Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 31
Capítulo 31




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Ar. Eu sinto ar o ar em meus pulmões. É como se alguém estivesse respirando por mim. Para mim. Minha mente divaga acerca do que está acontecendo. Eu estava na arena. Com Katniss. Eu bati num campo de força. Finnick e Mags estavam com a gente. Tinha agua em volta da Cornucópia. Eu estava com Katniss. Estava. Onde ela está? Esse pensamento faz todo meu corpo se agitar. O desespero faz com que eu engasgue com o ar fluindo em minhas veias.

— Peeta? — escuto Katniss chamar docemente.

Junto forças para conseguir abrir os olhos. É algo difícil. A claridade me cega, fazendo eu enxergar contornos turvos do rosto de Katniss. Aos poucos, minha visão vai normalizando e eu encontro seus belos olhos cinzentos me encarando.

— Cuidado — digo, mas o que sai é um sussurro. — Há um campo de força adiante.

Eu sorrio para Katniss, feliz por ela estar bem. E feliz por ainda estar vivo, mesmo sabendo que minha hora está perto. Katniss sorri para mim também, enquanto lágrimas escorrem por seu rosto.

— Deve ser bem mais forte do que o do telhado do Centro de Treinamento — digo, enquanto minha visão dá uma leve oscilada. Mesmo me sentindo estranho, me vejo no dever de acalmá-la. —Estou bem, porém. Só um pouco abalado.

— Você estava morto! Seu coração parou! — ela explode, enquanto mais lágrimas lavam seu rosto. Ela leva as mãos ao rosto, me deixando desorientado por ver o seu desespero. Por mim.

— Bem, parece que está funcionando agora — digo, no tom mais calmo que consigo usar. E luto, contra minhas próprias lágrimas, por vê-la chorar assim por achar ter me perdido. Quando isso, realmente irá acontecer. — Está tudo bem, Katniss.

Ela assente, mas continua chorando, aos soluços. Tento me levantar, mas minha cabeça gira. Estou preocupado com a reação de Katniss. Isso não pode estar acontecendo. Essa clara demonstração dos sentimentos dela, justo agora que não poderemos mais ficar juntos.

— Katniss? — pergunto, meus olhos marejando.

— Tudo certo. São só os hormônios dela — diz Finnick. — Do bebê.

Olho para o lado, e vejo Finnick sentado sobre os calcanhares. Ele está suado, ofegante. Me pergunto se ele foi o responsável por me trazer a vida. E se sim, o porquê disso.

— Não. Não é... — ela começa, mas para incapaz de continuar devido a nova onda de lágrimas e soluços que a acomete.

Mags arranca um pedaço de musgo de uma arvore, e entrega para Katniss que imediatamente limpa o rosto que está todo molhado por suas lágrimas. Tento levantar mais uma vez, mas minha visão escurece. Não estou bem.
— Como você está? — Finnick me pergunta, enquanto olha de Katniss para mim, numa expressão de incompreensão. — Acha que pode continuar?

— Não, ele tem de descansar — Katniss responde por mim.

Ela olha para meu peito, fixamente, e só agora percebo que meu macacão foi aberto, revelando meu medalhão. Lentamente, ela leva sua mão até meu pescoço, percorrendo toda a corrente dourada com os dedos, até chegar no medalhão. Ela toca as delicadas linhas, enquanto seu dedo acompanha o desenho. Eu olho, enquanto a expressão de compreensão se forma em seu rosto, dando lugar a um olhar sombrio quando ela termina seu contorno. Pois ela finalmente entendeu o desenho. É um tordo. Uma tacada brilhante de Effie.

— Esse é seu sinal? — ela pergunta, ainda absorta no medalhão.

— Sim. Você se importa por eu ter usado seu tordo? Eu queria que nós combinássemos.

— Não, claro que não me importo – ela responde, forçando um sorriso.

— Então você quer fazer acampamento aqui? — Finnick pergunta, encerrando nossa conversa.

— Não acho que seja uma opção — respondo. — Ficar aqui. Sem água. Sem proteção. Eu me sinto bem, sério. Se pudermos ir devagar...

— Devagar é melhor que nada – ele diz, e coloca seus braços ao meu redor, me ajudando a levantar. Katniss vai pegar suas armas que estão no chão, e eu me forço a permanecer de pé. Dou alguns passos hesitantes, até que consigo me firmar, não inteiramente. Mas, tenho que fingir que estou bem. Não posso deixar Katniss ainda mais preocupada.

— Fico na liderança — ela anuncia.

– Nem pense nisso, Katniss. E se você bate num campo de força?

— Não, deixe-a. — Finnick objeta. — Você sabia que o campo de força estava ali, não sabia? Logo no último segundo? Você começou a dar um aviso.

Katniss assente.

— Como você soube? – ele a interroga.

Ela hesita.

— Eu não sei. É quase como se eu pudesse ouvi-lo. Escute.

Todos nós ficamos em silêncio. Ainda sinto dificuldade em respirar. Não escuto nada de diferente.

— Não ouço nada — digo.

— Sim — ela insiste, quase desesperada — é como quando a cerca ao redor do Distrito Doze está ligada, apenas bem mais silenciosa.

Ficamos em silêncio mais uma vez.

— Agora! — ela grita. — Não podem ouvir? Está vindo bem ao lado de onde Peeta levou o choque.

— Eu não ouço, também — Finnick concorda. — Mas se você ouve, certamente, tome a liderança.

Katniss é uma péssima mentirosa. Fico calado me perguntando quantos segredos ela ainda esconde de mim, pois seu ouvido sobre-humano, não me convenceu.

— Isso é estranho — ela diz, olhando para os lados. — Eu posso apenas ouvir com meu ouvido esquerdo.

Decido entrar na brincadeira.

— Aquele que o médico reconstruiu? — pergunto, fazendo a culpa de Katniss ter “poderes”, recair sobre a capital.

— Sim — ela diz, encolhendo os ombros. — Talvez eles tenham feito um trabalho melhor do que pensavam. Sabe, às vezes eu ouço coisas estranhas desse lado. Coisas que você geralmente acha que não faz som. Como asas de insetos. Ou a neve batendo no chão.

Tenho que evitar não rir, devido ao seu exagero. Seguimos caminho, devagar, e apesar de eu tentar me manter firme, Finnick faz uma bengala com um galho para mim, idêntica à que ele fez para Mags. Sinto meu coração acelerado em meu peito. Ás vezes, a silhueta de Katniss a minha frente se torna apenas um borrão, e eu me vejo seguindo apenas seu cheiro, para não demonstrar o real estado em que me encontro.

Ás vezes, Katniss diz algo, mas eu sou incapaz de distinguir. O sol brilha muito forte acima de nós, e eu sinto como se minha garganta estivesse cheia de areia. Estamos caminhando a tanto tempo. Para mim parece uma eternidade, mas eu deduzo que tenha sido uma ou duas horas. Katniss se vira para mim, de repente e diz as palavras que eu precisava tanto escutar.

— Vamos parar um pouco. Eu preciso dar uma olhada mais adiante.

Ela escolhe uma árvore muito alta, e sobe com uma agilidade impressionante. Quando ela some de vista, deixo meu corpo tombar no chão, me rendendo totalmente.

– Peeta? – Finnick chama, assustado.

– Por favor, não conte nada a Katniss. É que, eu não estou bem – confesso, sem saber porque devo confiar nele.

Mags está com lagrimas nos olhos, e balbucia algo, que não consigo entender.

– Temos que contar a ela. E montar acampamento, para você dormir um pouco – ele retruca.

– Não. Você viu o estado em que ela ficou quando... quando...

– Você morreu – ele completa.

– Isso. E... eu não tenho certeza, mas acho que foi você quem me salvou.

Ele apenas assente.

– Porque? – indago.

– Por que esse massacre será diferente – ele sussurra.

Não consigo esconder meu espanto, ao ouvir as palavras de Haymitch saindo da boca de Finnick.

Nesse momento, escuto um farfalhar na árvore em que Katniss subiu, e sei que ela deve estar descendo.

Com a ajuda de Finnick me levanto, e com a nossa conversa encerrada, tudo o que consigo é sussurrar um “obrigado”, antes de tentar continuar fingindo que estou bem.

— O campo de força está nos prendendo num círculo. Uma redoma, na verdade. Eu não sei o quão alto vai. Há a Cornucópia, o mar, e então a selva ao redor. Muito preciso. Muito simétrico. E não muito grande — ela anuncia.

— Você viu água? — Finnick pergunta, fingindo interesse, mas olhando preocupado em minha direção.

— Apenas a água salgada onde começamos os Jogos.

— Deve haver outra fonte — digo, com indignação. — Ou vamos estar mortos em questão de dias.

— Bem, a folhagem é densa. Talvez haja lagos ou fontes em algum lugar — Katniss responde, incerta. — A essa altura, não há sentido em tentar descobrir o que existe no limite dessa encosta, porque a resposta é nada.

— Deve haver água potável entre o campo de força e a roda — insisto.

Não podemos morrer de sede. Haymitch, faça alguma coisa, suplico mentalmente.

Mas, percorrer esse outro caminho, significa voltar, para o lar dos carreiristas, a Cornucópia. Se eu ao menos estivesse bem, poderia ser de alguma utilidade.

Finnick decide que é melhor descermos apenas alguns metros e continuar circulando devagar, afim de achar alguma água. O sol fica extremamente forte, me fazendo oscilar involuntariamente. Andamos mais algumas horas, sem sinal de água, e sem protestar aceito a sugestão de Katniss de montarmos acampamento.

Está entardecendo o que torna o clima mais suportável. Em busca de alguma lucidez, colho algumas nozes, que Mags comeu a tarde inteira, sem fazer mal a ela, e as jogo contra o campo de força, fritando-as instantaneamente.

Me concentro na tarefa de descascar os pequenos frutos, pois tenho medo de parar e apagar. Isso faz me lembrar do ano passado, onde passei horas, talvez dias, num estado inconsciente. É terrível. Não estar morto, tampouco vivo, de fato.

— Finnick, por que você não fica de guarda e vou procurar alguma água? — Katniss dispara, parecendo impaciente.

Olho imediatamente para ela, e estou prestes a protestar, quando ela me interrompe.

— Não se preocupe, não irei longe — ela promete. Eu sei que ela sabe se virar bem sozinha, mas eu não posso permitir isso.

— Eu vou, também — digo, decidido.

— Não, eu vou caçar um pouco se puder — ela retruca, fazendo eu entender imediatamente que se eu for, apenas irei atrapalha-la.

— Não vou demorar.

Dizendo isto ela assume sua postura de caçadora, e sai furtivamente em meio a mata, com seus ombros parecendo relaxados, pela primeira vez, desde que chegamos aqui.

– Ela vai ficar bem – Finnick me tranquiliza. – O que me preocupa no momento, é o seu estado.

– Estou melhor – minto. Ele me olha com reprovação. – Bom... Estou um pouco melhor.

– Suas mãos estão tremendo, e antes não estavam. Isso é sinal de melhora?

Olho para minhas mãos, e percebo que ele está falando a verdade. O que está acontecendo? Tento não soar desesperado, porém minha voz me trai.

– Você acha que eu posso... que meu coração pode, parar novamente? – pergunto, envolvendo meus joelhos com os braços.

– Eu não sou médico. Mas, você está mal. Pode ser desidratação. Eu realmente não sei. Acho que devemos contar a Katniss – ele responde, e se agacha ao meu lado. Ele me olha de uma forma muito genuína, e eu engulo o nó em minha garganta enquanto penso que eu realmente não quero que ele morra. Mas isso não será possível.

– Eu vou ficar bem. Só não conte para Katniss. Não quero que ela fique nervosa. Por causa do bebê – justifico, acendendo a chama da gravidez dela para o público, mais uma vez.

Finnick me lança um pequeno sorriso, e se junta a Mags, que está tecendo algumas folhas. Eles trabalham habilmente, fazendo eu me sentir inútil. Peço para que me ensinem, assim conseguiremos construir essa espécie de cabana mais rápido. Consigo até me divertir um pouco, quando todas as minhas tentativas de entrelaçar as folhas dão errado. E é nesse momento, em que todos nós estamos nos sentindo ao menos um pouco leve, que o som de um canhão explode pela arena. Me levanto abruptamente, com o desespero me tomando por inteiro.

Minha visão escurece, e eu piso em falso para trás. Meu coração bate tão forte, que meu peito chega a doer. Sinto Finnick me amparando, antes que eu caia no chão.

– Não pode ser – sussurro. – Katniss...

E as palavras morrem em minha boca.


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