunca mais iria ver Jellal novamente se o deixasse ir. Naruto percebeu que, mesmo com tudo isso dentro dela, nenhuma lágrima apareceu. Você é forte de verdade, Erza. Suspirando, ele deu um passo à frente e juntou as mãos na frente do corpo, os dedos cruzados num sinal de mãos muito familiar: por toda a clareira, incontáveis nuvens de fumaça explodiram em uníssono, e de cada uma delas brotou uma réplica idêntica do corpo de Naruto.

Surpresa com o ato repentino, Erza rapidamente virou os olhos para ele. E ele ainda tem todo esse poder mágico sobrando? Cada clone rapidamente tratou de agarrar um dos membros da aliança de guildas -- até Jura, que no fim também havia entrado no meio da confusão, foi rapidamente contido por uma das réplicas do loiro.

— O q-... Naruto?! — Natsu gritou quando um clone rapidamente o imobilizou contra o chão. — Por que você tá do lado deles?

O verdadeiro Naruto suspirou ao ver o fim da confusão. Ignorando Natsu, ele olhou na direção de Lahar e baixou a cabeça.

— Peço desculpas por isso em nome de todos, Lahar-san. Sabe como a minha guilda é.

O capitão dos cavaleiros ajustou os óculos sobre o rosto e chacoalhou a cabeça.

— Tudo bem. Vou evitar mencionar esse… incidente… no relatório oficial, mas vocês precisam tomar mais cuidado. O novo presidente não está pra brincadeira.

— Obrigado. — Naruto sorriu para ele.

— NARUTO! — Natsu gritou outra vez. O clone ainda o tinha totalmente imobilizado contra o chão. — Como você pode acei-...

— CALA A BOCA! — Naruto gritou de volta. — Eu também não quero isso, mas… Será que você não entende que agir assim não vai resolver nada?! Só vai arrumar confusão com o Conselho… De novo! Eu vou fazer o que puder pra convencer o Conselho a absolver Jellal, mas precisamos lidar com a realidade: ele é um criminoso!

Jellal olhou para baixo momentaneamente, sabendo que aquilo era verdade, mas então levantou a cabeça outra vez, dessa vez com um pequeno sorriso no rosto:

— Ele está certo. Posso não ter memórias do que fiz, mas… Eu sei que eu fiz coisas erradas. E se houver alguma chance pra mim… Vamos achar ela fazendo a coisa certa, assim como Richard e Kimimaro fizeram.

O olhar dele estava fixo em Erza, que a essa altura já nem tremia mais. Naruto tinha passado um braço ao redor das costas dela e a puxado para perto de si, mas Jellal percebeu que ele tinha usado aquilo pra disfarçar -- só por um segundo, o loiro a deu um beijo na bochecha, e naquele momento ele sussurrou alguma coisa que fez com que Erza abrisse mais os olhos. Ele está planejando alguma coisa.

Lahar também deve ter percebido, porque lhes enviou um olhar desconfiado, mas não disse nada. Ele simplesmente se virou e continuou conduzindo Jellal para a carroça.

— Você tem certeza disso? — Lahar sussurrou no ouvido dele. — Seus crimes… A sua pena com certeza vai ser prisão perpétua, isso se não for condenado à morte. Você nunca mais vai andar em liberdade por esse mundo.

Jellal não disse nada em resposta; ao invés, ele olhou pra trás por cima do ombro e sorriu na direção de Erza.

— É claro… A cor do seu cabelo. — No momento em que ele disse aquilo, outra nuvem de fumaça cobriu a clareira quando os clones de Naruto desapareceram. Quando a fumaça finalmente baixou, Jellal já havia sido conduzido para dentro da carruagem.

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Quase uma hora depois, eles ainda estavam lá naquela clareira. Ninguém estava com vontade de levantar e andar até a Cait Shelter, a guilda de Wendy, apesar de ficar a menos de meio quilômetro dali. Não naquele momento. Três prisões… três prisões que tinham justificativa, mas ao mesmo tempo pareciam tão injustas.

Nem Natsu, que normalmente estaria descontando sua raiva em alguma coisa, estava em pé. Provavelmente mais por estar cansado da batalha com a Oración Seis do que pelas prisões, mas ainda assim. Só Erza não estava ali. Naruto não tinha ido atrás dela ainda. Ele sabia que ela precisava de algum tempo sozinha. Erza não gostava de demonstrar fraqueza perto de outras pessoas.

— Onde foi Erza… me pergunto… — Happy murmurou.

— Acho que é melhor deixar ela sozinha por um tempo. — Lucy respondeu sem tirar os olhos do chão. Naruto estava prestes a concordar, mas de repente um sorriso se formou em seu rosto.

Gray percebeu aquilo.

— Como é que você pode estar sorrindo numa hora dessas?

— Ah… É que eu acabei de lembrar de uma coisa. Eu já volto, esperem aí.

E com isso, o loiro rapidamente levantou do chão e saiu caminhando para longe deles. Ninguém precisava perguntar aonde ele ia, porque a resposta era bem óbvia: Erza. A revelação de que eles eram, na verdade, pai e filha foi um choque para todos, mas ao mesmo tempo para a maioria deles (pelo menos pra quem era da Fairy Tail) aquilo fazia o mais absoluto sentido.

Enquanto isso, Erza estava escorada contra uma parede em ruínas, que menos de uma hora atrás tinha sido uma das paredes do Nirvana. Ela se lembrou das últimas palavras de Jellal antes de entrar na carruagem: A cor do seu cabelo. Esse era o sobrenome dela, inventado pelo próprio Jellal muitos anos atrás, quando eles ainda eram escravos na Torre do Céu original. Erza Scarlet. É a cor do seu cabelo. Desse jeito, nunca vou esquecê-lo! Mesmo com ela tentando se conter, imediatamente sentiu as lágrimas escorrerem rápido para fora dos olhos.

Ela tentou se lembrar de como Jellal tinha quase a matado na Torre do Céu. Tentou se lembrar de como ele quase tinha matado Simon. Tentou ficar com raiva dele para evitar o choro, mas ao mesmo tempo que essa memórias vinham, ela também se lembrava de como ele era quando ainda eram crianças, e de como ele havia ficado depois de perder a memória. E isso fez ainda mais lágrimas fluírem. Foi naquele momento que um ruído rapidamente chamou a atenção dela; Tem alguém aqui?

Erza fez o melhor que pôde pra esconder o rosto com os braços. Ela odiava parecer fraca. Abrindo o mínimo possível dos olhos, percebeu um tufo de cabelo loiro. Imediatamente sabia quem era.

— P-Pai… — ela falou, tentando controlar a voz. — Por... por favor... me dê algum tempo sozinha.

Ela ouviu outro ruído. Outro passo. Mas percebeu que ele não tinha se afastado, e sim chegado mais perto, e agora estava abaixado no chão, bem do lado dela. Ela estava prestes a falar novamente, dessa vez mais irritada, quando a voz dele falou primeiro:

— Desculpa, mas é que tem uma pessoa aqui querendo te ver. — aquilo sim lhe chamou a atenção. Tinha outra pessoa ali? — E eu tenho a leve impressão de que você vai querer ver ele.

Erza não queria que ninguém a visse naquele estado, mas ao mesmo tempo não conseguia conter a curiosidade. Ela abriu os olhos lentamente, tentando enxugar o rosto com os braços, e ergueu a cabeça - um segundo depois, seus olhos se arregalaram mais do que ela achava ser possível. De pé alguns passos atrás de seu pai, um homem de cabelo azul estava parado com um sorriso pequeno no rosto.

— Jellal? — ela tapou a boca com as mãos e olhou rápido para Naruto, que a essa altura havia sentado no chão perto dela. — M-Mas… como…

O sorriso de Naruto ficou duas vezes maior do que antes; no começo ele tinha ficado na dúvida se aquilo seria uma boa ideia - sabia que, apesar da falta de provas, Lahar saberia que tinha sido ele. E que Jellal mesmo assim precisaria passar o resto de sua vida se escondendo. Mas os olhos de Erza, arregalados, brilhavam com as lágrimas, e ela tinha as duas mãos cobrindo a boca. Mais uma vez o choro ameaçou escapar, mas dessa vez Naruto podia sentir que eram lágrimas de alegria. E aquilo compensava tudo.

— Você não esperava que todo aquele papo de “deixem ele ir preso” fosse sério, né? — Naruto riu. — Eu sei que Kimimaro e Richard vão acabar saindo da prisão. Orochimaru não vai deixar seu mago mais forte mofando numa cela, e Richard vai sair quando tiver cumprido sua pena… Mas eu não podia permitir uma injustiça dessas. De jeito nenhum. E também… Eu não consigo aguentar te ver daquele jeito.

FLASHBACK

Jellal estava prestes a entrar na carruagem quando Naruto resolveu dissipar seus clones - com exceção de um; as explosões simultâneas cobriram toda a clareira com fumaça, e, enquanto todos estavam sem visão, o único clone que havia sobrado rapidamente se transformou em Jellal e tomou o lugar dele. Enquanto isso, o verdadeiro Naruto usou sua magia pra tirar o verdadeiro Jellal dali sem que ninguém notasse.

O clone disfarçado entrou tão rápido na carruagem que os cavaleiros nem perceberam que ele, diferente do Jellal de verdade, estava sem as algemas. Quase uma hora de viagem depois, já longe o suficiente para Lahar não suspeitar do envolvimento deles, o clone (ainda transformado) rapidamente explodiu uma das paredes da carroça com uma rajada de energia e simulou uma fuga antes finalmente dissipar, fazendo parecer que Jellal havia se libertado e escapado por conta própria

Erza mais uma vez arregalou os olhos quando Naruto terminou de contar o que havia acontecido.

— Então é isso que você quis dizer… Aquela hora…

Não se preocupe, não vou deixar ele ficar preso. Naruto tinha sussurrado em seu ouvido. Àquela altura, Erza naturalmente tinha pensado que ele só estava falando aquilo para animá-la. Nunca ela imaginaria que ele fosse libertar um mago foragido, nem que fosse Jellal.

— Sim. — ele sorriu.

Antes que ela sequer se desse conta do que estava fazendo, Erza rapidamente envolveu o corpo de Naruto com os braços e enterrou o rosto em seu peito. Dessa vez ela nem se preocupou em conter as lágrimas -- estavam escorrendo rápido demais pra isso.

Jellal, que até então tinha observado tudo em silêncio, finalmente se aproximou deles. Mas ele não sentou. Ao invés disso, ele desviou o olhar para o horizonte e sorriu ao ver que o sol já estava se pondo atrás das montanhas. Mas isso não foi o motivo de ele ter sorrido: o céu naquela tarde estava lindo, pintado com uma forte cor escarlate, de um jeito que ele nunca tinha visto antes.

— Tão bonito... — disse Jellal, chamando a atenção de ambos. — Igual à cor do seu cabelo.

Tanto Naruto quanto Erza olharam na mesma direção que ele, e os dois tiveram que concordar: aquele tinha sido um pôr do sol como nenhum outro. E eles ainda ficaram ali por mais de meia hora em silêncio antes de voltarem, até que todo o escarlate daquele céu tivesse ido embora junto com o sol. E por mais que não tenha havido nenhuma conversa nesse tempo, todos eles se sentiram muito mais conectados por aquele horizonte do que qualquer palavra dita poderia tê-los feito se sentir.