Zahira e Cam escrita por Bia Medeiros


Capítulo 3
O mensageiro de Lúcifer




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"Zahira Xigmad!" Kaolin prontamente segurou o braço da mulher que tremia e precisava de apoio para se manter em pé "Sente-se, você precisa de algo doce nesse momento." ambas haviam crescido juntas, portanto a dama de companhia conhecia todas as necessidades básicas de Zahira, principalmente quando o uso dos poderes não saía de forma esperada.

"Obrigada, Kaolin, mas antes irei encontrar este mensageiro. Leve-me até ele."

"Por favor, espere apenas um momento. Aposto que em sua saleta tem algumas balas de néctar."

Sem conseguir protestar, nem mesmo elevar um pouco a voz, Zahira ficou sentada passivamente, esperando que sua dama de companhia voltasse com um pote cheio de pequenos doces de néctar de frutas, envoltos por uma fina camada de açúcar e mel. O néctar amargo misturado com a doce mistura conseguiram elevar o espírito de Zahira e ela sentiu a fraqueza aos poucos indo embora. Fechou os olhos saboreando a iguaria que é produzida exclusivamente nas cozinhas das casas na Ilha da Névoa Densa, a receita nunca havia saído nas terras nem da sabedoria do Povo sem nome.

Levantando, mas ainda se sentindo um pouco trêmula, Zahira caminhou pelo corredor tentando da melhor forma espantar a exaustão mental. Kaolin abriu a pesada porta de madeira que dava para o jardim de recepção da casa do Grande Mestre e de sua família. Uma leve brisa soprava fazendo com que as plantas dançassem levemente pelo jardim, Zahira inspirou profundamente antes de ir até o mensageiro de Lúcifer.

Ele estava perto dos portões de entrada, ainda montado em seu cavalo, um garanhão negro com patas de fogo e absolutamente enorme. Zahira se aproximou silenciosamente e o observou por um tempo. A sensação de que já havia o visto a dominou, ele tinha os cabelos longos e dourados e passava o mesmo ar andrógino e perigoso que seu pai, Lúcifer. Ela não conseguiu ver o rosto do rapaz que estava virado para o portão, mas sabia que se depararia com olhos sarcásticos quando esses se voltassem para ela. O mensageiro estava vestido com roupas ricas de um rubro muito profundo com as costuras prateadas.

"Você é o mensageiro de Lúcifer." ela falou prontamente. O rapaz virou e ela pode ver olhos cinzentos como o caos e cheios de astúcia "Cam Azai, não é mesmo?"

"Eu peço por meu pai e me dão uma linda dama. Estou começando a gostar desse lugar." o sorriso sarcástico devia ser fruto da mesma árvore, mas, diferente do que ela havia pensado, os olhos não podiam ser mais únicos e próprios dele.

Cam desmontou de seu cavalo em um único movimento. No geral, Zahira detestava homens que tentavam mostrar a sua masculinidade e poder através de pequenos gestos. Ela bem preferia os mais delicados e sentimentais e talvez tenha sido por isso que ela tenha o odiado a primeira vista, ele exalava brutalidade e sua aura era a de uma criatura ardilosa, apesar do corpo magro e, aparentemente, leve e delicado.

"Devo me reverenciar a Conselheira do Grande Mestre do Povo sem nome?" ele perguntou e, sem nem mesmo esperar resposta, se curvou e pegou a mão direita de Zahira.

Ela se afastou rapidamente libertando sua própria mão, o que acendeu uma pequena luz nos olhos do décimo filho de Lúcifer. O coração dela pulsou freneticamente e Zahira não sabia dizer se era medo ou uma forte animosidade. Cam manteve sua compostura, bem como o sarcasmo no olhar e no sorriso.

"Diga a mensagem que devo passar para Lúcifer, Cam Azai. Ele não poderá vir encontrá-lo." Zahira percebia sua ansiedade e, para ela, estava tão evidente que até mesmo o príncipe do Inferno poderia notar.

"Por que não posso ver meu pai? Algo de grave aconteceu?"

"O Grande Mestre Chilon o mantém sob custódia junto com o Novo Deus até que ambos resolvam os problemas, para não causarem mais problemas a Humanidade ou a Deusa Mãe."

"Você fala das tentativas de invasão por parte dos servos rebelados do meu pai?"

Zahira apenas acenou positivamente com a cabeça, quanto mais rápido aquilo terminasse, menos tempo ela teria de passar ao lado de Cam. No entanto ele não parecia dar sinal algum de que iria dizer algo. Seu olhar mudou do sarcástico para distante, como se estivesse pensando em algo muito complicado. A mulher pode sentir a preocupação no coração e na mente do homem, a empatia foi forte e natural, mas ela tentou afastá-las. Como uma diplomata ela deveria ser mais imparcial possível e sentimentos como a identificação com o próximo era algo muito perigoso, podendo ler as sensações de outros, Zahira tinha uma enorme dificuldade de se desvincular sentimentalmente de algumas criaturas.

"Qual a mensagem que devo entregar ao seu pai, Cam Azai?" ela perguntou tentando afastar o máximo que podia de empatia que crescia em si, sentimentos perigoso demais para uma criatura como aquela.

A resposta demorou alguns minutos para chegar, Cam acordou como se um estalo o tivesse despertado e arrancado do seu mundo. Olhou para Zahira se perguntando como aquela pequena mulher poderia ajudá-lo. Lembrou-se que sua própria mãe era uma mulher pequena e com aparência frágil, mas que mudava como as estações naturais do universo e que isso dava a ela grande poder. Ele havia aprendido a nunca subestimar uma mulher.

"Diga ao meu pai que mais dissidentes apareceram hoje. Conseguimos pegar todos antes mesmo que chegassem à metade dos planos, mas a situação ainda é de grande tensão no povo no Submundo."

"Não é possível. Seu pai garantiu a todos que os líderes da rebelião tinham sido capturados e punidos. Quando se captura os líderes, os soldados não continuam a missão."

"Não é certeza, Zahira Xigmad. Nada é certeza neste momento." Cam apresentava agora um semblante muito mais maduro e sério que o anterior, o garoto sarcástico havia dado espaço para um homem firme "Eles podem ter continuado sem os líderes, ou pode ser que não tenhamos capturado os reais líderes. O Submundo está uma bagunça, nosso povo está inquieto. Todos estão sob suspeita, ninguém entra ou sai. Meu pai precisa voltar o quanto antes para sanar esses problemas."

Zahira teve que concordar. Um desequilíbrio no Inferno poderia acarretar em uma série de conflitos em outros planos. Se o povo do Inferno tentasse invadir o Paraíso, um grande confusão iria acontecer e quem sairia mais prejudicado seriam os mortais da Terra da Deusa Mãe. Haviam relatos que já haviam ocorrido algumas brigas entre Céu e Inferno, o resultado nunca era bom para os mortais e alguns líderes do Povo sem nome já haviam sido depostos por não conseguirem sanar os problemas entre as duas criaturas. Além disso, novos deuses poderiam surgir, deuses confusos que colocariam em risco milhões de vidas.

"Passarei a mensagem para Lúcifer o quanto antes. Volte para o Submundo para acalmar o coração de seu povo, Cam Azai. Tente apaziguar quem estiver com os nervos aflorados, esta situação precisa ser contida, isso eu compreendo. Minha solidariedade está contigo, use a sabedoria."

Cam assentiu e, após uma pequena reverência, subiu em seu cavalo. Antes de ir embora ele se virou para Zahira.

"Obrigada, Conselheira. Esteja em paz."

Ela viu o cavalo correr e voar, mesmo sem ter asas. Havia sentido a gratidão no coração e o respeito na mente do jovem Príncipe, estava satisfeita consigo mesma e poderia dizer que não o odiava tanto assim. Mas aquele não era o momento para pensar em agrados e mudanças de opinião, algo muito grave estava para acontecer no Inferno e Lúcifer deveria ser informado naquele momento. Apenas ele e o Grande Mestre, mais conflitos apenas gerariam mais dores de cabeça.

Zahira correu para a saleta do seu avô e, sem mesmo bater a porta, se permitiu entrar.

"Grande Mestre, preciso falar com Lúcifer. Peço vossa permissão para tirá-lo da observação."

O clima não parecia auspicioso. Todos estavam muito calados, o que significava que ninguém deveria ter chegado a conclusão alguma. Zahira Xigmad podia sentir os mesmos sentimentos que sentira antes de sair da saleta para atender ao chamado de Cam Azai.

Chilon conhecia muito bem sua neta e sabia que ela não agia por impulso ou sem a clareza dos pensamentos, portanto, para ela irromper à sala daquela forma, só poderia significar uma coisa, problemas. O Grande Mestre se levantou pensando no que poderia consistir a mensagem trazida do Inferno.

"Lúcifer, acompanhe-me, por favor." Chilon caminhou em direção a porta sendo seguido pelo Rei do Inferno.

Quando todos estavam reunidos no corredor, Zahira certificou-se que ninguém os havia seguido e entrou em sua saleta. Lúcifer logo sentou no grande divã marrom, ele batia o pé no chão impaciente. Chilon sentou-se em um pequeno banco coral e pediu para que sua neta contasse o que havia de tão importante na mensagem.

"É relevante eu começar dizendo que quem trouxe a mensagem para mim foi o décimo filho de Lúcifer."

Ambos os homens ficaram estáticos. Lúcifer parou de bater com o pé no chão e Chilon sentou-se ereto em sinal de alerta. Zahira sabia que Cam Azai era um dos filhos prediletos do senhor dos demônios, isso significava más notícias. Infelizmente eles pressentiram corretamente.

"Lúcifer," Zahira virou-se para a anjo caído que naquele momento parecia mais ansioso do que nunca esteve "Cam Azai disse que novos dissidentes foram capturados no Submundo. Você havia nos garantido que os líderes tinham sido devidamente punidos."

"Sim! Sim, eles foram! Tenho certeza que capturei as pessoas certas." ele se levantou e começou a andar de uma lado pra o outro "A não ser que este sejam os remanescentes da rebelião. É a única conclusão que consigo chegar."

"Não existe uma possibilidade de você não ter capturado os reais líderes? É comum que existam aqueles que se colocam a disposição de morrer por uma causa."

"Isso é coisa de mortais, garota, nós somos criaturas quase imortais. Não tememos a morte da mesma forma que outros seres, já estamos no limite dos mundos."

"Mas o fato é que você está com um problema enorme, Lúcifer. Como irá explicar isso para Três Entidades?"

Lúcifer parecia perdido. Olhou para Chilon, quase com um pedido de ajuda.

"Nesta situação, você não tem piso para negociar. Nem mesmo sendo o Deus do Submundo." Chilon já tinha algo em mente e Zahira pôde sentir a sua relativa calma "Ceda para Três Entidades os seus subjugados. Deixe que ele os tenha como segurança de que não será atacado novamente. Acabe com o a custódia, volte para seu plano e acabe com quem está perturbando o equilíbrio astral. Você não terá outra chance de estabelecer a paz e nem está em posição de cometer mais erros."

"Ceder? Ceder é admitir derrota!"

"Você não tem outra saída."

"Lembre-se, o mundo mortal acaba junto com os seus poderes e com você mesmo. O fim do mundo mortal é o seu fim, mesmo que isso aconteça Três Entidades já se mostrou muito mais poderoso, a chance de sobrevivência dele é muito maior caso vocês queiram guerrear. Mesmo que você possua um maior conhecimento no campo de batalha." havia sabedoria nas palavras de Zahira. Lúcifer ficou impressionado com a maturidade da menina que não aparentava tantos anos.

Ele caminhou até a porta com raiva, entrou na saleta de Chilon e quebrou o silêncio sepulcral.

"Três Entidades, faça como quiser. Fique com esses três rebeldes, puna-os como quiser, prove ao seu povo e ao meu que não devemos cruzar os limites de nenhum plano. Não sem as devidas permissões."

O Novo Deus assustou-se com a brutalidade, mas apenas concordou. Não se vangloriou ou cantou vitória, Zahira admirava isso neste deus, ele podia ser humilde às vezes.

"Sendo assim," ele falou "nosso problema foi solucionado. Deusa Mãe, acalmaremos os mortais que são nossos seguidores. Essa confusão será solucionada por minha parte."

"Lúcifer?" a deusa falou "Posso confiar na sua palavra de que tudo se acalmará agora?"

"Claro. Cuide dos mortais e do seu planeta como vem fazendo, também acalmarei meus seguidores."

A Deusa Mãe assentiu, parecia satisfeita e seu rosto se iluminou. Levantou-se para ir embora, mas antes fez uma grande reverência a Chilon.

"Obrigada, Grande Mestre, por novamente nos ceder sua sabedoria." ela virou-se para Zahira "Será que posso falar com você, criança?"

Zahira Xigmad olhou para o avô e ele sorriu. Ela saiu da sala sendo acompanhada pela deusa que passou um braço por entre o dela.

"Diga-me, Sacerdotisa Zahira Xigmad, você tornou-se mulher à pouco, não é mesmo?"

"Sim, Deusa Mãe."

As duas foram caminhando para o jardim dos fundos, onde ficava a porta de saída para a deusa.

"Ora, eu esperei muito por esse momento." a deusa falou de forma animada. Seu cabelo contra o vento aumentava a sensação de que ele era se tratava, na verdade, de uma cachoeira infinita "Você sabia, criança que eu conheci sua mãe?"

"Eu conheço essa história."

"Sim, eu a conhecia. Uma pena a Doença tê-la levado. Praticamente a única coisa que pode matar um cidadão da Ilha da Névoa, além da idade em si." a Deus Mãe parou de andar e olhou os pequenos lírios mágicos que cresciam ao redor de um grande carvalho "Eu vi você nascer, Zahira Xigmad, e sempre que eu vejo o nascer de uma menina eu tenho uma visão do futuro predestinado dela. Você é sábia, como é perceptível, mas não somente isso. Você é forte, persistente, mas como qualquer ser você enfrentará percalços na vida." a mulher olhou nos olhos de Zahira, havia um poder enorme contido naquela deusa. Era como se ela estivesse ficado com dez metros de altura "Não ceda ao que você está acostumada, ao que você conhece e confia, criança. Você terá a oportunidade de quebrar com regras tão profundas quanto as raízes dessas plantas, regras intrínsecas e duras, mas apenas você será capaz de flexibilizá-las. Não perca essa oportunidade, você ainda salvará milhões de criaturas com suas habilidades."

"Deusa Mãe... Nada faz sentido. O que eu posso mudar? Como poderei salvar alguém sendo pequena do jeito que sou?"

"Você saberá." a deusa diminui e sorriu como uma mulher simples com suas vestes de plantas "Em breve você receberá uma proposta, uma proposta que irá mudar a sua vida para sempre, que fará você sair desta Ilha, sua casa e segurança. Este será o momento que você está esperando. O momento que poderá mudar tudo o que você conhece, se assim o desejar"

A mulher foi caminhando até o portão de saída da Ilha da Névoa Branca, virou-se e lançou um breve sorriso. Quando a deusa partiu, por fim, Zahira sentou-se em um banco de pedra perto de uma árvore de cerejeira. As flores ainda caíam e ela recolheu uma do chão, olhou fixamente para as pequenas pétalas róseas pensando compulsivamente no que a Deusa Mãe falara para ela. Será que ela estaria pronta para o futuro? Para ultrapassar seu próprio limite?

Sentiu o cansaço remanescente do uso dos poderes durante a reunião. Tudo parecia muito difícil e confuso para ela naquele momento. Deitando-se no banco Zahira deixou seu olhar se perder por entre as folhas e galhos da cerejeira acima de sua cabeça, colocou uma mão no forte tronco e sentiu a energia harmonioza emanar da planta, relaxando seus músculos aos poucos. Fechando aos olhos chegou a conclusão de que tudo que a Deusa Mãe falara era tão estúpido que nem, ao menos, não voltou a pensar em mais nada do que ouvira.


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo... Um pouco demorado? Bom, agradeço a todos que estão acompanhando, obrigada mesmo ;)
Vocês podem deixar comentários, eu vou responder a todos, ou irei na medida do possível. xD
Beijos e queijos a todos :3
Bia.



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