Por algum motivo, a viagem de volta a Konoha estava parecendo a Naruto bem menos demorada que a de ida. Era como se eles estivessem encarando uma descida agora. Não havia cansaço físico ou frio atacando o corpo do garoto. Mesmo assim, a tensão atual dava uma surra na do dia anterior. Eles estavam voltando para casa, mas, de repente, a vila não se mostrava tão acolhedora. Era como correr para uma armadilha.

A perspectiva de um golpe colocava tudo em outro patamar. Assim como todo mundo, ele sabia da crise na vila, mas nutria uma ingênua, agora ele era obrigado a aceitar isso, ilusão de que todos cooperariam para tirar Konoha do buraco. Fora uma bruta volta à realidade quando Sasuke apareceu falando que alguém vazara a identidade de Nana. Ele queria, com todas as força,s ter outra explicação para o ataque à mulher. Como não teve, viu-se fadado a aceitar que o amigo tinha razão em manter desconfiança em relação à cúpula do governo da vila. Havia uma parte imunda em Konoha e ela estava tentando espalhar sujeira por todo lado.

Mas outros fatores incomodavam Naruto. O primeiro era quem ousaria dar um golpe contra Tsunade e Kakashi sabendo que Sasuke e o próprio Naruto apoiariam os dois? Ele tinha total consciência de que, nas condições atuais, ninguém no mundo shinobi era superior a ele ou Sasuke. Quanto mais aos dois juntos Quem entra numa briga sabendo que vai perder? Ninguém. Então qual era o plano dos caras? Quantidade versus qualidade? Não... A Godaime e o sensei tinham muita gente do lado deles. Tudo cheirava a armadilha. Os inimigos tinham uma carta na manga. Mas qual seria?

O segundo era por que deixar Nana fugir. Ele concordara totalmente com o que Kakashi dissera a Sasuke. A mulher seria o fator surpresa deles, a pessoa a desequilibrar a balança. E ela era uma espiã, segundo o sensei, algo que eles definitivamente precisavam, uma vez que nem ele, nem Sasuke e nem Sakura eram espiões. Precisavam saber quem atacar antes de sair quebrando tudo e, para isso, precisavam de alguém fuçando o lado podre da vila. Talvez ela fosse a pessoa pro trabalho.

Mas, por outro lado, havia um certo alívio em deixar a kunoichi ir embora. Não conseguia confiar nela. Era como se estivesse brincando com uma bomba. Era muita mudança de humor aliado a muito poder. E ainda tinha Aiko. Apesar de discordar de Sasuke quanto ao posicionamento de Kakashi caso a menina estivesse na vila (Naruto achava que o sensei se motivaria mais a defender o lugar, e não o largaria para defender a filha), tinha certeza que Nana tocaria o foda-se para Konoha caso atacassem a garota. Não era o mais adequado ter uma aliada que pode cair fora a qualquer momento. E Aiko era chata pra ca...ramba.

Eles chegaram à vila horas depois de partirem da fronteira norte, quando o Sol já, há muito, dera o fora. Cruzaram a entrada principal de Konoha e Naruto recebeu, como sempre, entusiasmados Bem vindo de volta! dos guardas. Era um pouco constrangedor todos aqueles cumprimentos. Sasuke sempre era completamente ignorado ou, até mesmo, hostilizado por vários shinobis da vila, nunca sendo saudado ou agradecido, independente do que fizesse. O Uzumaki desconfiava que o amigo não se importava com a ausência de cumprimentos, mas sentia-se mal mesmo assim. Não achava justo receber os créditos por tudo sozinho.

Os quatro caminharam em silêncio até a sede do governo, tendo o especial cuidado de não demonstrarem que sabiam de algo. Kakashi frisara que era fundamental que os inimigos continuassem achando que eles estavam na completa ignorância, assim ficaria mais fácil investigá-los. Mas Naruto tinha que confessar que as cores de Konoha, de repente, ficaram mais opacas. Era como um cenário pré-guerra. Ele via os civis caminhando alegremente pelas ruas, escondidos atrás de pesados casacos, algumas lojas ainda enfeitadas das festas de fim de ano, e só conseguia pensar em quantos ali seriam atingidos fisicamente por uma guerra civil-shinobi? E quantos politicamente? E, se eles perdessem, o que aconteceriam com aquelas pessoas sob o domínio de um grupo totalitário? Definitivamente, lutar contra inimigos externos era mais fácil.

Naruto mal percebera quando, finalmente, alcançaram o prédio do Hokage. Subiu as escadas e, de relance, viu a preocupação atingir níveis alarmantes nos olhos de seus companheiros de time. Quis falar algo, mas às vezes era melhor ficar calado. E assim o fez. Além disso, se havia um local não seguro para comentar assuntos políticos, esse lugar era os corredores da sede do governo.

— Ah, finalmente! - exclamou Tsunade quando os quatro entraram na sala da Hokage e a encontraram em sua costumeira posição, sentada à escrivaninha, acompanhada por uma Shizune com Tonton nos braços. Naruto não pode deixar de notar a expressão tensa no rosto sempre jovem da Godaime - Achei que tinham aproveitado para tirar férias…

— Nah… Seria um ótimo momento pra isso, Tsunade-sama - ironizou Kakashi, curvando-se levemente - A senhora recebeu a mensagem?

— Hum… - confirmou a mulher, enfatizando com um aceno de cabeça - E saiba que você ainda não é o Hokage para decidir quem pode ou não fugir da vila, Kakashi.

Naruto olhou imediatamente para o sensei e percebeu Sasuke e Sakura fazerem o mesmo. Não era comum Kakashi levar broncas - pelo menos não na frente deles. Mas o Hatake não pareceu muito surpreso. Simplesmente, continuou observando a chefe, enquanto essa lançava a ele um olhar misto em raiva e decepção.

— Eu não achei que você misturaria o pessoal nisso, Kakashi… - continuou Tsunade, mas Naruto manteve-se observando o sensei de canto de olho. Nada na expressão dele, ou no que dava para ver dela (maldita máscara!), mudara - Deixar Nana fugir por causa da menina não soa como algo do seu feitio…

— Então a senhora sabia? - perguntou Kakashi com um leve tom de acusação na voz. Naruto sentiu Sakura prender a respiração. Não pode culpá-la. Ela sabia o quão violenta Tsunade poderia ser.

— Sabia, claro… - respondeu a mulher, jogando-se contra o encosto da cadeira, assumindo uma postura levemente defensiva - Ela trabalhava pra mim, afinal.

— Então, os conselheiros também sabiam - afirmou Kakashi, seco. Tsunade não confirmou. Mas não precisava também. Até Naruto viu a culpa nos olhos da mulher - Não tinha como eu trazê-la.

Naruto sentiu dó do sensei. Vira como ele se contivera para não abraçar a filha ao se despedir dela. E como ele ficara feliz quando a menina se curvou em agradecimento por ele ter cuidado de Nana. Mesmo Aiko sendo chata, Naruto tinha que concordar: ela era muito fofa.

— Por que a senhora queria que a Nana-san voltasse, Tsunade-sama? - perguntou Sakura, cortando o silêncio tenso que havia se instalado na sala - Digo, antes mesmo de descobrirmos sobre o golpe?

— Porque, semana passada, um grupo da Anbu aprendeu um carregamento de explosivos na fronteira leste. Poucos dias antes, vários grupos de mercenários cruzaram as fronteiras sul e oeste. Somente a norte parecia estar fechada. Agora, nem isso…

— A senhora já mandou a Anbu pro norte? - perguntou Sasuke, com o tom arrogante de sempre.

— Sim, Uchiha… - respondeu Tsunade - Mas eles não vão fechar a fronteira como Nana fazia…

— Precisamos investigar sobre o golpe, Tsunade-sama - começou Kakashi - As minhas primeiras suspeitas são os conselheiros e a Raiz…

— As minhas também… - interrompeu a Hokage, mas Kakashi continuou.

— Podemos enviar Yamato e Sai para investigá-los… Eles eram da Raiz, saberão como lidar com a missão. Quanto aos conselheiros, acho que o Sasuke pode lidar com a investigação sobre eles. O que os três encontrarem será repassado a mim, à senhora e à Sakura. Não quero colocar mais gente nisso. Seria arriscado, poderia chamar muita atenção.

O queixo de Naruto caiu. Como assim todo mundo tinha uma função menos ele? Tudo bem, ele não era o mais discreto dos seres… Mas daí a ficar encostado num canto sem fazer coisa alguma já era um exagero! Ele seria o Hokage no futuro, uai! Tinha que ter algo para fazer! Era completamente capaz de ajudar! Dattebayo!

— E eu, Kakashi-sensei? - começou Naruto, verbalizando a indignação - O que eu vou fazer?

— Nada… Você fará um escândalo, vai ferrar com nosso plano de discrição - respondeu Sasuke, cruzando os braços. Naruto sentiu o sangue ferver. Por que o amigo não podia, simplesmente, calar a boca?

— QUEM DISSE QUE EU VOU FAZER UM ESCÂNDALO, SEU IDIOTA? - gritou Naruto para o Uchiha - E DESDE QUANDO VOCÊ É O KAKASHI-SENSEI!?

—Tava demorando… - suspirou Tsunade, massageando a própria têmpora.

— A culpa é dele, Obaa-chan, ele... - defendeu-se Naruto, mas foi interrompido por Kakashi, que não parecia muito disposto a aturar os pitis de seus alunos.

— Calma, Naruto. Você também terá algo para fazer…

— O quê? - perguntou, empolgado. Finalmente chegava a vez dele! - Não me venha com coisas idiotas, Kakashi-sensei!

— Bah, não é idiota - respondeu Kakashi, voltando-se ao aluno - Se a Tsunade-sama concordar, eu quero que você seja o responsável por reunir os aliados dentro de Konoha…

Naruto quietou-se. Sério mesmo que sua missão era ficar servindo de garoto-correio dentro da vila? Ficar distribuindo as mensagens de Kakashi e Tsunade enquanto Sakura analisava as informações obtidas e Sasuke, Sai e Yamato iam a campo obtê-las? Sério mesmo?

— Kakashi-sensei… - começou Naruto, pausadamente, sentindo o sangue ferver - VOCÊ ACHA MESMO QUE EU VOU FICAR DANDO UMA DE CARTEIRO ENQUANTO TODO MUNDO FAZ ALGO IMPORTANTE? QUE MERDA É ESSA, SENSEI? EU QUERO FA…

— Cala a boca, Naruto! - cortou Sakura, dando um tapa na cabeça do garoto - Você quer que todo mundo descubra logo? É? O Sasuke-kun tem razão! Você faz escândalo pra tudo!

— Você tá concordando com o Sasuke só porque… - rebateu Naruto, mas foi novamente interrompido. Dessa vez, Sasuke foi o responsável por lhe bater na cabeça, enquanto soltava um ameaçador “Ca-la a bo-ca, i-di-o-ta”.

— Alguém precisa fazer isso, Naruto - começou Kakashi, calmamente - Ir até os clãs, por exemplo. Informar os líderes o que está acontecendo. Obviamente, será preciso esperar um pouco até termos mais informações para passar a eles, ou então acharão que é delírio nosso. Mas, acho que líderes como o Hiashi-sama já podem ser informados…

Novamente, Naruto quietou-se. Ninguém havia lhe falado que ele teria um motivo real para visitar a Hinata. Um que ainda faria o pai dela perceber a importância que ele tinha na vila. Um que seria convincente a qualquer Hyuuga. Pelo menos, mais convincente que “Ah…. eu vi um OVNI em cima da casa da Hinata-chan, preciso ver se ela não foi abduzida, com licença”. Ainda se martirizava por ter dado uma desculpa daquelas para ver a Hina-chan. Apesar de que o guarda do clã pareceu bem pouco preocupado com a possibilidade da herdeira ser abduzida. Teria que informar isso a Hiashi-sama, quando fosse falar sobre o golpe.

— Tá, tá… eu faço a parte chata - concordou Naruto, mal podendo se conter de excitação. Hinaaaataaa!— Mas você me deve uma, Kakashi-sensei.

Kakashi suspirou, mas Naruto não ligava mais. Agora que parava para pensar, fazia uma semana que não via Hinata! Ela estava em missão e, antes de chegar, ele saíra em missão. A não ser que algo tivesse acontecido (não, não, estava tudo bem, calma Naruto), ela já teria chegado. E ele, certamente, sairia dali correndo para vê-la, tomar um rámen, e talz…

— Acho que, atualmente, só vale a pena informar os clãs mais próximos do governo… - começou Tsunade, trazendo Naruto de volta ao mundo real - E vou chamar o Shikamaru também. Precisamos de mais um estrategista, Kakashi… Só você não será suficiente.

— Concordo… - disse Kakashi.

— E não se esqueça que podemos estar enganados em relação aos conselheiros e à Raiz… - acrescentou Tsunade, séria - Pode ser que o inimigo seja outro… Pode ser uma ação externa.

— Bem, vamos descobrir quando iniciarmos a investigação… - constatou Kakashi, calmo - Acho que podemos começar agora…

— Já comecei Kakashi, - informou Tsunade, com um leve sorriso nos lábios - Você e Nana fizeram bem em mandar a loba até mim. Já tem gente nossa analisando as armas que foram apreendidas, interrogando os mercenários presos, tentando encontrar elo entre a insegurança ao redor de Konoha e o possível golpe…

— Mas, Obaa-chan - começou Naruto, enquanto Tsunade fazia uma careta ao ser chamada de vovó - Isso não vai chamar a atenção deles?

— Nenhuma dessas atividades foi registrada oficialmente, Naruto - informou Shizune, a quem Naruto já esquecera que estava ali - Eles não encontrarão registros delas, e não saberão que existem. Todas foram despachadas no mais completo sigilo. A não ser que algum dos shinobis encarregados abra o bico, ninguém saberá. E mesmo os ninjas que enviamos não sabem coisa alguma a respeito de tudo isso. Sò sabem sobre a própria missão e pronto.

— Shizune-san, - começou Sakura - quem são os shinobis encarregados?

—Ah, - respondeu Shizune, sorrindo - vocês confiam neles. Podem acreditar.

Naruto fitou Sasuke, que deu de ombros. Bem, se nem o amigo, que era o ser mais desconfiado do mundo, parecia temer a escolha dos ninjas por Tsunade, quem seria ele para começar a semear a discórdia?

— Bem, acho que vocês precisam descansar essa noite - falou Tsunade, mudando totalmente de assunto. Naruto ficou feliz com a folga. Tinha planos para o jantar (rámen e Hinata) - Vocês três estão dispensados. Kakashi, você fica.

Naruto olhou para os companheiros e, sem remorso algum por deixar Kakashi trabalhando até mais tarde, partiu. Cruzou a porta da sala da Godaime e, seguido por seus amigos, apressou-se em direção à saída. Não reparara ao entrar no prédio, mas os corredores estavam lotados de civis e shinobis, todos tentando resolver os mil e um problemas causados pela crise. Saiu da sede do governo depois de muitos empurrões e pisões nos pés, apenas para sentir algo que também não reparara ao entrar na vila: como estava frio!

— Putz! Eu tô congelando! CA-RA-CA! - exclamou ele, apertando mais a capa em torno do próprio pescoço - Você não tá com frio, Sakura-chan?

Sakura não respondeu e ele virou-se para encarar a menina. Estava encrencado, ele pensou, apesar de não saber por que. Ela exibia um olhar de completa fúria, as mangas da capa levantadas mostravam os punhos cerrados, os cabelos esvoaçando às suas costas parecendo chamas cor-de-rosa. Até Sasuke deu um passo distanciando-se da garota, colocando-se ao lado de Naruto.

— Sakura-chan… - começou Naruto, fraquinho, mas ela o interrompeu.

— Foi você, né, seu tapado, idiota?! - gritou Sakura, caminhando em direção aos dois, que davam passos cautelosos para trás, tentando manter a distância entre eles e a garota - Você que fez o barulho na floresta, quando o Sasuke-kun e eu… - continuou ela, mas não terminou a frase.

— Sakura-chan… - tentou defender-se Naruto, mas a garota voltou a gritar.

— Aí, agora fica soltando piadinhas pra cima de mim…

— Eu não falei nada! - rebateu Naruto, inutilmente.

— Eu tô de saco cheio de vocês dois! - gritou Sakura - Sempre me passando pra trás, sempre agindo como se pudessem fazer o que quiserem comigo! SEMPRE ME DEIXANDO DE FORA! VOCÊS DOIS!

— SAKURA! - gritou Sasuke, tentando conter a menina, mas falhando.

— VOCÊ, NARUTO! VOCÊ VAI PARAR DE FAZER ESSAS PIADINHAS RIDÍCULAS COMIGO, ENTENDEU? O QUE ACONTECE COMIGO E COM O SASUKE É PROBLEMA NOSSO!

— Sakura-chan…

— E VOCÊ, SASUKE! - continuou a menina, agora voltando-se para o Uchiha - EU NÃO SEI ONDE VOCÊ BATEU A CABEÇA, MAS PODE PARAR, OK? VOCÊ É UM BABACA, SEMPRE FOI UM BABACA! ME DEIXEM EM PAZ! VOCÊS DOIS!

Naruto viu Sakura sumir a frente deles instantes depois e teve que se conter para não rir. Ele olhou para Sasuke, que o olhou de volta, com os olhos esbugalhados em espanto. Naruto tentou se segurar mais um pouco, mas desistiu quando Sasuke disse:

— Que porra foi essa?

Os dois riram alto. Era engraçado como Naruto ficava à vontade com Sasuke, mesmo depois de tudo. De fato, pareciam irmãos. Eram irmãos. Por isso, ele não se sentiu nem um pouco estranho quando deu um soco no braço do amigo e disse:

— Você tá ferrado com ela…