Sobreviver escrita por Nadii


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo também já tinha sido postado, está aí novamente.
Beijos ;)



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– Nunca pensei que fosse dizer isso, mas você sente falta dele não é, docinho? – pergunta Haymitch.

– O quê? Quem? - não compreendi, ou não queria entender, de quem ele estava falando.

– O garoto. Por isso está assim: não vive. Sente saudade de Peeta. – diz.

– Você bebeu muito hoje, não foi, docinho? – uso da ironia pra rebater. Ele sabia como me irritar.

– Nem mesmo uma única gota até agora. Embora eu não ache uma má ideia fazer isso agora. Tenho umas garrafas me esperando. Se precisar de alguma coisa sabe onde me achar – e sai da minha casa batendo a porta.

Por mais que eu tenha sido irônica, me pego pensando nas palavras de Haymitch. “Eu sinto falta dele?”, fico me perguntando. Isso me deixa confusa, muito confusa. “Como assim?”, minha mente grita.

Começo a lembrar do nosso tempo juntos. A Colheita. Ele se declarando pra mim diante de toda Panem. A raiva que senti, porque me achariam fraca. Nossa aliança na primeira arena. Como ele estava frágil e indefeso na caverna. A caverna! Onde dei meu primeiro beijo, onde senti aquela fome diferente pela primeira vez também. A Turnê da Vitória, quando ele me acalmava dos meus pesadelos e ali, deitada em seu peito, ouvindo seu coração bater, é que eu me sentia verdadeiramente segura, como em nenhum outro lugar estive. O Massacre Quaternário, meu desespero quando pensei que ele tivesse morrido ao bater naquele campo de força. A felicidade e o alívio que senti ao ver que ele estava vivo e encontrar aquele mar azul que são seus olhos. O meu oceano particular. A fome que me abateu, pela segunda vez, ao beijá-lo quando disse que ninguém precisava dele. Eu precisava. A dor que senti ao saber que ele era prisioneiro na Capital. Mas o que realmente me quebrou, o que me destruiu, foi ver que tiraram suas lembranças sobre mim. Ele foi telessequestrado, teve sua mente roubada e o transformaram em uma máquina programada pra me matar a qualquer momento. O meu garoto do pão. Que salvou minha vida aos onze anos, não apenas por jogar pra mim, no meio da chuva, uns pães queimados, mas porque naquele dia eu entendi que poderia sobreviver. Eu sabia caçar. Eu podia caçar. E de alguma forma Peeta me mostrou isso.

Então me dou conta que eu ainda preciso de Peeta. Tenho saudade dele, sim. Saudade dos seus carinhos, seus abraços, seus beijos. Saudade de me sentir protegida perto dele. Não posso querer ele aqui. Ele me esqueceu e é melhor assim. Essa realidade me assusta. “Não, não é certo...”, me desespero com essa conclusão.

Pulo do sofá. Subo as escadas e corro para o meu quarto. Preciso de um banho, quem sabe isso ajude. Tiro as roupas com tamanha rapidez e jogo em qualquer canto. Talvez a água quente me livre desses pensamentos. Preciso esquecer-me dele também. Não posso me dar a esse luxo, não mais.

A água morna batendo em meu corpo me faz estremecer. Cada célula do meu corpo reage a essa sensação. Minha pele ainda está bastante vermelha por conta dos enxertos devido às queimaduras que tive naquele maldito dia. Lavo meus cabelos calmamente, apenas com o xampu. Passo a esponja macia por todo o corpo. Não sei dizer ao certo quando fora meu último banho, mas deixei que aquele sabonete com cheiro de morango fizesse seu trabalho, tirasse toda a sujeira do meu corpo. Pena que não é possível lavar a alma também. Por alguns minutos me permito não pensar em nada. Nem guerra, nem Snow, nem minha mãe, nem mesmo Peeta. Apenas relaxo e esqueço tudo, sentindo a tensão ser levada, junto a espuma, com a água pelo ralo.

Saio do banho, me enrolo na toalha e paro em frente ao espelho observando minhas costas, ela realmente parece uma colcha de retalhos. Analiso minhas cicatrizes, são tantas. Braços, pernas, barriga, rosto. Lembro-me dos cremes que Dr. Aurelius mandou da Capital, mas que em nenhum momento fiz questão de usar. Essas marcas lembram quem eu sou e o que fiz. Servem pra lembrar-me, dia após dia, das minhas dores. Mas as piores cicatrizes ninguém pode ver, eu apenas as sinto em cada segundo da minha vida.

Vou até a gaveta da penteadeira, pegar uma roupa limpa. Então encontro a pérola. A minha pérola. Aquela que Peeta me deu na segunda arena. Pego ela e dou um leve sorriso pelas lembranças que traz. São memórias bonitas, talvez as poucas que eu ainda tenha. Seguro ela na ponta dos dedos e a levo até a boca. Fecho os olhos. É como se estivesse beijando ele. Guardo-a na gaveta. Visto uma calça de moletom folgada e uma blusa qualquer, que olhando melhor está muito mais solta, penso que devo ter emagrecido bastante. Effie ficaria louca se visse como estou agora, mas trato de dispensar esses pensamentos. Por fim, deixo o quarto mais tranquila.

Desço as escadas e não encontro mais a Greasy, deve ter ido embora. Provavelmente está triste pela situação da manhã, mas não vou me preocupar com isso. Quero aproveitar que não estou sentindo nada – nem dor, tristeza, raiva, ou mesmo alegria. Entro na cozinha, vasculho a geladeira em busca de algo, quando acho, esquento um pouco de comida e como. Não que eu estivesse com fome, mas não comi ontem, então alguma coisa tem que entrar hoje. Depois volto ao meu lugar de sempre: o sofá.

Os dias seguintes se passam exatamente assim: eu sentada naquele enorme sofá, perdida em meus pensamentos e extremamente calada. Pois é, desde aquela manhã em que discuti com Greasy Sae e depois das poucas palavras que troquei com Haymitch, não falei mais. Algumas vezes ouvi batidas na porta, mas eu não queria falar com ninguém, então simplesmente fingia estar dormindo. Greasy atende e explica alguma coisa que não fiz questão de saber e a pessoa vai embora. Nesse tempo, as únicas conversas que tenho são comigo mesma e com Buttercup. Definitivamente estou fazendo jus à fama de mentalmente desorientada.

“O que o Doutor Aurelius diria se me visse nesse estado?”– às vezes eu me pergunto.

Provavelmente ele diria que deveria tomar aquele monte de pílulas que chegam todos os meses e que isso me faria bem. Mas aí está a questão: eu não quero melhorar. Minha sanidade se esvai lentamente e espero o dia em que eu enlouqueça de vez. É tudo o que me resta. Muitas vezes falo sozinha ou com o velho gato. É, aquela bola de pelos amarelo escuro agora é meu hospede. Mas ele não é tão arisco quanto eu. Ele sai durante o dia, não faço a mínima ideia de onde vai, mas sempre volta no final da tarde ou quando a fome aparece.

Os pesadelos vêm me assombrar todas as noites, me lembrando de todos os rostos das pessoas que eu matei. Posso não ter disparado as armas, mas indiretamente a culpa foi minha. E eu não tento os afastar, porque se esse é o preço que tenho que pagar, que assim seja. Mas isso não me impede de ter medo. Evito ao máximo dormir. Não quero lembrar, quero esquecer.

Você não vai se livrar de nós!”, eles dizem. As vezes não vejo as faces, são vozes perdidas, vindo de todos os lados e de lado nenhum, sussurros, gritos, acusações. “Você, Garota em Chamas. Você deveria estar aqui.”, não há saída. Estou encurralada. A escuridão me domina, me aperta, me sufoca. Acordo sem fôlego. Sozinha.

Semanas vem e vão. Minha rotina não muda. Dormir, ter pesadelos, acordar gritando e chorando. As vezes tomar banho. Comer o suficiente pra não morrer de fome, o que eu acho que não vai demorar muito pra acontecer. Olhar a casa da frente e me lamentar por ainda estar viva.

– Você não pode ficar o resto da vida sem falar. Tem que sair desse lugar. Ainda tem uma vida pra viver, garota! - Haymitch estava visivelmente irritado. Há dias ele tenta puxar assunto comigo, mas eu simplesmente ignoro.

– Sinceramente, não sei mais o que fazer com você! - ele esbravejou, vendo que não teve resposta da minha parte.

Não faça nada. Apenas me deixe morrer em paz”, eu pensei. Não, eu não iria responder. Não queria iniciar uma discussão, então continuei calada.




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