Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 42
Capítulo 42




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Não demora muito até Johanna voltar com água e algumas das flechas de Katniss. É estranho me sentir mal toda vez que alguém se ausenta, pois eu só deveria me sentir assim com Katniss. Mas, quando avisto Johanna sinto a tensão abandonar meu corpo. Ela entrega agua para Katniss, para mim, e em seguida vai lavar o rosto de Finnick que está coberto de sangue seco. Katniss segura minhas armas enquanto eu bebo agua, e percebo que seu corpo ainda treme um pouco.
— Quem é que eles usaram contra Finnick? — sussurro, enquanto observo Finnick com o olhar perdido, e uma expressão de claro sofrimento.
— Alguém chamada Annie — Katniss responde, confusa.
— Deve ser Annie Cresta.
— Quem?
— Annie Cresta. Ela era a garota que Mags se voluntariou para ir em seu lugar. Ela ganhou cerca de cinco anos atrás — explico, relembrando seus jogos.
— Eu não me lembro de muito desses Jogos. Foi o ano do terremoto?
— Sim. Annie é a única que ficou louca, isso aconteceu quando seu parceiro de distrito foi decapitado. Ela correu por conta própria e se escondeu. Mas um terremoto rompeu uma represa e muito da arena ficou inundada. Ganhou porque era a melhor nadadora — digo.
— Ela ficou melhor depois? — Katniss pergunta. — Quero dizer, sua mente?
— Eu não sei. Não me lembro de ter visto ela nos Jogos novamente. Mas ela não parecia muito estável durante a colheita deste ano.
Mas na verdade eu sei que ela não está nada melhor, pois ela nunca foi mentora, por não ter condições psicológicas para isso. Finnick ama a garota louca de seu distrito. Isso é algo realmente surpreendente de se descobrir. No fim, todas as suas amantes, e a sua fama de galanteador são farsas da capital. Gosto ainda mais dele, depois de saber disto.
Decidimos voltar para a praia, confiando que os carreiristas do distrito 2 não iam se atrever a aparecer lá, estando em clara desvantagem. Quando chegamos, uma explosão de canhão chama a nossa atenção, e logo um aerodeslizador aparece no que achamos ser a seção das 6 horas, e tem que mergulhar cerca de cinco vezes para pegar os pedaços do corpo de alguém. Me pego torcendo os dedos, numa prece silenciosa para que não tenha sido Chaff, a vítima dessa atrocidade. Eu desenho um novo mapa, e acrescento agora os gaios, e a palavra fera onde acabamos de ver o corpo dilacerado ser recolhido. Precisamos apenas ver a onda das dez horas, para ter certeza da nossa localização.
Finnick decide pescar. Katniss mergulha no mar para se lavar, enquanto Beetee continua rolar a bobina em suas mãos. Johanna se senta ao meu lado, e pela primeira vez não diz nada. Ficamos apenas observando o pôr do sol, e a lua surgindo lentamente nesse céu artificial. Após Katniss limpar os peixes que Finnick conseguiu, nos sentamos em círculo, atentos a qualquer movimentação, para começar a nossa refeição. É quando a insígnia de Panem aparece iluminando o céu, o hino começa, e os rostos dos vencedores mortos vão aparecendo.
Fecho os olhos. Quando os abro, vejo ainda o rosto do vencedor do distrito dez, e o céu se apaga mais uma vez.
– Oito – Katniss sussurra ao meu lado.
Nem dois dias, e 16 mortos. Isso com certeza é um recorde. Um terrível recorde.
— Eles estão realmente ansiosos atrás de nós — diz Johanna.
— Quem falta? Além de nós cinco e Distrito Dois? — pergunta Finnick.
— Chaff — digo, sem pensar. Porque ele simplesmente não aparece e se junta a nós?
Um paraquedas aparece atraindo nossa atenção, e dele, pende um bocado de rolos pequenos. Logo reconheço. Pães.
— Estes são do seu distrito, certo, Beetee? — pergunto.
— Sim, do distrito de Três. Quantos são?
Finnick avança para contar os pequenos pães, e examina cada um meticulosamente, antes de colocar num lugar limpo. Será que ele pensa que irão nos envenenar ou algo assim?
— Vinte e quatro — diz Finnick, quando termina.
— Duas dúzias iguais, então? — Beetee pergunta, parecendo confuso.
— Vinte e quatro exatamente — Finnick diz, impaciente. — Como devemos dividi-los?
— Vamos dar três para cada, e quem ainda estiver vivo no café da manhã pode ter uma votação sobre o resto — Johanna diz, fazendo Katniss rir. Olhamos para ela, e logo todos estamos rindo.
Quando terminamos nossa refeição, em silêncio, me ofereço para ficar de vigília. Todos aceitam exceto Katniss. Não me oponho á ela, pois precisamos de um tempo a sós. Sinto que está na hora. Uma despedida. Restam poucos de nós. Todos deitam na areia e dormem imediatamente. Finnick se embala num sono agitado e volta e meia murmura o nome de Annie. Da selva, emergem alguns sons estranhos, e isso me deixa um pouco aturdido, com medo de que estejamos no lugar errado e alguma coisa nos ataque. Mas eu sei que isso é quase impossível. Quase, pois aqui, as possibilidades são infinitas, e eu não duvidaria nada que eles fossem capazes de re-projetar a arena, para nos presentear com um ataque surpresa.
Sento – me, virado para a floresta, dando a vista privilegiada do mar, para Katniss. Ela se senta ao meu lado. Seu ombro encostado no meu, seu quadril colado no meu. Depois de alguns minutos, ela deixa sua cabeça repousar em meu ombro. Minha mão afaga lentamente seu cabelo. Eu poderia morrer nesse momento, eu não me importaria, tamanha a felicidade que me acomete em meio a essa calmaria banhada pela luz da lua. É aí que tomo coragem para falar.
— Katniss — digo, num tom de voz contido, não deixando transparecer o turbilhão de emoções que corre em minhas veias nesse momento. — Não adianta fingir que não sabemos o que o outro está tentando fazer.
Ela permanece imóvel. Em silencio.
— Eu não sei que tipo de acordo você fez com Haymitch, mas você deve saber que ele me fez promessas também. Então eu acho que podemos assumir que ele estava mentindo para um de nós.
Ela levanta a cabeça e fita meus olhos. Isso me dá ainda mais coragem, para continuar.
— Por que você está dizendo isso agora? – ela sussurra, parecendo vulnerável, como nunca.
— Porque eu não quero que você esqueça o quão diferentes são as nossas circunstâncias. Se você morrer, e eu viver, não há vida para mim na volta para o Distrito Doze. Você é a minha vida inteira — digo, com toda a minha sinceridade. — Eu nunca seria feliz novamente.
Ela faz menção de falar, mas eu coloco um dedo em seus lábios. Eu preciso continuar, por mais doloroso que isso seja.
— É diferente para você. Eu não estou dizendo que não seria difícil. Mas existem outras pessoas que fariam sua vida valer a pena.
Suspiro. Engulo o nó que se forma em minha garganta, e retiro o medalhão do meu pescoço. Fico um tempo o observando, a luz da lua o fazendo brilhar ainda mais. Katniss olha para ele fixamente. Em seguida olha para mim. Então, eu o abro, revelando as fotos presentes nele. A primeira da sua mãe, sorrindo timidamente. A segunda, de Prim, com um sorriso encantador. E a terceira de Gale, sorrindo de uma maneira que faria qualquer garota suspirar. Essa é a família de Katniss, e a família que ela terá, quando se casar com Gale. É esse o futuro que eu quero para ela. Um futuro feliz. Um futuro no qual ela viva a sorrir. Um futuro, que ela consiga esquecer todo o horror que já viveu. Um futuro que ela consiga se esquecer de mim, pois minha existência para ela, vai sempre estar relacionada aos jogos.
— Sua família precisa de você, Katniss — digo, finalmente, e um peso parece sair de minhas costas. Eu finalmente consegui. Dizer adeus.
Penso em minha família, e no modo como eles me enxotaram de suas vidas. Penso até mesmo em Delly, e em como ela será feliz quando encontrar alguém que a ame como ela merece. E as palavras saem de minha boca, antes mesmo que eu perceba o quão avassaladora é a realidade na qual me encontro.
— Ninguém precisa de mim — digo, mais para mim mesmo, que para Katniss.
Silêncio.
— Eu. Eu preciso de você.
E quando Katniss diz isso, eu consigo ver em seus olhos, que isso é real. Uma tristeza infindável me acomete, todas as minhas dores, parecem ganhar mais força perante a essa revelação. Eu me sinto fraco, mas minha mente trabalha rapidamente acerca dos milhares de motivos que ela tem, para permanecer viva. Mas para minha surpresa, antes que eu possa dizer qualquer coisa, Katniss se aproxima de mim, e me beija, de uma forma como nunca havia beijado antes. No começo, é um beijo tímido, e eu penso que seja apenas algo para me calar. Mas depois, vai ganhando vida, e é como se um fogo silencioso envolvesse meu corpo. Minhas mãos acham caminho por sua silhueta, suas mãos, contornam cada músculo dolorido do meu corpo surrado. Eu posso sentir seu amor por mim. Eu posso sentir, a urgência do nosso beijo crescer. E quando estamos perdidos um no outro, num beijo cheio de dor, medo e prazer, o som de um raio nos traz de volta a nossa realidade. Estamos sem folego, nossos corpos totalmente colados. Finnick acorda gritando, e demora alguns segundos para se recompor. Assistimos a tempestade de raios, até os doze caírem sobre a grande árvore. Eu me sinto incapaz de me mover um centímetro para longe de Katniss.
— Eu não posso mais dormir — Finnick anuncia. — Um de vocês deve descansar.
Então, ele percebe o modo como estamos, suados, tão próximos, e uma interrogação se forma em seu rosto.
— Ou os dois. Eu posso vigiar sozinho – ele acrescenta.
Relutante, eu me nego a dormir.
— É muito perigoso. Eu não estou cansado. Você deita, Katniss.
Ela assente, então nos levantamos, e eu vou com ela até onde os outros estão dormindo. Quando ela se deita, eu coloco o medalhão em volta do seu pescoço, e toco sua barriga. Eu realmente gostaria de ser responsável por ter uma vida crescendo dentro de Katniss. De ser pai dos seus filhos. Mas eu sei que isso nunca será possível.
— Você vai ser uma grande mãe, você sabe — me limito a dizer, e dou um beijo suave em seus lábios.
Volto para perto de Finnick, e permaneço em silencio. Quando percebo que Katniss adormeceu, deixo sair de mim, tudo aquilo que estava preso. Lágrimas, e mais lágrimas escorrem por meu rosto, num choro silencioso.
– Você está bem? – Finnick pergunta, genuinamente.
Incapaz de responder, apenas assinto com a cabeça, enquanto as lágrimas saem sem parar de meus olhos, lavando meu rosto, e pingando na areia úmida.
– Tudo vai ficar bem – Finnick diz, e me abraça.
E quando ele me abraça, posso sentir o seu próprio rosto molhado por lágrimas.
Nunca desejei tanto acreditar em algo, como desejo acreditar nas palavras de Finnick. Mas nada ficará bem, e eu sei disto desde o momento que Katniss se voluntariou na colheita do ano passado. Eu soube, que nossas vidas iriam mudar para sempre de uma maneira drástica e irreparável. Eu só não imaginei que eu iria ser merecedor do amor de Katniss, mas não teria tempo para aproveitar isso.


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