Contos de Halloween escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 6
O espelho - parte final




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No início era só um filete, que foi se tornando maior até parecer com uma torneira aberta no máximo.

Cascão tentou inclinar o espelho de várias formas para fazer aquilo parar e o vazamento só piorava. Em pouco tempo, o espelho inteiro jorrava água, inundando os túneis do esgoto. Cascão tentou fugir dali e não conseguiu encontrar a saída. Tudo estava sendo inundado e era só questão de tempo até ele morrer afogado. A água estava aproximando do teto e ele tentava desesperadamente respirar os últimos bolsões de ar que tinham sobrado. A água atingiu seu pescoço, queixo, nariz e ele levantou a cabeça ao máximo. Por fim, tudo ficou inundado. Estava muito escuro e ele não sabia para que direção nadar. Seus pulmões queimavam pedindo uma nova remessa de ar e ele se debatia freneticamente tentando encontrar uma saída.

– Ah, não! Ele também foi pego! Tudo culpa minha! – Magali chorou ao ver o amigo se debatendo. Não era preciso ser um gênio para saber que seus piores medos envolviam morrer afogado num grande volume de água.

– Calma, não foi culpa sua! Pindarolas, eu tenho que pensar em alguma coisa! Vamos, funciona porcaria, funciona! – ele bradou dando vários coques na própria cabeça tentando bolar um plano.

Magali voltou a examinar o espelho a procura de uma resposta e não encontrou nada. Sua única esperança era a tal entidade falar novamente, o que não aconteceu. Eles estavam sozinhos naquele pesadelo. Então uma idéia lhe ocorreu. Talvez a única forma de derrotar aquele espelho fosse vencendo seus medos. Se alguém conseguisse fazer isso, então ele seria quebrado!

“Só pode ser isso, não tem outra alternativa!” ela pensou consigo mesma e tomou uma decisão. Cabia a ela correr o risco. Se tudo desse errado, eles ainda teriam o Cebola para cuidar das coisas. Já ela não ia ter condições para cuidar de todo mundo. Então, sem falar nada, ela se colocou na frente do espelho antes que Cebola pudesse lhe impedir.

– Eu tenho que vencer meus medos, eu tenho! Eu vou conseguir! – Ela repetiu para si mesma se preparando para enfrentar seus piores medos. Certamente algo relacionado a comida. Bem... durante muitos anos ela tinha lutado contra seu ID e conseguiu vencer. Então com relação a comida, tudo estava sob controle. Tirando isso, qual outro medo ela poderia ter?

Aos poucos, seu reflexo no espelho foi mudando. Tudo ficou enfumaçado e depois ela pode ver a si mesma usando aquela fantasia que tinha usado na festa de Halloween da escola. Aquilo deveria ser assustador?

Mas havia algo de errado com ela, especialmente seus olhos. Eles tinham adquirido uma cor estranha, muito clara e sobrenatural. Seus cabelos estavam soltos e ela exibia um sorriso perverso. Mas não era ela. Era outra pessoa!

– Eu estou livre! Finalmente esse corpo é meu! Agora eu tenho o poder! – Seu reflexo gritou e ela reconheceu a voz da Penha.

– Não, você não tomou meu corpo! Eu estou bem aqui! Você é só um reflexo!

– Acha mesmo, querrida? – o reflexo falou com um sotaque irritante em francês. - Então olhe de novo!

Seus braços projetaram para fora do espelho, agarrando Magali pela gola da camisa e puxando-a para dentro do espelho. A moça tentou se desvencilhar daquele aperto forte e tudo ficou escuro por um instante. Quando pode enxergar novamente, ela viu que estava em uma sala totalmente escura, exceto por uma abertura oval. Do outro lado, seu reflexo ria cruelmente. Ela também pode ver seus amigos do outro lado, o esgoto e os papéis espalhados no chão.

Não, aquele não era mais o seu reflexo. Agora ela era o reflexo.

– O que achou, cherry? Agorra eu tenho seu corpo e posso fazer tudo o que eu quiser porque tenho poder! Eu me vingarrei de todos os seus amigos, acabarrei com eles um por um! A Mônica serrá a primeira!

Magali gritava a plenos pulmões, dando socos no espelho para atravessá-lo. Foi em vão. Aquilo parecia ser vidro, mas era duro como pedra. Penha estava em seu corpo e tinha seu poder, um poder que ela julgava não ter mais. Como podia ser possível? Bem, a verdade estava bem diante dos seus olhos. aquela criatura psicopata ia acabar com todos a quem ela amava e nada podia ser feito para impedir. E tudo ia ser feito usando seu corpo.

Cebola olhava apavorado para Magali que chorava e socava o ar desesperadamente. Ela também tinha sido pega pelo espelho. Que droga! O que podia ser feito? Ele sentiu muito medo. Seus amigos foram pegos pelo espelho e ele não podia fazer nada. Se nem a Mônica foi capaz de vencer seus piores medos, o que ele, um fracassado que não pode derrotá-la, podia fazer?

Por outro lado, ele não podia deixar todo mundo ali daquele jeito, especialmente a Mônica. Mesmo que ela quisesse ficar com aquele cretino, ele queria protegê-la e cuidar dela. Deixá-la desamparada não era opção.

O rapaz andou de um lado para outro tentando pensar em uma resposta. Não demorou muito e ele deduziu que para quebrar o espelho era preciso vencer seus medos. Magali deve ter pensado nisso primeiro e acabou sendo pega. Agora era sua vez de tentar, embora isso lhe enchesse de pavor. Não pelos medos em si, mas pelo risco de falhar e deixar todos desprotegidos, enfrentando seus piores medos pelo resto das suas vidas. Ele não queria falhar com ninguém, principalmente com a Mônica. Afinal, ele tinha falhado com ela tantas vezes!

Mas ficar ali lamentando não ia trazer ninguém de volta. Era preciso correr o risco, manter a cabeça fria e fazer de tudo para vencer seus medos. Afinal, depois de ter passado por tanta coisa, o que mais podia acontecer?

– O que mais pode acontecer? Espera... é isso! – tudo ficou claro de repente e sentindo-se mais confiante, ele se colocou na frente do espelho e encarou o reflexo corajosamente.

Cebola se olhou nos olhos e pensou em tudo o que tinha acontecido nas últimas semanas. Ele perdeu a Mônica, disse coisas horríveis e a decepcionou. Agora ela estava namorando o DC e nem pensava em voltar para ele.

Durante toda sua vida, ele tentou derrotá-la e nunca conseguiu. Então suas chances acabaram e ele não podia mais fazer nada. Todos os seus esforços para reatar com ela foram infrutíferos. Ninguém o ajudava e ela não queria sequer falar com ele. Não queria nem mesmo ouvi-lo.

Pior era a sensação de que tinha falhado com ela, lhe decepcionado. Por muito tempo, ela esperou que ele a derrotasse, que fizesse algo para que eles ficassem juntos e nada foi feito. Ele falhou com ela. Não podia haver nada pior do que essa sensação de derrota, de ter fracassado justamente com a pessoa que mais amava.

– O que mais pode acontecer? – ele perguntou novamente e ouviu um estalo forte. Uma grande rachadura se formou no espelho de cima abaixo e ele se partiu em vários pedaços. O espelho foi quebrado.

Uma fumaça esbranquiçada saiu dos cacos caídos no chão até formar na frente dele a forma de um homem forte e musculoso, vestido como um guerreiro embora ele não fosse capaz de dizer a qual cultura aquela roupa pertencia.

– Você me libertou. – o homem falou com a voz grossa. – Sou eternamente grato.

– Quem é você? – o rapaz perguntou muito intrigado.

– Um guerreiro de uma tribo que se perdeu no tempo. Eu era o mais valente de todos, não tinha medo de nada.

– Legal!

A entidade deu um sorriso amargo.

– Mas eu era muito arrogante e pretensioso. Não tinha respeito por ninguém, nem mesmo pelos espíritos que povoavam nossas florestas. Todo guerreiro tinha que prestar reverência a esses espíritos antes de começar uma batalha ou caçar. Mas eu não fiz isso, eu os desrespeitei.

O rapaz ouvia tudo atentamente, já imaginando qual era o fim da história.

– Eles criaram esse espelho e me prenderam aqui, me condenando a passar toda a eternidade sendo aterrorizado com os medos de qualquer um que olhasse esse espelho. O meu maior medo era o próprio medo, então tive que viver com os medos das pessoas durante milênios.

– Sinistro. Bom, agora você tá livre, pode seguir sua vida e tal, mas e os meus amigos?

O guerreiro olhou para eles e todos se acalmaram, parecendo estar em sono profundo.

– Eles ficarão bem. Quebrando o espelho, você os libertou. Você é um rapaz sem medo!

Cebola balançou a cabeça negativamente.

– Você tá errado. Eu tenho medo sim. E ainda vou ter muitos nessa vida.

O espírito não entendeu.

– Então como você derrotou o espelho?

– Porque meus piores medos já se tornaram realidade, é isso. Tudo aquilo que eu temia, já aconteceu. Então não sobrou mais nada pra esse espelho absorver e usar contra mim. Aí ele se quebrou.

– Acho que preciso aprender algumas coisas sobre o medo. – o espírito falou para si mesmo. – Agora eu vou embora. Muito obrigado por tudo e adeus.

A entidade desapareceu dali, deixando o rapaz sozinho com seus amigos desacordados.

Ele pegou a Mônica no colo, embalando-a docemente para acordá-la, o que não demorou muito.

– Ai... o que aconteceu?

– Tá tudo bem, Mô. O espelho foi quebrado e vocês estão livres.

Ela o olhou impressionada.

– Você quebrou o espelho? Como?

– Deixa isso pra lá, agora tá todo mundo livre e podemos sair daqui.

Os outros foram acordando pouco a pouco e DC quase foi para cima do Cebola ao vê-lo segurando sua namorada. Cascão espreguiçou-se longamente e Magali estava muito aliviada, embora surpresa ao descobrir que tinha um medo que até então desconhecia.

– Ah, fala sério! Ele fugiu de novo! – Cascão reclamou ao ver que o Capitão Feio tinha desaparecido dali. Bem... ele sempre fugia.

Eles pegaram o espelho e levaram de volta para o museu. Apesar de feliz por ter a relíquia de volta, Franja ralhou várias vezes com eles por terem quebrado o espelho e só parou quando Mônica ameaçou lhe dar umas coelhadas. Quem aquele folgado pensava que era?

Tudo terminado, cada um foi embora tomando seu rumo. Ao ver Mônica indo de mãos dadas com DC, Cebola não sentiu mais tristeza ou mágoa. Sentiu esperança. Era depois da hora mais escura da noite que o céu começava a clarear.

Todos os seus medos se realizaram e ele não tinha mais o que temer. Então dali para frente as coisas iam melhorar e ele acreditava nisso. Não havia mais nada a temer a não ser o próprio medo.


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