As fantásticas crônicas de Sarah escrita por Helen


Capítulo 6
Crônica 6 - Eyeless Jack e Ablepsifobia


Notas iniciais do capítulo

Sim, estou puxando para o lado de creepypastas. Se possível for, mande uma ideia pra mim. Não algo vago, por favor. Pode ser apenas um nome pra eu pesquisar. Algo bom, também. Se for aquelas histórias que em qualquer esquina tem, eu vou mandar Sarah cortar sua perna.
Só pra você não conseguir correr.



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Sarah assoviava tranquilamente.

O vento, que muitas vezes atrapalha nossos sons, dessa vez estava a favor do assovio dela, o direcionando pelos quatro cantos da floresta.

Duas notas altas, uma mais baixa, e outra que não se sabia se era alta ou baixa. Digamos que ela seja as duas ao mesmo tempo.

Ela sentia coceira na parte de trás das orelhas. Quando as tocava, percebia que cresciam coisas parecidas com barbatanas de peixe. Pensava se aquilo fazia parte de se tornar um demônio.

Quando sua boca se cansou de assoviar, ela parou. Seu corpo ficou rígido, em uma posição ereta. Os olhos sem brilho começaram a examinar cada canto daquela floresta. Viu pássaros, esquilos, entre outros animais, que adoravam o dia. Percebeu como o contraste das cores era perfeito. Como tudo funcionava tão pacificamente.

Um estranho sentimento de culpa invadiu sua alma. Seu lado humano reconhecia que tudo aquilo trabalhava perfeitamente, queria continuar daquela maneira. Seu lado demoníaco queria destruí-lo, pois era para os humanos. E como todas as criaturas sabem, humanos são a pior raça existente, salvo por exceções. Ela havia causado fúria para todos os lados, e era condenada por isso. Alguns conseguiam o perdão divino, outros iam para o inferno direto, sem nem precisar de nada.

Ela começou a perceber tocas de coelhos espalhadas pelos cantos. Sentiu um leve calafrio ao lembrar do homem coelho. Lembrou de sua promessa de que voltaria lá. Mesmo sendo tarde demais, e sabendo que de dia ele estaria escondido embaixo da terra, ela resolveu voltar no túnel.

Não demorou muito (a trilha de coelhos continuava lá, mas agora eles estavam em decomposição) e logo encontrou. O som da corrida do riacho era boa de se ouvir, a não ser que você estivesse procurando um banheiro.

O túnel vazio não dava medo, além do ar sombrio que carregava.

–Coelho? - disse Sarah.

Nenhuma resposta. Ela caminhou lentamente pelo túnel, agora muito bem iluminado pelo dia. Havia vários rastros de algo que parecia ser um coelho. Alguns cadáveres ali, um osso ali, e várias manchas de sangue. Claro que, em sua sanidade, ninguém gostaria de vigiar e guardar aquilo. E Bunny Man tinha suas horas de sanidade, e odiava ver aquele túnel daquela maneira. Por isso, muitas vezes, limpavam aquele lugar com perfeccionismo. Tudo faziam para que nada irritasse o homem coelho a ponto de que ele voltasse para a cidade.

Naquele dia, não haveria limpeza. Mesmo assim, um cheirinho bom de banheiro limpo podia ser sentido com facilidade.

Ela continuou andando pelo túnel. Chegou ao outro lado, e perto dele, um pouco de sangue já seco estava no chão. Um adorável coelhinho tinha sido desenhado ali, juntamente com duas orelhas, feitas de uma poça.

Sarah tocou a cabeça. O ferimento parecia ter sarado. Mas algo ali não estava certo. O sangue das orelhas parecia fresco, como se tivesse enfrentado o homem coelho naquela mesma manhã.

Sentiu uma presença atrás de si, como se alguém a observasse no início do túnel. Mesmo assim, não quis virar para trás. Provavelmente seria seu instinto falho, que ainda estava aprimorando. Porém a presença não saía. Sarah temia que o homem coelho estivesse ali, apenas esperando que ela se virasse.

De qualquer maneira, tinha que enfrentar seu medo para conseguir ser um bom demônio. Mesmo sendo um paradoxo.

Seu olhos se viraram com tanta rapidez que o que estava ali não conseguiu escapar totalmente de sua visão. Era alguém com uma máscara azul, com olhos totalmente escuros.

–Eu vi você. - disse Sarah.

Aquilo não desistia fácil. Estava disposto a continuar com seu sigilo, mesmo que já tivesse sido descoberto.

–Pode aparecer. Eu já vi você. - riu Sarah.

Não. A criatura não iria desistir tão facilmente.

–Jack sem olhos, uh?

Ela ouviu um farfalhar nas árvores. O silêncio invadiu o túnel. Novamente, Sarah olhou para as orelhas de sangue no chão. Ficou encarando-as por um longo tempo, até que desistiu e voltou para a casa.

Arthur estava dentro de um buraco na parede, brincando com o corpo de um rato. Slender estava caçando. Sarah sentiu seu estômago roncar como um porco. Fazia um bom tempo que não comia. Na verdade, ela caçava ratinhos e comia algumas frutas dali. Mas naquela época a floresta se tornava cada vez mais fria, com a ameça do inverno. Temia que os animais da floresta não fossem o suficiente, mesmo que nunca tivesse visto Arthur comendo... apenas... dormindo...

Passos tiraram Sarah de seus pensamentos. Eles eram de uma mulher, que usava um longo vestido preto, juntamente com uma capa da mesma cor. Seu rosto era muito bonito. Os olhos eram da cor da neblina, os cabelos eram escuros como a própria noite. Em suas delicadas mãos, uma foice, que brilhava de tão afiada.

Era a Morte, em sua melhor forma.

Sarah a conhecia. Algumas vezes, quando brincava sobre o que tinha acontecido com as pessoas que amaldiçoava, dizia que a Morte deveria ser muito grata a ela, pois lhe rendeu muitas almas.

–Bom dia, Sarah. - disse ela, sorrindo.

–Bom dia, Morte.

Um adorável corvo se aconchegou no parapeito da janela quebrada. A Morte o pegou com uma das mãos, e o ofereceu a Sarah. Ela o aceitou.

Sarah passou o dia inteiro com o novo bichinho de estimação. "Cavalgava" em cima do Demônio de Jersey, e mostrava ao corvo toda a floresta, ou pelo menos o que conhecia dela. De alguma maneira, o corvo parecia atento a alguma coisa nas árvores, mas logo voltava sua atenção para o que Sarah lhe apontava.

Quando a noite chegou, Sarah voltou com seu corvo para casa. Lá, a Morte servia um simples banquete, que consistia em algo como 'dia de ação de graças'.

–Não seria muito cedo? - perguntou Sarah, colocando o corvo na mesa.

–Como assim, cedo? - riu a Morte. - Estou adiantando para não ter que levar suas almas tão cedo.

Sarah se sentou na mesa, tranquilamente. Dentro de si, uma vontade avassaladora de querer comer tudo rapidamente, mas se conteve.

Quando comeu um pedaço de bolo, começou a ter ânsia de vômito, e o fez fora da casa.

–O que aconteceu? - perguntou Slender.

–O estômago dela está tão pequeno... Só cabe ratos dentro dele. - disse a Morte, preocupada.

–Então não posso comer nada? - disse Sarah, irritada.

–Pode sim. Coma devagar. Quando vier essa ânsia de vômito novamente, tome isso.

A Morte pegou um frasco do cinto quase invisível no vestido preto. Nele, um líquido transparente, que exalava um cheiro bom de amoras.

–Roubei isso do Vida. Ele vai ficar uma fera comigo. - ela riu.

–Como assim? - perguntou Sarah. - Existe um 'Vida'?

–Se eu existo, por que ele não existiria? Agora coma, antes que seu estômago fique do tamanho de uma abelha.

Sarah seguiu as instruções da Morte, e logo conseguia comer o que queria sem se sentir enjoada. Foi uma ótima refeição. Arthur nem Slender tiveram o problema de Sarah o que a deixou intrigada por algum tempo.

A Morte guardou alguns pães-de-seda em uma cesta e disse que aqueles seriam para o outro dia. Logo, sumiu na floresta, deixando os três novamente sozinhos.

Alguns minutos se passaram e Sarah se viu obrigada a dormir.

Deixou o corvo de lado, em uma escrivaninha velha, e dormiu novamente no chão. Ouviu novamente alguns sons de folhagens, mas pensou que fosse um guaxinim. Logo o sono lhe abraçou, tirando dela as preocupações. Mas Sarah se livrou dos braços dele, com um grasnado do corvo. Ele olhava fixamente para uma parte da parede. Sarah se virou e...

Um menino não muito alto estava parado no canto da sala. Ele olhava fixamente para Sarah. Uma máscara azulada cobria completamente o rosto dele, menos os olhos. Na verdade, Sarah não sabia se ele tinha os olhos. No lugar deles, apenas duas órbitas escuras. Sarah sorriu, sem tirar os olhos das órbitas.

–Jack? - a voz ecoou pela sala.

A figura não parecia afetada.

Cego. ♪– riu o corvo.

A criatura se virou rapidamente para o corvo, com um ar indignado.

Cego, cego, não sabe ver um prego.♪– continuou cantando o corvo. O que ele cantava era parte de um trauma vivido pelo rapaz. - Cego, cego, é só um sacrilégio. ♫

Jack não se conteve, e começou a correr em direção ao corvo. Foi interrompido por Sarah, que o segurou pelo braço. Uma faca brilhou na mão dele, e a ponta quase atingiu a barriga de Sarah.

Enquanto Sarah fazia de tudo para se esquivar dos ataques à sua barriga, o corvo continuava cantarolando, cada vez mais feliz.

Sarah conseguiu tirar a faca da mão do rapaz, e ele começou a fugir. Sarah sorriu com aquilo, e começou a correr atrás dele, mesmo sendo uma grande diferença de velocidade. Na escuridão da floresta, a perseguição ficava cada vez mais acirrada. Sarah tinha um desejo de vingança implacável, enquanto Jack simplesmente corria pela sua vida.

O corvo voava sobre eles, grasnando. Seus instintos necrófagos estavam à flor da pele, e ele ansiava pela sua comida.

–Volte aqui, se tem coragem! - ameaçava Sarah.

Jack apenas corria, sem responder.

Arthur surgiu no meio das árvores. Ele estava passeando pela floresta, como sempre fazia depois que tinha um pesadelo. Sarah não precisou ordenar nada. Arthur correu em direção a Jack, e logo os tentáculos negros saíram de suas costas, dando a ele um ar aterrorizador. Seus braços e pernas começaram a esticar, e logo ele parecia uma enorme aranha. Ele pegou Jack com uma das mãos, e em comparação à Arthur, Jack era apenas uma mosca que havia caído na teia.

Arrastou o rapaz sem olhos até Sarah, o colocando de frente para ela, de cabeça para baixo. Sarah segurou o rosto dele, sorrindo maldosamente. Ela encostava a lâmina fria no pescoço dele, fazendo ele ter calafrios. O corvo de Sarah aterrissou no ombro dela, grasnando.

–Diga aos seus mestres que você falhou... Ceguinho ♪- Sarah deu uma risadinha, e o corvo novamente começou a cantarolar.

Sarah começou a sentir que Jack estava sendo amaldiçoado. Logo, ouviu alguns soluços vindo dele.

–Pare com isso. - dizia ele. - Eu não tenho culpa de ter nascido cego!

–Mate-o! Mate-o! Mate-o! - dizia o corvo, pulando no ombro de Sarah. - Quanto mais triste, mais deliciosa a carne fica! Lágrimas são ótimas com sangue!

Sarah ficou receosa. Quando ia cortar o pescoço dele com a faca, Arthur puxou o corpo pra cima.

–Você não vai ouvir esse corvo, vai? - disse Arthur.

–Vou sim. Já fiz isso várias vezes. Por que não faria agora?

–Você os matou sem querer.

–De onde veio essa fraqueza, Arthur? Pra conseguir subir de nível nessa hierarquia, preciso fazer isso.

–Ele está chorando.

–E daí?

–Meu pai podia muito bem ter te matado. Ele não é "seu" monstro pra sempre.

–Vai me comparar a esse cego?

–Ele vai reaparecer, você sabe.

–Por isso mesmo.

Arthur demorou um pouco, mas logo abaixou o corpo de Jack, que já estava voltando à sua insanidade. Sarah afundou a faca no pescoço dele, e o sangue começou a jorrar, pintando a grama de vermelho.

–Primeiro rival: vencido. - disse o corvo.

Sarah se sentia mais forte, e ao mesmo tempo abalada. Nunca havia matado de propósito. Deixou o corpo de Jack sem olhos naquele mesmo lugar, já que era bem longe de casa. Pensou em levar a faca, mas quando ele ressurgisse poderia dar trabalho em arranjar outra. Deixou a faca do lado dele, e logo subiu no ombro de Arthur. Ele voltou à sua forma normal aos poucos, mas continuou com ela nos ombros.

Alguns minutos depois de eles sumirem na floresta, uma figura escura surgiu em meio às árvores, pegando a faca de Jack para si. Logo em seguida, sumiu na escuridão.


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