Music of The Night escrita por Elvish Song, TargaryenBlood


Capítulo 16
Don Juan




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Após dez dias longe do teatro e de tudo que dizia respeito à casa de óperas, chegara afinal o momento de o Fantasma e sua esposa retornarem a Paris. A partida da jovem cantora fizera Madame Sourie – que se afeiçoara demais à moça - se desfazer em lágrimas, exigindo de sua nova patroa a promessa de retornar com freqüência ao chalé. Com sorrisos, Christine prometera retornar na freqüência que os ensaios e a gravidez lhe permitissem.

Para a viagem de volta, o casal dispensara a carruagem e optara por cavalgar; Erik presenteara sua mulher com uma égua tão negra quanto o cavalo Lasher, a qual ela nomeara como Nott. Embora o Anjo houvesse receado que uma cavalgada de tantas horas pudesse fazer mal a sua esposa ou ao bebê, ela e Annelise Sourie lhe asseguraram que isso não seria um problema, e agora estavam prontos para partir.

– Pronta para voltar à nossa casa, minha amada? – perguntou o músico, segurando as rédeas de Nott para que Christine pudesse montar.

– Voltar? – perguntou ela, sorridente – Mas não fiquei longe de casa, nestes dias! – exclamou a moça, prosseguindo ante o olhar inquiridor de seu marido – Minha casa é o lugar onde estou com você, Erik! Meu lar é ao seu lado, e não importa onde seja este lugar.

O Anjo da Música saltou para as costas de Lasher e emparelhou os cavalos, curvando-se então para roubar um beijo de sua esposa; carinhoso, acariciou-lhe a barriga e sussurrou:

– Deixe-me mudar a pergunta: pronta para voltar à Casa do Lago, agora como a Senhora De Guise?

– Com você, iria até o fim do mundo. – respondeu a cantora, incitando Nott ao passo. O dia estava agradável, e uma névoa fina pairava sobre as colinas quando o casal deixou para trás o lindo chalé de madeira e pedras. Estavam voltando para o teatro, para uma nova forma de viver aquele mundo que antes haviam compartilhado como mestre e aluna, amigos, amantes... E que, agora, dividiriam como marido e mulher.

*

O retorno à Ópera Populaire fora mais tranqüilo do que se podia esperar; aqueles que sabiam do casamento de Erik e Christine mantiveram seu silêncio, e os que ignoravam esse assunto compreenderam muito bem a advertência nos olhares da jovem, que calavam mesmo as mais inocentes perguntas quanto à brilhante rosa de diamante em sua mão esquerda. Para estas pessoas havia uma única resposta: a cantora agora era uma mulher casada, e isso era tudo o que tinham de saber.

A temporada de Óperas se iniciaria dentro de dois meses, e a peça de abertura escolhida fora, exatamente, Don Juan Triunfante! O casal recebera a notícia com empolgação, e a cantora se lançou aos ensaios com uma paixão e dedicação ainda maiores que o habitual – queria ser perfeita ao viver a criação de seu esposo! Erik se divertia em vê-la daquele modo alegre, e continuava a ensiná-la com desvelo; ele próprio aprendia a cada dia um pouco mais sobre a arte e a música que pensava conhecer. Christine tinha o dom de lhe revelar coisas sobre o mundo que ele jamais pudera sequer imaginar, e fazia isso apenas com sua presença, sua voz e com o sorriso gentil que sempre tinha nos lábios. Para o Fantasma, havia a permanente sensação de estar vivendo um sonho dourado, do qual não queria acordar.

Durante os dois meses de ensaio, a soprano ficara sabendo do destino de seus antigos perseguidores, Raoul de Chagny e La Carlotta: o primeiro ficara permanentemente aleijado da perna esquerda, após a feia queda da escadaria. Já a antiga Primeira Dama, uma vez recuperada das graves queimaduras sofridas, mas ainda desfigurada, acabara contratada por um conservatório onde lecionava piano e música para meninas da alta sociedade; até onde se sabia, a italiana nutria verdadeiro ódio pela Sr.ª De Guise, e ninguém ousava descartar a possibilidade de vingança. Ainda assim, isso não chegava a ocupar a mente de Christine, ou de Erik, que dividiam suas atenções entre a beleza e magia da arte e a felicidade da vida que construíam juntos.

Por duas vezes o casal voltara ao chalé de campo, onde podiam desfrutar de toda a paz, serenidade e privacidade que pudessem desejar; seus dias – e noites – não eram preenchidos apenas por música, beleza e paixão, mas também por uma deliciosa ansiedade e expectativa acerca da nova vida que se desenvolvia dentro da Primeira Dama, cujo corpo começava a apresentar as mudanças da gravidez. O Fantasma acompanhava a cada uma com verdadeira adoração, e já começara a transformar ambas as casas – tanto a Casa do Lago, quanto o Chalé – a fim de prepará-las para a chegada do bebê – que ele tinha absoluta certeza de ser uma menina.

E finalmente chegara o dia da apresentação; a jovem cantora estava um pouco apreensiva, ansiosa mesmo por subir ao palco na nova estréia. Naquela manhã suas mãos tremiam um pouco, e vestir-se para o ensaio geral fazia seu coração se acelerar de expectativa.

POV Christine

Como descrever o que eu sentia? Bem, eu encenaria pela primeira vez uma composição de Erik... Não poderia ser menos do que perfeita, é claro! Havia naquilo um sentimento de orgulho, de alegria, de enlevo! Sabia que havia dado meu melhor nos ensaios, que treinara quase até a exaustão – por várias vezes meu amado tivera de me forçar a ir descansar, em vez de continuar ensaiando – e que estava, em todos os aspectos possíveis, pronta. Em meu camarim, troquei as roupas de trabalho comuns pelo figurino que usaria na peça, tendo Meg ao meu lado enquanto o fazia.

– Muito apertado? – perguntou ela, quando amarrou os cordões das costas de meu espartilho. Neguei com a cabeça e esperei que desse o laço, para então me endireitar e observar no espelho: minha barriga crescia dia a dia, mas a saia volumosa do traje disfarçaria bem este detalhe. Sorrindo, acariciei meu ventre, e logo senti a mãozinha de minha amiga sobre a minha.

– Está se sentindo bem?

– Maravilhosa, para ser mais exata – respondi, absolutamente sincera. – Ansiosa para subir ao palco e me apresentar, mas você sabe muito bem como é essa sensação.

– Com certeza! – havia um sorriso travesso no rosto de Meg – Mas, para você, é ainda mais especial... Está representando para ele, afinal!

– Queria que fosse Erik comigo, no palco, em vez de Piangi... Mas me contentarei em ser perfeita, e deixá-lo orgulhoso por isso.

– Como se ele não sentisse orgulho de você a cada respiração sua! Aquele homem a idolatra!

– Mais um motivo para que eu queira ser perfeita; quero merecer a admiração e o carinho que ele me dirige – respondi, para então mudar de assunto – boa sorte hoje, Meg.

– Obrigada; para você também, querida.

Deixamos juntas o camarim, seguindo para o palco. O ensaio correu perfeitamente bem, sem qualquer imprevisto, e logo só nos restava aguardar o anoitecer, quando se iniciaria a apresentação; corri então para junto de meu amado, passando a tarde com ele em nossa casa. Intrigava-me apenas o sorriso travesso em seu rosto, que eu já aprendera significar algum tipo de brincadeira, mas ele nada me esclareceu acerca do que pretendia fazer. Tampouco eu me importei em tentar descobrir.

*

Respirando fundo, fechei os olhos e entrei em cena, incorporando minha personagem, tornando-me uma só com ela. Deixei que em meus olhos e postura transparecesse toda a paixão e encantamento que só podiam existir no olhar de uma jovem enamorada, e cantei:

– No thoughts within my head, (nenhum pensamento em minha mente)

But those of joy (além dos de alegria)

No dreams within my heart, (nenhum sonho em meu coração)

But dreams of love! (Além dos sonhos de amor)

Caminhei lentamente até o centro do palco, ajoelhando-me e pousando as mãos no colo, já embriagada pela familiar e deliciosa sensação da música e da arte a tomarem conta de todo o meu ser; esperava ouvir a voz de Piangi a seguir, mas não foi a voz dele que cantou:

– Passirino, go away (Passirino, vá embora)

For the trap is ready and waits for its prey... (Pois a armadilha está pronta, e aguarda por sua presa) – Aquela voz... Ah, meu Deus! A voz de Erik! Eu a reconheceria em qualquer lugar, a qualquer momento... Aquela voz que fazia cada pedaço de meu ser vibrar e tremular com uma energia totalmente diferente! Mas o que ele fazia ali?! Mesmo confusa, mantive meu papel e voltei o rosto para ele; dessa vez, o encanto e admiração em minha expressão não eram fruto de atuação, mas completamente genuínos!

Levemente arfante – como uma jovem ansiosa em seu primeiro encontro – levantei-me, encarando-o: ele estava tão lindo! Em trajes ciganos – uma camisa branca, calça negra justa, pala vermelha e capa sobre um dos ombros – com uma máscara negra sobre o rosto... Eu me sentia tão trêmula e ansiosa quanto a própria Victoire (minha personagem)! Ele deu um passo largo em minha direção e elevou sua voz num tom hipnótico, que fez meu coração acelerar ainda mais:

You have com here (você veio aqui)

In pursuit of your deepest urge (em busca de seus mais profundos anseios)

In pursuit of that wish, which till now (em busca deste desejo que, até agora)

Has been silent (esteve dormente) – ele levou o dedo aos lábios, como se pedisse que eu guardasse segredo:

– Silent (silencioso). – Ele se aproximou e tomou-me pelas mãos, devorando-me com o olhar:

I have brought you, that our passions (eu a trouxe aqui, para que nossas paixões)

May fuse and merge (possam se fundir e misturar)

In your mind you’ve already succumbed to me (em sua mente você já se rendeu a mim)

Dropped all defenses (baixou todas as defesas)

Completely succumbed to me (completamente rendida a mim)

Now you are here with me (agora está aqui, comigo) – seus dedos deslizaram por meu rosto e se entrelaçaram a meus cabelos.

– No second thoughts, you’ve decided (sem outros pensamentos, você já se decidiu)

Decided – ele disse aquilo quase num sussurro, cada som envolvendo-me num mar de sensações intensas e incontroláveis. Logo em seguida meu Anjo se afastou, continuando:

– Past the point of no return (passado o ponto sem retorno)

No backward glances (sem olhares para trás)

Our games of make believe are at an end! (Acabaram-se os jogos de faz-de-conta)

Past all thought of “If” or “when” (passado todo pensamento sobre “se” ou “quando”)

No use resisting! (Inútil resistir!)

Abandon thought and let the dream descend… (Abandone a razão e deixe o sonhor pairar…)

Num gesto rápido ele estava atrás de mim, envolvendo-me com os braços, puxando meu corpo contra o seu, fazendo minha cabeça tombar contra seu ombro, rendendo-me completamente! Extasiada, eu me entreguei, aceitando-o, imersa não em paixão fingida, mas no mais puro desejo e amor.

– What raging fire shall flood the soul? (que fogo intenso inundará nossas almas?)

What rich desire unlocks its door? (que precioso desejo sera destrancado?)

What sweet seduction lies before us? (que doce sedução nos aguarda?) – suas mãos deslizaram por meus braços até nossos dedos se entrelaçarem, e Erik beijou minha mão, seu olhar de esmeraldas parecendo desprender faíscas:

Past the point of no return (passado o ponto sem retorno)

The final threshold (a última fronteira)

What worm unspoken secrets will we learn (que cálidos e incontados segredos iremos aprender)

Beyond the point of no return? (além do ponto em que não há mais retorno?)

Dando continuidade à nossa atuação – eu não conseguia crer que realmente cantava com meu amor, diante de toda a nata parisiense! – afastei-me dele com um passo hesitante, fazendo-me acanhada e curiosa ao mesmo tempo, cheia de desejo e receio, vivendo as emoções de Victoire quando elevei minha voz:

You have brought me (você me trouxe aqui)

To that moment when words run dry (para um momento onde não há palavras)

To that moment when speech disappears into silence (para um momento em que as palavras desaparecem em meio ao silêncio)

Silence... – olhei para meu Anjo, tão lindo e majestoso, mais nobre do que qualquer rei ou imperador, e prossegui:

– I have come here (eu vim até aqui)

Hardly knowing the reason why... (Mal compreendendo meus motives)

Im my mind I’ve already (Em minha mente eu já)

Imagined our bodys (Imaginei nossos corpos)

Entwining, defenseless and silent (entrelaçados, indefesos e silenciosos…)

Now I am here with you (agora estou aqui, com você)

No second thoughts (sem outros pensamentos)

I’ve decided (eu já me decidi)

Decided... (decidi) – com um movimento dos ombros, deixei que as alças soltas de meu vestido escorregassem pelos braços, provocante:

– Past the point of no return (passado o ponto sem retorno)

No going back now! (Impossível voltar atrás, agora!)

Our passion play has now (nosso jogo de paixão agora)

At last, begun… (Finalmente começou) – dirigi-me para a escadaria em espiral do lado direito do palco, e comecei a subi-la lentamente, o corte da saia se abrindo e revelando parte de minha perna a cada degrau:

Past all thoughts of right or wrong (passado todo pensamento sobre certo e errado)

One final question: (uma última pergunta)

How long shall we two wait (quanto mais teremos de esperar)

Before we’re one? (antes de nos tornarmos um só?)

When Will the blood begins to race? (Quando o sangue começará a correr?)

The sleeping bud burst into Bloom? (O botão adormecido florescerá?)

When will the flames, at last, consume us? (quando irão as chamas, enfim, nos consumir?)

Erik subira a outra escadaria em espiral, e chegara à passarela que cruzava o palco; com um gesto cheio de elegância, poder e sedução, ele se livrou da capa que trazia no ombro direito e juntou sua voz à minha:

– Past the point of no return! (passado o ponto de volta) – nós caminhamos um para o outro, e o próprio ar à nossa volta parecia vibrar:

The final threshold (a última fronteira)

The bridge is crossed, so stand and watch it burn! (A ponte foi atravessada, então assista-a queimar!) – ele me virou de costas para si, abraçando-me com força, suas mãos deslizando possessiva e sensualmente por minha cintura, subindo para meu colo sem qualquer pudor (isso não estava no roteiro, mas como protestar!). Eu só podia imaginar o choque que tal cena provocava em todas as beatas e dignas senhoras e senhoritas que nos assistiam, e o simples pensamento me fazia rir mentalmente quando cantamos o último verso:

– We’ve passed the point of no return... (cruzamos o ponto a partir do qual não há retorno...)

Com um movimento lento e suave, meu Fantasma virou-me de frente para si, sua fronte tocando a minha quando cantou:

– Say you’ll share with me (diga que partilhará comigo)

One love, one lifetime (um amor, uma vida)

Lead me, save me from my solitude (guie-me, salve-me de minha solidão)

Say you want me with you now, and always (diga que me quer consigo, agora e sempre) – ele afastou nossos rostos e tomou minha face nas mãos:

– Anywhere you go let me go to! (aonde você for, deixe-me ir também!)

My Love, that is all I ask of you! (Meu amor, é tudo o que peço a você!) – e, diante de toda a ópera, de todos os espectadores, nós nos beijamos. Um beijo profundo, apaixonado, caloroso... E enquanto nos beijávamos, as cortinas se fecharam com o fim do segundo ato.

*

– Por Deus, Erik, o que você fez com Piangi?! – perguntei a meu esposo, quando saímos de cena. Ele sorriu misteriosamente e, beijando-me com carinho, respondeu:

– Digamos que ele exagerou na bebida, e está roncando confortavelmente em seu camarim. É incrível o poder que algumas gotas de ópio possuem, não é? – eu ri ao imaginar a cena, mas também por alívio (sim, confesso que o lado assassino de Erik ainda me preocupava um pouco...) – fique tranqüila, minha querida: eu nunca mais matarei ou ferirei as pessoas, a menos que seja o único modo de protegê-la.

Abracei meu Anjo, deliciada ao sentir os braços dele à minha volta, sentindo um calor que não era físico: um aconchego, uma sensação de proteção e amor pleno. Após alguns segundos daquele modo, fitei-o e perguntei:

– Mas por que tomou parte nesta apresentação? O que o fez se expor deste modo, meu amor?

– Era sua estréia numa composição minha, e Don Juan é uma obra, por assim dizer, bastante intensa. Queria que seu parceiro de apresentação estivesse à sua altura, minha querida – e após um segundo de consideração – e tenho de confessar que a idéia de Piangi tocando-a, mesmo que numa encenação, atiçou meus instintos assassinos.

– E acha que vai conseguir lidar com isso nas próximas apresentações, Sr. Fantasma? Essa peça será exibida mais cinco vezes! – provoquei, vendo o sorriso no olhar dele.

– Creio que sim. E, se for mais do que posso agüentar, não terei problemas em ocupar o lugar de nosso amigo em cada uma dessas vezes.

– Ciumento! – acusei, fingindo zanga, mas acabei rindo com Erik.

– Culpado – sussurrou ele, beijando-me outra vez. Ah, eu tinha de concordar com uma coisa: ninguém poderia viver um Don Juan melhor do que meu esposo... Ele sabia despertar em mim sensações que eu jamais admitiria para qualquer outra pessoa, seduzia-me com um mero olhar, fazia com que todo o meu corpo, minha mente e minha alma tremulassem ao seu comando. Eu pertencia a ele!

– Lamento interromper – a voz de Madame Giry nos pegou desprevenidos – Prontos para voltar ao palco? Têm uma apresentação a terminar! – minha preceptora riu-se do constrangimento em nossas expressões – Ah, não se preocupem! Não são o único casal que se esconde para trocar beijos e carícias nos bastidores – eu realmente queria matar Madame naquele momento! – Mas é melhor se prepararem, pois o próximo ato começa em breve.

Minha cor devia estar entre um vermelho intenso e um leve tom de roxo, tamanho o constrangimento que sentia em ter sido flagrada pela senhora; Erik, por sua vez, não parecia minimamente alterado, e seguiu comigo de volta ao palco com extrema naturalidade. Por ora, importava apenas terminar aquela noite triunfal tão bem quanto a havíamos iniciado, e juntos.


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Notas finais do capítulo

E então, meninas? Alguém aí querendo dopar a Christine e ocupar o lugar dela na próxima encenação de Don Juan?