Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 35
Capítulo 35




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/560756/chapter/35

Sinto meus olhos arderem, enquanto meu peito se infla de raiva desses jogos, da capital, do presidente Snow. De repente, toda minha dor se vai, dando lugar á uma vontade insana, de fazer as pessoas responsáveis por isso, pagarem pelo que está acontecendo. Primeiro Mags, agora essa mulher. Que mal ela poderia fazer á alguém? Aliás, o que ela fez todo esse tempo além de pintar as coisas mais belas, e se entupir de morfina afim de esquecer os horrores do jogo na qual foi vencedora?

— Venham, então! Venham! — grito e levanto minha cabeça, encarando essas malditas mutações de macacos. Por um segundo, posso acreditar que eles ficaram com medo de mim quando vejo eles recuarem para as árvores. Mas finalmente entendo, que Plutarch alcançou seu objetivo apenas aumentando a audiência do seu show. Os macacos não irão mais atacar.

— Ajude-a — Katniss arfa. — Nós cobriremos você.

Carrego então em meu colo o seu corpo quase sem vida. Quantos quilos ela deve pesar? Trinta? Eu nem deveria me lamentar tanto, pois na situação dela, é certo que não iria viver por muito mais anos. Mas não consigo deixar de me sentir infinitamente triste. Talvez seja por me identificar com ela, por seu deslumbramento pelas cores. Ou talvez seja pelo fato de ela com certeza ter dado sua vida por mim. Não consigo tirar isso da minha mente.

Coloco-a na areia, ela respira ofegante, os olhos arregalados, e o sangue vertendo sem parar. Sua pele é flácida, e quase esverdeada. Seu corpo todo treme, e eu suspeito que um pouco seja abstinência. Espero apenas que todos esses anos consumindo um medicamento tão forte para dor, como a morfina, estejam fazendo com que ela não sinta a dor, que ela deveria estar sentindo.

— Vou observar as árvores — Finnick anuncia, saindo de perto de nós.

Katniss permanece comigo, segurando a mão dela, e eu me sinto grato por não ter que enfrentar isso sozinho.

Penso no que eu poderia fazer, para tornar seus últimos minutos de vida menos angustiantes, e consigo achar apenas uma coisa. Bem óbvia. Me agacho ao lado dela, afagando seus cabelos molhados de sangue. Olho para Katniss, e me pergunto o que ela sentiu ao ficar com a pequena Rue, até ela partir.

— Com minha caixa de pintura em casa, eu posso fazer todas as cores imagináveis. Rosa. Pálido como a pele de um bebê. Ou tão profundo como o ruibarbo. Verde como a grama na primavera. Azul, que brilha como o gelo na água – começo, tentando transmitir alguma paz a ela, algum conforto.

A mulher, que olhava fixo para o céu até agora, capta minha voz, e fixa seus olhos nos meus. É quase insuportável sustentar o olhar de alguém morrendo. É como se... Se eu pudesse enxergar a vida abandonando seu corpo. Isso é terrível.

— Uma vez – continuo - passei três dias misturando tintas até encontrar o tom certo para a luz solar sobre a pele branca. Você vê, eu fiquei pensando que era amarela, mas era muito mais do que isso. Camadas de todos os tipos de cores, uma por uma.

A pobre viciada para de ofegar, e sua respiração se torna lenta, compassada. Por um momento quase acredito que ela irá sobreviver. Mas o sangue que ainda verte de suas feridas, não me deixa acreditar nisso por muito mais tempo. Com sua outra mão, ela passa o dedo em círculos sobre o sangue de sua pele.

— Eu não adornei ainda um arco-íris. Eles vêm tão rapidamente e vão tão cedo. Eu nunca tenho tempo o suficiente para capturá-los. Basta um pouco de azul ou roxo aqui e lá. E depois eles desaparecem novamente. Voltam para o ar – termino.

Ela por sua vez, num último esforço, leva seu dedo ensanguentado até meu rosto, e desenha algo em minha bochecha. Eu consigo saber, que isso é um adeus.

— Obrigado — sussurro, meus olhos marejando. — Isso é lindo.

Seu rosto se ilumina, e ela sorri genuinamente para mim. Seu rosto se transforma, e eu me pego lamentando pelo que a capital fez a vida dela. Ela tenta dizer algo, mas não consegue. Sua mão cai para o lado, juntamente com a que estava segurando a mão de Katniss até agora. E o canhão dispara. Ela se foi.

Carrego seu corpo para a água, e vou me juntar a Katniss que está sentada na areia. Me sinto cansado, esgotado. Um aerodeslizador logo aparece e recolhe seu corpo que boiava tranquilamente no mar.

Finnick retorna com as flechas de Katniss ainda ensopadas do sangue dos macacos. Eles conversam algo, mas eu estou absorvido demais em meus pensamentos. Meu corpo todo parece coçar. Principalmente meu rosto. Enquanto coço freneticamente meu pescoço, um pensamento se forma. Olho na direção de Katniss, conversando com Finnick, e ele realmente parece estar ao nosso lado. Recapitulo o que Haymitch havia me dito, sobre confiar nas pessoas, pois esse massacre seria diferente. Então eu deduzo que... Não pode ser! Será que? Não... Mas, que outra explicação teria essas claras demonstrações de sacrifício? É isso. Os vencedores, alguns pelo menos, Finnick, Mags, e a viciada do 6, que eu saiba até agora, devem fazer parte de algum plano. De ir contra a capital. De não matar uns aos outros. Não sei, algo do tipo. Será que Chaff também está nisso? Se for mesmo isso, seria... Magnífico, contanto que Katniss permaneça viva.

Katniss me tira desses pensamentos alertando a mim e a Finnick sobre não coçar as feridas, o que é quase inevitável, visto que até ela, sem perceber, está se coçando. Decidimos refazer nosso caminho até a árvore que eu havia furado, e para minha surpresa não há mais nada ali. Nem macacos vivos, nem os mortos, nem mesmo o sangue. Colocamos a cavilha na arvore e logo saciamos nossa sede, nos lavamos um pouco, e jogamos bastante água nas feridas, que coçam de uma maneira quase insana. Voltamos a passos pesados para a praia, e eu estranho o fato de ainda ser noite. Já passamos por tantas coisas, e o sol nem faz menção de aparecer. Talvez os idealizadores queiram assim. Eu deveria me oferecer para ficar vigiando, mas eu não posso. Pelo olhar que Finnick me lança, querendo um tempo a sós para lamentar a morte de sua queria Mags, e pelo fato de eu mal estar aguentando ficar em pé. Agora que a adrenalina passou, tudo o que eu sinto se resume a coceira, e dor. Muita dor. Meu peito irá explodir a qualquer momento. Katniss se oferece para vigiar, mas logo entende que Finnick precisa ficar sozinho, e não discute com ele acerca desse assunto. Apenas se deita ao meu lado na areia e logo adormece. Vejo Finnick sentado a uma distância, e seus ombros se sacodem tão violentamente que eu penso se ele não estará tendo uma convulsão. Mas quando ele se vira apenas um pouco para o lado, seu rosto brilha pelas suas lágrimas. Passo meus braços ao redor de Katniss, e enquanto sua respiração entra em compasso com a minha, vou sentindo meu corpo relaxar, e uma sensação de quase felicidade me preenche. Ela está viva, afinal. Fecho meus olhos e vou adormecendo, desejando que tudo fique bem de alguma maneira. Desejando que eu não veja mais ninguém se sacrificar por mim. Desejando que Katniss não sofra mais. E ironicamente, desejando que Finnick fique bem também.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!