Golpe de Estado escrita por M san


Capítulo 33
Hime


Notas iniciais do capítulo

PoV duplo ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/559745/chapter/33

Como nada que é ruim vem sozinho, a crise que abalava Konoha chegara acompanhada do inverno mais rigoroso dos últimos cinquenta anos. Já avançavam à metade de fevereiro, mas o frio cortante não dera brecha à vila, exceto por alguns dias isolados nos quais algo de sol foi visto. Sol esse que, mesmo quando dava o ar da graça, fazia questão de ir embora cedo. Inconvenientemente cedo. Como um convidado que sai da festa antes dos parabéns. Algo muito mal visto por quase todos os moradores da aldeia, que queriam aproveitar o máximo de luz natural em suas atividades. Quase todos.

Ao contrário do restante da vila, Nana estava extremamente grata pelos prematuros pores do sol. O breu invernal poderia não ser ideal a uma partida de futebol, ou a uma roda de bate-papo com os amigos, mas se adequava como uma luva às necessidades ninjas. Especialmente, às de espionagem dela. No verão, teria que esperar até algo no meio da madrugada para agir. Agora, contudo, bem antes da meia noite ela seria capaz de iniciar as atividades.

A kunoichi manteve a posição em meio às árvores, disfarçando sua presença ao confundir seu cheiro, e seu chakra, com os dos lobos da região. Ali estava desde que fora ordenada por Kakashi a destruir o laboratório da Raiz, observando, claramente, a entrada desse, que se estabelecia dentro de uma montanha. A abertura era disfarçada com uma pedra e só permitia o ingresso de ninjas se acionada de dentro. Por sorte, Nana era exímia em controlar o que não podia ver.

Ela ouviu um trovão próximo e, intimamente, agradeceu. Tornar-se-ia ainda mais fácil manter o disfarce e, consequentemente, destruir o laboratório com uma chuva torrencial. Ela sentiu grossas gotas de água atingirem seu corpo e ouviu um ocasional ploc ploc das que batiam em sua com sua máscara. Puxou o capuz um pouco mais. Não podia permitir que a água atrapalhasse sua visão.

O pouco sol que ainda coloria o céu de Konoha bateu em retirada e Nana duplicou a atenção. Por duas vezes, viu o mesmo ninja entrar e sair do buraco disfarçado na montanha e analisou-o. Era um pouco mais alto que Kakashi, deveria ter algo em torno de um metro e oitenta e cinco. Homem, com certeza. Muito forte, era possível reparar mesmo sob a capa preta que lhe cobria inteiro. Provavelmente tinha um excelente taijutsu. Acrescentaria sua presença ao relatório.

Mais muitas horas se passaram e Nana resolveu agir. Não haveria momento demasiadamente melhor que aquele, logo, não fazia sentido perder mais tempo. Ela saltou sobre os galhos das árvores até alcançar vários metros acima da entrada do laboratório e, realizando alguns selos, espalmou suas mãos sobre a rocha, conduzindo energia pelas pedras maciças da montanha, até encontrar, no meio dela, um grande oco. A kunoichi manipulou a energia que controlava, transformando-a em cinética, sabendo exatamente o que fazer. Estivera ali algumas vezes, exercendo sua função de espiã aos Kages. Na primeira vez, tivera dificuldades em descobrir como entrar. Precisara envolver energia em um dos membros da Raiz, e esperar até que ele saísse do rochedo, indicando a posição da alavanca interna e da rocha falsa na entrada. Entretanto, agora, conhecia a localização das duas de cor.

Nana envolveu a alavanca com energia e, não sentindo a presença de chakra algum próximo à entrada, abaixou-a. Imediatamente, a rocha que fechava o buraco no meio da montanha se moveu, o suficiente apenas para permitir a entrada de uma pessoa. Ela correu montanha abaixo e se espremeu para dentro do lugar, tornando a fechá-lo assim que o cruzou. Como previra, não havia ninguém ali.

Ela percorreu o longo corredor cavernoso, já o conhecendo o bastante para saber que existia nada ali. Era uma caverna comum, a entrada do laboratório: úmida, escura e apertada. A mulher caminhou silenciosamente até o fim do lugar, deparando-se com uma parede rochosa limitando-a, indicando que ali ela acabava. Indicando aos outros. Após várias visitas, a kunoichi não parava mais a frente de um simples genjutsu. Grudando-se à parede lateral, disfarçando ao máximo sua presença, ela cruzou as rochas ilusórias, deparando-se com o já familiar corredor que lhe seguia.

O contraste entre o pós-parede e o pré era tamanho que uma pessoa com mais imaginação poderia concluir que cruzara algum tipo de portal dimensional. Se antes das rochas era tudo, bem, rocha, após o genjutsu um mundo esterilizado e laboratorial se abria. O chão era coberto por mármore escuro, inerte, e os limites laterais de concreto queimado se abriam de metros em metros em portas pesadas de ligas metálicas. Quatro ao todo. Um par de salas em cada lado. Era um ambiente propositalmente isolado, o do laboratório. O desastre em um cômodo não afetaria a pesquisa em outro. As divisórias de três metros de largura tinham a única função de garantir a integridade do que estivesse dentro de cada sala. A princípio, Nana odiara aquilo. Era mais difícil disfarçar a presença em um local tão geometricamente simples, assim como invadir cada compartimento. Contudo, agora que tinha que destruir o lugar, agradecia pelas paredes grossas, pelas portas pesadas e por tudo mais que o isolava. Protegeria o exterior de uma catástrofe química.

Nana continuou caminhando devagar, a fraca luz da lâmpada no centro do corredor iluminando seus passos. Ela se concentrou, tentando ouvir qualquer barulho que indicasse qual sala era ocupada naquele momento (sempre havia alguém em alguma sala, a qual a kunoichi, espertamente, evitava), mas o barulho do exaustor no teto a impediu. Nas vezes anteriores, deparando-se com tal situação, a mulher aproximou-se lentamente de cada porta e manipulou energia no interior do cômodo, usando-a para detectar sinais vitais. Contudo, naquele momento, tal ação era desnecessária. Não precisava mais se portar tão cuidadosamente. Em minutos, estaria tudo a baixo de qualquer maneira.

A mulher alcançou a primeira porta à sua esquerda e, parando a frente dela, começou sua mágica. Conduzindo energia cinética entre o portal e a fechadura, forçou os pinos responsáveis por travarem a porta à parede a se moverem, tornando, assim, seu acesso à sala completamente desimpedido. Sorriu levemente por baixo da máscara. Para que chaves quando se tinha aquele nível de controle?

Ela empurrou a porta de metal lentamente, considerando que algum tipo de cuidado ainda era necessário. Fechou-a atrás de si e, xingando Kakashi por ter complicado ainda mais sua missão, voltou a fuçar o lugar em busca de algo novo. Sensores acenderam as luzes quando detectaram sua presença e a mulher agradeceu intimamente poder enxergar. Mesmo que não gostasse muito do que via.

De maneira simples, Nana poderia descrever o interior da sala como uma continuação assustadora do corredor do lado de fora. Não era particularmente grande e seu chão ainda era de mármore escuro, assim como as paredes mantinham o padrão de concreto queimado. Contudo, diferentemente do exterior, a sala era preenchida quase que totalmente por móveis, equipamentos, objetos estranhos, experimentos. A parede de frente à da porta era completamente ocupada por três tubos de proporções suficientes para comportarem homens grandes em seus interiores. Estavam vazios, mas Nana desconfiava que aquele não era seu estado mais comum. No centro do lugar, uma mesa comprida e simples servia de apoio a pilhas de papel, as quais a kunoichi já examinara em outras oportunidades, equipamentos e experimentos. Fora ali que ela encontrara a massa branca no dia anterior. Na parede à direita da porta um refrigerador de dois metros e meio de comprimento dominava o espaço, enquanto as da esquerda eram contornadas por uma bancada em L, onde pias, tubulações de gases, hidráulicas e elétricas e mais equipamentos se amontoavam um sobre o outro. Nana se concentraria ali naquela última vez. Não na bancada em si. Mas no armário sob ela.

A mulher abriu as portas e gavetas do armário e, sem a preocupação de manter sua visita oculta, começou sua procura por qualquer coisa de qualquer jeito. Não presava mais pela organização. Encontrou caixas de reagentes, vidros de ácidos, variados instrumentos de medição. Uma quantidade impressionante de tubos de ensaio e derivados. Dezenas de jarros conservando em formol os mais esquisitos organismos e pedaços de organismos. E mais uma infinidade de coisas que ela jamais saberia identificar. Estava quase desistindo da sala quando, atrás de um pote que ela poderia jurar conter um feto humano, uma caixa lhe chamou atenção. Puxando-a sem muita cautela, Nana destampou-a, encontrando dentro pastas e mais pastas arquivadas e minuciosamente ordenadas. Ela as passou pelos dedos rapidamente, lendo, assustada, a quem pertencia cada arquivo. Yamanaka Ino, Nara Shikamaru, Maito Gai, Rock Lee, Sai, Yamato. Kakashi, Naruto, Sakura, Sasuke. E mais outros tantos que ela sabia serem ninjas aliados. Nervosa, puxou o arquivo referente a Kakashi e, sentindo as mãos tremerem, leu-o rapidamente. Não entendeu coisa alguma. A linguagem lhe era incompreensível, como tende a ser a ciência aos leigos. Lembrou-se de Sakura e lamentou não tê-la consigo. Decidiu, então, levar todo o arquivo. Poderia ser nada, claro, mas seu instinto apontava para a outra direção.

Nana ainda estava na metade do movimento de devolver a pasta à caixa quando ouviu um barulho típico de metal atritando metal, indicando que a maçaneta era girada. Instintivamente, ela saltou para trás da mesa, fechando a porta do armário com o pé enquanto passava, levando consigo a caixa de arquivos. Percebeu a luz do corredor invadir em quase nada o interior da sala e, mordendo o lábio inferior, xingou mentalmente. Droga de sensores! Quem quer que tivesse entrado, logo perceberia as luzes já acesas. Pretendia, ainda, passar pelos outros laboratórios antes de mandar tudo pelos ares. Deixaria isso para a próxima vida.

A mulher se concentrou na luta iminente e, torcendo para conseguir manter a caixa consigo, ouviu passos se aproximarem. Não brincaria com a presa, ela pensou, observando o lugar atentamente, pretendendo acabar com tudo o mais rápido possível. Estava completamente exausta, não poderia se dar ao luxo de um luta longa. Percebeu o barulho dos sapatos do recém-chegado mais próximo e, no segundo seguinte, sentiu uma lâmina cortar o ar em sua direção. Desviou facilmente. Aproveitando-se de sua posição abaixada, Nana imprimiu uma rasteira no adversário, que saltou, evitando-a. Ela deslizou por baixo da mesa uma fração de segundo antes dela ser partida ao meio e levantou-se rapidamente, desembainhando a espada, movimentando-a verticalmente, mas transpassando apenas o nada. Seu inimigo, agora ela podia vê-lo claramente, trajava um avental branco que lhe cobria do pescoço aos pés e escondia o rosto e os cabelos atrás de uma máscara e de uma touca respectivamente. Ela o viu realizando selos, mas não se incomodou. Podia sentir a energia elétrica correndo pelas paredes ao seu redor. Era o fim.

Uma das grandes vantagens da energia, na opinião de Nana, era o fato dela não ser matéria. Assim, mesmo os cabos que transmitiam eletricidade estando dentro de tubos isolados, nada atrapalhava a kunoichi em sua manipulação. Ela sentiu o próprio chakra fluir por seu corpo, capturando a energia corrente na tubulação, e, como se seu sistema nervoso se estendesse a essa, iniciou seu controle, manipulando-a ao bel prazer. Sendo adepta da teatralidade na arte do ninjutsu - em sua opinião, o pânico era tão eficaz quanto um soco -, Nana fez a eletricidade dançar às suas costas, criando para si um fundo de luz e faíscas cuja trilha sonora era um chiado ensurdecedor, como de mil pássaros enlouquecidos. Era um som nostálgico.

— Você… Não pode ser… Você está… - gaguejou o ninja à frente de Nana, seus olhos, única parte do rosto visível, denunciando o pavor que aquela visão lhe causava. Ele tentou se afastar, dando passos para trás, mas parou ao chocar-se com os tubos imensos na parede dos fundos. A mulher quase sentiu pena do homem, pensando por uma fração de segundos em capturá-lo e não matá-lo. Mas não havia tempo para aquilo. Eletrocutou-o.

Nana saiu do laboratório, a caixa de arquivos ainda sob o braço, provocando curtos incendiários nos aparelhos da sala. Alcançou o corredor mais ofegante do que deveria estar, se considerado o montante relativamente baixo de esforço recém-realizado. O cansaço dos turnos anteriores finalmente atingia seu auge em meio à missão. Decidida a simplesmente explodir toda a caverna, Nana pisou no hall, as chamas se propagando às suas costas, e deparou-se com outros dois cientistas, ambos trajando as mesmas roupas do que ela acabara de derrotar. O primeiro correu em direção à mulher, arremessando agulhas cintilando em veneno contra essa. Mas Nana foi mais rápida. Com um único selo, jogou-o contra a parede, perfurando-o com suas próprias agulhas. Ela voltou-se ao segundo, que corria para fora da caverna realizando selos. Atravessou-o com a espada. A mulher já considerava a luta ganha quando ouviu um leve barulho atrás de si. Girou nos calcanhares, procurando a origem desse e, quando a encontrou, precisou de um segundo para entender. Um pergaminho queimava colado à parede, no exato local em que, segundos antes, o cientista morto pela espada estivera. A kunoichi piscou. Seu primeiro pensamento foi que de não fazia sentido algum explodir o próprio laboratório. Contudo, no instante seguinte, ela notou o gás acinzentado ser exalado do papel. Sentiu o coração, antes calmo diante de algo que ela se acostumara a fazer desde criança, batalhar, acelerar movido pela compreensão. Compreensão tardia. Prendeu a respiração, evitando pensar em quanto inalara e concentrou-se na eletricidade das tubulações das outras salas, enquanto a náusea e a dor de cabeça a atingiam numa crescente. Correu para a entrada da caverna, puxou sua espada das costas do cientista morto, ouviu os curtos incendiando o que restara dos laboratórios. Alcançou o rochedo que fechava o lugar e forçou-o a abrir uma fenda suficiente apenas para permitir sua passagem. Sentiu os braços arranharem nas pedras da fissura e, agora completamente tonta, jogou-se montanha abaixo, rolando pela vegetação e solo, amortecendo a queda na lama, usando o mínimo da pouca força que lhe restara para vedar a caverna. Ainda caindo, sentiu a montanha inteira tremer. Missão cumprida.




 

— Algo mais, Kakashi-sama? - perguntou Ayame, as bochechas corando um pouco mais, enquanto entregava ao Hokage uma sacola contendo seu pedido para viagem.

— Ah, só isso, Ayame-chan. Muito obrigado... - respondeu Kakashi, sorrindo por baixo da máscara, virando-se.

— Ah, Kakashi-sama! - chamou Ayame, ao que ele virou-se apreensivo para encará-la. Já imaginava o que poderia ser - Ah, bem… É que o filme Táticas Icha Icha estreou essa semana no cinema e… é que o senhor gosta tanto dos livros, eu pensei que, talvez, pudéssemos assistir jun…

— Ah, desculpe, Ayame-chan! Estou muito ocupado agora, Hokage e tal… Talvez você devesse chamar outra pessoa. O Gai chegou de viagem! Aposto que ele iria! - propôs Kakashi, coçando a cabeça, tornando o constrangimento entre os dois quase sólido - Eu tenho que ir agora, desculpa, tchau tchau!

Kakashi girou novamente nos calcanhares e, quase como numa largada, pôs-se a andar/correr, colocando entre ele e o Ichiraku o maior número de passos que era possível no menor espaço de tempo. Incentivara os sentimentos da jovem filha do tio do ramen por anos, elogiando sua beleza, acrescentando um carinhoso chan ao seu nome. Agora, com a moça apaixonada, lidava com o embaraço que era lhe dar delicados foras. Além disso, toda vez que a via, não podia parar de imaginar como Nana reagiria quando soubesse. Obviamente, temia mais por si do que por Ayame.

O Rokudaime prosseguiu sua caminhada tentando afastar Ayame de sua mente. Não foi difícil. Tinha assuntos muito mais urgentes do que a quedinha que a jovem tinha por ele. A sacola em sua mão, por exemplo, representava um deles. De fato, naquele momento, correspondia ao que havia de mais urgente em sua vida. Aiko.

Com Nana enfiada em missões diárias (culpado, meritíssimo), a mulher se viu obrigada a dividir com Kakashi a tarefa de cuidar de Aiko, algo que ele teria adorado não fosse um pequeno detalhe: seus turnos. Sendo Hokage, e estando sua filha oficialmente morta, o ninja não podia simplesmente abandonar seu posto e brincar de casinha com a criança. Assim, restringia suas visitas à madrugada, após o expediente. Horário esse em que, obviamente, Aiko estava dormindo. Isto é, sua única função era levar à menina as refeições do dia seguinte e, abobado, vê-la dormir.

Contudo, naquela noite, seria diferente. Gastando toda a sorte que acumulara durante a vida de uma só vez, Kakashi viu Tsunade chegar de viagem e, numa bondade e disposição incomum, a ouviu se oferecer para terminar o expediente por ele. Oferta a qual ele nem considerou recusar. Se ela o fez por educação, só podia lamentar falsamente pela kunoichi. Pela primeira vez em semanas, saíra antes das duas da madrugada. Mais precisamente, às nove e meia. Certamente, encontraria Aiko acordada. Jantaria com ela. Seria como pai e filha. Mesmo que só ele soubesse disso.

Kakashi continuou seu caminho pelas vias de Konoha tomando cuidado para não sacudir demais os ramens dentro dos potinhos de isopor. Cumprimentava a cada minuto meia dúzias de pessoas diferentes, a consciência que de fato era um Kage pesando um pouco mais em seus ombros a cada oi, como vai? bem educado. Cruzou a vila quase sem notar e alcançou o caminho ao bunker dos Hikari poucos minutos após fugir do Ichiraku. Preocupara-se em estar sendo seguido, por isso, disfarçara sua viagem passando em casa por alguns segundos, apenas para sair sorrateiro nos seguintes, dissimulando sua presença e chakra. Quando viu a entrada do esconderijo escondida sob a grama, permitiu-se um leve sorriso. Nunca conversara com a filha a sós.

Ele abriu a tampa do bunker e adentrou, descendo as escadas quase correndo após fechá-la atrás de si. Percorreu o corredor escuro que levava aos cômodos sem fazer barulho. Temia assustar a menina. Alcançou a porta mal podendo se conter. Sentia-se um bobo apaixonado num primeiro encontro. E, de certa forma, o era. Não seria Aiko o amor de sua vida? Tocou com os dedos gelados na maçaneta da porta e parou por um segundo. Seu coração batia tão rápido que poderia escapar do peito. Precisava respirar. Fez-o. E, então, girou a maçaneta.

— Tadaima! - Kakashi exclamou, anunciando sua presença da forma mais descontraída e terna que foi capaz. Não houve resposta - Aiko? - ele chamou, levemente preocupado. Nada - AIKO! - gritou, histérico.

Kakashi correu desesperado em direção ao quarto da menina. Encontrou-o com a luz acesa, o futon ao chão bagunçado, vários mangás e livros empilhados ao lado. Mas nada de Aiko. Mal suportando o próprio peso sobre as pernas, ele correu para a porta ao lado, escancarando-a com um soco. Todo o ar saiu de seus pulmões. Sua filha também não estava ali. Em pânico, Kakashi precisou de um instante para raciocinar. Ajuda. Deveria pedir ajuda. Reforços. Pakkun. Levou o dedo à boca e já o havia feito sangrar quando ouviu um barulho ressoar pela casa. Parecia… a descarga. Petrificado, escutou o som da água corrente da torneira começar e cessar, segundos antes da única porta que ele não verificara ser aberta, revelando uma Aiko absolutamente tranquila. Quis correr, abraçá-la, apertá-la, verificar cada osso de seu corpinho. E, em seguida, quis pendurá-la pelos pés no teto. Quase tivera um ataque.

— Ah… oi - ela cumprimentou, calmamente, indo em sua direção.

— Oi - ele respondeu, controlando-se. Onde teria ido parar todo seu cool factor?

— Cadê minha mãe? - perguntou Aiko, sem rodeios. Kakashi suspirou. Sim, estava com ciúmes.

— Está em missão - respondeu, voltando à cozinha. Aiko o seguiu - Por que você não respondeu quando eu chamei?

— Não respondi?

— Não…

— Eu não ouvi o senhor me chamar, Hokage-sama - ela respondeu, polida. Kakashi parou um momento em seu ato de tirar os potinhos de isopor de dentro da sacola. Hokage-sama?

— Do que você me chamou, Aiko? - perguntou Kakashi, sorrindo por baixo da máscara. Quão fofa ela poderia ser?

— Ah… Hokage-sama? Mamãe disse que o senhor é o Hokage.

— Disse?

— E que eu tenho que obedecê-lo - ela continuou, sentando-se à mesa sob o olhar divertido do Hatake - E que eu não posso mandar a Shori atacar ninguém! A não ser que seja mau. Ai tudo bem.

Kakashi riu. Não encontrou lógica conectiva entre as informações dadas pela menina, mas riu. Era de tudo criança, Aiko. Mesmo que, sentada à mesa séria como estava, tentasse ser Nana.

Kakashi voltou à sua tarefa anterior de servir o ramen. Tirou os potinhos da sacola e colocou-os à frente do próprio lugar e do de Aiko, enquanto observava a menina tentar prender os fios rebeldes de cabelo num rabo de cavalo no alto da cabeça. Sentiu pena da criança. Puxara seus cabelos e, consequentemente, nunca conseguiria domá-los. Se tivesse os ruivos da mãe, sequer precisaria se preocupar em pentear.

— Coma, Aiko - ordenou Kakashi delicadamente.

— Bah… Meu cabelo… não… prende!

— Você não vai pra lugar algum, pra que arrumar? - argumentou Kakashi, sentando-se e equilibrando os hashis de Aiko sobre o ramen.

A menina, imediatamente, largou os cabelos, deixando-os caírem soltos até alguns dedos abaixo dos ombros. Emburrada, ela encarou o jantar parecendo pouco disposta a prová-lo, sem sequer pegar os hashis e agradecer pela comida. Kakashi já previra que seria assim. Ela não comia direito há dias. Ele sempre encontrava mais da metade das refeições que trazia a ela guardada na geladeira.

— Aiko, você não vai comer? - ele perguntou, a voz macia, tentando agradá-la.

— Ah… vou… - respondeu a menina num sussurro, segurando os hashis entre as mãos num desanimado itadakimassu.

Kakashi a imitou, também agradecendo. Prendeu uma quantidade razoável de macarrão entre os pauzinhos e, sorrindo encorajador para criança, encheu a boca de ramen.

— Não é bem educado brincar com a comida - ralhou o Hokage, minutos depois, quando Aiko ainda insistia em apenas mexer o macarrão de um lado para o outro da tigela, sem de fato provar - Além disso, se você demorar, ficará frio, e você terá que comer tudo mesmo assim…

— Hum? - perguntou Aiko, levantando os olhos antes voltados aos ramen e pousando-os nele. Kakashi levou um leve susto com a atitude da garota e sentiu-se engraçado, meio irritado. Então era assim que os outros se sentiam quando ele fingia não os ter ouvido?

— Aiko… - ele chamou, arrastado, num tom repreensivo. Ela não iria querer usar seu truque contra ele mesmo, certo? - Eu sei muito bem que você ouviu o que eu disse!

Aiko esbugalhou os olhos levemente espantada por ter sido pega. Ela piscou meio perdida, sem saber como agir, e Kakashi quis rir. Controlou-se. A menina podia ainda não saber que ele era seu pai, mas precisava manter algum tipo de autoridade sobre ela desde já. Sabia que todo o bom comportamento da criança para com ele era consequência das ordens de Nana. Mas, se ele desse brecha, perderia completamente os respeito e o controle sobre a Aiko, ela sabendo ou não da relação entre os dois.

— Desculpa… - ela pediu, aparentemente encontrando nessa sua única saída. Curvou-se levemente, mas logo voltou à posição ereta. Obviamente, sendo filha de quem era, fora moldada em orgulho.

— Vai comer? - perguntou Kakashi, sério.

— Eu não gosto de ramen… - respondeu a menina, mordendo os lábios. Kakashi piscou. Como assim? Quem no mundo não gostava de ramen? A única explicação razoável era nunca ter provado um bom ramen! Foi então que o ninja compreendeu.

— Ah, claro que não… - riu-se ele, puxando os hashis das mãos da menina, pegando um bom bocado com eles e levando até a boca da criança - Esqueci que você só comeu a comida da sua mãe! O ramen que a Nana faz é um desastre, nem porco come aquilo… Abre a boca.

— Minha mãe come… - respondeu a menina, mas abriu abocanhou o que Kakashi lhe servia. Ele sorriu e, levantando as sobrancelhas, quis saber o que ela achava. Não precisou da resposta verbal. Os olhos dela brilharam como se provasse chocolate pela primeira vez.

— Gostoso, né? - perguntou o Hatake, recebendo um aceno positivo. Ele entregou os hashis à garota e voltou-se ao próprio jantar. Estava faminto - Sua mãe come por orgulho!

— Também acho! - riu Aiko, puxando a tigela mais para perto e comendo normalmente - Mas eu gosto da sopa dela!

— É, é gostosa - concordou Kakashi, sendo verdadeiro. A sopa de costela da mulher era, realmente, deliciosa - Ela cozinha bem. Só não ramen. Não sei qual o problema dela… Enfeita o prato…

— É horrível! - exclamou Aiko, bebendo o caldinho da tigela. Então, ela parou de supetão. Seus olhos se arregalaram novamente e Kakashi previu bomba quando ela, lentamente, abaixou o potinho encarando-o como um cachorrinho assustado - O senhor vai contar pra minha mãe que eu falei isso?

Ele riu. Negou com um aceno e riu. O que mais poderia fazer além de gargalhar?

— Ufa…

Eles continuaram comendo, um pouco mais quietos, o silêncio interrompido apenas pelos barulhos próprios à refeição. Kakashi viu Aiko terminar o jantar quase ao mesmo tempo em que ele próprio e sentiu-se aliviado. Talvez faltasse apenas companhia para a menina voltar a comer bem. Quando limpava a mesa, o ninja ouviu um barulho de passos no corredor e, pelo segundo que levou até reconhecer o cheiro, assustou-se. Contudo, era apenas Shori voltando da caçada, completamente encharcada da chuva que atormentava a noite. Aiko correu até ela, saltando em felicidade com o retorno da companheira e, murmurando um nada de sujar o chão, levou a loba ao banheiro. Intimamente, o Hatake torceu para a filha não dividir a própria toalha com o animal, mas não se preocupou muito. As regras de Nana para a limpeza eram extremamente rígidas. Duvidava que à Aiko fosse permitido sujar um pano de chão, quanto mais uma toalha inteira. Terminou de arrumar a cozinha, checando, ao fim, se havia comida para o café da manha da filha. Havia. Ouviu, então, a menina e sua loba se dirigirem ao quarto. Seguiu-as.

— Aiko, você tá precisando de alguma coisa? - perguntou ele, encostando-se na porta, vendo a criança acomodar-se confortavelmente no futon ao chão, Shori, já quase seca, deitando-se ao seu lado.

— Não… - respondeu a menina, baixinho. Seu semblante mudou. No segundo anterior, parecia animada, sacodindo-se sobre a cama. Agora, murchara - Já vai? Vai demorar?

Kakashi sentiu um nó na garganta.

— Você quer que eu fique? - ele perguntou.

— Bah… o senhor que sabe… Não precisa…

Precisava. Era uma criança, não deveria ficar sozinha. Kakashi fitou a menina e viu-a abaixar a cabeça, buscando um livro próximo, escondendo o rosto atrás dele. Sentiu, com o coração apertado, que assim que saísse do bunker, ela cairia no choro. Culpou-se. Nana jamais a deixaria sozinha se tivesse escolha. Era uma guerra, ela era necessária, provavelmente convenceu-se que não tinha opção. Mas a responsabilidade por Aiko também era dele. E ele, incumbido por si mesmo de cuidar das duas, colocara ambas em situação precária. Culpou-se de novo.

— Posso ficar mais um pouco, então? - perguntou ele, sorrindo, agora, por baixo da máscara.

— O senhor é o Hokage. Pode fazer o que quiser… - respondeu Aiko, meio mal criada, mas um pouco mais animada. Kakashi aliviou-se de leve.

— É, posso mesmo - riu-se Kakashi, convencido, indo em direção ao futon da criança e sentando-se no chão ao lado dela. Era apenas meia verdade. Poder, poder, podia. Mas não devia. Era um Kage, não um déspota.

— Você é tipo um rei? - perguntou a menina, os olhos brilhando. Kakashi, novamente, sorriu. Aparentemente, era um bobo com a menina, uma vez que só sorria.

— Não exatamente - respondeu ele, pensativo - Acho que o Daimyo seria o rei…

— Mas quem comanda não é o senhor?

— É… mais ou…

— Então o senhor é o rei, uai! - exclamou a criança, triunfante. Ele riu. Mais uma vez - Se o senhor é um rei, eu sou tipo uma hime, né?

Kakashi travou. Fitou a menina, que o encarava animadamente brilhante, e não conseguiu responder. Ele sentiu o estômago despencar, como se caísse em queda livre, e involuntariamente apertou os próprios dedos. Engoliu em seco. Sim, estava surpreso. Não, não parara para pensar na hipótese dela saber. E, novamente, não. Não sabia o que fazer.

— O que você disse? - ele perguntou, pausadamente, recuperando o controle e a calma.

— Uai, se o senhor é um rei, eu sou uma hime. Aiko-hime. Eu tenho um livro de uma princesa que tem cabelo vermelho, tipo a mamãe…

— Aiko, - interrompeu Kakashi, recuperando aos poucos a habilidade de falar - do que você está falando?

— Como assim?

— Por que você seria princesa? - perguntou Kakashi, desnecessariamente. Era óbvio que ela sabia.

— A filha do kage não é princesa? - desapontou-se Aiko.

— Você sabe, então… - verbalizou Kakashi sua conclusão - Desde quando?

— Sei o quê?

— Que eu sou seu pai… - respondeu ele, envergonhado. Uma filha deveria saber quem é o pai desde… sempre.

— Ah… desculpa eu saber… - pediu a menina, abaixando a cabeça em respeito. Kakashi sentiu-se mais envergonhado.

— Não precisa… - ele começou, mas não terminou.

— Eu soube quando te vi. Mamãe ficou doida. E esse cabelo, - ela indicou, puxando uma mexa do próprio e esticando-se para puxar uma do dele - difícil não saber, né? E ouvi mamãe e você falarem. Mas isso não importa. Eu sou uma hime?

— Sim, - ele riu, vendo o rosto da menina, ainda segurando seu cabelo, a centímetros do seu - Você é uma hime, Aiko.

Aiko sorriu satisfeita e Kakashi, meio perdido, bagunçou os cabelos dela numa forma desajeitada de carinho. Ele a viu procurando o livro que mencionara anteriormente e ouviu, ainda mais bobo do que antes, a menina contar toda a história da princesa de cabelos vermelhos. Toda a preocupação dela era ser ou não uma hime. Não havia traumas nela. Dores de perda. Memórias de guerra. Nunca entrara numa batalha. Sabia que ela era treinada, que tinha uma espada, que domava lobos, que seria uma guerreira genial, como Nana e ele mesmo, mas, aos sete anos, era apenas o que uma criança deveria ser. Ficara isolada, em meio à floresta, mas mantinha-se perfeitamente saudável. E, aparentemente, feliz.

Uma tranquilidade inédita ao Hokage tomou conta de seu coração. Imaginara, centenas de vezes, como seria contar à filha que era seu pai, mas não cogitara a hipótese dela já saber. E, agora, pensava que fora melhor assim. O impacto sobre a garota, possivelmente, havia sido menor. Apesar de, certamente, ele ainda existir.

— Aiko-chan, - ele chamou, carinhosamente. Ela parou em meio à narração sobre a princesa e o fitou. Piscou curiosa. Era tão fofa! - o que você acha de eu ser seu pai?

— Hum? Como assim?

— Ah… você tá confusa? Tem alguma pergunta?

— Hum… não.

— Nadinha? - ele perguntou, recebendo um aceno negativo como resposta - Você sabe que… ah… - ele respirou. Primeiras vezes eram sempre complicadas - Sabe que sua mãe e eu amamos muito você, né?

— Ah, sei. Mamãe vive me dizendo que me ama. Antes eu achava que ela me achava burra e que repetia pra eu aprender, mas agora eu acho que ela fala só pra eu falar que também amo ela. Engraçado, né?

— É… - concordou Kakashi, melancólico. Entendia Nana. Também queria ouvir de Aiko um eu te amo - Você não tem nenhuma pergunta?

— Ah… - ela girou os olhos, pensando em algo - Tenho sim. Quando eu vou sair daqui?

— Ããã… - murmurou Kakashi, surpreso. Era outro tipo de pergunta que ele esperava.

— É! Quando eu vou sair? Minha mãe fica me enrolando…

— Aiko…

— É um saco aqui. Mamãe disse que é perigoso porque ela tá em missão. Mas eu sei que é perigoso porque você é meu… ah, pai?

— Aiko, é perigoso porque eu sou seu pai e a Nana é sua mãe - respondeu Kakashi, disfarçando a emoção de vê-la o chamando de pai, mesmo que indiretamente - Existem pessoas más que querem…

— Mas eu não quero mais ficar aqui! - choramingou a menina, balançando-se parada num mesmo lugar - Eu fico sozinha, e não brinco, quero dizer, treino lá fora! É chaaato! O senhor podia me levar pra passear, hein? A gente podia ir nadar! Tem rio por aqui? Eu nadava todo dia, até no inverno…

— Aiko…

— Se o senhor não quiser ficar comigo, podia pedir pra alguém vir! Aí eu não fico sozinha e não é perigoso! Eu gosto da Sakura-san… Ela pode?

— Hei! - exclamou Kakashi, repreendendo-a - É claro que eu quero ficar com você! É só que… eu não posso. É perigoso te tirar daqui, e com a Sakura, ou um dos meninos, você ficaria ainda mais visada…

— Tá bom, - conformou-se Aiko, murchando. Doeu em Kakashi a expressão da filha - eu entendi. Desculpa…

A menina engoliu o choro e, largando o livro que segurava ao lado da cama, deitou-se, pondo-se para dormir. Kakashi a ouviu fungar baixinho e sentiu, quase que imediatamente, Shori se levantar ao seu lado, empurrando-o zangada enquanto deitava-se mais próxima a Aiko. O Hatake suspirou pesado, culpando-se pela situação da filha e, sabendo que a ação dela era sua deixa para ir, abaixou-se para lhe beijar a testa, ao que Aiko respondeu cobrindo-se até a cabeça, impedindo-o de fazê-lo. Ele entendeu a mensagem. Não ralhou. A criança tinha motivos para estar brava.

O ninja se levantou, triste, e caminhou para fora do quarto, apagando a luz ao sair. Sentou-se à mesa irado com a própria incapacidade perante a situação. Sendo sincero consigo mesmo, poderia admitir que não aguentava mais esperar. Acabaria com tudo aquilo de uma vez por todas. Coordenaria um ataque e poria fim àquela espera. Tiraria Aiko dali. Queria cuidar dela, como pai. Era pai da vila mas para a própria filha não tinha tempo algum. Resolveria a relação com Nana. Ela era louca, mas ele era louco por ela. Teria, finalmente, depois de décadas, uma família.

Ele se permitiu, por um curto momento, acreditar que faria tudo aquilo. Mas a razão lhe gritou, e ele, como sempre a ouviu. Esfregou o rosto com as mãos, levantou-se desolado, segurou a própria raiva. Foi ao quarto de Aiko, espiar os cabelos prateados dela brilharem refletindo a luz que entrava pela porta semiaberta. Contudo, mal chegara, ouviu um soluço. E outro. E mais um. Sequer ponderou por um instante, agindo tão... não ele. Não havia razão que se sustentasse perante aquilo.

Escancarando a porta, Kakashi acendeu a luz bem a tempo de ver a menina sentar-se de um pulo, os olhos esbugalhados o encarando assustada. Estavam vermelhos, inchados, as íris amarelas destacadas como bolas de ouro na relva. Ela abriu a boca para falar, mas antes que pudesse, Kakashi começou:

— Já deu, você é uma criança, não é saudável ficar sozinha - ele disse, pegando a mochila da menina pendurada atrás da porta e a enchendo com os pertences dela - Sua mãe vai me matar por isso! Veste sua capa.

— O que… Pra quê? - perguntou Aiko, completamente confusa, segurando a capa arremessada a si.

— Tô te tirando daqui. Vou te levar pra outro lugar - ele respondeu, decidindo-se que lugar seria. Pensara em duas opções.

— Mas pra onde eu vou? - indagou a menina, secando o rosto ainda molhado e, obedientemente, vestindo a capa. Kakashi abaixou-se ao lado dela e colocou seus livros na mochila - Não vou ficar com o senhor?

Por um segundo, ele parou em meio ao seu movimento de enfiar um último mangá na bolsa. Sim, ele queria dizer, claro que você ficará comigo! Mas não podia.

— Daqui a algumas semanas, mas agora não. Já vestiu a capa? - ele perguntou. Aiko acenou - Então vem.

Kakashi pegou a menina no colo e, jogando o cobertor sobre ela, pôs-se ereto. Ele sentiu os braços pequenos de Aiko se fecharem ao redor de seu pescoço e a percebeu esconder a cabeça em seu ombro. Experimentou, pela primeira vez, a sensação de ser, ao mesmo tempo, o homem mais poderoso e o mais exposto do mundo. Sentiu algo tão profundo que poderia chorar. Sequer sabia que algo como aquilo existia.

— A Shori vem também, né? - ele ouviu a menina perguntar, tirando-o de seu transe.

— Ah… Sim, claro - ele confirmou, mirando a loba de prontidão ao seu lado - Shori, siga-nos de longe, ok? Fique atenta se eu chamar.

— Seu eu chamar também! - acrescentou Aiko. Kakashi sorriu.

Ele partiu do bunker, cobrindo-se também com a própria capa. Caminhou de volta à Konoha prestando atenção a cada milímetro ao seu redor, observando atentamente qualquer um que pudesse estar o seguindo. A chuva dera uma trégua à noite, mas o vento frio e forte cortava qualquer um que se aventurasse a encará-lo. O ninja apertou um pouco mais o cobertor em torno da filha, percebendo, aliviado, que a pequena dormira em seu colo. Chorar dá sono, ele pensou, rindo.

Continuou sua caminhada por vários minutos, sendo atrasado pelo cuidado extra que tomava. No caminho, decidira a quem levaria Aiko, por isso, sem hesitação ao chegar à vila, manteve os passos firmes até o conjunto de apartamentos próximo aos campo de treinamentos. Já passara das onze e, como de costume, não havia mais viva alma no centro de Konoha. Na periferia da aldeia, bares e casas noturnas provavelmente e ainda estavam agitadas, mas o Hokage caminhava para o lado oposto, muito agradecido por isso. Alcançou o endereço desejado e entrou no prédio como poucas vezes o fizera: pela porta. Subiu as escadas, Aiko respirando tranquilamente próxima ao seu pescoço. No terceiro andar, bateu a uma das portas. E esperou.

— Quem é a essa hora? - ele ouviu uma voz conhecida resmungar, sonolenta, enquanto girava a maçaneta e revelava sua presença. Kakashi sorriu ao ver o amigo, mesmo que a máscara impedisse qualquer um de perceber. Passara algum tempo desde que a Besta Verde de Konoha partira em viagem terapêutica - Kakashi?

— Olá, Gai. Posso entrar? - o Hokage perguntou, tendo a passagem aberta pelo homem em sua cadeira de rodas - Divertiu-se na viagem?

— O que você faz aqui no meio da madrugada? - perguntou Gai, empurrando a porta após Kakashi passar. O Hatake riu. Havia nada além de confusão na voz do amigo.

— Madrugada? Não passam das doze! - exclamou Kakashi e, indicando a criança no colo, continuou - Ela dormiu. Posso colocá-la onde?

— No meu quarto - respondeu Gai prontamente, indicando o cômodo a Kakashi, que em uma levíssima reverência o agradeceu. Entrou no quarto, um pequeno retângulo apertado, e colocou Aiko confortavelmente na cama. A menina sequer acordou. Beijou sua testa e, sabendo o quanto teria que explicar, voltou à sala.

— Obrigado… - ele disse ao sobrancelhudo à sua frente, ao cruzar a porta do quarto e fechá-la - Preciso te pedir um favor…

— Você é o Hokage agora, não pede favores, dá ordens - brincou Gai, sem abandonar o tom confuso na voz.

— Preciso que cuide dela pra mim. Por alguns dias. Direi ao Lee para ficar aqui com vocês. A Loba dela está o quarto, o ajudará caso…

— Loba?

Kakashi, então, pôs-se a contar toda a história. Começando com a missão de trazer Nana de volta à vila, passando pela descoberta de Aiko, descoberta do golpe, ataque à aldeia, até sua condição atual. Gai não o interrompeu. Uma vantagem de tê-lo como amigo era que, mesmo sendo escandaloso e dramático, Gai sabia quando se portar seriamente. Era um ninja, afinal. Tinha habilidade em ler a situação, encontrar as fontes de problemas, propor soluções. E era, acima de tudo, de extrema competência e confiança. Kakashi precisava de ambas as qualidades naquele momento.

— Posso confiá-la a você? - perguntou o Hatake, servindo-se do chá que o amigo lhe oferecera.

— Não acredito que você teve um herdeiro antes de mim… - choramingou Gai, ofendido. Kakashi revirou os olhos - Meu grande e maior rival, mais uma vez, me ultrapassou…

— Bah… Eu já sou Hokage, não acho que você vá conseguir ganhar de…

— E ainda por cima, e menina já é grande! - interrompeu Gai, ignorando o Hatake - Tenho que casar logo e ter gêmeos! Aí passarei você! Ha!

— Gai, foco, por favor…

— Sim, sim… Mas, a Nana, Kakashi? Sério?

— Você não vai começar…

— A culpa é dela!

— Gai! Você vai ou não cuidar da Aiko?

— Claro que vou! Sua filha, minha filha.

Kakashi revirou os olhos.



Quando Kakashi deixou a casa de Gai em direção à própria, o ponteiro do relógio já apontava para quase duas da madrugada. Mesmo assim, o ninja estava feliz. Era a primeira vez em semanas que dormiria mais que cinco horas seguidas. Além disso, deixar Aiko aos cuidados de Gai, ao invés de largá-la no bunker, dava-lhe tamanho alívio que, por um longo momento, o ninja fora capaz de esquecer, quase que totalmente, o caos no qual estava sua vida. Assim, ele decidiu, meio culpado, meio feliz, que aproveitaria aquela sensação para se presentear com boas horas de sono. Entretanto, com Kakashi, a felicidade tinha a péssima mania de durar pouco.

O Hatake chegou a casa após poucos minutos de caminhada e, como sempre, entrou pela janela. Contudo, antes mesmo de pisar o chão, sentiu o ambiente estranho. Pousando sem fazer som algum, fungando um cheiro azedo, Kakashi analisou rapidamente seu apartamento, em busca de sinais. Não foi difícil encontrá-los. Jogados próximos à janela, uma máscara Anbu e um par de braceletes jaziam de qualquer maneira. Seguindo a trilha, havia uma capa e um colete guiando-o ao banheiro. Agoniou-se. Prevendo o que aquilo poderia significar, o ninja avançou pela trilha marcada, alcançando rapidamente o cômodo indicado por ela, cuja luz acesa denunciava a presença de alguém em seu interior. Ouviu a água corrente do chuveiro e, antes mesmo de entrar, viu o restante do uniforme de Anbu caído à porta, sujo de lama, a fonte do cheiro azedo encontrada.

O ninja ignorou as roupas e, apressado, entrou no banheiro. Achou que fosse um pesadelo. Caída, completamente nua, a água do chuveiro banhando-a como chuva, os cabelos vermelhos espalhados como sangue pelo chão, jazia Nana. Imóvel.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hey, mina-san!
Como de costume, passando correndo só pra postar e pedir desculpas pela demora infinita! Post enorme pra compensar. Muito muito muito obrigadaa todo mundo que comentou! De verdade, do fundo do kokoro! Valeu mesmo! Arigatou! Danke! Thanks! Grazie! E por ai vai hehe
Como de costume again, vou responder Tudinho amanhã. To só o caco. Kkkkk
Por favor, continuem comentando e acompanhando a fic! Se tiverem em busca da boa açao do dia, sugiro deixar um comentário e fazer uma autora feliz (eu! eu!). Bjooos mina!
Kissus kissus!

Ps. Espero mesmo que gostem e desculpem o exagero de tamanho! ^^'