Respirei fundo antes de começar a falar. Percy abriu a boca e eu levantei uma mão o impedindo.

— Não fale comigo, não quero ouvir você se explicar, eu estou pegando as minhas coisas e voltando para o hotel. Eu só entrei aqui para que Thalia não me enchesse o saco, mas eu não acho que você mereça um segundo da minha atenção.  Quando eu falei que não queria mais te ver, não era brincadeira. Eu vou sentar, ficar quatro minutos ali, vou sair e você vai fingir que tudo foi explicado. Fui clara? Não responda.

Eu sabia que minha voz soou ríspida. Seca. Fria. Sabia também que meus olhos encheram de água enquanto falei, apesar de eu não querer. Me partia o coração o olhar que ele me lançou e eu quase cedi ao impulso de deixa-lo falar. Uma de nossas músicas favoritas começou a tocar e eu o vi dar um chute no aparelho de som que fez a música cessar na hora.

— Annabeth...

— Não Percy. Não. – chequei meu relógio verificando o fim dos quatro minutos. – Eu confiei em você. Eu me apaixonei por você. E você simplesmente não ligou pra isso. Eu não sou a culpada dessa história.

Me levantei, e deixei a mão na maçaneta. Olhei por cima do ombro e olhei pra ele uma última vez. Ele abria a boca e a fechava. Suas feições passavam de tristeza, para culpa e depois a raiva e voltavam ao inicio. Soltei um longo suspiro involuntário.

— Eu gostaria muito que as coisas tivessem sido diferentes.

— Eu também.

Sai do quarto fazendo o maior esforço possível para não olhar para trás, quando entrei no meu quarto, Thalia já me esperava. Ela estava deitada na minha cama mexendo no celular, nem se deu o trabalho de olhar para mim.

— E ai? Já são o casal mais feliz do mundo de novo?

— Acho que não Thals. – murmurei enquanto colocava o restante das minhas coisas em uma mala improvisada.

— Como não?

— Nós... Conversamos. E ai, decidimos que já que eu vou embora depois de amanhã mesmo... Não faz mais sentido continuar. Eu vou voltar para o hotel.

— Como assim?

— Você ainda não fez o check-out, né?

— Não, mas...

— Ótimo. Te vejo lá depois. Já tá tarde... Pede pro Nico te levar depois se você quiser ir pra lá. Boa noite.

Juntei minhas coisas e desci para o carro. Pela primeira vez vi Thalia ficar sem palavras, com uma cara confusa. Acho que eu nunca cheguei a tomar uma grande decisão quando ela estava por perto.

O caminho para o hotel foi longo e tortuoso. A cena da garota beijando os lábios de Percy voltava para a minha cabeça vez após vez. De novo e de novo. Quando cheguei lá, subi ao quarto, joguei minhas coisas no sofá e deitei. Deitei e por muito tempo não dormi, fiquei naquele estado confuso de encarar o teto e tudo passar pela nossa cabeça. Tantas lembranças de um verão inesquecível. Tantas.

Queria não parecer tão patética quanto achava que estava sendo. Nós nos separaríamos mais cedo ou mais tarde, não era?

Quando finalmente caí no sono, sonhei com Percy pegando uma garota pela cintura e a beijando de novo e de novo até eu simplesmente não conseguir mais olhar.

POV Thalia

Annabeth saiu da casa e foi para o hotel?

Como assim?

E todo aquele papo de “ai, vamos aproveitar” ou coisa assim?

Percy deve ter feito alguma coisa muito ruim e agora que faltam sei lá quantos dias – não quero ficar pensando muito nisso – eles não vão aproveitar?

A sorte deles é que eu estou de bom humor hoje, no melhor estilo carpe diem.

Me levantei da cama e fui até o quarto de Percy e bati na porta.

— O que foi? – ele abre e parece magoado, frustrado, sei lá.

— Você vai mesmo ela deixar escapar como o babaca que você é? Se liga, garoto! Aliás, não vá hoje, só amanhã porque se você for agora, ela vai ganhar a discussão, então espera ela se acalmar e amanhã você vai, ok? – ele fica olhando pra minha cara com a boca meio aberta. – Você me ouviu?

— Sim.

— Ok. – me viro para ir, mas volto. – Aproveita viu? Amanhã é nosso último dia aqui e eu, realmente, não quero que a Annie sofra mais. – ele concorda com a cabeça.

Sei que ele vai fazer a coisa certa.

***

As pessoas acham que em encontros é quase obrigatório usar vestidos, mas eu não trouxe nenhum vestido – até porque os que eu tenho eu odeio porque quem comprou foi a Hera – e o vestido que tenho peguei da Annabeth e já usei e Nico já me viu com esse vestido, então fora de cogitação.

Meu Deus, eu realmente pensei isso?

Então, peguei uma regata preta, um casaco preto com algumas lantejoulas – não fui eu que comprei e sim Hera, mas as lantejoulas são bem discretas e eu aceitei, se eu não aceitasse meu pai ia me dar um sermão de duas horas sobre “tente aceitar a Hera do jeito que ela é e não sei mais o que lá” – uma calça e uma bota. Sim, eu trouxe botas pra praia.

E tá bom demais.

Desço as escadas e Nico está parado ao lado do sofá checando as horas no celular. Ele me  percebe e dá um sorrisinho, e sim, eu retribuí.

Ai, o que posso fazer?

Eu só quero aproveitar os últimos instantes do meu Paraíso de Verão.

POV Annie

Quando acordei na manhã seguinte Thalia não estava em lugar nenhum, acho que ela acabou ficando por lá. Talvez Nico a tenha obrigado. Não os culpo, eu também ficaria. Eu já não sentia raiva de Percy. Queria ter ouvido o que ele tinha a dizer.

Não puder negar o vazio que senti. Era vergonhoso.

Comecei a arrumar as minhas malas. Amanhã seria o último dia na praia e eu não ia perde-lo arrumando malas. Talvez eu saísse com Thalia. É.

Percebi que eu havia trazido um número bem considerável de coisas e comprado um número ainda mais considerável de outras coisas. Por ter acordado tarde, quando empacotei tudo já era quase meio dia.

Pedi almoço no quarto e aguardei paciente a minha comida chegar. Não havia olhado meu celular nenhuma vez e nem estava com vontade de fazer isso tão cedo.

A comida era saborosa mas não existia muita graça em comer sozinha. No fim, mal toquei no almoço, mas comi alguns morangos que vieram na salada de frutas.

Coloquei um vestido e biquíni e desci até o saguão. Avisei ao porteiro que caso Thalia aparecesse eu estava na praia.

A lanchonete da Mina não era muito longe dali então fui andando, encarando as calçadas que em breve eu não veria mais.

Quando cheguei lá pedi uma vitamina, não queria parecer uma ovelha negra e estragar o ambiente todo. Era só mais um cara.

Assim que peguei e levantei dei de cara com uma mesa onde a garota estava. Não pude evitar ouvir os murmurinhos quando passei. Frases de espanto “Você ficou mesmo com o Jackson?”, “Eu não acredito!”, “Queria ter sido eu!”.

Me senti atrasar um pouco meus passos. Queria ouvir. Talvez assim eu aceitasse mais rápido.

— Não foi tão fácil assim, se querem saber. – então ela falou um pouco mais baixo – Ele me deu três foras, acredita? Em mim! Então eu fiz o que tinha que fazer. Com certeza não perderia pra vocês. Eu falei que ia conseguir antes de...

Sai dalí. Não queria mais ouvir nada. Não queria saber de mais nada. Sentei na areia, na beira mar. A água vinha calma até os meus pés e voltava. Ela estava tão boa que tive que resistir ao impulso de me jogar. Me sentia tão calma ali. Era tudo tão... Leve.

Meu celular vibrou e decidi olhar. Havia recebido uma mensagem da Thalia que dizia apenas “Me agradeça mais tarde”.

Eu não entendi o que aquilo significava, também não quis ler as outras mensagens, nem ver de quem eram as ligações. Fiquei pensando no que a garota disse. Percy não quiseram mesmo beijá-la? Eu havia sido uma idiota?

Deitei na areia e olhei o céu. Ia chover em breve, e não reclamei. Me sentia chovendo por dentro também.

Acho que em algum momento da minha reflexão eu dormi, porque quando um braço chocou-se contra o meu na areia eu tive um sobressalto. Abri meus olhos um pouco devagar e vi Percy deitado com um braço atrás da cabeça.

Abri a boca para falar, mas ele me interrompeu.

— Eu sabia que você estaria aqui. E antes de qualquer coisa, foi a Thalia que me obrigou. Ela veio com um papo de “você vai mesmo deixar ela escapar como o babaca que você é?”. Achei bem convincente.

Sentei na areia sendo seguida por ele.

— Percy eu não...

— Annie. Espera. Me desculpe. Eu juro que não beijei aquela garota. Juro. Ela só apareceu, eu tentei dispensar ela, mas ela não entendia... Eu devia ter saído antes, mas fui idiota. Não posso mudar o que eu fiz, mas posso tentar concertar os danos. Eu não sei o que fazer para você acreditar em mim. Estou... Desesperado. E ainda por cima...

— Ei. Calma. Eu acredito em você.

— Acredita?

— É. Acho que sim. – pensei na garota conversando com as amigas na mesa. – Mas não sei se... Estou pronta para voltar.

Ele pegou minha mão.

— O que eu preciso fazer?

— Eu não...

Não pude completar minha frase, porque naquela hora uma chuva sem igual caiu sobre nós. As gotas doíam ao chegar ao corpo.

Percy me puxou pela mão e corremos até a segurança dos toldos da lanchonete.

Quando paramos, o encarei, vendo a água escorrer dele, com o cabelo grudado na testa, simplesmente encharcado e me dei conta de que não devia estar muito diferente.

Não sei se foi pelo nervoso, ou alívio, mas comecei a rir, seguida por Percy. Eu me sentia leve, me sentia livre. Me sentia ótima.

Percy me abraçou e levantou do chão. Queria ficar naquele abraço por tanto tempo quanto pudesse. Mesmo com tremendo de frio e molhada até os ossos.

Quando ele me colocou no chão e afastou uma mecha do meu cabelo, percebi que ia me beijar.

— Espera. – respondi, colocando uma mão no peito dele.

— O que foi?

Ele parecia meio perdido, com aqueles olhos verdes encarando os meus.

Sorri como se fosse aprontar alguma coisa.

— Eu quero ser um pouco clichê hoje.

O puxei pela mão até estarmos de volta na chuva e o beijei. Finalmente entendi porque beijos na chuva são tão famosos. Eles são mágicos.