Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 5
Capítulo 5




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Katniss hesita quando entramos no trem.

— Eu tenho que pedir desculpas a Effie primeiro – ela diz, envergonhada.

— Não tenha medo de se impor rudemente — digo.

Ela assente e da um meio sorriso. Effie aceita as desculpas, graciosamente, e seu discurso não dura cinco minutos. Parece tempo demais para alguém falar sem parar, mas se tratando de Effie, é surpreendentemente um tempo pequeno. Conduzo Katniss até o vagão onde minhas telas estão. Reparo que por engano, trouxeram algumas telas que não deveriam estar ali. Algumas telas que retratavam os jogos. Suspiro com medo da reação de Katniss, enquanto ela fica paralisada olhando para os quadros. Antes de pintar o “futuro” dos tributos, eu pintava cenas dos jogos. Mas isso não me ajudava muito. E essas telas estão bem aqui, agora. Fico um pouco tenso pois Katniss está presente em quase todas. Não era minha intenção que ela as visse, mas tarde demais.

— O que você acha? — pergunto com receio.

— Eu as odeio — ela responde furiosa.— Tudo que eu faço é sair por aí tentando esquecer a arena e você a trouxe de volta à vida. Como você lembra dessas coisas tão claramente?

— Eu as vejo todas as noites — digo, e baixo os olhos para meus pés, me sentindo incapaz de encará-la.

— Eu também. Isso ajuda? Pintá-los?

— Eu não sei. Acho que estou com um pouco menos de medo de ir dormir à noite, ou eu digo a mim mesmo que estou. Mas eles não têm ido a lugar algum.

— Talvez eles não irão. Os de Haymitch não foram.

— Não. Mas para mim, é melhor acordar com um pincel do que com uma faca na minha mão — digo. — Então você realmente as odeia?

— Sim. Mas elas são extraordinárias. De verdade.

Ficamos em silencio por um tempo. Pensando em nossos próprios temores. — Quer ver meu talento? Cinna fez um grande trabalho com ele – Katniss pergunta, quebrando o silêncio.

Sorrio.

— Mais tarde.

Vejo que estamos chegando ao distrito onze. Um calafrio percorre meu corpo, pois eu sei que essa viagem não será fácil para nenhum de nós dois, mas para Katniss, a pior parada será aqui. Por causa de Rue. E também de Tresh.

— Venha, estamos quase no Distrito Onze. Vamos dar uma olhada nele – digo.

Deslocamo-nos para o último vagão, onde janelas enormes nos proporcionam uma ampla visão do distrito, que se mostra muito diferente do nosso, com grandes extensões sem árvores, e muitos, inúmeros gados pastando. Uma linda visão. Mas, de repente avisto uma enorme barreira, muito maior que a cerca que demarca o distrito 12. Guaritas cheias de pacificadores, extremamente armados, destoam da paisagem magnífica do lugar.

— Isso é algo diferente — digo, surpreso.

Katniss apenas olha atentamente tudo ao redor. Quando nos aproximamos dos pomares seu rosto assume uma expressão tão dolorosa. Penso em segurar sua mão novamente, mas desisto. Não quero ser interpretado de uma maneira errada. Volto a paisagem, e avisto homens, mulheres e crianças, trabalhando embaixo de seus chapéus de palha, tentando se esconder um pouco, do sol que brilha e queima. Esse distrito é enorme se comparado ao nosso.

— Quantas pessoas você acha que mora aqui? — pergunto, tentando distrai-la de seu transe.

Ela apenas balança a cabeça num gesto vago. Effie aparece avisando que está na hora de nos arrumarmos, Katniss simplesmente levanta e sai, sem ao menos olhar para trás. Vou para meu quarto, e visto uma roupa que se encontra em cima da cama. Calça preta e uma camisa laranja. Como o pôr-do-sol. Quando Effie traz Katniss para a sala, começa a nos instruir sobre o programa de hoje, mas eu simplesmente não consigo escutar. Katniss está muito bonita. Seu vestido é do mesmo laranja de minha camisa. Sua maquiagem é tão leve que deixa todo o destaque para seus lindos olhos cinzas... Droga. Eu não posso deixar as emoções tomarem conta de mim novamente. Nossa aparição irá se limitar a praça, bem em frente ao edifício da justiça. Tudo parece ser enorme neste lugar. A vastidão dos campos, das plantações. Quando chegamos a estação, para nossa surpresa, não há multidões, nem câmeras a nossa espera. Apenas um grupo de pacificadores, bem armados, que nos conduzem até um caminhão blindado. Sinto que há algo errado, e torço para que minha intuição não esteja certa.

— Realmente, você pensaria que todos nós seriamos criminosos — Effie comenta, com a indignação estampada no rosto. Penso que se alguém nesse caminhão é um criminoso, essa pessoa sou eu.

Descemos atrás do edifício da justiça, que faz jus a tudo ali, sendo extremamente enorme. Um prédio que apesar de desgastado pelo tempo, ainda exala uma certa imponência. Katniss está agitada desde que pisamos nesse solo. Eu imagino o porquê disso. Toco no bolso de minha calça, os papéis onde escrevi um breve discurso, que o vencedor tem que fazer. Não tive coragem de mencionar Thresh ou Rue. Enquanto passamos por dentro do prédio para chegar na “varanda”, como Effie disse, que será onde falaremos, sinto o cheiro do nosso almoço sendo preparado. Sinto cheiro da pobreza também. Paramos atrás das grandes portas fechadas, vejo o olhar assustado de Katniss, e institivamente seguro sua mão bem firme, para que ela não solte. Mas ela, por sua vez, e meu espanto, aperta ainda mais minha mão. Escuto o hino tocando lá fora, Effie nos empurrando para frente, enquanto nos diz:

— Grandes sorrisos!

Quando vejo, estou em frente a milhares de pessoas com olhos famintos. Somos um pouco aplaudidos, mas nada exagerado. Todos os prédios de comércio ao redor da praça, estão cobertos por bandeiras, mas ainda é possível ver o estado de miséria em que se encontram. Esse distrito parece abandonado. Tão esquecido pela capital, quanto o nosso.

De frente para nós, está um outro palco, onde normalmente ficam as famílias dos tributos mortos. No lado de Thresh há uma senhora, aparentemente muito velha, e uma menina robusta como ele. Deve ser sua irmã. No lado de Rue, meus olhos se prendem a imagem de cinco crianças bem pequenas, todas tão parecidas com a pequena Rue. Meu coração dói. Isso é só um lembrete de como os jogos são cruéis. Acabar com a vida de crianças tão doces quanto a pequena aliada de Katniss. Quando o prefeito termina seu discurso, me vejo fazendo algo que não estava previsto. É mais forte que eu. Deixo em meu bolso os papéis com meus comentários, e olho para Katniss, antes de começar a dizer as palavras que fluem em minha mente.

– Nossa vida não é medida apenas em anos – começo, enquanto Katniss me olha atenta – mas também pelas pessoas que tocamos a nossa volta. Thresh e Rue tocaram nossas vidas. E por mais que não estejam mais aqui, estarão sempre meu coração. Eles mantiveram Katniss viva, mantendo-me vivo também. Se hoje estamos aqui nesse palco, essa é uma dívida que tenho com eles, mas que infelizmente nunca poderei pagar.

Encaro as duas famílias, os irmãos tão pequenos de Rue e tenho vontade de fazer algo por eles. Preciso fazer algo por essas famílias, já que o mais importante para elas já fora tirado.

— Isso não pode, de nenhum modo substituir suas perdas, mas como um símbolo de nosso agradecimento nós gostaríamos que cada uma das famílias dos tributos do Distrito Onze recebesse um mês de nossos lucros todos os anos durante o período de nossas vidas – digo por fim.

A multidão reage num misto de suspiros e murmúrios. Eu não sei se o que fiz é legal. Mas agora terá que ser. Por mais que a dor de uma perda sempre se faça presente, fome eles não passarão. Não enquanto eu Katniss viver. Ambas as famílias nos olham com lágrimas nos olhos, e num estado de choque. Olho para Katniss, e vejo depois de tanto tempo, algo positivo em seu olhar. Gratidão. Ela fica na ponta dos pés, e me dá um suave beijo. Posso estar enganado, mas me pareceu tão natural. Estamos nos dirigindo para dentro do prédio, quando Katniss fica petrificada. Eu puxo seu braço, mas ela permanece imóvel. Olho na direção em que ela está olhando, e vejo que é para a família de Rue.

— Espere! – ela diz, com desespero na voz.

Tudo silencia.

— Espere, por favor – ela repete.

Eu volto a ficar do seu lado, e seguro sua mão. Ela nem percebe meu gesto, pois seus olhos transbordam agonia, enquanto ela começa seus agradecimentos, que com toda a certeza, são muito dolorosos.

— Eu quero oferecer os meus agradecimentos aos tributos do Distrito Onze – ela diz, enquanto olha para as duas mulheres que são a família de Thresh.

— Eu só falei com Thresh uma vez. Apenas o suficiente para ele poupar a minha vida. Eu não o conhecia, mas sempre o respeitei. Por sua força. Por sua recusa a jogar os Jogos nos termos de qualquer pessoa exceto os seus próprios. Os Carreiristas queriam que ele fizesse equipe com eles desde o início, mas ele não faria isso. Eu o respeitava por isso.

Olho para Katniss emocionado. E aperto sua mão ainda mais, como uma forma de encorajamento. A multidão parece nem respirar.

— Mas eu sinto como se conhecesse Rue, e ela sempre estará comigo. Tudo que é admirável me lembra dela. Eu a vejo nas flores amarelas que crescem no prado próximo a minha casa. Vejo-a nos mockingjays que cantam nas árvores. Mas acima de tudo, eu a vejo na minha irmã, Prim. Obrigada por seus filhos. E obrigada a todos pelo pão – ela termina, com a voz ficando embargada.

De repente, escuto uma bela melodia, de quatro notas sendo assobiada por alguém. Katniss estremece, é quando vejo o senhor, dono do assobio pressionar os três dedos do meio de sua mão nos lábios, e estender para nós. Para Katniss. A multidão o acompanha, e eu sinto que isso é demais para Katniss. Esse foi o Adeus que ela deu a Rue na arena. O prefeito volta a falar, e a multidão explode em aplausos. Agradecemos mais uma vez, e eu conduzo lentamente Katniss de volta. Ela para no meio do caminho, atordoada.

— Você está bem? — pergunto, preocupado.

— Só tonta. O sol estava muito forte. Esqueci minhas flores — ela murmura.

— Eu vou buscá-las — digo.

— Eu posso – ela diz se virando para voltar.

Mas quando me viro, para acompanha-la a cena que vejo me deixa completamente desnorteado. A única reação que tenho, é segurar o braço de Katniss sentindo seu corpo amolecer, enquanto dois pacificadores ajoelham o senhor que assobiou em frente a toda a multidão, e dão um tiro bem no meio de sua cabeça.

Enquanto arrasto Katniss para trás, tenho a certeza de que há algo muito errado. E quando vejo a expressão de pavor e culpa em seus olhos vidrados, constato que não importa o que esteja acontecendo, ela sabe de algo que não sei. Mas eu tenho que descobrir, antes que seja tarde demais. Antes que os pacificadores matem mais pessoas inocentes. Me pergunto se isso não tem relação com esses jogos. Com as amoras. Com Katniss e eu sendo vencedores. Uma linha de raciocínio vai se formando em minha mente, e dessa vez, meu corpo que amolece, em pensar que se tudo isso tiver mesmo ligação, a pessoa que mais corre algum risco aqui é Katniss. Constato que o medo de perde-la estará sempre presente em minha vida, e que a real ameaça, começa agora mesmo nós estando tão distante da arena, onde a luta não é contra bestantes, ou jovens tributos, e sim contra um sistema inteiro.


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