Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 3
Capítulo 3




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Acho que as coisas ficam mais fáceis de aguentar com o tempo. Lembro de que quando chegamos ao distrito 12, eu fingia estar feliz o tempo todo, quando na verdade tudo o que eu queria era desaparecer. Foram vários almoços com Katniss, entrevistas, beijos sem vontade alguma da parte dela, mãos se soltando quando não havia ninguém por perto, e arrependimentos por não ter engolido as amoras. O único dia em que fiquei feliz de verdade, foi no dia da parcela. O primeiro de doze, nos quais pacotes de comidas eram entregues para cada pessoa do distrito. Graças a nós, essas pessoas terão ao menos um pouco para comer, durante um ano. Minha família, não se pronunciou a respeito da minha relação com Katniss. Estão tão distantes de mim... Se eu estivesse na Capital, me sentiria mais perto deles, do que me sinto agora. Só que ás vezes, eu queria alguém para conversar. Alguém que estivesse sóbrio a maior parte do tempo. Como não tenho, vou apenas guardando tudo, esperando que algo aconteça, um milagre talvez, e um dia eu acorde sem essas cicatrizes, sem esse sentimento de perda, a respeito de alguém que nunca tive. Mas, sobre a família de Katniss, não tenho certeza se elas sabem o que realmente aconteceu entre nós. Talvez apenas Gale saiba. Katniss deve ter contado a ele como tudo foi apenas em prol da nossa sobrevivência. O som de carros, buzinas e muita gritaria me assusta. Minhas mãos começam a suar, pois sei que minha equipe de preparação está chegando. E isso significa que a hora de encarar Katniss de verdade, também está chegando. Portia abre a porta e exibe um enorme sorriso quando me vê.

– Peeta, você está muito bem! – ela exclama enquanto me abraça.

– Obrigado – respondo apenas.

Ela me analisa por um tempo, mas depois volta seu olhar para duas figuras sinistras e coloridas que reconheço como minha equipe nos jogos. Eles andam timidamente até mim, mas logo isso acaba, dando lugar a muitos abraços, e uma conversa da qual não faço muita questão de participar.

– É a primeira vez deles cuidando de um vencedor – Portia diz, reparando em meu desconforto perante a tantos afagos.

Fecho os olhos, me acomodo em uma poltrona, e me entrego aos cuidados dessas pessoas, que nem parecem humanas, não apenas pela aparência extravagante. Assim que me deixam aparentemente sem qualquer imperfeição, Portia entrega minhas roupas, que julgo serem confortáveis e informais. Nada de ternos. Me visto e vou para a sala encontrando Haymitch a minha espera.

– Nada mal hein – ele diz, com ironia. Incrível como ele consegue passar de bêbado, para aparentemente sóbrio em tão pouco tempo. Seu cabelo não está ensebado, suas roupas estão limpas. Não parece a mesma pessoa que encontrei mais cedo.

– O que você quer Haymitch? – pergunto, sem esconder um sorriso de admiração.

– Quero só te desejar boa sorte. Você ainda tem que gravar algo falando sobre aqueles seus quadros feios. Mas você sabe o que vem depois, então...

– Eu sei Haymitch. Vou ter que fingir ser o namorado mais amoroso já existente, com uma garota que sequer me olha nos olhos. Isso é muito fácil de se fazer. Sem contar no pequeno detalhe, sem importância alguma, de que eu a amo – digo, deixando transparecer minha raiva e frustração.

– Hey, acredite... As coisas podiam ser piores – ele diz, dando um tapinha em meu ombro.

Algo no tom da sua voz, me faz acreditar nisso. Me faz pensar que Katniss poderia nem estar aqui.

Apresento para as câmeras algumas de minhas “obras”, que implicam em quadros com flores, ou animais, pois Haymitch me instruiu para não mostrar minhas reais telas. Eu pinto sobre os jogos. Quase toda a noite, eu acordo, tremendo de medo. Por mais que eu tente não pensar em todo o horror vivido quando estou acordado, minha mente faz questão de reviver cada momento em meus sonhos. Quando isso acontece, eu me levanto e começo a pintar. Uma vez, tive um pesadelo horrível com a morte de Glimmer, a bela garota do distrito 1. Institivamente comecei a pintar. Eu quase não me dei conta do que estava fazendo, até que depois de horas, quando eu havia quase terminado, que eu percebi. Eu havia pintado Glimmer, já adulta, com uma criança tão bela quanto ela nos braços. Imaginei que poderia ser sua filha, e me senti melhor em imaginar que ela poderia ter tido um futuro. Desde então, sempre que tenho esses pesadelos, me levanto e começo a pintar sobre como seria a vida, desses jovens, desses tributos. Mesmo que seja só em minhas telas, eles ainda tem vida. Até aquela criança, que eu, com minhas próprias mãos tive que matar, tem uma vida, feita também, por minhas mãos. Portia reaparece quando as filmagens terminam, e me leva para fora onde será gravada a primeira cena minha e de Katniss.

A neve cai em flocos minúsculos, e se mistura com uma espécie de neblina. O sol da manhã, deu espaço as nuvens, fazendo o dia ficar cinzento e triste. Do mesmo modo que me sinto por dentro. Quando Katniss aparece na porta da sua casa, a poucos metros de mim, as palavras de Haymitch ecoam em minha mente.

– Finja que é real – sussurro para mim mesmo.

Começo a andar lentamente em direção a Katniss. Ela sorri.

– Finja que é real – sussurro mais uma vez.

Eu sorrio. Ela começa a correr em minha direção, como se não aguentasse mais um segundo longe de mim. Quando nos encontramos, eu a seguro firme em meus braços, e giro seu corpo no ar.

Finja que é real, penso, sem parar.

A neve, escorregadia, faz eu perder o equilíbrio sobre a perna que eu achei que dominava tão bem, e quando vejo Katniss e eu estamos no chão. Seu corpo por cima do meu. Seus lábios colados nos meus. Eu havia me esquecido, o quanto seus lábios eram macios. E quentes. Eu retribuo o beijo, sentindo que a cada segundo eu ganho um pouco mais de vida. Por um instante, eu não preciso fingir que é real. Pois eu sinto que é muito real. Mas quando nossos lábios se separam, e eu encaro seus olhos, me deparo com um misto de dúvida, desespero e arrependimento. Enquanto ela me ajuda a levantar, e se apoia em meu braço para seguirmos nosso caminho até a estação, me pergunto se o momento em que terei que fingir que isso nunca existiu, irá doer tanto quanto esse momento em que tento a todo custo fingir que tudo é real, com a sensação quente desse beijo inesperado, se esvaindo a medida que sinto seu incômodo e indiferença crescer.


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