Golpe de Estado escrita por M san


Capítulo 24
A primeira parte do roteiro




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Em uma das milhões de tentativas realizadas para se diferenciar a mente masculina da feminina, surgiu a metáfora das caixinhas versus rede. Nela, a mente masculina é comparada a uma estante cheia de caixinhas fechadas. Quando um homem quer pensar sobre algo, simplesmente abre a caixinha do dito cujo e se perde lá dentro. Se quer pensar sobre nada, abre a caixinha do nada. Tudo de forma organizada, ordeira, simples e prática. Já a mente feminina é como uma rede de informações. Tudo circula ao mesmo tempo, no mesmo espaço, sem princípio ou fim. Os pensamentos se encontram um com o outro, se chocam, se unem, se separam. Uma bagunça em “n” dimensões, sem respeito por tempo ou espaço. E sem lugar para esse tal de “pensar em nada”. A mulher sempre tem sua mente trabalhando em alguma coisa. Ou várias coisas, se ela quiser. Simultaneamente, é claro.

É possível que essa variação entre o funcionamento das mentes masculinas e femininas seja a principal responsável pela dita diferença nas formas que homens e mulheres têm de encarar o mundo. Enquanto eles são considerados mais racionais e pragmáticos, elas são vistas como sentimentais e complexas. As consequências? Simples. Homens resolvem o problema superficialmente, porém, de imediato. Mulheres mergulham na situação, consideram infinitas variáveis, encontram milhares de problemas e tentam resolver todos ao mesmo tempo. As duas maneiras são válidas. Logo, tanto faz qual seu sexo. No fim das contas, se o problema tiver solução, será resolvido. Se não tiver, paciência.

Mas a mente de Nana não seguia nenhuma das duas estruturas descritas acima. Ela ia por um terceiro caminho. Sinuoso, cheio de obstáculos, completamente impossível de se descrever precisamente. A natureza de sua kekkei genkai estava cravada em tanto em seu subconsciente quanto em cada célula sensorial de seu corpo. Qualquer alteração de humor tinha impacto imediato em seus sentidos. Ao mesmo tempo, toda mudança sensorial era sentida psicologicamente. Por isso, sendo ela sensível à energia e estando a energia presente em todo lugar a todo tempo, em suas diversas formas e intensidade, o controle que Nana precisava ter para que as alterações ambientais não fossem reproduzidas em seu humor era insano. E não totalmente eficaz.

Nana tinha plena consciência disso - assim como qualquer outro membro do clã Hikari que desenvolvesse as habilidades cravadas em seus genes. Quando criança, ela fora intensivamente treinada visando, muito mais do que o capacidade de manipular energia, o controle emocional. Intimamente, quando estava prestes a explodir em raiva, ainda ouvia a voz de sua avó gritar um autoritário Controle-se! E ela se controlava. Ignorava as ondas que atingiam sua pele e recompunha-se. Externamente, é claro. Internamente, todos os sentimentos que pudesse estar sentindo, raiva, frustração, ódio, amor, medo, continuavam fluindo pelo seu corpo, potencializando sua kekkei genkai, desviando o foco que ela deveria manter totalmente concentrado no controle das habilidades.

Contudo, o esforço constante de Nana em controlar a parceria perigosa que seus genes faziam entre sua mente (especialmente, seu subconsciente) e sua sensibilidade à energia tinham um impacto sombrio na saúde da mulher. Destaca-se, aqui, a saúde mental. E, não somente nela, mas em todos os do clã Hikari. Não foram incomuns casos de membros da família que enlouqueceram sob a pressão de não perder o controle, não causar a morte de alguém. Quando infortúnios assim aconteciam, a pessoa em questão era levada a um bunker na parte mais afastada do distrito e tentava se recuperar. Mas às vezes era inútil. Em menos de uma semana, a insanidade consumia o corpo do shinobi e ele se matava acidentalmente ao perder o controle sobre a energia e ter as células consumidas por ela. Muito poder nunca vem de graça.

Nana estava parada à frente da entrada do tal bunker de seu clã a mais tempo do que era responsavelmente seguro ficar. Mesmo o distrito Hikari ficando longe dos muros da vila, propositalmente afastado por causa da natureza da kekkei genkai do clã, não era ideal que uma ninja supostamente morta se expusesse tanto. Ela suspirou consciente do risco que corria por não entrar logo e buscou, em meio ao seu constante emaranhado de sentimentos, paciência. Sabia o que encontraria lá dentro. Melhor dizendo, quem encontraria lá dentro. A kunoichi ergueu os olhos uma última vez e fitou, cansada, o bosque que tomara o lugar que no passado fora ocupado pelas casas de sua família. Não encontraria paciência naquela paisagem. Assim, forçou-se a entrar.

Não era um bunker comum, o dos Hikari. Era mais uma casa subterrânea. Na superfície, havia apenas uma tampa quadrada, ao nível do solo, escondida sob a vegetação. Era preciso saber que aquilo estava ali para encontrá-lo. Da entrada, descia uma longa escada, perigosa no escuro, que findava em um igualmente longo corredor. Vencendo ambos, chegava-se ao “Hospício dos Hikari”, como ela costumava chamar quando criança. Sendo ela uma Hikari, aquele era seu hospício. Podia estar disfarçado de casa, com seus quatro cômodos simples confortavelmente equipados, mas para a mulher sempre seria um manicômio. Assim, sentia-se bem ali. Um lugar para loucos.

Ela chegou à porta que separava o corredor do primeiro cômodo da casa, a cozinha, e respirou fundo antes de girar a maçaneta e empurrá-la, o barulho do metal riscando o chão. Imediatamente, a escuridão de onde estava foi tomada pela luz do outro lado e seus olhos, já acostumados ao breu, apertaram-se incomodados pela claridade. Ela deu alguns passos à frente e fechou a porta atrás de si, ciente do vulto sentado à mesa. Poderia ter respirado novamente. Mas isso era uma demonstração de sentimentos (no caso, impaciência). Quanto menos mostrasse, melhor.

— Estava pensando se você viria mesmo - ela ouviu o homem sentado à mesa falar distraído, enquanto segurava uma bola de arroz entre os hashis - A não ser que você tenha vindo engatinhando, já deveria ter chegado há algum tempo, não?

— Toma - ela respondeu mal educada, tirando uma pasta parda de dentro da capa e jogando-a sobre a mesa - Taí o porquê do atraso, Kakashi-sama.

— Não precisa do sama - falou Kakashi, deixando a tigela de arroz de lado por um segundo e pegando a pasta - Não precisa fingir educação quando só estivermos nós dois.

Nana não respondeu. Viu-o folhear, atenciosamente, o relatório que fizera e, dispensada das cerimônias, despiu-se da capa e da máscara, pendurando-as nos ganchos atrás da porta de entrada. Ela fitou a cozinha por um segundo e ficou satisfeita em ver que Aiko puxara a ela. Tudo minuciosamente no lugar. Cirurgicamente limpo. Não era um lugar grande, afinal. Apenas os utensílios típicos do cômodo na parede de concreto do fundo (uma pia entre o fogão e a geladeira, um armário comprido sobre esses) e uma mesa de madeira no centro, na qual Kakashi se sentava, o jantar servido. As panelas indicavam que ele mesmo cozinhara.

— Cadê Aiko? - ela perguntou, sentando-se à frente do Hokage, consciente da raiva que ele devia estar sentindo dela. Injustificada, na opinião da mulher. Não fizera algo que ele não faria.

— Dormindo. Quando eu cheguei já estava dormindo - Kakashi respondeu, sem tirar os olhos do relatório.

— Você a acordou?

— Não - ele respondeu novamente, mas dessa vez levantou o rosto e encarou a mulher - Você fez os outros relatórios. Os que eram entregues na minha casa.

Nana não respondeu. Não era uma pergunta, mas uma afirmação. Ela não se daria ao trabalho de responder algo que não necessitava de resposta. Assim, ele continuou:

— Você veio pra Konoha junto comigo? Você disse que ia fugir com Aiko e, quando eu virei as costas, veio pra vila? Qual é a sua, Nana? Que porra significa isso? Fingir de morta, voltar pra Anbu, trabalhar pra Konoha depois de chorar implorando pra eu te deixar fora disso? Eu não entendendo a sua...

Nana sentiu a raiva cravada em cada sílaba emitida por Kakashi e, descontraidamente, jogou suas costas contra o encosto da cadeira. Seria uma longa conversa. Começaria fria e controlada, até que um dos dois explodiria. Aí, ela gritaria, ele manteria o tom, calmo que era, e ficariam horas discutindo. Roteiro pronto. Seguiam à risca desde sempre.

— Eu fugi com Aiko - ela respondeu, o mais calma que pode - Mas fui atacada. Vi a possibilidade de desviar a atenção deles de mim e da Aiko fingindo que a gente tinha morrido e fiz… Qual é? Vai olhar na minha cara e dizer que não teria feito exatamente o mesmo, Kakashi?

Ela manteve-se firme encarando o ninja à frente enquanto o via fazer o mesmo. Se ela se sentia culpada em tê-lo enganado? Nem um pouco. Fizera o certo. Protegera a vila e passara os últimos dez dias ajudando Kakashi mais do que qualquer shinobi de Konoha seria capaz de fazer. Foi preciso fazer, então ela fez. Simples.

— Eu não teria fingido a morte da minha filha pra mãe dela - rebateu Kakashi, segundos depois. Ela o sentiu cortá-la com os olhos, mas não desviou o olhar. Continuou encarando-o. Sentia que estavam caminhando para a segunda parte do roteiro. A que alguém estourava. No caso, ela. Ela respirou fundo.

Sua filha? - ela repetiu, a raiva crescente dentro de si. Estando constantemente com raiva, precisava apenas de uma pena para fazer esse sentimento em particular se sobrepor aos outros - Ela é…

— Nossa! - completou Kakashi, frio - Nossa filha, Nana. E você, além de escondê-la de mim durante toda a vida dela, fingiu a morte dela…

— Não se faça de burro, de sentimental, Kakashi. Você sabe que era o melhor pra…

Pra mim, Nana! Você fingiu a morte dela pra mim!— exclamou Kakashi, visivelmente controlando o tom, ignorando a mulher - Eu sou o pai dela! Você tem ideia de como eu fiquei quando soube que vocês…

— Foi justamente por isso que eu não contei! - cortou Nana, se controlando - A Raiz recebeu a informação da minha morte no dia que vocês chegaram em Konoha. Você só uma semana depois. Sabe por quê? Porque eles começaram a desconfiar que eu estivesse viva, já que você estava ok.

— E não passou, por nenhum momento, no meio dessa loucura que enche a sua cabeça, que se eu soubesse de tudo poderia fingir? - brigou Kakashi, socando a mesa.

Nana fechou os olhos. Ainda estava preocupada em vestir a máscara de shinobi e esconder as emoções. Mas, mais importante que isso, precisava se controlar. Ela não se iludira em achar que por algum segundo eles encarariam aquela conversa de forma estritamente profissional. Por mais que tentassem, não eram apenas o Hokage e uma kunoichi ali. Eram Nana e Kakashi. Tinha muito pessoal envolvido. Tinha Aiko envolvida. Podiam ser ninjas incríveis em todos os aspectos, mas quando estavam um contra o outro, simplesmente não conseguiam afastar o peso que o passado tinha sobre a relação.

— Sua filha está viva, fique feliz com isso e deixe de drama - zangou-se Nana, levantando-se e pondo-se em direção ao quarto onde Aiko estaria. Precisava se acalmar e o cheiro da cabeça da filha seria remédio de ação imediata em sua raiva.

— Eu sou o Hokage, Nana. Você deve obediência a mim…

— E o que tem isso?

— Com que autoridade você agiu pelas minhas costas?

Kakashi levantou-se também, colocando-se entre a mulher e a porta da cozinha. Ela o sentiu fitá-la com uma autoridade que nunca vira no olhar do Hatake e, mesmo sabendo que a atitude correta seria demonstrar alguma submissão, como num movimento involuntário de ação e reação, lançou sobre ele seu típico ar de superioridade. Não se curvava perante ninguém.

— Com a que me foi dada pela Godaime. Talvez você não tenha feito as contas, mas quando eu fui atacada você não era Hokage ainda, Kakashi.

— Tsunade-sama sabia disso? - perguntou ele, a perplexidade estampada no pouco que se podia ver de sua face.

— Claro que sabia… Quando vocês chegaram em Konoha, ela já tinha me enviado como espiã. Eu viajo com lobos, esqueceu?

O Hatake não respondeu de imediato e Nana, aproveitando o espanto do ninja, desviou-se dele e pôs-se, novamente, em direção ao quarto em que encontraria Aiko. Ela atravessou a porta da cozinha e, entrando no curto corredor que se seguia, girou a primeira maçaneta. Entrou no quarto já sabendo que a filha estava ali. Seu faro não a enganava. Caminhou calmamente até a criança, sua memória espacial guiando-a em meio à escuridão, e, ao alcançar a menina, ajoelhou-se ao lado do futon. Deslizou as mãos pelos cabelos lisos de Aiko, abaixou-se duas vezes para lhe beijar a bochecha. Era um anjo. A única coisa boa que fizera na vida. O que lhe mantivera viva. A quem ela dedicara o mais profundo e puro amor, que nem mesmo sua loucura pode macular. A mulher apoiou o rosto à frente do da menina, encostando testa com testa, e se permitiu um sorriso. Poderia adormecer ali? A presença à porta indicava que não.

Nana se levantou silenciosamente e saiu do quarto. Kakashi, que a esperava à porta do cômodo, voltou à cozinha quando a viu se levantar e ela o seguiu. Viu-o parar à frente da mesa e, calmamente, despir a máscara, a jaqueta, as luvas. Ela sabia o que aquilo significava. Não era sua primeira briga com o ninja. Em um passado distante, ambos haviam concordado que, enquanto vestissem o uniforme da Anbu, não discutiriam o pessoal. E, quando tivessem com roupas civis, não falariam sobre a Anbu. Era a solução que encontraram para manter o trabalho longe da cama e, ao mesmo tempo, não dar pinta no quartel. Eram proibidos de se relacionarem. Por isso, ao ver Kakashi se desmontar, ela tinha plena consciência da mensagem que ele queria passar. Era pessoal. Somente pessoal. Assim, a mulher também tirou as braçadeiras, as luvas, o colete, as botas. Desfez a trança às costas. Organizou tudo sobre uma das cadeiras da mesa. E, sentindo-se estranhamente exposta e frágil, os olhos de Kakashi a atravessando raivosos, ela forçou-se a encarar o ninja como o que ele, de fato, era. Seu ex-namorado. O pai de sua filha. O motivo dela ter voltado.

Começava, assim, a segunda parte do roteiro.


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Notas finais do capítulo

Hey, mina-san! Capítulo curtinho, neh? Gomen. Mas é que, na verdade, essa é a parte um. A dois coloco o mais rápido possível. ^^
Bem, é o primeiro PoV da Nana e, aproveitando a oportunidade, queria fazer um perguntinha procês: O que vocês acham dela? Nana-san? Sendo ela e Aiko minhas únicas personagens originais na fic, tenho meio receio, meio curiosidade, da opinião de vocês sobre a Nana em especial quanto personagem. Por favor, se não for incômodo (lalala), poderiam me responder isso nos reviews, pleaaase? ^^

E muito obrigada mesmo por todos os comentários! Espero que estejam se divertindo e, por favor, não deixem de ler e comentar, pleeaaase! Arigato, mina-san! Kissus! =)))