Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 32
Capítulo 32




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/560756/chapter/32

Oito. Conto oito tiros de canhão. Acho que o banho de sangue na cornucópia finalmente acabou, mas não consigo nem pensar sobre algum desses tiros ter sido para Katniss.

– Você não acha que – começo...

– Não! É apenas o fim do banho de sangue. Nada mal hein? – Finnick me interrompe.

– Mas e se alguém pegou Katniss? – insisto.

– Tenho certeza que ela está bem. Mas, e você? Está bem? – ele pergunta, soltando meus braços. Cambaleio, antes de conseguir me firmar no chão. Fico tonto por alguns segundos, mas logo passa.

– Estou. Só vou me acalmar de verdade quando Katniss voltar, mas por ora, vamos terminar o que começamos – digo olhando para o projeto de cabana.

Mags parece inabalável, e continua entrelaçando as folhas.

– Vê se para de me assustar desse jeito – Finnick sussurra, olhando para mim – Katniss sabe se virar melhor que nós todos juntos.

Eu sei que nisso ele está certo. Quando Katniss aparece meu corpo todo, relaxa de alívio. Ela parece surpresa com o progresso que fizemos. Nossa cabana está de pé. E todas as nozes que fritei estão guardadas em sacolas que Mags teceu para mim. Katniss traz consigo uma espécie de rato, só que enorme. Só agora que estou vendo carne, que me dou conta de como estou faminto.

Ela se aproxima, e balança a cabeça pesarosa.

— Não. Nenhuma água. Está por aí, porém. Ele sabia onde estava — ela diz, mostrando o bicho para nós. — Ele esteve bebendo recentemente quando eu atirei nele, mas não pude encontrar a fonte. Juro, cobri cada centímetro num raio de trinta metros.

— Podemos comê-lo? — pergunto.

— Eu não tenho certeza. Mas a carne dele não parece muito diferente da de um esquilo. Ele deveria ser cozido...

Ela hesita. Percebendo o quão arriscado seria acender uma fogueira. Se a arena é mesmo pequena, teríamos minutos para assar o bicho antes de sermos alcançados. Isso se os carreiristas estivessem longe o bastante. Olho para a sacola de nozes amargamente, pois elas são tudo o que temos para comer. Nesse instante que uma ideia me invade. Claro, como não pensei nisso antes. Sorrio, e pego o bicho das mãos de Katniss. Todos me olham apreensivos, e quando jogo o bicho contra o campo de força, pensam que enlouqueci. Mas, quando a carne volta aparentemente cozida, começam a bater palmas para mim. Logo param, pois é arriscado fazer muito barulho, com os carreiristas ainda por aí.

Quando terminamos nossa refeição, sinto-me quase satisfeito. As nozes têm um sabor muito bom, e o roedor... Bem, poderia ser pior. Se ao menos tivéssemos um pouco de água, não teríamos muito o que reclamar. Depois que me alimentei, senti as forças do meu corpo retornarem, apenas um pouco. Acho que é um bom sinal. Talvez, depois que eu dormir, acorde bem. O sol já se pôs, dando lugar a lua, tão clara, como eu nunca havia visto no distrito 12. Acho que essa é a primeira vez que penso em casa, desde que cheguei aqui. Será que minha família está me assistindo? Será que se arrependeram por terem me excluído daquele jeito? Será que Delly ainda está sofrendo por mim? Sou tirado desses pensamentos, quando vejo que está quase na hora. Hora de sabermos quem se foi. Deitamos, nós quatro, perto da boca da nossa cabana, seguro firme a mão de Katniss, já me sentindo triste por quem morreu.

O brasão da capital aparece, iluminando todo o céu. O hino retumba em nossos ouvidos, enquanto a foto do primeiro vencedor aparece. Distrito 5. Nenhum dos carreiristas morreram, o que não é surpresa. Porca e parafuso também não. Deixo escapar um sorriso. Mas, não posso ficar feliz porque os loucos do distrito 3 ainda estão vivos. Todos, todos mesmo terão que morrer para que Katniss viva. O vencedor do 6 é o seguinte. Ele pintou o pôr do sol mais lindo que vi em toda a minha vida. E agora está morto, e nunca mais poderá ver as cores, que tanto lhe encantavam. Ambos do distrito 8 se foram. Ao menos dessa vez eu não fui responsável pela morte de ninguém. Me pergunto, o que acontecerá com os filhos de Cecelia? Será que sua irmã terá que cuidar das crianças, tendo que se reerguer do baque de ter perdido a filha no ano anterior, e agora a irmã? As fotos continuam a aparecer no céu, nos relembrando que a vida não para, o mundo continua a girar independente do que tenha acontecido. Os dois vencedores do nove. A mulher do 10. E por último, droga, Seeder do distrito 11. Está sendo mais difícil que pensei. Ninguém se move. Ficamos absortos em nossas próprias lamentações. Por mais que mal conhecíamos essas pessoas, é difícil saber que estão mortas. Mais difícil que da primeira vez. E não é nenhum alívio saber que Chaff ainda está vivo. Ou a louca da Johanna. Repito mentalmente que todos têm que morrer. Ou Katniss não volta para casa.

Não sei a quanto tempo estamos assim. Ou por quanto tempo ficaríamos, se não fosse um som bem familiar chamar nossa atenção. Um paraquedas. Institivamente sei que é de Haymitch.

— De quem você acha que é? — Katniss pergunta, após ninguém fazer menção para pegar.

— Quem sabe — Finnick responde. — Por que não deixamos Peeta ficar com ele, já que ele morreu hoje?

Não penso duas vezes antes de avançar sobre o pequeno objeto de metal, e retirar o quem dentro dele. Ergo, a pequena peça, sem saber o que é. É tubo de metal oco, levemente estreito numa extremidade. Na outra há um pequeno lábio curvado para baixo.

— O que é? — Katniss pergunta.

Mas ninguém sabe. Passamos de mão em mão. E nada. Haymitch não nos mandaria algo inútil. E visto que nossa única dificuldade está sendo em achar agua, só pode ser algo relacionado a isto.

Katniss pega o objeto de minha mão pela vigésima vez, e eu percebo sua fúria crescer, por não conseguir identifica-lo. Vencida, ela soca o objeto contra a terra, e se deita de bruços, no chão, tensa, irritada e quase morta de sede. Assim como todos nós. Massageio, lentamente suas costas, desejando em vão sugar toda sua tensão para mim.

— Desisto. Talvez se nós encontrássemos Beetee ou Wiress conseguiríamos descobrir o que é isso – ela bufa.

Permanecemos em silêncio, com a terrível constatação de uma desidratação iminente. Apesar de já ser noite, o calor ainda é quase insuportável, o que só aumenta nossa sede.

– Uma cavilha! – Katniss grita de repente, e se levanta abruptamente.

– O que? – Finnick pergunta.

Olho para ela, confuso, e quando me levanto, uma tontura me faz perder o equilíbrio. Mas ela não percebe, tamanha a sua excitação.

Katniss arranca o objeto do chão, e o analisa. Seus olhos ganham vida.

— É uma cavilha. Um tipo de torneira. Você o coloca numa árvore e seiva sai. — ela olha ao redor, para as estranhas árvores. — Bem, o tipo certo de árvore.

— Seiva? — pergunta Finnick, confuso. Talvez no distrito 4 não tenha isso. Mas eu sei bem do que ela está falando. Meu pai usava muito isto.

— Para fazer xarope — explico. — Mas deve haver algo mais dentro dessas árvores.

A perspectiva de haver água dentro dessas árvores, é avassaladora. Mas, tudo se junta, como num quebra-cabeças. O fato de não haver lagos. O roedor. A umidade. Obrigada Haymitch.

Finnick imediatamente pega a cavilha, para martela-la numa árvore, mas Katniss o impede.

— Espere. Você pode danificá-la. Precisamos fazer um buraco antes — ela diz.

Olhamos ao redor procurando algo para fazer isso, quando meus olhos se deparam com o furador de Mags. Perfeito. Começo a fazer o buraco, mas estou mais fraco do que eu imaginava. Finnick tem que terminar de fazer, e eu me pergunto se Katniss realmente não está percebendo isso. Quando o buraco está feito, ela insere a cavilha delicadamente, e todos nós nos afastamos, com medo de que não haja agua alguma ali. Se isso não funcionar, não sei como continuar.

Nada acontece. Eu me recuso a acreditar nisso. Mags estende a mão embaixo da cavilha, ansiando mais do que todos, por haver alguma coisa ali. É quando uma gota cai. Ela lambe sua mão, e sorri, constatando que é água. Katniss ajusta a cavilha e logo temos um jorro estreito de água. Nos revezamos para beber, e é quase surreal o contato da água com minha língua áspera. A água é quente, mas o que se podia esperar de um lugar assim? Quando bebemos até ficar saciados, nos limpamos um pouco. E agora, consigo perceber o quão debilitado estou. Uma vontade insana de dormir me invade, e mesmo que eu não queira, é mais forte do que eu. Finnick se oferece para ficar de guarda. Katniss protesta, e eu permaneço calado, pois é quase certo que eu iria dormir colocando a vida de todos em risco. O quão inútil eu ainda posso ser?

Katniss, que também está cansada, acaba não resistindo muito, mas aposto que ela não conseguirá dormir, sabendo que Finnick pode nos matar se quiser. Diferente de mim, que luto em vão contra meus olhos, que teimam em se fechar. Katniss se deita ao meu lado no chão da cabana, e em questão de minutos, adormeço, com um medo enorme, de não voltar a acordar.

Parece que fazem apenas alguns minutos que adormeci, quando escuto Katniss gritar. Me levanto com meu facão nas mãos, e olho ao redor assustado. Não vejo Mags, sequer Finnick. Mas Katniss está diante de mim, gritando. Eu não consigo ouvi-la. Ela gesticula para mim, está desesperada. Olho para os lados e vejo apenas uma neblina muito espessa vindo em nossa direção. Katniss agarra meu braço e me empurra. Então eu entendo. Tenho que correr.

— O que é isso? O que é isso? — pergunto, perplexo.

— Algum tipo de nevoeiro. Gás venenoso. Depressa, Peeta!

Eu tento acompanha-la, mas é quase impossível. Minha visão está turva, e minha cabeça parece girar. Meu peito dói, de uma maneira absurdamente insuportável. Cada passo que dou, faz com que eu quase caia. Sinto a neblina se aproximando. Tento dizer para Katniss correr, e me deixar, pois não consigo ir adiante. Mas não consigo. Pela minha garganta, sobe um líquido com o gosto terrível, e eu me vejo forçado a engoli-lo. Algo atinge minhas costas. Meu rosto. Queima. Dói. Sinto minha perna cedendo. Não tenho mais controle sobre a artificial. É quando me enrosco num emaranhado de cipós, e caio no chão. Katniss tem que sair daqui. Gesticulo para que ela corra, mas ela tenta me levantar. É como se meu corpo não me pertencesse, pois não exerço mais nenhum tipo de controle sobre ele. Sinto apenas a dor. Meus olhos lacrimejam, e minha cabeça pesa. Só consigo pensar em duas coisas. O presidente Snow começou seu ataque para nos matar. E ele irá conseguir, pois eu estou definitivamente, morrendo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!